1 – A urgência de uma alternativa
Diziam os antigos que a grande vantagem do diabo era convencer as pessoas que não existia. Com os “mercados” passa-se o mesmo. Os “mercados” não são nenhuma mão invisível, são pessoas e instituições que elas controlam: a oligarquia.
Portanto, a oligarquia existe e, não por boas razões, disfarça-se de “mercados”. Nunca nos devemos deixar cair em dilemas, mas foi aqui que fomos conduzidos: ou continuamos a ser dominados pelos “mercados” apresentados como uma entidade sobrenatural, metafísica, contra a qual os pobres mortais nada podem ou se escolhe a racionalidade do planeamento económico e social. Uma escolha óbvia, mas difícil, dada a interferência do imperialismo impondo a sujeição às oligarquias transnacionais.
A camada oligárquica assume-se como dominante económica, devendo o máximo de riqueza criada ficar nas suas mãos, o que lhe permite o efetivo controlo da economia. Recursos do Estado, seja por via de impostos ou empresas estatais (estas há muito que foram privatizadas, salvo sectores que se tornam encargos do Estado após serem desmembradas) estão constantemente sob pressão e ataque de acordo com a agenda neoliberal e o seu controlo sobre a “liberdade de informação”.
Nestas condições, as funções económicas e sociais do Estado, têm um desempenho medíocre – ou nem isto – dado que a camada oligárquica se opõe tenazmente à tributação da sua riqueza e limitações às suas transferências para paraísos fiscais.
O tal sistema sem alternativa, o neoliberalismo, serve como meio para deliberadamente levar a obscenas concentrações de riqueza no meio do empobrecimento geral. Mas está chegando ao seu fim. Uma tarefa fundamental das forças progressistas é o estudo e elaboração de uma consistente alternativa para a superação do afundamento económico e social a que as sociedades dominadas por aquele sistema estão sujeitas. A análise do materialismo dialético ajuda.
O planeamento económico devia ser a base estrutural do nosso sistema político. A política de direita, protagonizada pelo PS e toda a direita, centrou-se objetivamente em anular aquele princípio basilar da democracia. A adesão à UE (então CEE) e depois ao euro foram – assim o desejava a oligarquia – os últimos pregos necessários para enterrar de vez a democracia económica e a correspondente soberania.
Como se sabe, rapidamente os triunfalismos propagandísticos se transformaram em estagnação económica, austeridade social, desindustrialização e crescente endividamento. A média do crescimento económico anual desde 2000 é inferior a 0,8%.
As regras da UE não são mais que a expressão de um capitalismo mais reacionário, o neoliberalismo, gerido por burocratas – que se orgulham de sê-lo! – acima de políticos democraticamente eleitos, que os usam como álibi das suas aldrabices eleitoralistas. Nos média, bacocos, escutados como pitonisas, defendem este sistema como não havendo alternativa: não é ciência, é apenas escolástica aplicada à economia e ao social.
Mas há alternativa. Os modelos capitalistas falharam e aquilo a que assistimos hoje é o colapso do modelo económico e social apresentado como “o fim da História”. O seu falhanço evidencia-se na inépcia de todas as “agendas” contra a pobreza: 2 000 milhões de pessoas vivem na mais abjeta pobreza quase 30% da população mundial.
Só o socialismo conseguiu tirar populações inteiras da pobreza e dar a todos condições de vida dignas, saúde educação, o que nenhum país capitalista conseguiu – talvez com exceção dos países nórdicos sob a social-democracia tradicional, que já não existe. Porém em capitalismo é algo sempre em risco, assim que os lucros caiam por qualquer crise. O país capitalista mais rico, os EUA, é um país de pobres. E se considerarmos o endividamento pessoal é um país maioritariamente de pobres. Nos EUA após a crise de 2008, em 2013 os 7% mais ricos tinham aumentado a sua riqueza em 28%, os 93% restantes perdido 4%. A dívida federal cresceu entre finais de 2018 e 2022, em quatro anos, 2,3 milhões de milhões de dólares por ano (6,3 mil milhões por dia!).
Escreve o prof. Craig Murray, ex-embaixador britânico, em “Marx tinha razão“: “As guerras não são acidentes no capitalismo, são parte essencial do seu programa, porque o consumismo desenfreado exige a aquisição maciça de recursos naturais. A guerra constante tem o benefício colateral útil para a elite global de lucros maciços para o complexo industrial militar. O custo da miséria e da morte humana é mantido a uma distância discreta do mundo ocidental, exceto pelos fluxos de refugiados, que encontram uma resposta cada vez mais fundada na negação da humanidade”.
Joseph Stiglitz em “Justiça para alguns” escrevia: “isentar os maiores bancos de processos criminais significou que a ilegalidade e a "venialidade" estão agora nos EUA num nível mais alto, mesmo do que prevaleceu na era da privatização permissiva, corrupta e sem lei na Rússia".
A Oxfam, num relatório intitulado A desigualdade mata, mostra que a riqueza dos 10 homens mais ricos duplicou desde o início da pandemia, ao passo que os rendimentos de 99% da população mundial são mais baixos do que antes. Apenas 0,027% da população mundial possuía uma riqueza total de 45 milhões de milhões em 2020. Mas há apenas três décadas existiram sociedades onde a desigualdade era mais baixa do que nunca na história humana, tratava-se da União Soviética e os outros países socialistas da Europa de Leste. [1]
Não há dentro do sistema medidas que possam alterar estas situações de crises e desigualdades porque se trata de um sistema baseado em pressupostos errados que contrariam as leis económicas objetivas, um sistema baseado na insana procura do máximo lucro, na expansão e no predomínio do capital fictício. Para a oligarquia, a questão é manter o seu poder ficando a cargo do povo pagar as custas das suas arbitrariedades: as suas soluções limitam-se a criar novas bolhas financeiras para remendar as anteriores.
Eis o que está verdadeiramente em causa para cada cidadão: que espécie de sociedade queremos ser. Permanecer na falácia do “equilíbrio competitivo” ou adotar o planeamento económico democrático? O "equilíbrio competitivo" é talvez a ideia mais estúpida e perversa alguma vez formulada em economia. Como disse Keynes (para não ir mais longe) não tem qualquer validade real, a sua aplicação mostrou-se, com toda a evidência, desastrosa em termos económicos e sociais.
Em dois séculos de capitalismo industrial os pressupostos do chamado "equilíbrio competitivo" nunca existiram. O tecido económico não consiste num número infinitamente grande de pequenas empresas nenhuma das quais tem qualquer grau de controlo sobre os mercados em que operam e que levaria a um sistema de preços eficiente.
Quando se fala em sistema de preços "eficiente", que apenas o mercado livre permitiria, de que "eficiência se fala? Do que é mais necessário à sociedade? Não, apenas do que garante maiores taxas de lucro, isto apenas para o grande capital, que as MPME podem falir à vontade: é a "destruição criadora".
Aquilo a que este sistema dá origem é à continua procura de rendas monopolistas e encargos financeiros, tudo apoiado por favoritismo tributário. Um sistema que impõe um modelo alternativo, conforme Michael Hudson expõe: “A ameaça à sociedade pelos interesses rentistas é o grande desafio de cada nação hoje: só o governo pode restringir a dinâmica do capitalismo financeiro e impedir que uma oligarquia domine o Estado e se enriqueça impondo austeridade ao trabalho e à indústria. Até agora, o Ocidente não enfrentou esse desafio”.
2 - Planeamento estratégico
O planeamento económico democrático não não faz parte das práticas governativas alinhadas com políticas de direita. No entanto, determina a Constituição:
Art.º. 80 – A organização económico-social assenta nos seguintes princípios:
e) Planeamento democrático do desenvolvimento económico e social;
Art.º. 81 – (Compete ao Estado) Criar os instrumentos jurídicos e técnicos necessários ao planeamento democrático do desenvolvimento económico e social;
O planeamento económico é uma questão central em qualquer economia, a questão é quem o faz, como e a favor de quem. A escolha é clara: ou o planeamento económico é feito pelo Estado democrático ao serviço dos interesses do país e das populações ou pelos "mercados" – em que o determinante é a maximização do lucro, mas não de todo o lucro, o do capital monopolista e financeiro.
A realidade contradiz as ilusões neoliberais. Os países são levados ao endividamento, nada garante que os capitais estrangeiros correspondam a novos investimentos, pelo contrário procuram sectores monopolistas, privatizações, empresas existentes para em muitos casos as fecharem ou reduzirem à situação de subsidiárias. A remessa de lucros e benefícios fiscais para o exterior tornam o país rapidamente não em recetor mas exportador de capitais. Tudo isto faz parte do processo de concentração de capitais.
Se isto funcionasse como pretendem os seus defensores, não havia pobreza nem fome no mundo, nem salários e direitos constantemente sobre pressão. Como disse Marx, o capital só produz o que pode ser produzido com lucro e na medida em que este pode ser obtido.
O modelo democrático definido na Constituição estabelece efetivamente uma alternativa baseada no planeamento tendo por objetivo, não a maximização dos lucros, mas sim a maximização das necessidades sociais, essencial numa economia caracterizada por distorções estruturais (insuficiente produtividade, desequilíbrio regionais e sectoriais, etc).
Nestas condições, o planeamento estratégico tem de considerar dois aspetos fundamentais. Primeiro, os défices da BC de bens que refletem as insuficiências e distorções estruturais na esfera produtiva e tecnológica como abordámos anteriormente em Substituição de importações um tema tabu. Em segundo lugar, o desenvolvimento industrial condição básica para o aumento de produtividade do conjunto de toda a economia, para o que é necessário planeamento e – escândalo! – adequadas bases de proteção às indústrias nascentes e estratégicas, algo até defendido por adeptos da síntese neoclássica-keynesiana como Paul Samuelson.
Os fundos estruturais da UE são uma espécie de queijo na ratoeira, através dos quais a burocracia impõe a sua agenda e exerce todo o tipo de pressões sobre os povos. Servem sobretudo para semear ilusões sobre o sistema, os seus efeitos são praticamente nulos ou mesmo negativos, visto estarem associados a políticas erradas.
Com décadas de ditos fundos estruturais o país perdeu base industrial, cresceram os défices da BC de bens e o endividamento, o crescimento económico estagnou tal como o nível de vida dos cidadãos. Mas, como diria Brecht, todos os dias os vendedores de ilusões (e aldrabices…) montam a sua banca nos media.
Nada disto nos deve admirar, já que por quase inconcebível que pareça os Orçamentos de Estado, têm de ter o “nihil obstat” inquisitório da CE, independentemente do que o país necessite e pretenda. É simplesmente um estatuto colonial, e não se pense que as metrópoles não proporcionavam algo como “fundos estruturais” às suas colónias a bem das burguesias da metrópole e locais.
O que no sistema se designa normalmente por “plano económico” ou “estratégia” não passa de uma listagem de intenções, que o capital seguirá se lhe interessar. As estratégias são definidas pela UE, segundo critérios que pouco têm que ver com as prioridades nacionais para a melhoria estrutural do tecido produtivo, centram-se num conjunto de frases feitas como "as empresas no centro da economia", economia circular, descarbonização, economia digital, etc.
A ilusão dos pretensos salvadores do capitalismo é querer ultrapassar as contradições e outras consequências resultantes das leis do seu funcionamento, com procedimentos que se baseiam nessas mesmas leis e que em grande parte lhes deram origem. Inútil: do ponto de vista científico é impossível superar impossibilidades teóricas com medidas técnicas.
3 – Uma estratégia de desenvolvimento só pode ser antimonopolista
O planeamento estratégico é uma questão eminentemente política decidindo quais as prioridades para o país atingir o que pretende ser no futuro e corrigir os mais graves desequilíbrios, como a redução dos défices da BC de bens, o melhor aproveitamento dos recursos nacionais, o desenvolvimento regional, as desigualdades sociais, a melhoria das relações interindustriais. É também fundamental uma redefinição de relações comerciais externas tendo em vista as maiores vantagens para o país, desenvolvendo as suas áreas produtivas não perdendo o seu controlo e a resolução da questão energética sem a qual não há desenvolvimento possível.
O planeamento não se pode limitar a metas de crescimento, tem de ser definido em termos de desenvolvimento económico e social, com base numa estratégia anti-monopolista apoiada num forte e dinâmico sector empresarial do Estado na indústria e serviços financeiros. Notemos que a existência de oligopólios resultantes de privatizações (numa concorrência que disfarça a cartelização informal) constituem de facto o que designamos por capital monopolista.
O planeamento democrático só é efetivo se os sectores básicos e estratégicos forem controlados pelo Estado, se o papel do Estado na economia for determinante. Só é possível numa sociedade com soberania monetária e autonomia para tomar as decisões económicas que considere mais vantajosas. Por soberania monetária entendemos ser o Estado – e não entidades privadas ou supranacionais – a controlar a emissão de dinheiro, isto é, do crédito, e a garantir que a sua utilização não é dissociada da esfera produtiva e necessidades sociais.
Só efetivamente se controla o que pode ser traduzido em termos numéricos. As opções políticas terão de ser valorizadas com o apoio de coeficientes que procurem traduzir as prioridades consideradas. Desta forma os técnicos de planeamento avaliam as propostas políticas analisando a sua melhor adequação entre a realidade existente, os objetivos pretendidos e suas alternativas.
No planeamento estratégico destacamos ainda três áreas: a tecnológica, os juros e o financiamento. O planeamento tem de prever o desenvolvimento de níveis tecnológicos qualitativamente novos designadamente nas áreas consideradas prioritárias, como o aproveitamento dos recursos nacionais e do desenvolvimento industrial. O potencial científico-técnico do país deve ser motivado e orientado neste sentido.
A complexa questão dos juros, não é nem nunca foi resolvida pelos “mercados”. Em termos de necessidades sociais os juros, correspondem a uma “taxa social de desconto”, isto é, a avaliação interpretada pelos órgãos de planeamento entre as necessidades de consumo e de investimento, o que a sociedade aceita entre consumo atual e consumo futuro, resultante do investimento e poupança.
Quanto ao financiamento é fundamental o Banco Central estar envolvido no planeamento estratégico e não uma entidade com gestão independente – orientada para miríficos “equilíbrios automáticos do mercado”. A política de crédito tem de ser adequada às necessidades da produção, desenvolvimento tecnológico, e substituição de importações, não à usura e especulação financeira.
O crescimento económico real torna-se uma ficção, quando os bancos fornecem crédito para a especulação imobiliária e o recusam ou dificultam para a produção agrícola e industrial.
Há que rever Keynes e recordar que a inflação só é perniciosa se não for acompanhada de crescimento económico. Porém, com as teorias vigentes, os quase divinizados mandarins da UE não alcançam nem uma coisa nem outra.
(continua)