Eleições legislativas na Rússia
por Lic. Rodolfo Humpierre Alvarez
[*]
Em 7 de Dezembro próximo a população russa vai eleger a
4ª Duma do Estado, câmara baixa do parlamento federal. Com as
mudanças verificadas na política russa nos últimos quatro
anos, sob a presidência de Vladimir Putin, existem indícios
suficientes para prever diferenças no desenvolvimento e no desenlace
deste processo eleitoral, em comparação com os de 1993, 1996 e
1999.
* Classificação bastante convencional feita pelo autor deste trabalho. Na Rússia os analistas geralmente não incluem este partido nos termos tradicionais de esquerda, direita ou centro, já que as posições expressão do seu sumamente extravagante líder muitas vezes costumam incorporar palavras-de-ordem de todos os lados, acabando quase sempre por apoiar a política do presidente do país. ** Este é o mais destacado dos três líderes deste partido, que formalmente compartilham a direcção do mesmo. Os restantes dois são a deputada da actual Duma, Irina Jakamada, e o controverso Anatoly Chubais, pai das fraudulentas privatizações de meados dos anos 90 e actual dirigente do Sistema Energético Unificado da Rússia, que também projecta privatizar através da reforma do mesmo que está a promover. *** Nome convencional dado pelos politólogos russos a este bloco, fundado pelo economista e deputado Serguei Gláziev, como cisão da União de Forças Popular-Patrióticas liderada pelo Partido Comunista da F.R. **** Este bloco foi fundado em 2003 pelos presidentes do Conselho da Federação (câmara alta) S. Mirónov e da Duma, G. Selezniov, este último separado do PCFR por divergências com o seu dirigente Ziugánov. Aqui se enumeraram os dez principais agrupamentos políticos, ainda que para estas eleições haja cerca de 20 inscritas no total. Na realidade, todos os inquéritos e análises aparecidos até à data nos meios informativos russos consultados indicam que só os primeiros cinco da lista contam com possibilidades de formar fracção na nova Duma, para o que, segundo a lei, devem alcançar um mínimo de 5% dos votos no boletim eleitoral federal. Convém recordar que, segundo a lei eleitoral russa, a metade das 450 cadeiras da Duma é eleita pela lista federal, que inclui os partidos e blocos registados para tais efeitos. As restantes 225 cadeiras são ocupadas por candidatos inscritos no boletins das chamadas "circunscrições de um só mandato", nas quais podem figurar tanto representantes de qualquer dos partido ou blocos como candidatos "independentes". Este mecanismo é muito utilizado pelos partidos com suficiente representação a nível local para promover os seus quadros e assim aumentar o número de cadeira na Duma. Afirma-se que os partidos que se apresentam como líderes para ocupar os primeiros lugares na Duma, em número de cadeiras, são "Rússia Unida" e o "Partido Comunista", deslocado em 1999 da sua liderança histórica na câmara pelo então bloco "Unidade", integrado pelos partidos "Unidade" e "A pátria é toda a Rússia", que mais adiante fundiram-se para formar o actual partido "Rússia Unida", base de apoio majoritário à política do presidente e do governo na Duma. No caso do Partido Comunista, ainda que mantenha um eleitorado numeroso e bastante estável, para efeitos destas eleições comparece com uma certa deterioração nos inquéritos quanto à intenção de voto, devido, entre outras razões, ao desgaste das suas posições políticas. Em primeiro lugar, submetido a fortes campanhas de descrédito nos meios informativos, teve que compartilhar com o presidente Putin seu recurso tradicional de apoio popular: a "nostalgia dos tempos soviéticos", que prevalece em grande parte da população com mais de 50 anos e sobretudo os de menores rendimentos. Por outro lado, determinado segmento desse eleitorado tem passado à categoria dos "adaptados" e "conformes" com a política do actual presidente, vendo que os comunistas não puderam alcançar na Duma, apesar de até 1999 nela terem uma liderança indiscutível, os objectivos colocados no seu discurso e nas suas projecções programáticas. Sérias dissensões na cúpula dirigente do partido, dentre as quais destaca-se a do presidente da Duma, Selezniov, também erodiram a imagem da organização perante a sua própria militância. Finalmente, nos últimos recentes, com a campanha eleitoral já em andamento, saiu à luz o facto muito comentado pela imprensa anticomunista desde há tempos de que deputados comunistas se haviam entrevistado com o magnata Boris Berozvsky, conseguindo o seu apoio financeiro para a campanha do partido. Soube-se que vinha prestando ajuda financeira aos comunistas através da corporação "Rosagropromstroy", dirigida pelo deputado Victor Vidmanov, membro do presidium do PCFR. Naquele que, tudo indica, parece um "golpe baixo" da parte do "Rússia Unida" com o apoio de outras forças de centro e direita, a Duma aprovou a 17 de Novembro uma moção em que solicita à Fiscalização Geral que examine o suposto desvio de recursos do orçamento estatal em benefício do Partido Comunista por parte do citado consórcio, que se dedica à construção de obras sociais e de infraestrutura na agricultura. O "Rússia Unida", em troca, conta em seu favor com o forte apoio geral ao presidente Putin de amplos sectores beneficiados ou esperançosos com as medidas empreendidas ou prometidas durante o seu mandato. A atenuação uma vez que ainda é prematura falar em solução do conflito separatista na Chechenia, o aumento e pagamento a tempo de salários e pensões, as medidas contra a corrupção a todos os níveis, o recente enfrentamento dos excessos dos oligarcas, a atenção e, por enquanto, promessas de solução de toda a problemática da forças armadas (reforma das mesmas, solução dos problemas sociais dos soldados, reforço da doutrina de defesa do país perante o expansionismo ocidental, etc) constituem todos eles elementos favoráveis ao mandatário e, por conseguinte, ao partido que de facto o representa perante a opinião público no poder legislativo. Além disso, este partido conta com o apoio de boa parte das elites locais, pelo que os seus recursos propagandísticos ultrapassam em muito os de qualquer outro concorrente a todos os níveis. Este factor também poderia actuar a seu favor nas eleições de deputados pelas circunscrições de um só mandato, nas quais não parece que os restantes partidos, incluídos os comunistas, possam conseguir aumentos substanciais do número de deputados. Segundo muito analistas, mediante manobras hábeis, supostamente concebidas e dirigidas pela administração do presidente, foi-se criando uma considerável teia de partidos de centro ou próximos deste que, ainda que com diversos matizes, poderão definitivamente converter-se numa poderosa base de apoio majoritário à sua política na nova Duma. Neste grupo podem ser citados os seguintes: Partido Popular da Federação Russa chamado o "partido da moral", porque baseia o seu discurso na defesa de postulados éticos da igreja ortodoxa russa. Caracteriza-se por boa colaboração com o presidente e o governo. Ao que parece, conta com algum apoio em muitas regiões. Bloco "Pátria", presidido por Seguei Gláziev, político caracterizado pela sua oposição à forma como foram efectuadas as reformas económicas na Rússia. Muito próximo do Partido Comunista, acabou por distanciar-se deste, pronunciando-se, ao invés do retorno ao sistema soviético defendido pelos comunistas, a favor de uma rectificação da política. Em primeiro lugar, a devolução ao povo das riquezas do subsolo, ou seja, dos recursos naturais injustamente privatizados. Arrastou consigo parte das organizações de esquerda que se aglutinavam em torno dos comunistas. Bloco Mirónov-Selezniov. Abandonaram definitivamente a ideologia comunista, passando a apoiar a partir de posições centristas com alguns matizes de esquerda a política oficial. Selezniov fazia parte da direcção do Partido Comunista e nessa qualidade ocupou o cargo de presidente da Duma na sua actual legislatura. Bloco Pojmelkin-Fiódorov. Este bloco é francamente de centro, com certas afinidades com as ideias liberais. Ainda que todos estes partidos não pareçam contar com possibilidades de formar fracções na Duma, pois não é provável que alcancem os 5% de votos exigidos, de qualquer forma, somados em conjunto, constituem um apreciável bloco centrista de apoio à "Rússia Unida". A direita está representada fundamentalmente pela "União de Forças de Direita", de posição abertamente pró-ocidental, a favor de uma economia neoliberal com o domínio total da propriedade privada em todos os sectores e níveis e absoluta filiação ao capital transnacional, em primeiro lugar com o norte-americano, e o bloco tornado partido "Yabloco", que se pronuncia também pela aplicação de fórmulas neoliberais no estilo ocidental, mas matizando-as com um discurso favorável a uma maior defesa dos valores democráticos, direitos humanos e interesses nacionais. Caracteriza-se por se haver distanciado sempre da forma como Egor Gaidar e Anatoly Chuvais efectuaram as reforma económicas na Rússia nos anos 90: o primeiro com a "terapia de choque" e o segundo com a privatização fraudulenta, antipopular e antinacional das riquezas do país. Segundo muitos analistas, considera-se que a "União de Forças de Direita" é ideologicamente, depois da "Rússia Unida", a organização mais próxima à linha do presidente Putin, pelo que de facto constitui uma "oposição construtiva" a este. O Partido Liberal-Democrata merece menção à parte. Seu líder, Vladimir Zhirinosky, é uma personagem pitoresca e extravagante no mais alto grau. Muito crítico do ocidente, sobretudo da política norte-americana e, por conseguinte, daquelas acções da política exterior russa que ele com toda a razão, há que dizer considera como evidências de entreguismo a Washington. Defensor extremo de todo o russo, é tachado de ultranacionalista pelas suas tradicionais atitudes contra as nacionalidades que no passado estiveram submetidas ao império russo e a seguir integraram a União Soviética. É também um anticomunista declarado e confesso, ainda que em certas ocasiões se aproprie de palavras-de-ordem comunistas nos seus pronunciamentos. Em reiteradas ocasiões participou de brigas e escândalos na Duma e retiraram-lhe o direito de intervir nos debates durante determinados períodos. Apesar disso, o seu partido, que parece contar com apoio em certos segmentos da população, tradicionalmente ocupou suficientes cadeiras na Duma para permitir-lhe manter durante três legislaturas uma fracção própria nessa câmara. A julgar pelos inquéritos realizados por diferentes agências independentes russas em Outubro e princípios de Novembro, espera-se que compareçam às urnas cerca de 60% dos eleitores inscritos, cifra que parece comparável às das eleições legislativas anteriores. Finalmente, as intenções de voto para os cinco primeiro partidos enumerados no princípio deste trabalho, segundo os inquéritos realizados entre 13 e 17 de Novembro por duas agências de investigação de opinião pública de Moscovo, apresentam os seguintes dados:
Considera-se que o voto "contra todos" poderia oscilar numa amplitude que vai desde os 5 até os 26%, segundo um inquérito ou outro, diferença devida ao número de indecisões que ainda não haviam definido por quem votar no momento da resposta aos inquiridores. Em resumo: Estas eleições não parece que venham a trazer grandes novidades em relação à actual composição da Duma. Mas poderia confirmar-se a hipótese promovida por muitos analistas de que o sistema político russo tende paulatinamente para a formação de um sistema bipartidário ou talvez tripartidário, à medida que um número cada vez maior de partidos vai-se fundindo ou aglutinando em torno de determinada linha política e ideológica mais definida. [*] Investigador do Centro de Estudios Europeos , de Havana. Este artigo encontra-se em http://resistir.info . |