Uns têm a fama, mas outros têm o proveito!

João Paulo Santos

Geopolítica para totós.

Até agora, os únicos que utilizaram armas atómicas, e sem quaisquer preocupações relativas aos seus efeitos nefastos, foram os EUA!

A Finlândia, até ao momento, tem-se mantido neutral e, que eu saiba, tem corrido tudo bem!

Recentemente e já depois da invasão da Ucrânia, a NATO foi fazer exercícios militares, com simulações com armas nucleares, para a Finlândia, ou seja, nas barbas da Rússia!

Mas, com certeza, muitos terão uma justificação para a NATO ter realizado esses exercícios num país que não integra essa organização!

E, claro está, que considerarão que isso não consistiu em qualquer provocação!

É como aqueles indivíduos que vão para a porta dos empregos das esposas dos árbitros ou para a porta das escolas dos filhos dos mesmos e não estão a provocar ninguém, nem a intimidar ninguém, porque apenas estão no seu legítimo e democrático direito de passearem onde muito bem entenderem!

E, cercarem a Rússia com uma série de bases da NATO, também não constitui qualquer provocação!

Aliás, se os vizinhos desses, que não veem qualquer acto provocatório, começassem a instalar armamento nas suas casas e a direcioná-lo para a casa deles, estes, estou convicto, que considerariam esse acto perfeitamente amistoso, porque apenas se queriam defender de uma eventual invasão de propriedade alheia da sua parte!

Quanto à Finlândia ter a liberdade de aderir à NATO, como se costuma dizer a nossa liberdade termina onde começa a dos outros e, por vezes, a liberdade tem limitações, em defesa de um interesse maior (vejam-se as limitações impostas à Alemanha, para defesa da Paz na Europa e no Mundo)!

Súditos de sua graciosa majestade treinam nazis na Ucrânia.

Ora, o interesse da manutenção da Paz deve prevalecer sobre esse direito da Finlândia aderir à NATO, porque pode pôr em causa essa mesma Paz, visto que tal adesão pode ser considerada como um acto provocatório por parte da Rússia!

Claro está que muitos dirão que isso é uma desculpa, que a Rússia não tem o direito de exigir que a Finlândia se mantenha neutral e esta última tem todo o direito e liberdade de aderir à NATO!

Mas assim sendo, por que é que não se aplica esse direito e essa liberdade a todos os Estados soberanos?

Sim, por exemplo, por que é que Estados soberanos no continente americano não podem instalar bases militares da Rússia?

Por que é que os EUA não aceitam que a Rússia instale qualquer base militar num país do continente americano?

E atenção, nem estamos a falar nas barbas dos EUA, ou seja, num país vizinho como, por exemplo, o México!

Quantas bases da Rússia existem no continente americano?

E quantas bases chinesas existem nesse continente?

Então os países do continente americano não têm a liberdade de estabelecer relações de cooperação política, económica e militar com quem muito bem entenderem?

E quantas bases da NATO, subentenda-se dos EUA, existem na Europa?

Porco banderista.

Então o princípio de que os Estados soberanos têm todo o direito e a liberdade de decidirem o seu futuro só se aplica aos países que estão alinhados com os EUA?

Então a Rússia não pode ser contra a adesão da Finlândia à NATO, que levará à instalação de mais uma base militar num país que faz fronteira com ela, mas os EUA já têm voto na matéria e já têm o direito de exigir, não só aos países que fazem fronteira consigo, mas a todos os outros do continente americano, que não instalem qualquer base Russa?

E quem diz russa, diz chinesa, japonesa, paquistanesa, indiana, ou seja, de qualquer país não-alinhado com os EUA!

Sinceramente, este conceito de liberdade, está muito distorcido, porque não tem em conta outro princípio fundamental, o da igualdade!

Mas, pelos vistos, para alguns, quando o sol nasce, não é para todos!

Alguns, aquilo que permitem aos EUA, já não permitem à Rússia, em mais uma manifestação completamente distorcida do princípio da igualdade!

Quem é católico e cristão devia ser o primeiro a nunca se esquecer da ética da reciprocidade, também chamada regra de ouro ou regra áurea, que é uma máxima moral ou princípio moral que pode ser expressa como uma injunção positiva ou negativa:

Guarda fronteira nazi.

“Cada um deve tratar os outros como gostaria que ele próprio fosse tratado” (forma positiva);

“Cada um não deve tratar os outros da forma que não gostaria que ele próprio fosse tratado” (forma negativa).

Quando esta velha máxima é colocada na gaveta, gera injustiças e indignação e, por regra, é o início de problemas ou de conflitos, porque, como já dizia o saudoso Mário Soares, todos têm direito à justa indignação!

Realmente, não há argumentos para que os EUA tenham um regime de excepção e de privilégio em relação aos outros países!

Mas é verdade, os EUA são os bons e os russos, os chineses e muitos outros são os maus, ou seja, os EUA são os polícias e os outros são os ladrões!

Portanto, como os EUA são os polícias do mundo, todas as suas actuações são positivas e benéficas e as actuações de todos os outros, como são ladrões, são negativas e maléficas!

E os EUA, como são os polícias do mundo, mesmo contra a vontade da maioria dos países, têm carta-branca para actuar quando quiserem e como quiserem, mesmo sem mandato da ONU, tal como sucedeu no Iraque!

Integrantes do batalhão Tornado.

Portanto, no Iraque, a ONU não mandatou os EUA para invadi-lo, mas mesmo assim estes fizeram-no, com o pretexto da existência de armas químicas, que se veio a comprovar que não existiam, como sempre afirmara Saddam Hussein e os inspectores da ONU que se deslocaram ao local!

Claro que todo o pretexto tem um objectivo subjacente e todos sabemos qual foi!

O da apropriação ilegítima dos recursos naturais do Iraque, por parte dos EUA, que passou a deter toda a produção petrolífera!

Na persecução desse seu objectivo encapotado, os EUA provocaram milhares e milhares de mortos, em número muito superior e incomparável com os mortos na Ucrânia!

Os EUA destruíram um país, cometeram imensos crimes de guerra e inúmeras atrocidades!

Nessa altura, ninguém ficou indignado com a invasão ilegítima dos EUA?

Laboratórios de guerra biológica do regime ukronazi, com ajuda do Pentágono.

Ninguém ficou indignado com a morte de milhares de pessoas, nomeadamente, de civis, incluindo milhares de crianças?

Ninguém ficou indignado com a destruição de um país?

Ninguém ficou indignado com a apropriação ilegítima, por parte dos EUA, do recurso natural precioso do Iraque, o seu petróleo?

Ninguém ficou indignado com os crimes de guerra e as atrocidades cometidas pelos EUA?

Ninguém quis levar os responsáveis por esses crimes e essas atrocidades ao Tribunal Penal Internacional para serem julgados?

É verdade, os EUA não aceitam a jurisdição desse Tribunal, onde querem que todos sejam julgados e condenados, mas não admitem que os seus cidadãos sejam lá julgados!

Eis mais uma das violações grosseiras do princípio da igualdade e da ética da reciprocidade!

Ninguém defendeu a aplicação de sanções aos EUA?

Ninguém afirmou que o Presidente dos EUA era um assassino e que os EUA tinham ideias expansionistas e predadoras?

A imprensa ocidental não ficou indignada com os EUA?

Desfile do batalhão Azov em Mariupol, Agosto/2020.

Muitos, sendo incapazes, de reconhecer esta realidade e de a justificar, têm a distinta lata de afirmar o seguinte: “Mas a invasão passada do Iraque não pode justificar a invasão presente da Ucrânia”!

Que hipocrisia!

É verdade que uma invasão não pode justificar outras!

É verdade que um comportamento incorrecto não pode justificar outros.

Mas que legitimidade ou autoridade moral tem quem invadiu, e continua a invadir, ou quem teve, e continua a ter, comportamentos incorrectos para criticar quem invade ou quem tem comportamentos incorretos?

Lá voltamos à ética da reciprocidade, como se pode exigir dos outros aquilo que não se exige de si mesmo?

Acresce que, a seguir à invasão do Iraque, em todos os mandatos de Presidentes dos EUA, com a honrosa excepção do mandato de Donald Trump, verdade seja dita, os EUA invadiram/bombardearam vários Estados soberanos e continuam a fazê-lo actualmente e a apoiar outros que o fazem!

Os EUA intervieram na Sérvia, no Afeganistão, na Líbia, na Síria e apoiam a actuação de Israel na Palestina e da Arábia Saudita no Iémen!

Goncharov, recruta do Azov.

Os EUA, esses grandes defensores dos direitos humanos, têm as suas mãos manchadas de sangue, pelos milhões de mortes causadas, directa ou indirectamente, no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, na Síria, na Sérvia, na Palestina e no Iémen, isto para não recuar no tempo antes da invasão do Iraque, basta lembrar toda a actuação dos EUA nos Países sul americanos, nomeadamente, no Chile, em que apoiaram a ditadura e os milhares de mortos causados pelo ditador Pinochet!

Mas em relação aos EUA, os paladinos da defesa dos direitos, liberdade e garantias e da defesa dos direitos humanos não se indignam, nem exigem a aplicação de sanções!

Não defendo a invasão da Rússia, embora não me fique pela constatação das consequências e procure analisar as suas causas, mas indigna-me e revolta-me esta dualidade de critérios e esta falta de ética da reciprocidade, de quem julga, subjectivamente, em função dos protagonistas e não, objectivamente, em função dos actos por eles praticados!

Para estes, os actos são bons ou maus, não em si mesmos, mas em função de quem os pratica!

Cristo expulsou os vendilhões do templo que, ao contrário do que se quer fazer crer, não eram simples vendedores!

Na verdade, os vendilhões eram pessoas respeitáveis e importantes da época, que ninguém ousava pôr em causa, mas que Cristo pôs, por serem uns verdadeiros hipócritas!

E, se Cristo cá voltasse, expulsaria, novamente, os vendilhões, os falsos profetas, os fariseus e os lobos vestidos com pele de cordeiro dos tempos modernos, que não obedecem à ética da reciprocidade, que não se regem por princípios, valores e causas, mas apenas pelos seus interesses pessoais, não olhando a meios para atingi-los, porque para eles os fins justificam os meios, estilo “América First” e os outros que se fod..!

17/Abril/2022

O original encontra-se em estatuadesal.com/2022/05/15/uns-tem-a-fama-mas-outros-tem-o-proveito/

Este artigo encontra-se em resistir.info

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