1 – A situação
O neoliberalismo acabou, a globalização neoliberal acabou. O toque de finados foi dado por Trump, o sistema padecia duma doença incurável, o ambiente criado pelos BRICS e outros tornavam a sua existência insustentável. O facto da UE e os media o ignorarem não altera a realidade.
Autores marxistas e não marxistas, mas próximos pelo pensamento, mostraram, tanto teoricamente como pelas evidências, o falhanço do neoliberalismo: crises, desigualdades, aumento da exploração. Como desde logo foi alertado o neoliberalismo representava uma regressão civilizacional - o ascenso das extremas-direitas é uma consequência direta.
Com o eufemismo de "democracia liberal" da direita à social-democracia, incluindo partidos ditos socialistas, trabalhistas, "livres", etc, todos alinharam no esquema tentando quando muito minorar os efeitos nas camadas trabalhadoras. Em Miséria da Filosofia Marx refere-se aos “socialistas filantrópicos”, que também querem “paliar o infortúnio do proletariado”, conservando “as categorias que exprimem as relações burguesas, sem ler o antagonismo que as constitui".
O país capitalista líder, os EUA, afundou-se em défices comerciais, numa dívida de números da astronomia e em capital fictício que o liberalismo considera "valor". Abandonar a globalização neoliberal, pretender instaurar o capitalismo industrial apresentou-se como uma emergência. O problema é que continua a ser capitalismo com todas as suas contradições. Foram estas contradições que levaram um dito keynesianismo (que não o era, designadamente no comércio externo e endividamento) a ser substituído pelo neoliberalismo nos anos 1980.
A globalização neoliberal promoveu a desindustrialização e procurou aumentar a taxa de lucro através da exploração de mão-de-obra barata nos países em desenvolvimento, do uso da força e da chantagem do dólar como moeda de reserva internacional. Os países líderes do ocidente, em primeiro lugar os EUA, seriam o polo para o qual convergiria a riqueza gerada globalmente. Esse tempo passou. Os EUA não são mais o maior parceiro comercial da maioria dos países. A China está a ocupar esse lugar.
O plano globalista forçava as nações a uma centralização financeira total, meras províncias do império com um sistema económico e monetário único referido ao neoliberalismo e ao dólar. Com a aplicação de sanções a dezenas de países o esquema global do neoliberalismo autodestruiu-se. Países saíram desta órbita, criaram sistemas alternativos como os BRICS, OCX, UEEA, em que é considerada a soberania económica, a produção necessária à sua subsistência e desenvolvimento sustentável. Isto manifesta-se no rápido desenvolvimento dos BRICS, com 48,5% da população mundial e 39% do PIB mundial (em PPP), muito à frente da UE, que representa 17,6% do PIB global nominal.
Perante as crises económicas, financeiras, socais e militares em que os países do ocidente se afundam, o bloco alternativo consolida-se preparando a fusão da OCX com os BRICS num conceito não apenas económico, mas também de Segurança Global, apoiado pela China e pela Rússia.
Rotas alternativas de transporte comercial às controladas pelo ocidente foram criadas, como o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul, conectando portos russos nos mares Báltico e Ártico a portos no Golfo Pérsico e Oceano Índico ou o corredor de transporte Leste-Oeste. Infraestruturas são construídas, reduzindo custos, facilitando a comercialização.
Em grande parte isto vem da recusa dos EUA e seus súbditos da UE/NATO, nem sequer terem considerado a proposta russa de segurança coletiva em dezembro de 2021, que poderia ter evitado a inevitável resposta da Rússia ao que se preparava na Ucrânia com vistas à submissão da Rússia e entrada da Ucrânia na NATO.
2 – Sistemas
Os sistemas são definidos pelas suas leis fundamentais. Os sistemas energéticos são definidos pelas leis da termodinâmica; os sistemas eletromagnéticos pelas leis de Maxwell; a propagação das ondas eletromagnéticas pelas leis de Lorenz-Einstein. O sistema capitalista é definido pela sua lei fundamental: a maximização do lucro monopolista. A lei fundamental do socialismo é a maximização dos benefícios sociais.
No capitalismo é a própria concorrência que gera a economia monopolista, constituída pelos oligopólios da indústria, serviços e finança. As contradições que se geram no sistema não podem ser superadas através de proclamação de objetivos e (boas) intenções. Tentativas de ultrapassar as contradições existentes mantendo a sua lei fundamental, têm apenas um resultado transitório acumulando fatores de crise.
A maximização da taxa de lucro como fundamento económico, significa que este conceito está acima da forma como a riqueza possa ser criada e repartida. Está acima do social que tem que se lhe subordinar em nome do que é definido como "eficiência". Assim, independente das formas políticas adotadas – do fascismo, à democracia oligárquica ou à social-democracia keynesiana – o sistema mantém-se satisfazendo os interesses do capital predominante.
Para integrar os diversos modelos de capitalismo e não querer que se pense muito sobre isso, foi adotada a designação de “economia de mercado”, passando a ser os “mercados”, na realidade quem os domina, a governar a vida das pessoas. Embora se proclamem valores democráticos, estes estão em última análise subordinados aos interesses do capital e à sua necessidade de constante expansão.
Pela própria natureza da sua lei fundamental, o sistema não tem meios de evitar a ocorrência de crises, minoradas à custa de intervenções estatais massivas a favor do grande capital (socializando prejuízos, privatizando benefícios), sacrifícios para a classe trabalhadora, militarização e guerras.
3 – Sistema neoliberal
Dada a dificuldade em obter taxas de lucro suficientes nas áreas produtivas e evitar a queda da taxa de lucro geral, o capitalismo industrial de conteúdo keynesiano foi substituído pelo neoliberalismo. O grande capital orientou-se para a esfera financeira, operando uma transferência a seu favor da mais-valia criada nos outros sectores, instaurando o que os clássicos mais criticaram: o sistema rentista.
O neoliberalismo é um totalitarismo dogmático e agressivo apresentado como via única para todos os povos sob o comando e vigilância das potências imperialistas. Na realidade é um evidente fracasso. Os mercados simplesmente não funcionam como a teoria pretende e as contradições do capitalismo acabam por surgir de forma exacerbada. Os resultados são visíveis e são péssimos: o mundo enfrenta instabilidade, insegurança e crises insolúveis dentro deste sistema, independentemente de ligeiras variações conjunturais.
A finança com os seus critérios de rendibilidade no curto prazo assumiu o papel de planificador ditando as orientações fundamentais das economias nacionais, no comércio internacional, na fiscalidade, na criação de dívidas. É a oligarquia que domina os "mercados" que determina a nossa forma de viver e com a qual alinham partidos ditos de esquerda.
A globalização neoliberal e seu "comércio livre" tem servido para controlar o nível de salários internamente, com o argumento de ser competitivo. A liberdade de circulação de capitais associada à concorrência fiscal confronta os trabalhadores com salários e produtividades doutros países e políticas fiscais degradadas em função dos interesses da oligarquia. As políticas nacionais acabam por ser reguladas desta forma que nada tem nem de democracia nem de soberania.
Com o neoliberalismo, o relativo equilíbrio democrático das forças sociais alterou-se a favor do grande capital. O eufemismo "democracia liberal" tem servido para dar boa consciência aos seus defensores, permitindo que os países que não se lhe submetem, sejam apontados como "iliberais", sinónimo de "totalitarismo" e "ditadura". Aos media é dada a tarefa de difundir a rejeição ou mesmo o ódio, a esses países, em conformidade com as orientações da USAID, NED, etc. Caso da China, Rússia, Irão, RPDC, Cuba, Venezuela.
Keynes na Teoria geral do Emprego, Juros e Moeda defendia a criação de um imposto para as transações financeiras com o objetivo de não permitir que a especulação predominasse sobre a esfera produtiva. Isto foi apagado e a finança tem o poder de criar dinheiro e gerir o crédito, assumindo a administração do sistema capitalista, organizando-se para extorquir dinheiro ao Estado, à população trabalhadora, às MPME.
No campo da fiscalidade, os impostos deixaram de ser uma forma de redistribuição do rendimento, prossecução de políticas sociais e de desenvolvimento, adotando-se um insidioso princípio pelo qual “os pobres serão menos pobres se os ricos forem mais ricos”.
Mas o neoliberalismo não prescinde do Estado, pelo contrário, orienta-o em função dos interesses que estabelece. Os elevados investimentos, os riscos e incertezas associados a investimentos como as tecnologias mais avançadas, levaram a reconhecer que o mercado não pode servir de guia para os orientar, sendo estabelecidos "incentivos" estatais para esses objetivos. As tecnologias mais avançadas têm sido conseguidas a partir da ação governamental direta ou indireta, através de subsídios, encomendas, designadamente no campo militar, legislação e proteções de vária ordem, como a regulamentação sobre patentes.
Os erros e ilusões vão persistir porque liberais ou social-democratas não entendem, nem querem entender, como o sistema capitalista realmente funciona. A distopia é de tal nível que uns papagaios mediáticos peroravam que o comércio (dito) livre era o garante da paz, quando historicamente foi o contrário, através do colonialismo, neocolonialismo, guerras e golpes de Estado imperialistas.
Também recusam reconhecer, enfeudados à "democracia liberal", que o recrudescimento de forças neofascistas, neonazis, xenófobas, para além das ditaduras oligárquicas mascaradas de democracia, são um exemplo do resultado a que o capitalismo monopolista sistematicamente conduz.
4 – A quarta revolução industrial
Convém mencionar outra estratégia, delineada pelo capitalismo, exemplar pela arrogância e inconsciência com que foi estabelecida. Trata-se da "4ª revolução industrial" (4i) muito badalada há uma década. Era uma estratégia imperialista, sendo o desenvolvimento tecnológico posto ao serviço do aumento da exploração, particularmente dos povos do Sul Global. A conceção e comercialização dos produtos centrava-se nos países capitalistas mais avançados tecnologicamente; nos países dependentes política e financeiramente, a produção. Mesmo sem a 4i, a prática atual mostra que embora nestes países seja criado 85 a 95% do valor, apenas que lhes é proporcionado entre 15 a 5% do preço.
Baseava-se na digitalização dos processos, utilizando a robótica, impressoras 3D, avançadas tecnologias da informação, comunicação e localização. Vias Internet de alta velocidade tornariam possível o controlo em tempo real, ou considerado como tal, de operações localizadas em pontos muito distantes a partir de dados recolhidos por uma vasta gama de sensores e processados centralmente por computadores de alta capacidade dotados de inteligência artificial.
Através das redes informáticas de alta velocidade as operações poderiam ser realizadas em diferentes países “com um mínimo de intervenção humana”. Uma sala de comando, controlo e condução do processo poderia estar a milhares de quilómetros.
No contexto da “revolução digital” eram requeridos apoios estatais destinados a tornar atrativos os investimentos das grandes transnacionais, visto que apenas a estas são acessíveis os investimentos necessários aos projetos de digitalização da economia, com elevados custos na fase experimental, riscos, incertezas quanto a resultados e competitividade, destruição do capital fixo existente, etc.
Tudo isto era apresentado como grande vantagem para o “consumidor”, esquecendo que seria apenas para quem pudesse pagar, não deixando de vir com ameaças: “a revolução tecnológica terá um impacto negativo para os que se atrasarem”. Por outras palavras: submetam-se às transnacionais e ao grande capital financeiro - senão…
Esta estratégia abria às transnacionais a possibilidade de reorganizar e recolocar processos de produção em todo o mundo, sem transferência tecnológica, mesmo admitindo a participação de microempresas (ditas start-up) dedicadas a nichos tecnológicos e à inovação, sendo os resultados depois utilizados pelas transnacionais.
Esta dita "revolução" perpetuava e agravava os desequilíbrios a nível global, a dependência numa forma de colonialismo tecnológico, acentuava a concentração monopolista devido aos capitais em jogo e ao necessário domínio dos mercados para concretizar e tornar rentável a produção.
Os seus próceres reconheciam contudo que a maior dificuldade nestes objetivos era o sindicalismo de classe. O ideal seria um Estado sem poder democrático, sem sindicatos, apenas partidos cujo papel se limite a iludir as massas populares – reprimi-las se necessário – e gerir os interesses da oligarquia, servindo-se da austeridade para compensar tudo o que a “desmotivasse”.
Nesta estratégia o capital fica contudo colocado perante a perspetiva de mais crises. Se o lucro não for utilizado na esfera produtiva é a crise; se for utilizado corresponde a uma maior composição orgânica do capital e daqui à baixa da taxa de lucro e à crise. Se não houver uma transferência de rendimentos (salário direto e indireto) para os trabalhadores acompanhado de planeamento económico ter-se-á redução da procura, desemprego e…crise.
Como de costume, as perspetivas não deixavam de ser aliciantes. Afirmava-se que em 5 anos (já passaram outros 5...) permitiria na “Europa” 110 mil milhões de euros de “redução de custos” (em benefício de quem?) e um aumento do PIB de 5% (em que países?) criando 16 milhões de empregos altamente qualificados... embora fosse estimado o desaparecimento de 12 milhões menos qualificados.
Eram as mesmas ilusões que com o euro, os Pactos de Estabilidade e Crescimento, as Diretivas Europeias sobre concursos públicos, etc que iriam permitir “crescimento e emprego”, poupanças de milhares de milhões aos Estados e “contribuintes”. Ilusões que se pagaram com endividamento, desindustrialização, estagnação, desemprego, crise, desigualdades, pobreza.
5 – A ilusão do capitalismo industrial
O neoliberalismo produziu uma sequência de crises desde o início dos anos 90, culminando na de 2008, da qual não conseguiu recuperar, para além de pequenas variações: a estagnação económica e a tendência para a queda da taxa de lucro mantém-se. Perante este falhanço o capital tenta um retorno ao capitalismo industrial, no que tem a colaboração de uma dita esquerda, alienada numa visão idílica do capitalismo construída através da mistificação dos "anos de ouro do capitalismo" em parte da segunda metade do século XX. Uma visão que fecha os olhos às devastações e tragédias cometidas pelas guerras imperialistas, pelo colonialismo, neocolonialismo e ditaduras para impor ou manter o sistema.
O capitalismo foi apresentado como tendo permitido a ascensão de classes sociais, produzido mais riqueza, melhoria do nível de vida e direitos. Se foi verdade em alguns países, o facto é que foi obtido – onde foi – não pelo capitalismo, mas contra o capitalismo, pelo proletariado organizado sindical e politicamente.
O que de positivo e progressista se obteve foi depois posto em causa, em regressões sociais e civilizacionais através do neoliberalismo, da engrenagem imperialista e dos diversos modelos de fascismo. Nos países mais pobres, de capitalismo dependente, o capitalismo estabelece-se na pobreza, com populações lutando arduamente para sobreviver, sujeitas à repressão e a brutais condições de trabalho. Mesmo nos países mais ricos, cresceu a pobreza e a exclusão social. Vemos sociedades disfuncionais, seres humanos inseguros quanto ao futuro, na apatia ou no desespero, na ansiedade e na depressão, competindo a favor de uma minoria de ultraricos.
Com ou sem anos de ouro, apesar dos avanços científico-técnicos o capitalismo não conseguiu eliminar a pobreza. Nos EUA, existem mais de 40 milhões de pobres, centenas de milhares de sem abrigo. Na UE, 92 milhões de pessoas em pobreza ou exclusão social, 22% da população.
A fixação no consumismo tem sido um dos principais meios de sedução do capitalismo. Os EUA tornaram-se para muitos, objeto de admiração acrítica, não entendendo que o que os atrai é também um dos maiores defeitos daquele país: as desigualdades, a pobreza real, o desapossamento e insegurança da generalidade da população dado o seu endividamento e a fraqueza do sindicalismo. O consumismo também não se preocupa com a depredação ambiental que o sistema origina, tudo disfarçado com a "descarbonização".
Para instaurar um capitalismo industrial seria necessário adotar medidas que levariam a que o Estado assumisse o planeamento, a condução do sistema económico, o essencial do investimento produtivo básico e estratégico, passasse a ser o único emissor de moeda, controlando os circuitos financeiros e o crédito. Porém, sem sair do sistema, o objetivo fundamental será sempre a criação ou reconstituição de elevadas taxas de lucro para o grande capital.
Esta estratégia implica que a finança fique ao serviço dos interesses do capital industrial, criando um conflito entre oligarquias acerca do sector onde se centralizam os lucros, como se desenrola atualmente nos EUA.
Uma visão distorcida do que seja o capitalismo industrial é evidente na UE, deixando intocável o poder da finança, despejando dinheiro do Estado (dívida) nas indústrias militares, onde se esperam elevados lucros – monopolistas – como forma de reconstituir o funcionamento "normal" do sistema e um efeito multiplicador. Esquecem que as indústrias bélicas são um sector improdutivo pago à custa das condições de vida dos povos.
A propaganda mediática alinha de olhos fechados no militarismo e em vez de defender a paz e a cooperação, cede aos interesses imperialistas e monopolistas.
A seguir:
– Substituição de importações
– A UE à deriva
– A alternativa