A segunda guerra do Golfo:
Como o imperialismo procura salvar-se
por Rui Namorado Rosa
Não sendo assumida pelas petrolíferas nem pelos governos, a
presente crise petrolífera é real e de enormes
repercussões.
Tendo presente a finitude dos recursos e a sua concentração em
algumas poucas áreas geográficas, sobretudo no Médio
Oriente, a presente crise é o mais sério episódio de uma
mesma sucessão histórica. A Primeira Guerra Mundial foi
ocasião em que se evidenciou a grande vantagem comparativa desse recurso
energético e em que as potências capitalistas se digladiaram por
ele, no Médio Oriente e Ásia Central, o Reino Unido ditando ainda
então o seu controlo e assumindo protectorados legitimados
pela Sociedade das Nações. A Segunda Guerra Mundial marca a
viragem para a ascensão dos EUA à posição de
potência hegemónica na esfera capitalista, o que implicou a sua
progressiva tomada de iniciativa diplomática e militar no Médio
Oriente (e não só).
Em 1970-71, a capacidade de produção de petróleo no rico
território dos EUA atingiu o seu apogeu para iniciar depois um
persistente declínio. Esse primeiro choque é seguido pela guerra
Israelo-Árabe em 1973, a reacção da OPEP com o embargo da
produção e a espectacular subida do preço do
petróleo. Não obstante a subida do preço e a correspondente
tentativa de reanimar a extracção de petróleo no
território dos EUA, a custos marginais mais encorajantes, essa
produção não pôde ser incrementada, em vista dos
factores naturais, e o declínio foi inevitável. Iniciou-se por
esse tempo o longo período de contracção económica
capitalista, que se prolonga até hoje.
A década de 1980-90 está recheada de episódios
também muito significativos. A insensata guerra Irão-Iraque
(1980-88) iria desgastar a solidez da administração do Estado e
seus serviços públicos e da capacidade militar desses dois
países, que se contam como os detentores das segundas maiores de
reservas mundiais, um de petróleo e o outro de gás natural. A
passagem do apogeu da capacidade de produção de petróleo
no território da URSS, entre 1983-87, seguida do inevitável
declínio, tal como nos EUA na década anterior. A
misteriosa revisão em alta das reservas de petróleo
no Médio Oriente, entre 1986 e 1989, e a correspondente queda do
preço do petróleo no mercado internacional no mesmo
período; com efeito, as reserves provadas de petróleo (a
nível mundial) subiu de 710 Gb em 1986 para 900Gb em 1987 e de novo para
1010 Gb em 1989; tomando como referência o preço do
petróleo do Dubai ele caiu de 1980 (US$ 35,69) para US$ 27,53 em 1985 e
dramaticamente para US$ 12,95 em 1986, mas para subir de novo, porém
já só no fim da década, em 1990 (US$ 20,50); em sentido
inverso, a produção subiu sensivelmente, de 57Mb/dia em 1985 para
63 Mb/dia em 1989. A inversão da política externa dos EUA, sob a
administração Ronaldo Reagan (1980-88), passando da
coexistência pacífica para a agressiva guerra
das estrelas. A crise económica e política na URSS,
acelerada pela corrida armamentista e pela redução das receitas
externas, sobretudo provenientes da exportação de
petróleo, mas então a preço deprimido e sem a
possibilidade de incrementar a extracção, que conduziu à
dissolução do bloco soviético.
Em 1990 o Iraque é induzido a invadir o Kuwait e desencadeia a
intervenção militar de uma coligação militar
estrangeira sob a direcção dos EUA, sancionada pela ONU. É
a Primeira Guerra do Golfo. Desde 1991 até agora, o Iraque ficou sujeito
a um regime de embargo decretado pela própria ONU a que,
unilateralmente, os EUA e o Reino Unido adicionaram duas zonas de
exclusão aérea que demarcaram e passaram a bombardear
regularmente. Estas medidas tiveram como consequência, se não era
esse o seu real propósito, enfraquecer o Estado e a
administração pública do Iraque e mesmo questionar a sua
unidade nacional e territorial. Entretanto, a presença militar directa
norte-americana, iniciada aquando da guerra Irão-Iraque, foi
substancialmente incrementada, tendo o número de bases militares na
região envolvente do Golfo Arábico Pérsico duplicado no
curso da última década, a partir da Primeira Guerra do Golfo.
Após o misterioso atentado terrorista de 11 de Setembro de 2001, os EUA
desencadearam a campanha global de guerra contra o terrorismo,
tendo de imediato invadido o Afeganistão (Outubro de 2001) e
estabelecido alianças com novos Estados
independentes anteriormente integrados na URSS e, também, mais
bases militares, estas já na Ásia Central, no flanco norte das
maiores reservas de petróleo. Em Março de 2003, na
sequência de persistente campanhas de desinformação para
convencimento das opiniões públicas e diplomática sobre os
governos de países aliados em blocos militares, a falso pretexto do
risco colocado pela posse pelo Iraque de armas de destruição
maciça, já abertamente contra a opinião geral da
comunidade internacional e sem mandato da ONU nem apoio da OTAN ou da ASEA, os
EUA coligados com o Reino Unido e o apoio da Austrália e poucos mais
países, invadiram e ocuparam o Iraque. Foi o princípio da Segunda
Guerra do Golfo.
O propósito de assumir controlo directo sobre as reservas
petrolíferas do Iraque tornou-se agora geralmente consensual por
evidente. Todavia a mesma lógica e o mesmo plano levarão mais
longe esse propósito.
Se os picos de produção de petróleo nos EUA na
década de 70 e na URSS na década de 80 tiveram conexões
com graves incidentes à escala mundial de natureza económica,
política e militar, o iminente pico de produção à
escala mundial permite recear não menos graves e extensas
repercussões no próximo futuro. Futuro que parece ter já
começado.
O DRAMA DO IRAQUE
O propósito mais imediato dos EUA ao ocuparem o Iraque era sacar as
importantes reservas petrolíferas desse país, assegurar para eles
próprios uma parte das suas exportações, e pagarem a
reconstrução desse país, à sua maneira,
com as receitas das restantes exportações. A rentabilidade do
empreendimento seria maximizada ao entregar, sob
administração da potência ocupante a
extracção e comercialização do petróleo e a
reconstrução das infra-estruturas e serviços
públicos a empresas transnacionais familiares com o núcleo duro
do governo norte-americano.
Mas a visão estratégica desse núcleo duro,
constituído maioritariamente por neoconservadores, passa
também pelo que, nos discursos destes, é enunciado como
democratização do Iraque, a que deveria seguir-se a
democratização de toda essa vasta área e
diversidade de nações do Médio Oriente e da Ásia
Central. Traduzindo essa discurso ideológico e de conveniência
propagandística em realidade nua e crua, o plano estratégico
é o prosseguimento da instalação de bases militares, como
suporte para a realização desse desígnio político e
económico de colonização desses povos acantonados em
protectorados (à semelhança do anterior
império Britânico), promover nesses países a rápida
privatização de recursos e de serviços públicos (o
petróleo para começar mas seguindo-se a água, a
electricidade, a saúde e a educação) para o que a
prévia destruição criminosa das infra-estruturas (nos
bombardeamentos de Março e Abril de 2003) foi apenas a manobra
facilitadora desse propósito, tendo como finalidade acelerar a
integração desses recursos e dessas numerosas
nações (algumas populosas e todas elas com elevada taxa de
crescimento) no seio do sistema capitalista mundial.
Este desígnio imperial ambicioso confronta-se com grande
resistência, como é quotidianamente recordado pelos recorrentes
incidentes armados e pelo desenvolto discurso anti-norte-americano do povo
Iraquiano e da maioria dos seus líderes naturais, bem como pela
oposição das populações e dos poderes
políticos dos Estados vizinhos (ainda que por diferentes razões),
para além do contexto internacional adverso que antecedeu a o deflagrar
da Segunda Guerra do Golfo e desde então vem prosseguindo. Na realidade
os EUA não dispõem nem de um plano exequível nem dos
recursos humanos adequados para atingirem a finalidade que o seu governo se
propôs atingir; esta questão não será casual ou
conjuntural; outros factores e outras análises conduzem à
acumulação de evidências de que o poder hegemónico
dos EUA entrou em declínio já há alguns anos; mas é
a fera ferida a mais agressiva que agora o mundo enfrenta.
Sob pressão do combate no terreno, da opinião pública
internacional e já também abertamente da opinião
pública interna, o governo e o Congresso dos EUA revelam fracturas antes
silenciadas que se vão aprofundando agora. A presente
cimeira de Genebra (13 de Setembro de 2003) entre os ministros dos
negócios estrangeiros dos cinco países permanentes no Conselho de
Segurança das Nações Unidas, convocada (formalmente) pelo
seu secretário-geral, é uma manobra com várias frentes que
importa observar. Por um lado, os EUA pretendem legitimar a sua
presença como potência ocupante e reforçar o esforço
de ocupação mas à custa da presença militar de
outros países amigos; por outro lado, os outros membros
permanentes no Conselho de Segurança (Reino Unido, França,
Rússia e R.P. da China, para além dos EUA) contando-se entre as
principais potências político-económicas mundiais (com as
notáveis excepções da Alemanha e do Japão, os
principais derrotados na Segunda Guerra Mundial), estarão no imediato
interessadas em, por via diplomática, acordar a partilha dos despojos
desta Guerra, sendo admissível que os EUA sejam forçados a ceder
boa parte das suas ambições imperiais neste terreno;
alcançado este objectivo comum, o objectivo seguinte será levar a
ONU a adoptar resoluções que implícita ou explicitamente
reconciliem a agressão unilateral dos EUA com a ordem
jurídica internacional e legitimizem a entrada de tropas de outros
países no Iraque, sob a bandeira da ONU.
Este cenário em desenvolvimento poderá apaziguar vários
conflitos, aliviar um tanto o dramático sofrimento do povo Iraquiano e
dar ares ao mundo de solução de problemas que realmente
permanecem. Porque a concertação em curso é no
fundo relativa ao reequilíbrio e à centralidade do poder
económico e político do capital internacional, o imperialismo, no
seu trabalho de prolongar a exploração dos
trabalhadores e dos povos. A ONU, que foi criada reflectindo o
equilíbrio do mundo bipolar emergente no fim da Segundo Guerra Mundial,
após o fim do bloco soviético ficou à mercê dos
interesses das grandes potências capitalistas; e só
porque estes não convergiram durante as negociações
diplomáticas que antecederam a agressão ao Iraque, a cobertura
legitimadora da ONU foi abandonada. O objectivo dos trabalhadores e dos povos
que lutam por um futuro de Paz e de Socialismo, é compreender e rejeitar
as soluções que sirvam para prolongar o fôlego do
capitalismo. No caso do Iraque o que importa é que a unidade nacional e
a propriedade dos recursos naturais prevaleçam sob a
direcção de um poder político soberano constituído
pelo povo Iraquiano. E que a ONU seja criticada e conduzida a defender os
interesses não de alguma ou de todas as grandes potências
políticas mas sim os interesses universais de todos os povos.
14/Set/2003
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