Pontos chave da nova doutrina da política externa russa

Cartoon de Lubok.

Para dar uma visão geral das prioridades estratégicas da Rússia para além das suas fronteiras, em 31 de março esta divulgou a sua doutrina atualizada de política externa, subscrita pelo presidente Putin. Este documento, que tem implicações importantes para as relações de Moscovo com os principais intervenientes em todo o mundo, será, sem dúvida, examinado de perto nas próximas semanas.

Putin explicou que a necessidade de rever o documento se deve a "mudanças radicais" no cenário internacional, incluindo o que Moscovo descreveu como uma "guerra híbrida" permanente travada pelo Ocidente contra a Rússia por causa de suas ações na Ucrânia.

Uma "grande ameaça" à paz internacional

A doutrina atualizada de política externa considera a "política anti-russa agressiva" dos Estados Unidos e seus aliados como um grande risco para a segurança da Rússia, bem como para a paz internacional e o desenvolvimento de um futuro "justo e equilibrado" para a humanidade.

A Rússia acredita que Washington e seus aliados estão tentando deter a erosão de uma ordem mundial que lhes permitiu desfrutar de um crescimento económico avançado às custas de nações não-ocidentais, explorando seus recursos. O Ocidente "recusa-se a reconhecer as realidades de um mundo multipolar" e visa eliminar a competição militar e económica, bem como suprimir os países dissidentes, diz o documento.

Os EUA, em particular, veem a política independente da Rússia como uma ameaça à "hegemonia ocidental", como afirma o documento da nova política, alegando que a América e seus aliados lançaram uma "guerra híbrida" contra Moscovo com o objetivo de enfraquecer a Rússia "por qualquer meio possível".

Moscovo pede o fortalecimento da cooperação entre todas as nações que enfrentam pressão estrangeira. Só os esforços conjuntos de toda a comunidade internacional, com base num equilíbrio de poderes e de interesses, podem oferecer soluções para os "muitos problemas do nosso tempo".

Relações com o Ocidente

Moscovo não trata os Estados Unidos e seus aliados como adversários, embora reconheça a ameaça representada pelas suas políticas, argumenta o novo conceito. Ele acrescenta que "a Rússia não se “considera inimiga do Ocidente, não se isola do Ocidente e não tem intenções hostis em relação a ele".

Moscovo espera que as nações ocidentais percebam que as suas políticas de hostilidade, confronto e ambições hegemónicas não têm futuro e que acabarão restabelecendo a "cooperação pragmática" com a Rússia com base no respeito mútuo. A Rússia "está pronta para dialogar e cooperar em tal base", diz o documento político atualizado.

Igualdade para todas as nações

De acordo com a nova doutrina, a Rússia procura construir um sistema de relações internacionais baseado em garantias de segurança confiáveis e oportunidades iguais para todas as nações, independentemente do tamanho, localização geográfica ou poder militar. Moscovo insiste que a hegemonia nos assuntos internacionais deve ser rejeitada e a interferência nos assuntos internos de outras nações deve ser evitada. Os Estados também devem renunciar a quaisquer ambições neocoloniais.

Moscovo pede uma "ampla cooperação" para neutralizar qualquer tentativa de domínio militar global por nações ou blocos militares. O documento também pede a todas as nações que tomem medidas para evitar a guerra global e os riscos do uso de armas nucleares – bem como outras armas de destruição em massa – fortalecendo a estabilidade estratégica internacional, o controle de armas e os regimes de não proliferação por meio de tratados internacionais.

Aliados-chave

De acordo com o novo documento, Moscovo acredita que uma cooperação mais profunda com "centros de poder soberanos", como a China e a Índia, será de importância significativa para a sua política externa. Em particular, a Rússia buscará uma "parceria abrangente e cooperação estratégica" em todos os campos com Pequim e uma "parceria estratégica privilegiada" com Nova Deli.

A cooperação com essas nações irá estender-se a "investimentos e ligações tecnológicas", bem como ao comércio e à segurança, incluindo o fortalecimento da capacidade uns dos outros de resistir às "ações destrutivas de Estados hostis". Moscovo está se esforçando para transformar a Euroásia num continente de paz, estabilidade, confiança e prosperidade.

Cooperação global e regional

Moscovo acredita que pode encontrar amigos e parceiros confiáveis em todo o mundo, como indicado pela doutrina atualizada. A Rússia, em particular, considera a civilização islâmica como "amigável" e acredita que o mundo islâmico tem "grandes perspetivas" e pode tornar-se uma potência independente e influente num mundo policêntrico. Procura desenvolver a cooperação com todos os principais intervenientes regionais, incluindo o Irão, a Turquia, a Arábia Saudita, o Egito e outros.

A Rússia também se solidariza com a África no seu desejo de ocupar um lugar mais proeminente no mundo e eliminar as desigualdades causadas pelas "políticas neocoloniais de alguns Estados desenvolvidos". Moscovo está pronta para apoiar a soberania e a independência das nações africanas, inclusive por meio de assistência de segurança, comércio e investimento, diz o novo documento de estratégia.

Na América Latina, a Rússia pretende desenvolver relações "numa base pragmática, desideologizada e mutuamente benéfica" e fortalecer os laços de amizade existentes com países como Brasil, Cuba e Venezuela. Moscovo também está aberto à cooperação com qualquer outra nação disposta a ser construtiva nas suas relações com a Rússia.

31/Março/2023

Ver também:
  • O original encontra-se em lesakerfrancophone.fr/les-points-cles-de-la-nouvelle-doctrine-de-politique-etrangere-russe

    Este artigo encontra-se em resistir.info

    05/Abr/23