Ensino superior: A reforma suicidária
por Rui Namorado Rosa
[*]
No início de Janeiro de 2003 foi distribuído à
discussão pública, por iniciativa do Ministério da
Ciência e do Ensino Superior, o documento de trabalho
Consolidação da Legislação do Ensino Superior Avaliação e revisão da legislação em vigor
e, em fins de Abril, o Ministério formalizou a discussão
pública do Documento de Orientação
Avaliação, Revisão e Consolidação da Legislação do Ensino Superior
.
Estes dois documentos, bem como algumas declarações do ministro,
anunciam e configuram um pacote legislativo para o sistema de
Ensino Superior. A ideia de transformar o mundo através da
acção legislativa persegue-nos, para mais e pior, num
domínio em que investimentos e resultados são inerentemente
pesados e lentos. Para além disso, provavelmente o principal objectivo
ou resultado é de natureza política e ideológica: a
imposição progressiva e acrítica dos cânones da
doutrina neoliberal, sem atender à análise da realidade concreta
do país e da vontade concreta do povo. Um suicídio em marcha,
senão do país ele mesmo, seguramente do seu futuro
autodeterminado e próspero.
A necessidade de alargamento do ensino superior público
O argumento da onda demográfica em Portugal o declínio da
população jovem em termos relativos e absolutos - tem aparecido
subjacente à justificação de algumas das
alterações preconizadas para o ensino superior, em particular
para a restrição do número de vagas oferecidas pelos
estabelecimentos de ensino público. Também a tónica do
discurso político posta na evolução do crescimento
em quantidade para o aprofundamento da qualidade (o termo
excelência veio importado e tende a entrar no mesmo discurso;
dir-se-ia que hoje o que não for excelente é mau, não
prestará de todo, será para deitar fora) soa como argumento para
justificar os mesmos fins.
Há aqui duas mistificações que pretendem justificar a
redução do investimento público no ensino superior.
Porque, na realidade, é objectiva a necessidade de alargamento do acesso
ao ensino superior. Por exigência da situação comparativa
de Portugal quanto à muito baixa qualificação da sua
população e da sua força de trabalho, por um lado, e, por
outro, pela retoma da procura do ensino superior pela juventude portuguesa, em
resultado do alargamento da escolaridade obrigatória dos actuais 9 anos
(valor mais baixo da EU-15) para os 12 anos, ou seja, até ao
nível de acesso ao ensino superior. Recorde-se que a
fracção da população activa (na faixa dos 15 aos 64
anos) que detém qualificação escolar a nível
superior é apenas 11,8% quando a média europeia é 24% (em
2001); que a taxa de abandono precoce do sistema escolar (jovens na faixa dos
14 aos 18 anos que saem do sistema de ensino sem formação
ulterior) é 43% (em 2001); estes índices são os piores da
União Europeia. Acresce que a taxa de escolarização em
todas as faixas etárias dos 6 aos 29 revelou evolução
negativa no período 1995 a 1999). Quer dizer que se há menos
jovens a procurar o ingresso no ensino superior é não só
porque a população jovem está em decrescer mas
também, e sobretudo, porque quase metade deles está a abandonar a
escola apenas com o ensino básico ou secundário, em parte
incompletos, para ingressarem no mercado do trabalho. Quer o governo
português, através do Ministério da Ciência e do
Ensino Superior, defender o raciocínio que, posto que há
redução na procura do ensino superior, então deverá
ser reduzida a sua oferta -- é esta a opção de
economia de mercado. Porém, é o mesmo governo,
através do Ministério da Educação, que anuncia o
alargamento progressivo da escolaridade obrigatória até ao
12.º ano, no curso dos próximos anos - certamente pressionado pela
constatação que apenas 21% da população activa em
Portugal possui escolarização secundária (completa ou
incompleta) quando a média europeia é 46% (em 2001).
A necessidade de o sistema de ensino público ser unificado
A Lei de Bases do Sistema de Ensino, de 1986, retocada em 1997, define que o
sistema de ensino superior é binário, compreendendo universidades
e institutos superiores politécnicos (e estabelecimentos, de um ou do
outro desses dois tipos, não integrados). A separação
entre os dois subsistemas é artificial (historicamente poderemos
explicá-la); persiste porque a lei expressamente o determina, sem que
tal corresponda a diferenças fundamentais ou necessidades objectivas. Os
enunciados das missões de universidades e de politécnicos fazem
uma distinção que só por preciosismo semântico se
vislumbra; a presente proposta de revisão da
legislação do ensino superior faz redobrados esforços para
artificiosamente explicar e perpetuar essa misteriosa diferença. Mas
este continuado esforço de diferenciação parece
inglório, sobretudo quando se pretende e é cada vez mais
reconhecida a diversificação de objectivos e actividades
cometidas às instituições de ensino superior, em
particular na vertente ensino, a formação inicial ou
avançada, conferente de grau académico ou não, curta ou
longa, a formação contínua; neste universo podemos falar
de ensino generalista, profissionalizante, universitário,
politécnico, profissional; mas estes conceitos qualificam as
acções, os objectivos, os resultados; não caracterizam e
ainda menos categorizam as instituições.
O absurdo da distinção entre universidades e politécnicos
emerge em vários pontos: na reserva de competência para a
atribuição do grau de doutor, na diferenciação
entre os graus exigidos para a docência, na competência para
realizar investigação, etc. A reserva da atribuição
do grau de doutor às Universidades, introduz uma
contradição: estando a atribuição do grau
correctamente condicionada à verificação de
pré-requisitos de habilitação institucional,
como é que esses pré-requisitos, que às universidades
reconhecem a competência para atribuírem o grau de doutor,
não permitirão aos politécnicos, que os cumpram
também, atribuir igualmente esse mesmo grau? A distinção
entre os níveis de qualificação mínima para a
docência num e noutro tipo de instituição é uma
distinção artificial; na realidade existem tanto nas faculdades
universitárias como nas escolas superiores politécnicas docentes
com idênticos graus de qualificação académica, desde
licenciados a agregados; é certo (havendo razões
históricas para isso) que globalmente o corpo docente
universitário tem nível de qualificação
académica mais elevado do que o corpo docente politécnico, mas
tal não é assim caso a caso (escola a escola, curso a curso), e
não existe obstáculo objectivo, pelo contrário é
expectável, que essa diferença progressivamente se atenue.
Propõe o actual projecto que as universidades façam
investigação enquanto os politécnicos façam
experimentação; será um infeliz trocadilho de palavras;
como todos sabem há investigação que é experimental
e outra não; a experimentação se seguir o método
científico é investigação; seria absurdo proibir ou
tão só admitir que nas instituições
politécnicas não se aplicasse o método científico
na experimentação também.
Deverá prevalecer em todos os casos o que até é dito no
próprio Documento Orientador: «Reconhecer que a qualidade das
instituições é diferenciada devendo cada uma limitar-se
à atribuição de graus e diplomas para os quais é
competente»; essa diferenciação faz sentido e é
útil; mas uma diferenciação a priori e impositiva é
negativa. A dicotomia formal não responde a uma necessidade e é
cada vez mais difícil de sustentar. Pior, será pernicioso
insistir nesse ponto. Cada instituição formulará, na base
da sua experiência histórica, do dinamismo dos seus membros, do
respectivo enquadramento cultural e sócio-económico, das redes de
ensino e investigação em que se inserem e das
opções de desenvolvimento do governo central, o projecto
próprio para o seu desenvolvimento; estes são os factores
determinantes do projecto institucional.
A necessidade de a Investigação ser parte integrante do ensino
superior
A proposta de revisão da legislação do ensino
superior é notoriamente omissa quanto às actividades de
investigação e desenvolvimento, e outras actividades de
extensão e culturais, que cabem na missão dos estabelecimentos de
ensino superior. Essas omissões reflectem e denunciam o facto que o
objectivo central deste pacote legislativo não é
aperfeiçoar e desenvolver o sistema de ensino superior mas pelo
contrário será reequacionar, para reduzir, as responsabilidades
do Estado no cumprimento de objectivos e de garantias de serviços
públicos básicos e de direitos fundamentais dos cidadãos,
num sector a Educação que é um dos pilares
da conformação da superestrutura ideológica da sociedade.
Dominar pelas ideias, incluindo pela ignorância, o povo português.
Os custos sociais e económicos decorrentes são efeitos
colaterais aceitáveis para uma classe dominante que aceitou
e defende uma posição mais do que periférica de Portugal
no plano da divisão internacional do trabalho, da
cooperação internacional (incluindo a CPLP) e da ordem
jurídica internacional.
O principal instrumento de financiamento público das actividades de
I&D&I é o programa operacional POCTI (2000-2006), agora sob a tutela do
mesmo Ministério da Ciência e do Ensino Superior. Mas o grau de
abstracção técnica da sua formulação, o
escasso conhecimento e interacção entre a unidade de
gestão desse programa e as instituições de
investigação bem como o imprevisível desenrolar da sua
execução, têm sido obstáculos permanentes à
sua eficácia.
E todavia, a I&D é parte integrante da missão das
instituições e do conteúdo funcional quotidiano dos
docentes, e o sector ensino superior é de facto o maior executor da I&D
realizada em Portugal. Parte significativa do financiamento das actividades
desenvolvidas nos estabelecimentos de ensino superior público
(descontando o grosso do orçamento comprometido com despesas fixas com
pessoal e instalações) é gerada por projectos de I&D e por
bolsas de formação avançada da população
estudantil em pós-graduação. A avaliação,
nacional e internacional, dos estabelecimentos de ensino superior abarca
também e necessariamente o desempenho nas vertentes de
formação pós-graduada e da I&D desenvolvidas,
compreendidas no conceito de avaliação institucional. O
Espaço Europeu do Ensino Superior está formalmente em
construção desde a Declaração de
Bolonha (1999) comportando, entre outros componentes, a compatibilidade formal
e real de formações oferecidas e aprendizagens alcançadas
a todos os níveis de que a mobilidade, a convergência
curricular e programática e o estabelecimento de um sistema europeu de
avaliação são instrumentos.
Daqui se conclui que estará mal enunciada e suportada qualquer
política para o ensino superior que não considere explicitamente
as actividades de I&D, o quadro legal, os recursos humanos (incluindo quadro de
investigadores), físicos e financeiros para tal requeridos e a
avaliação dessas actividades, que os estabelecimentos de ensino
superior realizam e necessariamente deverão realizar.
A necessidade de a frequência do ensino superior ser gratuita
Aparece como peça central desta revisão do ensino
superior o seu financiamento. Sintomático de um objectivo central deste
pacote legislativo, é toda a atenção colocada no
financiamento da formação inicial (primeiro ciclo de estudos
conducente ao primeiro grau académico, a licenciatura) e na
correspondente Acção Social.
O Documento de Orientação ministerial promete «O sistema de
financiamento do ensino superior deve ser pensado com critérios claros e
coerentes de justiça social, valor essencial do regime
democrático, garantindo que o acesso ao ensino superior não seja
frustrado por dificuldades económicas, mas também evitando que a
frequência do ensino superior acabe por constituir uma vantagem que os
menos favorecidos pagam, através dos seus impostos, aos mais
favorecidos»; e mais adiante: «A comparticipação dos
alunos ou das famílias no financiamento do 1.º ciclo de estudos
superiores nas instituições públicas, será mantida
através de um sistema de propinas (
.)»; e ainda: «O
Estado compromete-se a garantir a existência de um sistema de
acção social, o qual assegurará que nenhum estudante
será excluído do ensino superior por incapacidade
financeira». Não deveria estar subjacente a este enunciado a ideia
que a contribuição directa das famílias para a
frequência do ensino superior seja agravada; a larga maioria dos menos
favorecidos seria prejudicada. O importante estudo
Perfil sócio-económico dos estudantes do ensino superior,
CNASES (1997), suporta esta conclusão, porém passa
convenientemente esquecido; aí se comprova que a maioria dos
estudantes do ensino superior provém de famílias com baixo
capital escolar e baixo nível de rendimento e que procura superar o
capital sócio económico da classe de origem; aí se
comprova também que as situações ainda mais carenciadas
são as dos estudantes deslocados oriundos do interior do
país e as dos trabalhadores estudantes. E não obstante,
várias declarações anunciam como certo o agravamento
significativo das propinas, prosseguindo o percurso iniciado em 1997, ao passo
que nada de substancial é anunciado para o necessário
reforço da acção social. Aliás, se a questão
de os menos favorecidos pagarem pelos mais favorecidos for
casuisticamente real, ela não é argumento relevante no
âmbito da política da educação, mas sim da
política fiscal, pelo que é neste contexto um argumento abusivo.
É além disso um argumento falacioso, pois que se a alegada
ineficiência do sistema fiscal é boa
justificação para cobrar propinas, como poderá o mesmo
sistema fiscal já ser considerado eficiente para fazer
justiça quando aplicado à Acção Social?
É caso para desconfiar do discurso oficial em torno de propinas
versus acção social pela semelhança que invoca com o
conhecido jogo do pau e da cenoura.
O Documento de Orientação insinua-se apaziguador, invoca a
justiça social e promete garantir que o acesso ao ensino não
será frustrado por dificuldades económicas; porém, para
além desta assunção de que o Estado incrementará o
seu esforço e não deixará fora do sistema nenhum jovem por
incapacidade financeira, sabemos que o Ministério preconiza o aumento da
contribuição dos estudantes e famílias através do
agravamento das propinas. Esta comparticipação para além
de realmente injusta ainda menos se justifica. O país precisa, por
interesse nacional urgente, dar prioridade à elevação
geral das qualificações da população e da
força de trabalho (as mais baixas na UE-15), qualificação
que se repercutiria positivamente na produtividade do trabalho. A
elevação do produto acumulado numa vida profissional, que
advém da formação adicional, é muito superior ao
produto que é o próprio processo de formação; e,
nas contas do Estado, as receitas em taxas e segurança social que
advêm de uma carreira profissional mais qualificada e melhor remunerada,
é várias vezes superior às despesas com a respectiva
formação superior. De um outro ponto de vista, posta a amplitude
do leque de custos de formação por área científica
(de 1 para 10), não se justificaria, à luz da
argumentação que pretende justificar a colecta das propinas, que
pagassem (e por igual) alunos que frequentam cursos tanto de baixo custo
específico (como direito e gestão) como de levado custo
específico (como medicina e engenharia), em flagrante
desproporção com os custos reais dos respectivos custos e com os
ganhos futuros desses alunos enquanto profissionais.
Não menos grave neste discurso em torno das propinas é com ele
alimentar a ilusão que essa contribuição adicional por
parte das famílias seria suficiente, sequer significativo, para elevar o
actual nível de financiamento dos estabelecimentos de ensino superior
até níveis minimamente comparáveis aos do financiamento de
estabelecimentos congéneres europeus. Só o Estado o poderá
fazer, por opção de desenvolvimento estratégico. No ensino
e investigação a maioria dos custos fixos são os mesmos ou
comparáveis através de toda a Europa; por conseguinte, para que
seja assegurada a qualidade e comparabilidade internacional do ensino superior
em Portugal requer-se que os níveis de financiamento sejam
comparáveis, por estudante e por docente e investigador. Importa pois
tomar padrões de custos que tendam para o padrão médio
europeu; é assim na produção de bens e serviços
competitivos, não pode ser de outro modo na qualificação a
nível superior.
É preconizado um sistema de bolsas e empréstimos desde o 1.º
ciclo de formação (licenciatura) até ao 3.º ciclo
(doutoramento). Ao Estado, através da Acção Social,
compete atribuir bolsas e outras prestações. Mas o
empréstimo não pode ser considerado uma alternativa à
bolsa. O instrumento empréstimo deve ser liminarmente rejeitado neste
contexto; mais uma vez é trazido para o seio da política
educativa um conceito que lhe é estranho, neste caso um produto
financeiro bancário. No plano de justiça social é
inaceitável: tais empréstimos representariam
assumpção precoce de dívidas por quem não colheu o
benefício de um bem futuro, nem pode oferecer garantia do ponto de vista
financeiro face à empregabilidade incerta, nem merece por
isso ser penalizado, designadamente no adiamento de constituição
de vida familiar autónoma. Mesmo no plano de política
económico-financeira é de rejeitar: sabemos que é por
demais elevado o nível de endividamento (público e privado) em
Portugal; a acumulação de empréstimos no início de
uma carreira teria impactos familiares gravosos a prazo; dados esses
constrangimentos, tais empréstimos configuram-se como um mau
negócio para as instituições bancárias e a
respectiva garantia do Estado seria melhor aplicada no apoio directo aos
estudantes sob a forma de bolsas.
A autonomia e a gestão competente e democrática
Cada instituição formulará, na base da sua
experiência histórica, do dinamismo dos seus membros, do
respectivo enquadramento cultural e sócio-económico, das redes de
ensino e investigação em que se inserem e das
opções de desenvolvimento do governo central, o projecto
próprio para o seu desenvolvimento; estes são os factores
determinantes do projecto institucional.
A proposta de «a criação, como órgão
obrigatório, dos Conselhos da Universidade e do Instituto
Politécnico, constituídos fundamentalmente por membros da
sociedade civil (
)» aparece como velha novidade no Documento de
Orientação; tal já está previsto por outras
palavras nas actuais leis de autonomia das universidades e dos estabelecimentos
de ensino superior politécnico: Em algumas instituições
esses conselhos, como órgãos autónomos ou como partes
integrantes de senados ou de conselhos gerais, funcionam, noutras essa
experiência é incipiente ou fracassou; não é por
reafirmar em lei que as insuficiências ou obstáculos encontrados
no passado se ultrapassarão; a composição e os poderes
agora enunciados até estarão aquém das experiências
já bem sucedidas nalgumas instituições. A questão
de fundo subjacente é em que medida a comunidade em geral tem
vocação e recursos para contribuir substancialmente para os
projectos das instituições de ensino superior; as numerosas
experiências de associações universidade-empresa, apoiadas
com fundos estruturais do I Quadro Comunitário de Apoio, conduziram
quase todas a becos sem saída e à falência das
associações então criadas. Se é difícil
transformar as instituições de ensino superior mais
difícil é transformar a dinâmica e a estrutura do aparelho
produtivo que temos, no corrente quadro sócio-económico
caracterizado por funda divisão de classes, exploração
intensiva do factor trabalho e menosprezo pela sua qualificação e
pela intensificação e inovação tecnológica.
Pelo contrário, os estabelecimentos de ensino superior, não
obstante as suas deficiências e carência de recursos, têm
sido os principais motores de subsistência de regiões
tradicionalmente deprimidas e em declínio e, em certa medida e certos
casos de maior sucesso, do seu relativo desenvolvimento.
Propõe o Documento de Orientação «os
órgãos colegiais terão obrigatoriamente uma
participação maioritária de docentes e investigadores
doutorados no caso das universidades, e de mestres e doutores no caso dos
institutos politécnicos, excepto os Conselhos Pedagógicos»;
este princípio parece antagónico com esse outro anteriormente
enunciado «O ensino superior deve estar concebido em função
do estudante (
)». A participação dos estudantes nos
órgãos e nas decisões das escolas continua a não
ser bem aceite pelo governo e por parte significativa dos mais adultos; reflexo
do impacto social do movimento estudantil, com seu conteúdo
político e cultural próprio; reflexo do envelhecimento geral da
população ou emergente conflito intergeracional em tempo de
mutações rápidas. Mas devemos antes defender o
princípio que a participação plena dos estudantes na vida
institucional é um meio de aprendizagem cívica, cultural e
técnica que deve ser assumida como parte integrante da sua
formação escolar; e devemos evitar confundir
representação com participação, sendo certo que
esta é fundamental e aquela é o instrumento através do
qual esta se torna actuante.
A obsessiva preocupação com o peso da representação
dos estudantes manifesta-se numa falsa antinomia entre docentes e discentes e
remete para o esquecimento a participação e
representação dos funcionários não docentes.
É evidentemente que na equação formulada está em
falta essa representação dos funcionários não
docentes; e que, tomando em devida conta este corpo, o receio do peso
excessivo do corpo de estudantes já não faz sentido;
na actual legislação o peso da representação do
corpo de estudantes está já limitado a cerca de um terço
(excepto nos conselhos pedagógicos); a presente formulação
parece sobretudo uma reacção impulsiva, não racionalizada,
contra os estudantes.
Devemos sim, cuidar de garantir ao corpo de funcionários não
docentes a representação orgânica que merece. Actualmente,
em Portugal, a composição numérica dos três
principais corpos em instituições de ensino superior pode ser
exemplificado por uma (virtual) universidade com 15000 alunos, 1000 docentes e
750 funcionários. O peso numérico deste terceiro corpo é
actualmente menor nas instituições portuguesas do que nas suas
congéneres europeias, mas isso é uma insuficiência e um
atraso relativo, com grave reflexo na produtividade dos docentes e
investigadores; os funcionários têm hoje uma acrescida
importância quantitativa e qualitativa que não pode ser
menosprezada e ainda menos consagrada em lei. A sua mais significativa
representação nos órgãos colegiais é justa e
necessária e corresponderia a essa crescente importância.
Com as mais diversificadas qualificações e domínios do
conhecimento no seu seio, não faltam às
instituições de ensino superior competências para se
gerirem. Várias delas fazem excelente e inovador uso dessas
competências, apesar da escassez de meios disponíveis; elaboram
estudos sobre elas próprias, auditorias internas,
auto-avaliações, planos de desenvolvimento, estudos sobre o
universo estudantil e os processos educativos, sobre a comunidade exterior,
etc. Evocar gestão profissional ou empresarial
para as instituições de ensino superior é virar a
realidade do avesso. Se é certo que há casos de melhor ou pior
criatividade e gestão no ensino superior, quererão convencer-nos
que no sector empresarial a criatividade e a gestão são
inerentemente e universalmente melhores? Estão a brincar com coisas
sérias.
11 de Maio de 2003.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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