Primeiro aniversário de resistir.info
por Jorge Figueiredo
"A forma inteligente de manter as pessoas passivas e obedientes é
limitar estritamente o espectro da opinião aceitável, mas
estimular muito intensamente o debate dentro daquele espectro... Isto
dá às pessoas a sensação de que o livre pensamento
está pujante, e ao mesmo tempo os pressupostos do sistema são
reforçados através desses limites impostos à amplitude do
debate".
Noam Chomsky
Hoje, 20 de Abril, é o
primeiro aniversário de
resistir.info
. Neste período, entre Abril de 2002 e Abril de 2003, o número
mensal de visitantes cresceu de forma sustentada e alcança agora
cerca de 18 mil por mês (ver gráfico 1). O número
acumulado de visitantes nesse mesmo período chegou a quase 80 mil (ver
gráfico
2), dos quais 45% são do Brasil e 39% de Portugal. Considerando que a
população portuguesa
on line
será de uns 5 milhões e que a população
on line
brasileira será de uns 15 a 20 milhões, é
compreensível que o número de visitantes do país
irmão ultrapasse ligeiramente o número de visitantes de Portugal.
Isso não nos preocupa e até nos satisfaz pois
resistir.info
é, acima de tudo, internacionalista.
Um aniversário costuma
ser uma boa ocasião para recordar certos factos históricos. Para
recordar, nomeadamente, o desgraçado panorama dos media hoje existentes
em Portugal. Recordar factos que são evidentes para nós mas que
ainda não o são para toda a gente, factos esses que explicam o
porque do
resistir.info
. Façamos um
flash-back
para entender certas coisas.
Até à
véspera da Revolução de 25 de Abril de 1974 os jornais
portugueses eram obrigados a publicar, na primeira página, uma pequena
"caixa" que dizia simplesmente:
"Este número foi visado pela censura"
(sic). O fascismo português reconhecia assim, sem rodeios, que os
medias eram censurados. O regime não tentava mascarar-se e
ninguém era enganado. Havia até uma certa frontalidade nessa
atitude.
Como ninguém era
enganado, recorriam-se a todos os meios para fugir à censura. Assim, os
jornalistas mais progressistas aprendiam a escrever nas entrelinhas, de forma
mais ou menos subtil. E os leitores mais conscientes a decifrar essas mesmas
entrelinhas. Por outro lado, havia umas poucas válvulas de escape.
Publicações mais corajosas que tentavam esticar até ao
limite do possível a tolerância da censura. Pequenas, modestas e
combativas publicações como o "Notícias da
Amadora", "Jornal do Fundão", "Correio do
Funchal", "A República", "Vértice",
"Seara Nova", etc entraram para a história do jornalismo
português pelo simples facto de terem resistido e combatido o fascismo.
Jornais de antifascistas portugueses no estrangeiro, como o "Portugal
Democrático" editado em São Paulo, também entravam no
país de várias maneiras. Mas também havia
publicações internas livres: as clandestinas. As do PCP, como o
"Avante!", "O Militante", "O Corticeiro", "O
Marinheiro Vermelho", "O Camponês", "A
Terra", feitas por gente heróica e correndo riscos
enormes, desempenharam um papel fundamental na resistência ao fascismo.
Por que recordar tais factos
históricos? Porque hoje, quase três décadas após a
Revolução dos Cravos, pode-se afirmar que a
situação existente sob certos aspectos é pior do que a
anterior. Verifica-se,
como matéria de facto, que a censura hoje em Portugal é muito
mais feroz e totalitária do que antes do 25 de Abril. A hegemonia
ideológica da reacção domina praticamente todos os media
portugueses. Diários, semanários, mensários, TVs,
rádios, etc estão todos sob o controle absoluto do capital
monopolista, ou seja, dos Belmiros, coronéis da Lusomundo,
Balsemões e quejandos.
A qualidade do produto
jornalístico que estes senhores fabricam é abaixo de
lastimável. Isto se explica: a burguesia portuguesa (quantitativamente
pequena) não precisa realmente de jornais locais pois informa-se
através de publicações estrangeiras. Em
consequência, a função que atribui aos media portugueses
é apenas a de instrumento de controle social (tal como a polícia,
os tribunais, etc). Avilta-se assim a própria profissão de
jornalista, destinados apenas a "entreter o pagode" e não a
informar com seriedade e veracidade daquilo que é realmente importante.
É assim que a
função de desinformar torna-se mais importante do que a de
informar. Basta ver um noticiário qualquer da TV portuguesa para
verificar como a mediocridade, a incultura, a burrice, a mesquinhez, o mau
português, a visão curta, a alienação predominam
sobre qualquer veleidade de pensamento crítico e lúcido acerca
das realidades actuais. Os melhores jornalistas foram saneados da TV e os que
ainda lá resistem têm de enfrentar um ambiente hostil. Quanto aos
medias escritos, alguns hoje mais parecem um cano de esgoto com o repisar
constante de historietas sobre pedofilia, escândalos e pequena
politiquice. Nada se vê ao nível das ideias ou de
informação lúcida que leve à compreensão da
realidade de hoje em Portugal e no mundo.
Este panorama tétrico da
comunicação social portuguesa é ainda mais agravado pela
inconsciência das suas vítimas. Os destinatários deste
produto impingido diariamente e de forma maciça, como autêntica
lavagem cerebral, não têm a percepção de que
são desinformados e portanto estão indefesos. No caso particular
de Portugal, estão ainda mais indefesos do que os de outros
países europeus: na Grã-Bretanha, França ou Alemanha, por
exemplo, ainda há algumas publicações sérias e
jornalistas críticos do sistema encontram espaço. Em Portugal,
hoje, não há nenhuma.
Tal situação tem
consequências ao nível político e ideológico. A
"cabeça" das pessoas é feita pela enxurrada de
desinformação que lhes é despejada. Tal
desinformação é tomada como informação e as
pessoas agem consequentemente. Ninguém está livre ou imune a
esta pressão ideológica brutal e totalitária (nem mesmo
militantes de partidos que se afirmam marxistas e leninistas). Assim, ao
nível político as pessoas, em todas as classes sociais, tendem a
comportar-se e a restringir-se àquilo que Chomsky denomina de "o
espectro de opinião aceitável" o que é
extremamente limitante para a democracia. Aquilo que é o "espectro
aceitável" para o capital monopolista e o imperialismo não o
é para o povo português.
Nada do que acima se disse deve
levar à ideia de uma conspiração para dominar e controlar
os media portugueses. Não se trata de uma conspiração.
No capitalismo, este é de certa forma o curso natural das coisas. Basta
ler, por exemplo, "A fabricação do consentimento"
[*]
,
do Chomsky, para verificar que o sistema conduz a isto. Quem quiser
"fazer carreira" neste tipo de jornalismo não pode ter muitas
veleidades de independência. O sistema de financiamento, com base
sobretudo na publicidade, só dá prémios aos conformistas.
E gosta, em especial, dessas figurinhas que pontificam no jornalismo luso com
uma aparência de espírito crítico mas cuidadosamente dentro
dos limites estabelecidos.
O que fazer? De um modo geral,
não sabemos. A máquina mundial de desinformação
é monstruosa. Não é nada fácil combate-la,
sobretudo sem meios de financiamento. Multiplicar meios alternativos de
informação e esclarecimento parece-nos ser o mais factível
neste momento. Nesse sentido, a Internet é um dos poucos, senão
o único, meio ainda acessível. Foi o que tentámos fazer
ao lançar
resistir.info
há um ano atrás. Como dizia Martin Luther King, "Chegou o
tempo em que o silêncio é traição. Este tempo
é agora".
___________
[*]
Manufacturing Consent -- The Political Economy of the Mass Media, Edward S.
Herman e Noam Chomsky, Pantheon Books, New York, 1988, 412 pgs.
Para ver a 1ª edição do resistir.info, de 20 de Abril de
2002,
clique aqui
.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
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