Ajudas públicas e protecção dos agricultores:
Falsos problemas e verdadeiros desafios
Documento preparatório apresentado aquando da Conferência
da Organização Mundial Comércio, em Cancum, Setembro de 2003
por Samir Amin e Bernard Founou-Tchuigoua
[*]
O presente documento constitui uma nota de
síntese à atenção dos responsáveis da
sociedade civil que acompanham os debates da OMC, especialmente os relativos
à agricultura, bem como dos funcionários dos países do Sul
responsáveis pela condução dessas
negociações. Nele mostraremos:
-
que a análise dos verdadeiros desafios com que se defrontam as
sociedades do Sul, assim como o futuro das suas sociedades rurais, que
reúnem mais de metade da humanidade, ou seja cerca de três mil
milhões de seres humanos, estão excluídos das
preocupações da OMC;
-
que em contrapartida as questões inscritas na ordem do dia da OMC foram
escolhidas e formuladas para servir o objectivo de abertura dos mercados do Sul
às exportações agrícolas excedentárias do
Norte;
-
que o diferendo que opõe os Estados Unidos e a União Europeia tem
como pano de fundo esse objectivo comum aos países do Norte;
-
que as questões retidas pela OMC que parecem ser de alguma
importância para este ou aquele grupo de países do Sul não
passam, na realidade, de problemas secundários;
-
e, por último, que o método que permitiu essa
"selecção" dos problemas, o qual é apresentado
envolvido num discurso com pretensões "científicas", na
realidade não tem qualquer fundamento lógico.
Como contraponto, indicaremos os princípios de uma estratégia
alternativa, à altura dos verdadeiros desafios, que os países do
Sul deveriam adoptar tanto nas suas "negociações" na
OMC como noutras instâncias, contribuindo assim para a
construção de "outra mundialização" que
responda às expectativas dos povos.
O VERDADEIRO DESAFIO:
O FUTURO DAS SOCIEDADES RURAIS DO SUL
Para começar, recorde-se o que designamos pela "nova questão
agrária" com que o mundo contemporâneo se confronta.
A agricultura capitalista, dirigida pelo princípio da rentabilidade do
capital e localizada quase exclusivamente na América do Norte, na
Europa, no cone sul da América Latina e na Austrália, emprega
apenas algumas dezenas de milhões de agricultores, que já
não são verdadeiramente "camponeses". Porém,
devido à mecanização, de que têm a quase
exclusividade à escala mundial, e à superfície de que cada
um dispõe, a sua produtividade situa-se entre 10 000 e 20 000 quintais
de equivalente-cereais por trabalhador e por ano.
Em contrapartida, as agriculturas camponesas reúnem cerca de metade da
humanidade (três mil milhões de seres humanos). Pelo seu lado,
estas agriculturas dividem-se entre as que, embora muito pouco mecanizadas,
beneficiaram da revolução verde adubos, pesticidas e
sementes seleccionadas e cuja produção se situa entre 100
e 500 quintais por trabalhador, e as que são anteriores a essa
revolução e cuja produção se situa apenas em cerca
de 10 quintais por pessoa activa.
Em comparação com o que era há meio século, o
desvio entre a produtividade da agricultura melhor equipada e a da agricultura
camponesa pobre tornou-se extraordinariamente grande. Por outras palavras, os
ritmos de evolução da produtividade na agricultura ultrapassaram
amplamente os das outras actividades, provocando uma redução dos
preços relativos de 5 para 1.
Nestas condições de gigantesca desigualdade entre as empresas
capitalistas agrícolas e a produção camponesa, quais
serão as consequências inevitáveis se se "integrar a
agricultura" no conjunto das regras gerais da
"concorrência", equiparando os produtos agrícolas e
alimentares a "mercadorias como as outras", como passou a ser exigido
pela Organização Mundial do Comércio desde a
conferência de Doha de Novembro de 2001?
Se lhes fosse permitido o acesso às superfícies significativas de
terras de que necessitariam (retirando-o às economias camponesas e
escolhendo evidentemente os melhores solos) e se tivessem acesso aos mercados
de capitais de forma a poderem equipar-se, cerca de duas dezenas de
milhões de explorações agrícolas modernas
suplementares poderiam produzir o essencial do que os consumidores urbanos
solventes ainda compram à produção camponesa. Mas o que
aconteceria aos milhares de milhões desses produtores camponeses
não competitivos? Seriam inexoravelmente eliminados no curto prazo
histórico de algumas dezenas de anos. Que acontecerá a esses
milhares de milhões de seres humanos, na sua maior parte já
pobres entre os pobres, mas que, bem ou mal, ainda se alimentam a si mesmos
(mal para um terço deles, pois três quartos das pessoas
subalimentadas do mundo são camponeses)? Numa perspectiva de cinquenta
anos, mesmo na hipótese fantasista de um crescimento contínuo de
7 % por ano para três quartos da humanidade, nenhum desenvolvimento
industrial mais ou menos competitivo poderia absorver sequer um terço
dessa reserva.
Então que fazer?
É necessário aceitar a manutenção de uma
agricultura camponesa para todo o futuro previsível do século
XXI. Não por razões de nostalgia romântica do passado, mas
muito simplesmente porque a solução do problema passa pela
superação das lógicas do liberalismo. Por conseguinte,
é necessário imaginar políticas de
regulamentação das relações entre o
"mercado" e a agricultura camponesa. Ao nível nacional e
regional, tais regulamentações, específicas e adaptadas
às condições locais, devem proteger a
produção nacional, garantindo assim a indispensável
segurança alimentar das nações e neutralizando a arma
alimentar (por outras palavras, é preciso desligar os preços
internos dos preços do chamado mercado mundial), devendo também
permitir, através de uma progressão sem dúvida lenta mas
contínua da produtividade da agricultura camponesa, o controlo da
transferência de populações dos campos para as cidades. Ao
nível do que se chama o mercado mundial, a regulamentação
desejável passa provavelmente por acordos inter-regionais, por exemplo
entre a Europa e a África, o Mundo Árabe, a China e a
Índia, atendendo às exigências de um desenvolvimento que
integre em vez de excluir.
Estas questões fundamentais encontram-se excluídas do debate da
OMC, deslocado integralmente apenas para as questões das ajudas à
agricultura e dos seus efeitos sobre as condições de uma pretensa
"concorrência leal" ("fair competition") nos mercados
mundiais de produtos agrícolas.
O objectivo declarado da OMC é a abertura dos mercados do Sul às
exportações agrícolas do Norte. Ora, as vantagens
absolutas de que beneficiam as agriculturas do Norte (que se traduzem em termos
de gigantescas diferenças de produtividade) já são tais
que, independentemente de quaisquer ajudas suplementares às
exportações, essa abertura não poderá deixar de
agravar de forma drástica os problemas das populações
camponesas em questão, em vez de lhes trazer no mínimo um
princípio de solução. Como contrapartida, a OMC promete a
abertura dos mercados do Norte às exportações
agrícolas do Sul: mesmo que isto se verificasse, o que é de
duvidar, as vantagens que daí poderiam advir não têm
comparação com as devastações causadas em sentido
oposto.
A OMC pretende que a opção que faz de se ocupar apenas das
regras do comércio internacional, centrando as negociações
nos subsídios que, segundo ela, teriam um impacto sobre essas regras,
corresponde à sua vocação explícita, que é
tratar do comércio excluindo outros problemas, como o problema do
desenvolvimento. Tal pretensão não é sustentável. A
abertura descontrolada do comércio externo altera os sistemas
produtivos, especialmente os dos parceiros fracos, e destrói o seu
direito ao desenvolvimento e a sua protecção necessária.
Além disso, neste caso, a OMC pratica uma lógica de "dois
pesos e duas medidas", pois ao mesmo tempo que aceita a legitimidade das
políticas dos países desenvolvidos, introduzindo, como se
verá, distinções artificiais entre os diferentes segmentos
dessas políticas, recusa esse direito aos outros países.
AS AJUDAS À AGRICULTURA NO MUNDO CONTEMPORÂNEO REAL
As medidas de ajuda à produção agrícola e aos
rendimentos dos agricultores constituem um conjunto aparentemente de uma
extrema complexidade, regido por uma autêntica selva de textos em que o
leigo pode estar certo de se perder. Mas não deixa de ser um facto que
tais conjuntos de medidas "nacionais", no caso dos Estados
Unidos, do Canadá, do Japão ou de outros, ou
"comunitários", no caso da União Europeia
constituem políticas relativamente coerentes, ou seja, meios eficazes
para atingir os objectivos que se propõem, não sem que aqui ou
ali o acaso da história e os conflitos de interesses específicos
tenham podido traduzir-se em incoerências parciais. Pode-se certamente
julgar essas políticas, os seus objectivos, de pontos de vista
diferentes, defendê-las ou criticá-las, mas elas existem.
Também se pode discutir a eficácia dos meios postos em
acção para servir esses objectivos. Mas isso só pode ser
feito de forma séria se nos colocarmos no terreno da economia real, e
não no da economia "liberal" abstracta.
De acordo com a OMC, em 1995 o volume global das despesas públicas
"agrícolas" contabilizadas ascendia a 286 mil milhões
de dólares. Sabe-se também que pelo menos 90 % dessas
despesas são efectuados só pelos países do centro do
sistema mundial, os países da "tríade", Estados Unidos
e Canadá, União Europeia, Japão.
Para os países ricos (por exemplo, para os países membros da
OCDE), esse montante pode parecer considerável. É-o sem
dúvida, de certa maneira, ou seja, se relacionado com o número de
agricultores que dele beneficiam (volume da ajuda média por
exploração agrícola) ou com outros critérios de
medida (ajuda média por hectare cultivado, por tonelada de cereais ou de
carne produzida, etc.). É-o igualmente se relacionado com o valor das
produções específicas visadas ou mesmo com o valor da
produção agrícola no seu conjunto, ou se relacionado com
os rendimentos dos agricultores beneficiários ou mesmo com os
rendimentos dos agricultores tomados no seu conjunto.
A OMC "classifica" as despesas públicas agrícolas em
quatro tipos, a que chama categorias vermelha, cor de laranja, azul e verde. O
critério desta classificação seria o grau de
influência dessas despesas sobre as produções e sobretudo
sobre os "preços" dos produtos agrícolas (preços
de produção, preços de venda pelos agricultores,
preços no consumidor). A OMC coloca nas categorias vermelha e cor de
laranja as despesas que considera terem impacto nos preços em
questão e coloca nas categorias azul e verde as que o não teriam,
de acordo com os seus critérios. Ao todo, as categorias vermelha e cor
de laranja abrangeriam 124 mil milhões de dólares e as categorias
azul e verde 162 mil milhões de dólares.
Essa classificação é de suma importância, uma vez
que as chamadas medidas de "liberalização" da
agricultura, destinadas a tratar as produções agrícolas
como produções mercantis correntes, apenas se referem às
despesas das duas primeiras categorias, que se considera que devem ser
progressivamente reduzidas segundo um calendário a fixar pelas
negociações da OMC. Por conseguinte, os Estados
continuarão a ser livres de manter, ou mesmo de aumentar, o volume das
suas despesas classificadas nas categorias azul ou verde, o que de resto
já é um facto consumado de há uma década a esta
parte.
Ora, a divisão das despesas em questão entre os dois pares de
categorias opõe indiscutivelmente os Estados Unidos à
União Europeia, Canadá e Japão. Nas categorias vermelha e
cor de laranja situam-se apenas 12% das despesas públicas dos Estados
Unidos que afectam a agricultura, contra 55, 48 e 54 % para a União
Europeia, Canadá e Japão, respectivamente. Por outras palavras,
na perspectiva da liberalização preconizada pela OMC, o
esforço essencial deveria ser feito pela Europa, Japão e
Canadá, e não pelos Estados Unidos.
As próprias definições escolhidas para servirem de base
à classificação foram o resultado de longas
"negociações" conduzidas no âmbito quase secreto
da Câmara Internacional de Comércio (o clube das transnacionais) e
de trocas de opiniões entre a União Europeia e os Estados Unidos
que são muito pouco conhecidas fora do círculo restrito dos
funcionários que nelas participaram. Mas independentemente da densa
opacidade que portanto rodeia essa "classificação",
continua a colocar-se uma questão importante: por que motivo alinharam
os Europeus num "método" que à partida os colocava em
posição de inferioridade em relação ao seu
principal parceiro-concorrente, os Estados Unidos? Pela parte que me toca, a
única explicação que encontro para esse mistério
é aquela que atribuiria a máxima importância à
dimensão política das exigências do "imperialismo
colectivo da tríade".
Em todo o caso, o conflito entre os Estados Unidos e a União Europeia,
que ocupa o lugar essencial das discussões da OMC, não deveria
interessar verdadeiramente o Sul: que a abertura dos seus mercados se
faça em benefício principal quer de um quer de outro dos dois
parceiros em questão não altera o efeito devastador para as
economias camponesas do Sul.
O critério em que se fundamenta a classificação da OMC
é insustentável. De facto, tal como escreve Jacques Berthelot em
L'agriculture, talon d'Achille de la mondialisation
(A agricultura, calcanhar de Aquiles da mundialização), as
quatro categorias constituem uma só categoria, chamada a justo
título de categoria "negra", pois só o exame do
conjunto de todas as despesas, colocadas artificialmente numa ou noutra das
quatro categorias da OMC, permite compreender a lógica da
política agrícola prosseguida, os seus objectivos, os interesses
que serve, os seus meios. A sua repartição por
"espécies" pretensamente diferentes é o fruto das
pseudo-análises bizantinas próprias precisamente da economia pura
abstracta, que não têm mais valor que as relativas ao sexo
dos anjos ou à cor do logaritmo.
Com efeito, todas as despesas têm um impacto evidente sobre a
produção, sobre o seu volume e a sua eficácia, e portanto
sobre os preços. De resto, o seu objectivo é tê-lo, e
têm-no.
Alguns exemplos de despesas classificadas na categoria verde ilustram
perfeitamente esse facto.
A ajuda alimentar às pessoas carenciadas, que é extremamente
importante nos Estados Unidos, representando mais de 20 mil milhões de
dólares, e sem a qual 10 % da população deste
país estaria condenada à fome, cria um mercado suplementar
à produção agrícola, pois sem ela a procura das
pessoas carenciadas tornar-se-ia insolvente. Essa produção
suplementar e os preços a que o Estado a compra aos agricultores
têm obviamente um impacto directo na agricultura em questão.
Pode-se defender a concessão dessa ajuda ou, por exemplo, a
distribuição gratuita de leite às crianças das
escolas com os argumentos da solidariedade social, e mesmo da melhor
eficácia económica a prazo de trabalhadores em bom estado de
saúde, mas não se pode pretender que essa forma de despesa
pública não tenha efeitos sobre a produção e sobre
os preços.
Certos subsídios, igualmente classificados na categoria verde ou na
categoria azul, têm por objectivo declarado limitar a
produção, isto é, reduzir a sobreprodução,
como é o caso das compensações pela não
exploração de superfícies aráveis próprias.
Outros visam absorver essa sobreprodução, pela
constituição de existências privadas ou públicas
compradas a preços fixos. Tanto uns como outros têm impacto nas
produções e nos preços.
As ajudas aparentemente menos "associadas" às
produções e preços sê-lo-ão realmente?
Estamos a pensar nos subsídios aos agricultores que se destinam a
aumentar o nível dos seus rendimentos, por exemplo para o alinhar pelo
dos trabalhadores urbanos assalariados e das classes médias, e que
são concedidos indirectamente, através de deduções
nos impostos sobre os rendimentos, ou mesmo directamente. As
equações do equilíbrio geral a que os nossos economistas
convencionais se referem constantemente mostram a determinação
conjunta do sistema de distribuição dos rendimentos e do sistema
dos preços relativos, uma vez que de facto uma
redistribuição do rendimento altera a estrutura da procura. Por
conseguinte, a lógica da economia convencional conduz à
conclusão de que as intervenções têm efectivamente
um impacto sobre os preços!
Por conseguinte, os conceitos de "associação" e
"dissociação", que definiriam as diferentes formas de
despesas públicas em questão, por um lado, e as
produções e os preços, por outro, não assentam em
nenhuma base sólida, sendo mais uma criação
alquímica da "economia pura" e servindo na realidade de
argumento de circunstância manipulável num sentido ou noutro,
consoante se procura ou não legitimar este ou aquele objectivo de
política económica.
NATUREZA E ALCANCE DAS POLÍTICAS AGRÍCOLAS DOS PAÍSES DO
NORTE
A natureza e o alcance das políticas agrícolas dos países
do Norte, e em especial dos Estados Unidos e da União Europeia,
são abordados pela OMC no estrito quadro definido pelo impacto que as
ajudas às despesas públicas afectadas à agricultura teriam
sobre o comércio mundial dos produtos agrícolas.
De facto, essas políticas têm uma amplitude completamente diversa,
constituindo o meio pelo qual o Norte construiu na agricultura, à
semelhança do que fez nas outras actividades económicas, as suas
vantagens absolutas sobre os seus eventuais concorrentes do Sul.
Portanto, neste domínio como nos outros, as vantagens do Norte
são estruturais. Além disso, o próprio sucesso das
políticas agrícolas levadas a cabo na Europa, nomeadamente a PAC,
e nos Estados Unidos está na origem das capacidades produtivas dos
países em questão, que ultrapassam amplamente o que os seus
mercados internos podem absorver. Em consequência, a União
Europeia e os Estados Unidos tornaram-se actualmente exportadores agressivos
das suas sobreproduções. A vontade de "abrir" os
mercados do Sul às suas exportações agrícolas e
alimentares, de que a OMC é o instrumento, deriva desse objectivo.
É pois neste contexto que devem ser analisados os meios de um
autêntico "dumping" suplementar, que se vêm somar
às vantagens estruturais da agricultura do Norte.
Tais meios são diversos, umas vezes mais visíveis e outras vezes
menos. Contam-se, nomeadamente, entre os primeiros os subsídios directos
às exportações e, entre os segundos, a
liquidação nos mercados internacionais das existências
privadas e públicas constituídas para absorver os excedentes de
produção, a preços marginais discutíveis, mas que
se pretende definir como "preços verdadeiros", os
preços do chamado "mercado mundial".
Pode também tratar-se de meios não declarados, contudo bem reais,
como é o caso da "ajuda alimentar", frequentemente
disfarçada em operações ditas
"humanitárias", a qual contribui para enfraquecer as
capacidades da agricultura local para fazer face aos défices.
Pode-se discutir a sabedoria duvidosa da referida
opção dos Estados Unidos e da União Europeia, que os
dispensa de programar as revisões necessárias das suas
políticas agrícolas de modo a deixarem de
"sobreproduzir" de forma permanente. De resto, essa crítica
é feita por muitos, mesmo no Norte.
Seja como for, no presente caso, os países do Sul têm o direito,
que dificilmente lhes será negado, de reagir através de medidas
de protecção, mesmo brutais (aumento maciço dos direitos
de entrada, ou inclusivamente contingentação), a agressões
que não são menos brutais. Neste contexto, o caso do
algodão é sem dúvida exemplar.
Poderão esses países, em determinados casos, como o do
défice alimentar estrutural, congratular-se com o dumping do Norte, que
lhes permite cobrir esse défice a baixo custo? Aqui o perigo reside em
que a "facilidade" de que se tira partido ameaça atrasar
irremediavelmente os esforços de correcção
necessários que se impõem no domínio das políticas
agrícolas nacionais.
As políticas agrícolas em conflito as do Norte tais como
se apresentam e as que o Sul poderia desenvolver (o que a grande maioria dos
países em questão não faz ou faz muito pouco)
comportam inúmeras vertentes além das que se incluem nas rubricas
"preços (ditos) do mercado mundial", "pautas
aduaneiras" e "subsídios directos à
exportação".
Quanto à rubrica dos "preços mundiais", tem sido
recordado com tanta frequência que esses "preços" nada
têm de "preços verdadeiros" que nem valeria a pena
voltar a repeti-lo aqui. Muito pelo contrário, trata-se de preços
marginais por excelência, entre outros motivos porque o comércio
mundial dos produtos agrícolas e alimentares apenas incide sobre uma
pequena fracção das produções (aproximadamente
10 %) e porque, em consequência, o impacto do conjunto das
políticas agrícolas imprime a esses "preços" o
carácter de preços à margem, não representativos
dos custos reais. São produto de situações circunstanciais
variáveis, o que é comprovado pela sua extrema volatilidade. Mais
uma vez, a qualificação de "preços verdadeiros",
com que os liberais e a OMC ornamentam esses preços, não se
baseia realmente em nenhuma análise científica, permitindo todas
as manipulações políticas que se queiram fazer.
Mas devem ser tidas em conta outras vertentes das políticas agressivas
do Norte. O supermonopólio que as empresas capitalistas agrícolas
se propõem reforçar em seu proveito a pretexto da
"protecção da propriedade intelectual e industrial",
impondo sementes seleccionadas fabricadas pelas firmas deste sector, deve ser
rejeitado activamente em bloco sobretudo pelos países do Sul. De resto,
essa questão constitui apenas uma das muitas facetas do grande problema
da ecologia e do ambiente. As práticas defendidas pelos liberais neste
domínio vão da pilhagem pura e simples dos conhecimentos
seculares acumulados pelos camponeses do Sul, à destruição
da biodiversidade e ao apoio a opções cujos perigos a prazo podem
ser gigantescos (os OGM, por exemplo).
Sejamos claros: os Americanos, os Europeus e os outros têm perfeitamente
o direito de elaborar as políticas nacionais ou comunitárias que
desejarem, têm o direito de proteger as suas indústrias e a sua
agricultura, têm o direito de instaurar os sistemas de
redistribuição dos rendimentos que considerarem ajustados
às suas exigências de solidariedade social. É certo que,
nesse espírito, o debate e as lutas políticas das suas sociedades
visam ou poderão visar construções políticas
eventualmente diferentes. Isso está implícito no elementar
conceito de democracia.
Reclamar o desmantelamento dessas políticas em nome de um liberalismo
mítico que nunca existiu nem existirá não tem
rigorosamente qualquer sentido. Vai-se exigir que os países
avançados se ajustem por baixo, sobre níveis de
educação, de formação e de capacidade de
investigação e de inovação menos avançados?
Sob pretexto de que a sua vantagem nesses domínios lhes dá
vantagens no comércio mundial?
Apesar de ser a que nos é "recomendada" pelo Banco Mundial e
por outros, provavelmente precisamente por ser ineficaz, a estratégia
dominante, infelizmente escolhida pelos governos do Sul, de exigir que o Norte
"jogue o jogo do liberalismo", não tem sentido, pois o
"verdadeiro liberalismo" nunca existiu, a não ser como
abstracção.
COMPETITIVIDADE DAS EMPRESAS OU COMPETITIVIDADE DAS NAÇÕES?
REABILITAR O DIREITO À PROTECÇÃO E ÀS
POLÍTICAS NACIONAIS OU REGIONAIS.
O discurso liberal entende por competitividade exclusivamente a das empresas,
quer se trate de explorações agrícolas, de firmas
industriais e comerciais ou de empresas de serviços, ou quando muito a
competitividade dos diferentes ramos da economia (agricultura
cerealífera, indústria automóvel, etc.), mas ignora o
único conceito de competitividade autêntico, o das
Nações (dos seus sistemas produtivos), a qual determina
amplamente (embora não integralmente) a dos ramos e das empresas. Por
conseguinte, a montante das diferenças de competitividade das empresas
deste ou daquele ramo de actividade, temos as que diferenciam as
Nações. Por ser estática nos seus fundamentos, a chamada
teoria das vantagens comparativas em matéria de comércio
internacional ignora a dinâmica das transformações que
afectam a competitividade das Nações e portanto a sua
posição na hierarquia do sistema mundial.
Ora, a competitividade desigual das Nações é precisamente
o produto dessas "despesas públicas" de todos os tipos que
dão forma ao quadro em que operam os produtores (infra-estruturas,
qualidade da formação, capacidades de inovação
técnica, etc.) assim como o quadro que associa os sistemas de
produção e os sistemas de distribuição dos
rendimentos e a sua redistribuição, sabendo-se que essas duas
dimensões do mundo realmente existente são inseparáveis da
mesma forma que o são a economia e a política (sendo esta
entendida como o conjunto das relações de força entre os
diferentes parceiros sociais e as lutas conduzidas para as transformar).
Examinou-se acima a importância das despesas públicas relativas
à agricultura dos países do Norte. É contudo útil
recordar também que o volume global dessas despesas públicas
parece muito menos considerável se comparado com as efectuadas noutros
domínios. Por exemplo, só por si as despesas militares directas
representam mais do dobro das ajudas à agricultura, tendo ultrapassado
os 600 mil milhões de dólares (dos quais quase metade cabem aos
Estados Unidos), a que é preciso acrescentar as gigantescas ajudas de
que beneficiam as indústrias de armamento em causa e indirectamente
certas produções civis (em especial aeronáutica, espacial
e informática). São ainda mais impressionantes os volumes das
despesas públicas afectadas ao conjunto das infra-estruturas com impacto
nas condições e na eficácia da produção em
todos os seus segmentos. O mesmo se passa para os afectados às chamadas
despesas sociais (educação e formação,
investigação, saúde, segurança social), que
condicionam em muito grande escala a "competitividade das
Nações".
Em suma, é bem conhecido que o conjunto das despesas públicas
representa hoje em dia uma proporção muito forte do PIB dos
países capitalistas desenvolvidos não menos de 40 %.
Este facto reduz a zero a credibilidade do discurso liberal baseado numa
imaginária economia "sem Estado" ou quase!
É nesse sentido que não há "preços
verdadeiros" e outros que o não seriam: todos os
"preços" são reais, traduzem uma realidade na qual a
reprodução económica e a reprodução social
são inseparáveis.
Por sua vez, a competitividade desigual dos sistemas nacionais (ou no
máximo dos sistemas regionais, quando estes atingem um importante
nível de realidade) determina as relações internacionais e
a estrutura da mundialização. Porque todas as
Nações nela participam, não havendo nenhum país
que, na época actual, e já há bastante tempo, esteja
"fora da mundialização", se bem que nem todos
beneficiem das vantagens de posições iguais dentro do sistema.
Nesse sentido, uns são "agressivamente abertos" enquanto
outros sofrem "passivamente a abertura" e, nesse sentido
também, no conjunto das estruturas e das políticas nacionais,
torna-se efectivamente impossível separar as que apenas afectariam as
competitividades dos sistemas produtivos (e portanto dos ramos e das empresas),
sem efeito sobre as relações internacionais, das que afectariam
precisamente essas relações.
Já na primeira metade século XIX, List tinha compreendido
perfeitamente a natureza do desafio, fazendo a crítica das
"vantagens comparativas" e percebendo que elas são
construídas historicamente e não "determinadas" de uma
vez por todas. A sua proposta ia muito além da
"protecção das indústrias nascentes" e
constituía uma primeira expressão do que desenvolvi,
qualificando-o de "estratégia de desconexão", no
sentido não de uma "saída autarcista da
mundialização", mas da construção
prioritária de uma política nacional (ou regional) capaz de
melhorar a competitividade do conjunto do sistema produtivo e de segmentos
escolhidos do mesmo e simultaneamente de definir as estruturas de
"protecções" (na acepção ampla do termo e
não exclusivamente pautais) em relação aos parceiros
fortes (e por isso agressivos) do sistema mundial. Por outras palavras, o
combate pela desconexão, entendida nesse sentido, é o combate por
"outra mundialização" (diferente da preconizada e
imposta pelo liberalismo, o qual apenas pode consolidar e aprofundar as
"vantagens" dos mais poderosos). Por outras palavras, o que devemos
reivindicar, para fazer face ao verdadeiro desafio, é o direito de
fazermos o mesmo que os outros (os poderosos) sempre fizeram e continuam a
fazer, apesar do discurso liberal que ignora essa realidade, ou seja, o direito
à edificação de políticas nacionais e regionais
eficazes e o direito de proteger essa edificação.
O DISCURSO PSEUDOCIENTÍFICO DA OMC
Por conseguinte, para além da mitologia liberal, os Estados capitalistas
sempre intervieram e continuam a intervir na regulação da
reprodução capitalista, nomeadamente pela importância das
suas "despesas públicas". Essas intervenções
são a tal ponto decisivas que imaginar um sistema económico
capitalista (dito "de mercado") pretensamente "puro", que
existiria por si mesmo, "sem Estado", se prende com uma mitologia que
substitui a análise do capitalismo realmente existente pela de um
sistema imaginário.
O pensamento único dos nossos dias, dito "liberal", assenta na
ideia absurda e mirabolante de que o sistema da "economia pura de
mercado" teria o poder de nos revelar o que são os
"preços verdadeiros" das produções, por
definição todas elas mercantis, dos "factores da
produção" (salários, juros do capital, taxas de
lucro), do câmbio externo , ou seja, aqueles
"preços" que garantiriam o "equilíbrio geral"
numa economia de mercados desregulamentados generalizados, sem
distorções provocadas pelas intervenções
públicas, o que é na realidade completamente impossível.
Por trás desse discurso pseudocientífico perfila-se um objectivo,
que é legitimado pela sua embalagem ideológica: desregulamentar,
ou seja, dar ao capital (que, por definição, está no posto
de comando da vida económica das sociedades capitalistas) o poder
exclusivo de decisão. Assim este, longe de expulsar o Estado da cena e
de proibir as suas intervenções, escolhe as que lhe convêm,
as que reforçam os seus meios de dominação da sociedade e
maximizam os lucros que recolhe, e proíbe os outros, ou seja aqueles que
reduzem os seus poderes e dão aos outros actores da vida social a
possibilidade de defender, pelo menos parcialmente, os seus próprios
interesses.
Designadamente, a mitologia dos "preços verdadeiros" constitui
o fundamento das "demonstrações"
pseudocientíficas segundo as quais qualquer
"protecção" em matéria de comércio
internacional seria desfavorável à
"maximização da satisfação dos
consumidores". O simples termo de "protecção"
torna-se tabu, sinónimo de irracionalidade, ou mesmo de estupidez. A
"demonstração" procede de um método que reduz as
sociedades, nacionais e mundiais, a um universo de
"indivíduos" iguais. Interesses sociais colectivos de grupos,
de classes e nações deixam de existir. Tal como todos os
indivíduos que compõem uma nação são iguais
(não há nem oligopólios, nem trabalhadores, mas apenas
"produtores vendedores"), são-no também todas as
nações. Raramente se terá desprezado a realidade com tanta
indiferença, nomeadamente a desigualdade de "desenvolvimento"
das nações e o facto de todas as sociedades ricas o serem apenas
porque se protegeram e continuam a proteger-se com eficácia.
RESPOSTAS ALTERNATIVAS NECESSÁRIAS
Para além da análise, uma a uma, das questões na ordem do
dia da OMC e da conferência de Cancum, e do seu tratamento
específico, é inevitável uma visão alternativa de
conjunto das políticas agrícolas do Norte e do Sul, e portanto
das trocas comerciais mundiais.
Nas suas condições, e mesmo que isso fizesse sentido, o que
é de duvidar, os países do Sul não têm seguramente
meios para fazer face aos desafios através da imitação das
políticas agrícolas aplicadas no Norte: não têm os
meios que lhes permitam "subsidiar" as suas produções
agrícolas e é limitada a sua própria capacidade de
redistribuição dos rendimentos, devido à modéstia
dos níveis desses mesmos rendimentos e das finanças
públicas.
Isso não significa de modo nenhum que não precisem de ter a sua
própria política de desenvolvimento agrícola, tendo
simultaneamente em conta a exigência de acelerar o progresso da sua
produtividade e de dominar as mudanças sociais, evitando a
desintegração dos campos e o crescimento acelerado das
populações a viver em bairros degradados. Tais políticas
deverão igualmente integrar objectivos nacionais, a começar pela
autonomia alimentar ao nível das nações e de
regiões apropriadas.
Evidentemente, as próprias políticas nacionais e/ou regionais
propostas, e os próprios meios da sua protecção,
deverão ser objecto de debates críticos tão transparentes
quanto possível (isto é, que não mascarem, mas mostrem os
interesses que servem), sendo objecto de debate político no sentido
nobre da palavra.
Nessa perspectiva, as diferentes formas de protecção
poderão ser positivas ou prejudiciais. Uma protecção
será prejudicial quando visa proteger actividades ineficazes (de fraca
competitividade), mantendo-as na sua ineficácia, e será positiva
quando protege processos de transformação que permitam a melhoria
da eficácia (ou a redução da ineficácia) das
actividades em questão.
A escolha de uma estratégia, inscrita na lógica do discurso
liberal, que visasse "desmantelar" os sistemas nacionais dos
países dominantes, por forma a reforçar a nossa competitividade
aparente nas trocas comerciais mundiais, estaria à partida condenada a
um evidente e absoluto fracasso, ao mesmo tempo que certamente careceria de
legitimidade.
Em contrapartida, enfrentar o verdadeiro desafio que se coloca às
nações do Sul passa, antes de mais, pela nossa própria
vontade de construir políticas nacionais eficazes e de impor a sua
protecção. É a única estratégia compensadora
possível.
Se o fizerem, os países do Sul têm não só o direito,
como também o dever, de proteger essas políticas recorrendo ao
conjunto mais conveniente de meios eficazes adaptados, através
não apenas da escolha das pautas aduaneiras necessárias, mas
ainda da eventual adopção de medidas quantitativas (contingentes
e outros). Independentemente desses meios directos, a protecção
do desenvolvimento da economia nacional implica indubitavelmente
políticas nacionais coerentes em toda uma série de
domínios, e antes de mais a gestão da moeda nacional e do
câmbio.
Estas ideias com vista a um projecto alternativo (a
"altermundialização") começaram a ganhar
aceitação e viram-se reflectidas nas trocas de opiniões
registadas por ocasião da última Conferência dos Não
Alinhados de Kuala Lumpur, em Fevereiro de 2003.
Portanto, no domínio da gestão económica do sistema
mundial, começam a tomar forma as linhas directrizes de uma alternativa
que o Sul poderia defender colectivamente, dado que, neste aspecto, são
convergentes os interesses de todos os países que o constituem. Temos
nomeadamente:
Começa-se a voltar à ideia de que as transferências
internacionais de capitais devem ser controladas.
Com efeito, a abertura das contas de capitais, impostas pelo FMI como um dogma
novo do "liberalismo", visa um objectivo apenas: facilitar a
transferência maciça de capitais para os Estados Unidos a fim de
cobrir o défice americano crescente, ele próprio fruto
simultâneo das deficiências da economia dos Estados Unidos e do
desenvolvimento da sua estratégia de controlo militar do planeta.
Os países do Sul não têm nenhum interesse em facilitar
dessa maneira a hemorragia dos seus capitais e eventualmente as
devastações causadas pelos ataques especulativos.
Logo, deve ser posta em causa a submissão a todos os riscos do
"câmbio flexível", consequência lógica das
exigências da abertura das contas de capitais. Em seu lugar, a
instituição de sistemas de organizações regionais
que assegurem uma estabilidade relativa dos câmbios mereceria ser objecto
de investigações e de debates sistemáticos no seio dos
Não Alinhados e dos 77.
De resto, na crise financeira asiática de 1997, a Malásia tomou a
iniciativa de restabelecer o controlo dos câmbios e ganhou a batalha. O
próprio FMI foi forçado a reconhecê-lo.
Está de volta a ideia da regulamentação dos investimentos
estrangeiros.
Indubitavelmente, os países do terceiro mundo não tencionam, como
aconteceu no passado com alguns deles, fechar as portas a quaisquer
investimentos estrangeiros. Pelo contrário, os investimentos directos
são solicitados. Mas as modalidades de acolhimento são de novo
objecto de reflexões críticas a que alguns meios governamentais
do terceiro mundo não são insensíveis.
Em relação estreita com essa regulamentação,
começa a ser contestada a ideia dos direitos de propriedade intelectual
e industrial que a OMC deseja impor. Percebeu-se que essa ideia, longe de
favorecer a concorrência "transparente" em mercados abertos,
visava pelo contrário reforçar o monopólio das
transnacionais.
A dívida já não é somente sentida como
economicamente insuportável, mas mesmo a sua legitimidade começa
a ser posta em causa.
Surge uma reivindicação que assume como objectivo o
repúdio unilateral das dívidas odiosas e ilegítimas, assim
como a criação de um direito internacional da dívida,
digno desse nome, que ainda continua a não existir.
Com efeito, uma auditoria generalizada das dívidas permitiria revelar
uma quantidade significativa de dívidas ilegítimas, odiosas e
mesmo por vezes devassas. Ora, só os juros pagos a título da
dívida atingiram volumes tais que a exigência juridicamente
fundamentada do seu reembolso anularia de facto a dívida em curso
e mostraria claramente que toda esta operação é uma forma
verdadeiramente primitiva de pilhagem.
Para se chegar a esse ponto, a ideia de que as dívidas externas deveriam
ser regulamentadas por uma legislação normal e civilizada, tal
como se passa com as dívidas internas, terá de ser objecto de uma
campanha integrada na perspectiva de fazer progredir o direito internacional e
de reforçar a sua legitimidade. Como se sabe, é precisamente
porque o direito é omisso neste domínio que a questão
só é regulamentada por relações de força
selvagens. Essas relações permitem então fazer passar por
legítimas dívidas internacionais que, se fossem internas (ou
seja, em que o credor e o devedor pertencem à mesma nação
e estão sujeitos à sua justiça), levariam o devedor e o
credor perante os tribunais por "associação de
malfeitores".
Por último, muitos dos países do Sul começam de novo a
compreender que não podem passar sem uma política nacional de
desenvolvimento agrícola, que tenha em conta simultaneamente a
necessidade de proteger as sociedade camponesas das consequências
devastadoras da sua desintegração, acelerada sob o efeito da
"nova concorrência" que a OMC quer promover neste
domínio, e a necessidade de preservar a segurança alimentar
nacional.
Em conclusão, há que sublinhar a importância da
reconstrução de um quadro institucional que permita recriar a
solidariedade do Sul. Isso reforçaria consideravelmente a sua capacidade
de conduzir os combates necessários tanto no seio da OMC (uma vez que os
Estados do Sul escolheram participar nesta instância), como das outras
instituições de gestão da mundialização (o
FMI em especial). Sem excessivas ilusões sobre essas
instituições, que foram moldadas pelas potências dominantes
expressamente para reforçar os seus meios de dominação e
de maneira nenhuma para dar mais possibilidades ao desenvolvimento, o qual
nunca foi um conceito reconhecido pela ideologia liberal.
12/Jul/2003
[*]
Samir Amin é Director e
Bernard Founou-Tchuigoua é Director de Investigações do
Fórum do Terceiro Mundo, no Senegal.
ftm@refer.sn
O original encontra-se em
http://www.penserpouragir.org/article.php3?id_article=62
. Traduzido para resistir.info por ASB.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
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