1 - Voltando à crítica da economia política
As cedências da social-democracia ao grande capital criaram um ambiente degradado de democracia política em que o vírus da extrema direita prolifera. Mas onde está "a crítica da economia política" – subtítulo da obra central de Marx? Apenas no âmago da resistência, como nos mostraram os mestres e heroicos lutadores do passado. Por isso uma alternativa impõe-se, partindo da crítica da economia política atual.
Nos grandes media as discussões sobre o OE parecem jogos florais, sob o mote de que "não há alternativa" – a famigerada TINA da sra. Thatcher – ao sistema atual. Liberalismo, neoliberalismo, democracia liberal, economia neoclássica, são basicamente nomes que na atualidade se referem ao sistema económico e social vigente no ocidente, significando simplesmente a religião do lucro privado, não um lucro qualquer, mas o lucro monopolista que a própria concorrência nos mercados liberais ajuda a consolidar.
Na economia clássica o grande capital assumia o controlo da finança colocando-a ao serviço do seu poder industrial e serviços. Na neoclássica, o grande capital coloca a indústria e serviços ao serviço da finança, que continua a controlar. Com o eufemismo de "democracia liberal" da direita à social-democracia, incluindo partidos ditos socialistas, trabalhistas, "livres", etc, todos vão alinhando no esquema tentando quando muito minorar alguns efeitos nas camadas trabalhadoras. Porém, como o sentido do progresso ficou subordinado ao lucro privado, caso contrário, dizem, não é eficiente, isto é, não gera suficiente taxa de lucro, seja educação, estrutura produtiva, saúde, tudo deve ser privatizado.
A eficiência liberal, limita-se ao dinheiro ser adorado como um deus, tendo o mundo que funcionar segundo os interesses duma oligarquia em que os 20 mais ricos detêm mais de 3 milhões de milhões de dólares, em que 1% da população detém cerca de 50% da riqueza mundial e os 50% mais pobres, 1% dessa riqueza.
A OXFAM emitiu o documento Do lucro privado ao poder público, financiar o desenvolvimento, não a oligarquia, onde expõe que a riqueza do 1% mais rico aumentou em termos reais 33,9 milhões de milhões de dólares, desde 2015. A estratégia de priorizar investidores privados, beneficiou os mais ricos: a riqueza de três mil multimilionários é equivalente a 14,6% do PIB mundial, maior do que os 95% mais pobres. Embora não tenha sido capaz de erradicar a pobreza, o mundo conseguiu gerar 1202 novos multimilionários, enquanto 3,7 mil milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza, com 8,30 dólares por dia, de acordo com dados do Banco Mundial.
Em The State of Food Security and Nutrition in the World 2023, "em 2022, mais de um quarto da população mundial estava em "insegurança alimentar", tendo aumentado cerca de 122 milhões de pessoas relativamente a 2019. Um número ainda maior de pessoas não tem condições de pagar por uma alimentação saudável. Crise social que se estende à habitação, saúde, educação. As empresas de alimentos e energia mais que duplicaram os lucros em 2022, pagando 257 mil milhões de dólares aos acionistas. Assim é, numa sociedade em que o mais importante direito humano é garantir o lucro capitalista. Quem quer alimentação, habitação, saúde, educação que a pague. Se o Estado quiser tratar do assunto, que faça os trabalhadores pagarem através de impostos e se endivide – o que finalmente vai dar ao mesmo.
Enquanto os números das crescentes desigualdades são escamoteados, os fundamentalistas do mercado querem que acreditemos que deixando a satisfação de todas as necessidades humanas a "mercados livres", uma cornucópia de riqueza chegaria a todos. Uma poderosa máquina de propaganda proclama isso incessantemente, amplamente financiada por aqueles cujo interesse reside em acumular riqueza ilimitada sem levar em conta os danos sociais ou ambientais.
Para além da propaganda populista dos seus dogmas, o liberalismo atual – neoliberalismo – não consegue nem crescimento nem progresso. Não importa que em tempos ou episodicamente tenha aderido a medidas de cunho progressista, tratava-se simplesmente de impedir o avanço de forças efetivamente socialistas.
O país capitalista líder, os EUA, afundou-se em défices comerciais, numa dívida de números da astronomia e em capital fictício que o liberalismo considera "valor". Não são os trabalhadores nem os MPM empresários, mas sim os rentistas que beneficiam deste tipo de economia, que funciona pela alquimia da financeirização e dos juros.
A preponderância do sector financeiro sobre o produtivo tem inevitavelmente conduzido à crise. O objetivo é garantir que os bancos ganhem apesar de sufocarem a economia. Os preços dos imóveis e dos alugueres, levados pela especulação do "mercado livre", sobem, tornando aqueles preços tão altos que um dos subprodutos é o aumento dos sem abrigo.
Um sistema que leva a resultados tão desumanos e indesculpáveis não pode ser considerado eficiente é pelo contrário um fracasso abismal. Dizia-se que a financeirização, ia abrir caminho para uma melhor alocação de capital e uma economia mais dinâmica. Está amplamente comprovado o seu falhanço e a própria História revela que a impossibilidade de expansão, o abandono da produção em favor dos credores e da especulação, acelerou o declínio dos impérios no passado.
A crise económica sinaliza a transição da acumulação através da expansão material para a acumulação através da intermediação financeira e da especulação. Uma parcela cada vez maior é retirada dos sistemas produtivos para o enriquecimento de uma elite financeira e intermediária num contexto de declínio dos salários reais.
Os serviços públicos, fundamentais não só para enfrentar e reduzir as desigualdades como para uma maior eficiência social, deterioram-se em nome dos equilíbrios orçamentais criando com os "cortes" enormes oportunidades para o investimento privado em áreas públicas das quais os cidadãos não podem prescindir.
A política dos governos liberais acaba por resumir-se à gestão técnica do sistema, em que, as preocupações das pessoas são secundarizadas em nome de uma eficiência traduzida na maximização dos lucros. Impostos, salário mínimo, greves, sindicatos de classe, são sempre "ineficiências" que a propaganda diz prejudicarem os trabalhadores. Efetivamente, a consciência dos interesses coletivos, são obstáculos a uma distopia que consiste basicamente em escolhas egoístas.
Nos media o processo é simples: evitar falar sobre problemas de real interesse das massa proletárias e apontar como "radicais" os que se mostram interessados nessas questões. O sistema não tendo concretamente nada a oferecer socialmente tenta encontrar uma base de entendimento na mobilização contra inimigos, externos e internos, como sejam a Rússia ou os imigrantes.
O remover barreiras do liberalismo ao "mercado perfeito" e à concorrência "livre e não falseada", conduziu à queda do nível de vida e aumentou insegurança dos trabalhadores. Exemplo são as condições de trabalho de imigrantes que acabaram por vir a público, mas logo esquecidas. Referiam-se imigrantes – inclusivamente crianças – a trabalharem na agricultura mal pagos, mal alimentados, mal abrigados e sem direitos, em França, Espanha, Portugal, etc. Como desde logo foi exposto o neoliberalismo representava uma regressão civilizacional – o ascenso das extremas-direitas é uma consequência direta.
Outra falácia é o da liberdade proporcionada pelo liberalismo. Ora, como disse Engels, o reino da liberdade começa quando nos libertamos do reino da necessidade. No liberalismo a liberdade depende da riqueza possuída. A liberdade do liberalismo baseia-se na busca do interesse individual e no dogma de que com o pleno funcionamento do mercado todos os nossos desejos podem ser satisfeitos. Exceto que nesses desejos não se incluem necessidades sociais e que para satisfazer o que individualmente se pretende é necessário ser solvente (ter dinheiro).
O obscurantismo cultural e o apagamento do projeto constitucional, evidente nos critérios editoriais e mediáticos, deixa as grandes massas proletárias e MPM empresários na ignorância sobre estas questões ficando as iniciativas liberais e a extrema-direita à solta. É o triunfo da manipulação mediática.
2 - Equilíbrio competitivo ou planeamento
A finança com os seus critérios de rendibilidade assumiu o papel de planificador das economias, ditando as orientações das políticas económicas nacionais, do comércio internacional, da fiscalidade, da criação de dívidas. Afinal é esta oligarquia que determina a nossa forma de viver, com a qual alinham partidos ditos de esquerda. As privatizações e concessões (cuja rendibilidade foi previamente assegurada pelo Estado) agravam esta situação. O que está em causa é sobre o sector monopolista, parasitismo financeiro e imperialismo, que agora já não dispõe do resto do mundo para explorar.
O capital reage à ROE (taxa de lucro das ações) transferindo-se para sectores ou atividades de maior lucro. Chama-se a isto "dinamismo empresarial". Porém, lucros mais elevados em determinados sectores – o financeiro e o oligo-monopolista por exemplo – representam menos rendimento noutros sectores particularmente no montante salarial e nas MPME, acentuando a acumulação de capital fictício.
Os princípios do mercado livre são violados quando se trata de salvar os interesses oligárquicos. Onde está a eficiência que atira milhares de MPME para a falência e milhares de trabalhadores para o despedimento? Onde está o risco no jogo da especulação financeira, com a convicção que se algo correr mal o Estado virá em seu socorro?
Se existe em economia algo como "mão invisível" é a dos oligopólios que à margem do sistema político democrático manobram e manipulam políticos, clientes, fornecedores, comunicação social. Michael Hudson, definiu o sistema atual como o sistema FIRE (finanças, seguros, imobiliário). A primeira condição para o desenvolvimento económico e social seria superar este sistema em que o lucro é prioritariamente realizado no sector FIRE e nas grandes transnacionais. Porém, para a finança ser de facto colocada ao serviço dos sectores produtivos é necessário que a criação de moeda e o crédito seja função do Estado e da sua soberania, articulados no planeamento económico.
A procura do "equilíbrio competitivo" apenas tem levado ao aumento das distorções e atrasos existentes. Seguindo estas políticas a UE tornou-se um rotundo falhanço, mantido pela chantagem das suas "regras" e impondo aos povos políticas de "ajuste" que estabelecem estagnação, crescente pobreza, instabilidade social e desigualdades.
O sistema baseia-se em preços "eficientes", mas de que "eficiência se fala? Do que é mais necessário à sociedade? Não, apenas do que garante maiores taxas de lucro ao grande capital, que as MPME podem falir: é a "destruição criadora"… Claro que se os preços ou os níveis de procura forem objeto de manipulação por interesses privados dominantes, ninguém pode dizer que os preços assim obtidos sejam socialmente eficientes. A eficiência económica do liberalismo, alheia à realidade social, conduz a crises constantes, criando uma economia muito pouco dinâmica. Não é eficiente, limita-se a ser muito lucrativa para aqueles que a dominam com seu “poder de mercado”.
Tanto a estrutura económica como os serviços públicos, fundamentais para enfrentar as desigualdades e a pobreza, foram deteriorados com as privatizações. Em As Privatizações: contornos de um processo que é preciso reverter, expõe-se como a mentira foi uma arma decisiva neste processo: a mentira da redução de juros pagos pelo Estado e de impostos pelos portugueses; a mentira de que o aumento da concorrência levaria à moderação de preços e melhores condições de trabalho; a mentira de privatizar e liberalizar para criar mais riqueza e melhor distribuí-la; a mentira sobre o endividamento e prejuízos das empresas públicas, etc. Em 2023, os lucros em empresas privatizadas atingiram 6491 milhões de euros. Antes das privatizações a prática era entregar ao Estado 60% dos lucros, pelo que o Estado poderia ter obtido quase 4000 milhões de euros.
Evidências internacionais mostram como o capital privado em estruturas e cuidados de saúde está associado a impactos negativos sobre os custos para pacientes e mistos a negativos sobre a qualidade e os resultados de tratamentos.
As economias liberais foram muito menos bem-sucedidas do que as economias administradas coletivamente como a história e a atualidade comprovam, embora nas escolas e universidades se ensine e nos media se divulgue o contrário. Se o crescimento fosse uma prioridade então a indústria, infraestruturas e sistema educacional, não podiam estar subordinadas ao lucro, mas sim a opções coletivamente assumidas, como as consagradas na Constituição.
A crença na bondade e eficiência do mercado anula na política a sociologia. A vida de largas camadas médias tornou-se mais insegura e as perspetivas de vida das novas gerações mais difíceis, enquanto o Estado é cada vez menos capaz de satisfazer as necessidades sociais e estruturais do país. Nisto, como disse J K Galbriath: "os ricos nunca são demasiado ricos para investirem mais e os pobres nunca são demasiado pobres para trabalharem mais."
Países saíram desta órbita, criaram sistemas alternativos como os BRICS, OCX, etc, em que a soberania económica e a produção necessária à sua subsistência são consideradas prioritárias. Isso manifesta-se no rápido desenvolvimento dos BRICS, com 45% da população mundial e 37% da produção económica global, muito à frente da UE, que representa 5,5% da população mundial e 14,5% da produção económica global.
A UE e sobretudo a zona euro estão em estagnação desde o início do século, agravada com sucessivas crises que são incapazes não só de resolver como pretendem intransigentemente manter as causas. Em 2023, o crescimento económico da UE foi de 0,4%, em 2024 a UE cresceu 1%, a zona euro 0,9%. A UE apesar de todas as fantasias de grande potência está muito longe de o ser: está atrasada demográfica, económica e mesmo tecnologicamente. Nenhuma militarização alterará isto.
Mas os erros e ilusões vão persistir porque liberais ou social-democratas não entendem – ou não querem entender – como o sistema realmente funciona. A questão é sobre parasitismo financeiro e imperialismo; é sobre soberania e planeamento económico, designadamente no comércio externo – o que nada tem que ver com protecionismo.
Apenas um partido no seu programa se refere ao planeamento económico democrático, o PCP. Por muita confusão que o liberalismo difunda, não há economia moderna sem planeamento. O planeamento ou é feito pelo Estado em termos democráticos e sociais ou pelo capital monopolista e financeiro.
Há efetivamente várias formas de planeamento económico democrático conforme o contexto económico e social a que se aplica. Porém, alguns critérios base fundamentais são de considerar: em primeiro lugar o aproveitamento dos recursos nacionais com o máximo de transformação possível em termos tecnológicos, sejam na agricultura e pescas, nas indústrias extrativas e transformadoras.
Por exemplo, no sector alimentar a vantagem é dada à grande distribuição, que domina e explora os pequenos produtores. Um governo de esquerda iria incentivar os pequenos agricultores e cooperativas com crédito, apoio técnico e na comercialização, de forma a poderem desenvolver-se livres dos constrangimentos dos oligopólios da distribuição.
A globalização neoliberal promoveu a desindustrialização, aumentando a taxa de lucro através da exploração de mão de obra barata nos países em desenvolvimento, o uso da força e a chantagem do dólar como moeda de reserva internacional. Os países líderes do ocidente, em primeiro lugar os EUA, seriam o polo para o qual convergiria a riqueza gerada globalmente. Esse tempo passou. Os EUA não são mais o maior parceiro comercial da maioria dos países. É um país endividado, desindustrializado e em perda de competitividade nos mercados globais. A China vem ocupando esse lugar. Na UE a desorientação é total, a incompetência que lidera a UE não tem capacidade para entender o que se passa nem tem soluções, permanece agarrada aos mitos de um mundo que acabou.
A Oxfam apelou aos governos para subscreverem propostas políticas propondo uma mudança radical para combater as desigualdades e alterar o sistema de financiamento ao desenvolvimento. Estas propostas incluem o desenvolvimento de novas parcerias estratégicas, a rejeição do financiamento privado como "solução milagrosa" para o desenvolvimento, a tributação dos ultraricos e a reforma da arquitetura da dívida.
Para a Oxfam tributar os mais ricos não é mais uma opção, é uma obrigação. A organização limita-se a dizer o que é evidente para quem não viva em mundos virtuais. O modelo de desenvolvimento que prioriza lucros privados em vez do bem-estar coletivo, fracassou. O progresso é uma expressão coletiva, que exige planeamento macroeconómico, investimento no futuro, educação e ética social. A alternativa é entre capitalismo e socialismo, isto é, transição para o socialismo.
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