Investigação fundamental e aplicada:
um confronto político
por Rui Namorado Rosa
CONHECIMENTO E INVESTIGAÇÃO
A investigação fundamental foi objecto de numerosas tentativas de
definição que têm importância teórica ou
operacional. As aplicações concretas de uma teoria ou de uma
descoberta muitas vezes são imprevisíveis e verificam-se muito
mais tarde; aliás o relacionamento de um hipotético ponto de
partida com um hipotético ponto de chagada, facilmente omite etapas e
contribuições afluentes intermédias. Como será
fácil ignorar, no que toca a uma invenção técnica,
se ela é ou uma etapa final de uma linha de investigação
intencionalmente prosseguida, ou acidentalmente alcançada, ou uma
transposição oportuna, de um domínio científico
para um outro, de um método já conhecido.
A oposição entre investigação básica e
aplicada, ou entre livre e orientada, tem razão filosófica mas
tem sido também instrumento de manipulação argumentativa.
Tanto se podem invocar exemplos de investigação básica ou
livre que rapidamente evolui para nova tecnologia como de
investigação aplicada ou orientada que não chega a
produzir resultados técnicos e económicos. A
criação científica é um processo integral em que a
diferenciação de etapas nem sempre é nítida e
não é necessária para a sua dinâmica; e os ritmos de
progressão são muito variáveis. No limite, a
revolução científica e técnica integra todas essas
etapas, desde a aquisição do conhecimento fundamental até
à realização da invenção técnica, num
processo único e cada vez mais célere. Essa
integração está reconhecidamente mais avançada nos
EUA e é considerada por vários autores como uma fragilidade
estrutural da dinâmica produtiva na Europa.
O PODER ECONÓMICO E A INVESTIGAÇÃO INDUSTRIAL
A opção marcadamente industrial da orientação
oficial Europeia em política de investigação
científica está irredutivelmente registada nas linhas de
força do seu instrumento mais poderoso, o Programa Quadro de
Investigação. De facto, as prioridades temáticas do Sexto
PQ são: genómica e biotecnologia (para a saúde),
tecnologias da sociedade da informação,
nanociências e nanotecnologias, materiais multi-funcionais e novos
produtos e processos, aeronáutica e espaço, qualidade e
segurança alimentar, desenvolvimento sustentável, mudanças
globais e ecossistemas, cidadania e governo (na sociedade do
conhecimento) e, adicionalmente, gestão de resíduos
radioactivos e protecção radiológica. Por de trás
destas opções temáticas estão os sectores
económicos mais influentes que são também aqueles em que a
concentração de capital é mais elevada: indústria
farmacêutica, alimentar, química, telecomunicações,
electrónica, aeroespacial e energia. Essa opção revela
quem comanda a ciência europeia e quem a Comissão pretende que a
comande; na própria comunicação Rumo a um
Espaço Europeu da Investigação se afirmava já
que o mercado financeiro europeu ainda não se apercebeu
suficientemente do valor económico do investimento no
conhecimento. E mais se revela quando as matérias relativas
à investigação científica são tratadas
prioritariamente no âmbito do Conselho da Competitividade.
A actividade económica, estando altamente concentrada num número
relativamente reduzido de corporações multinacionais, é
todavia maioritariamente exercida através de um tecido económico
mais extenso constituído por uma multidão de PME e de um
exército de trabalhadores independentes ou semi-dependentes (que
não se esgotam nas clássicas profissões liberais).
Segundo a Eurostat, em 2001, na União Europeia existiam 112
milhões de trabalhadores, dos quais 74 milhões em PME; e destes,
38 milhões em empresas com menos de 10 trabalhadores. As pequenas e
médias empresas assalariam a maioria da força de trabalho e as
mais pequenas são expressivamente as mais numerosas.
As grandes corporações, no topo desta pirâmide, pelo grau
de integração vertical e horizontal das suas actividades, e pelo
extensivo recursos à subcontratação, efectivamente
detêm grande ascendente nas opções estratégicas, em
geral, e na valorização das descobertas científicas e
inovações tecnológicas, em particular. Daí o seu
avanço tentacular em direcção aos sectores,
tradicionalmente públicos, de Ensino e Investigação.
A distância entre a UE e os outros pólos do
capitalismo mundial (os ditos rivais económicos) é
atribuível, sobretudo, ao mais baixo nível de investimento
privado em I&D por corporações sediadas na Europa (56% contra 66%
nos EUA e 73% no Japão), ao balanço negativo dos investimentos
estrangeiros em I&D feitos pelas grandes corporações baseadas num
e noutro lado do Atlântico e, ainda, ao mais expressivo nível de
financiamento para a defesa nos EUA (o que porém não
é o caso do Japão). Tudo somado, a contribuição
pública para a I&D é relativamente equivalente entre os dois
lados do Atlântico, mas a contribuição privada é
sensivelmente mais baixa na Europa; de tal modo que o número de
investigadores a trabalhar em empresas é, na Europa, menos de metade que
nos EUA, e o investimento total em I&D (em proporção do PIB)
é, na Europa, 2/3 do que é nos EUA.
A escassez de financiamento privado em I&D na União Europeia decorre em
parte da deslocalização dessas actividades. Por exemplo, um
número crescente de empresas das indústrias química e
farmacêutica, sectores dos mais intensivos em I&D, está a
deslocalizar estas suas actividades para os EUA ou a reduzir o seu volume de
investimento na Europa, quando anteriormente promoviam, com os seus
próprios meios, grandes projectos de investigação na
Europa. Não que as corporações sediadas na UE reduzam o
volume de financiamento privado em I&D, porque o incrementaram de 28% para 31%,
entre 1998 e 2002, ao passo que as sediadas nos EUA o reduziram de 43% para
41%, no cômputo mundial. Mas porque o investimento em I&D pelas empresas
Europeias cada vez mais é aplicado fora da Europa, como as
indústrias química e farmacêutica exemplificam.
Na Europa, desde as pequenas às grandes corporações,
poucas empresas realizam ou promovem investigação fundamental; as
suas actividades tendem a concentrar-se em estrita investigação
aplicada e no desenvolvimento experimental. Todavia, elas acabam sempre por ser
as grandes beneficiárias da actividade científica que se faz nas
universidades e nas instituições públicas, incluindo as
instituições intergovernamentais, desde a
investigação fundamental à aplicada, na forma de
publicações, patentes, prestações de
serviços e, sobretudo, do conhecimento especializado dos quadros mais
qualificados que recrutam.
Acresce que os grandes projectos de investigação fundamental
são eles também vias para o financiamento da
inovação tecnológica empresarial, por via dos equipamentos
e sistemas que as empresas são solicitadas e fornecer. À
semelhança, aliás, do que acontece com os fornecimentos para
projectos públicos ou em consórcio de natureza industrial
como ESA, ARIANESPACE, GALILEO, etc. Assim, as empresas acabam sempre por
colher indirectamente os frutos da investigação fundamental.
Há ainda uma outra motivação subtil para que as empresas
não façam ou digam não fazer investigação
fundamental. Tem a ver com os direitos de propriedade intelectual sobre os
resultados da investigação científica. Os resultados da
investigação fundamental, e até aplicada em certa
extensão, são divulgados e circulam livremente. Em termos do
direito, as descobertas e as teorias científicas não são
passíveis de registo de propriedade intelectual; apenas podem ser
registadas patentes sobre invenções. A publicação
precoce de uma descoberta poderia arruinar a possibilidade de
protecção e valorização de resultados, com
interesse económico sob a forma de um produto ou de um processo
patenteável.
A estratégia económica das grandes corporações
exerce-se através de
lobbies
constituídos e activos junto de todas as instâncias
intergovernamentais e internacionais. Na União Europeia é de
destacar a influência da
European Round Table of Industrialists
(ERT), formada por 45 líderes empresariais designados de entre os
líderes dos maiores grupos empresariais.
Em Fevereiro de 2003, a ERT emitiu uma comunicação sob o
título The European Challenge, dirigida ao Conselho Europeu,
em que, alertando para o atraso no cumprimento dos objectivos e metas de Lisboa
e Barcelona, reclamava um maior esforço público no financiamento
das universidades e das instituições de
investigação, a fim de incrementar a formação de
trabalhadores altamente qualificados e a produção de resultados
de I&D, como também uma acrescida focalização desse
esforço em designados centros de excelência; e avisava
que, dadas as correntes circunstâncias, as grandes empresas tenderiam a
investir e a deslocalizar as suas actividades, incluindo I&D, para fora da
Europa. Esta mensagem terminava com um enunciado explícito
de 11 medidas de política preconizadas (ou exigidas?) pela ERT ao
Conselho Europeu da Primavera de 2003. Antecedendo o Conselho Europeu da
Primavera de 2004, a ERT apresentou um novo relatório preenchido com
recomendações, actualizando The European Chalange de
há um ano atrás.
Para além deste pesado parceiro social, a União
Europeia conta também, com os
lobbies
de, para além de inúmeras associações patronais
sectoriais, a UNICE a união das federação
empresariais dos países Europeus que aglutina as
representações patronais de 30 países. A UNICE, que se
intitula a voz do negócio na Europa, enuncia na sua
missão: encorajar o espírito empreendedor, fazer valer os
interesses do empresariado, promover a flexibilização do mercado
de trabalho e promover políticas equilibradas de desenvolvimento
sustentado.
Recentemente, Setembro de 2004, a UNICE emitiu um comentário sobre o
quadro de apoio público à I&D em vigor. Aí propõe
que, para o estabelecimento do Espaço Europeu de
Investigação, a Comissão aplicasse mais frequentemente
tratamentos de excepção a projectos importantes de interesse
comum e a projectos transnacionais. Reclama a liberalização da
interpretação relativa à elegibilidade de apoio
público a I&D empresarial. E reclama o reforço da parceria entre
empresas e investigação pública, criticando os termos em
que o Programa Quadro disciplina os direitos de propriedade intelectual
decorrentes de actividades de I&D realizadas em instituições
públicas em colaboração ou sob contrato com empresas.
Daí concluía com um enunciado de recomendações
(exigências?) sobre direitos de propriedade intelectual.
Para que a vontade do patronato fosse ouvida mais alto (numa altura em que a
comunidade científica procurava fazer valer a prevalência da
investigação fundamental), realizou-se em Bruxelas, 11-12 de
Março de 2004, com inúmeros patrocínios empresariais mas
sobretudo os da UNICE e da própria CE, a terceira European
Business Summit que congregou oitenta oradores e mil participantes
representando os mundos dos negócios, político, académico
e ONGs (representando a dita sociedade civil), com especial
protagonismo de comissários e altos funcionários da UE e de
líderes empresariais, visando reforçar as ligações
entre os decisores políticos e os grandes empresários. Esta
iniciativa foi agendada para anteceder e consequentemente
aconselhar o Conselho Europeu da Primavera. A candura com que os
protagonistas tomaram o palco e assumiram os seus objectivos não deixa
margem de dúvida sobre a natureza e a orientação deste
processo de construção europeia. À parte os
académicos que também sejam líderes políticos, ou
gestores empresariais, ou funcionários ou consultores da CE ou, ainda,
dirigentes de alguma ONG, qual seria a efectiva presença e
representatividade da comunidade científica, das universidades, das
sociedades científicas? E todavia dessa cimeira resultaram três
mensagens principais que lhes diriam directamente respeito: A Europa ocupa uma
posição destacada em numerosos domínios
tecnológicos (telecomunicações, aeroespacial, energia,
nanotecnologia, etc), embora haja perdido a primazia ou nunca a haja adquirido
em vários outros (biotecnologia e farmacêutica). Mas, não
obstante existirem inúmeras oportunidades e necessidades para realizar
inovações (energia, segurança) as empresas europeias foram
ultrapassadas na capacidade de converter conhecimento em inovação
(o denominado paradoxo europeu). A cimeira apontou o dedo:
há uma insuficiente disponibilidade de cientistas e de engenheiros de
topo, é insuficiente a articulação entre a
investigação fundamental nas universidades e o desenvolvimento de
produtos nas empresas, os encargos financeiros e sociais tornam a I&D
não competitivos na Europa, o custo de protecção da
propriedade intelectual é excessivo, etc. A cimeira chegou a anunciar:
os objectivos de Lisboa e as metas de Barcelona são pontos importantes
da agenda política que correm o risco de ser insuficientemente
conseguidos e demasiado tarde; como encontrar os 1.200.000 cientistas e
engenheiros adicionais e como colmatar o défice de 120.000
milhões, necessários para alcançar esses objectivos e
metas, em vista dos avanços entretanto verificados não só
nos EUA, mas
agora também na China e na índia, e da reanimação
do Japão?
As mensagens são categóricas, insistentes e abundantes.
A INVESTIGAÇÃO FUNDAMENTAL
Em contraponto às pressões dos
lobbies
empresariais e patronais, traduzidas no acentuado dirigismo da Ciência e
da Tecnologia Europeia para a investigação aplicada e orientada
para determinados objectivos industriais, nos dois últimos anos diversas
outras iniciativas têm vindo a chamar a atenção para a
importância urgente da investigação fundamental. A
Fundação Europeia da Ciência (ESF), um grupo de 45
Prémios Nobel Europeus e a associação dos Presidentes dos
Conselhos Nacionais de Investigação (EuroHORCs), entre outros,
tomaram posição a favor da maior presença da
investigação fundamental no Espaço Europeu de
Investigação. Em Outubro de 2002, a presidência
dinamarquesa da União realizou uma conferência sobre o tema
Conselho Europeu de Investigação. E em Dezembro de
2003, o Grupo de Peritos do Conselho Europeu de Investigação
(ERCEG) propôs a constituição de um fundo europeu
para a investigação fundamental financiado pelo Programa
Quadro (para o efeito reforçado) funcionando por intermédio de um
Conselho Europeu de Investigação, a ser criado.
Essas várias tomadas de posição traduzem
insatisfações da comunidade científica quanto a
(in)disponibilidade de recursos e as orientações políticas
prevalentes, procurando influir em tempo útil sobre as novas
perspectivas financeiras para a União Europeia e a
concepção do VII Programa Quadro (2006-2010).
Na União Europeia, a maior parte da investigação
fundamental é executada a nível nacional, com realce para o
âmbito universitário, com financiamentos de base e
concorrencional, de origem sobretudo pública. Mas organismos
públicos de investigação e laboratórios de Estado
desempenham também papel importante em alguns países (CNRS em
França, CSIC em Espanha, CNR em Itália, Max Plank Gesellschaft na
Alemanha, etc), recebendo para o efeito financiamento plurianual
temático e em certos casos concorrencial também. O financiamento
nacional é canalizado através de agências públicas
ou gerido por entidades científicas (Research Councils no Reino Unido,
NWO nos Países Baixos, FNRS na Bélgica, Deutsche
Forschungsgemeinschaft na Alemanha, etc). A investigação
fundamental é também executada a nível comunitário,
como seja em redes e projectos coordenados pela Fundação Europeia
da Ciência (ESF), bem como no quadro de algumas
organizações intergovernamentais ou comunitárias (CERN,
ESO, ESA, EMBO, EMBL, etc). Algumas poucas acções recentemente
introduzidas no Programa Quadro (acções Marie Curie e NEST)
também concorrem, mas muito limitadamente, para o mesmo fim.
Mas na Europa o financiamento privado da investigação é
escasso, e ainda mais escasso para fins de investigação
fundamental; poucas empresas realizam investigação intramuros e,
quando o fazem, focalizam-na em investigação aplicada e
desenvolvimento tecnológico; pelo contrário, as empresas
pressionam a aplicação prioritária dos fundos
públicos para investigação aplicada, inclusivamente para
ser executada nas próprias empresas.
Por comparação, nos EUA a investigação fundamental
é sobretudo executada e encontra-se concentrada em 150
research universities,
financiada por poderosas agências públicas como a NSF (National
Science Foundation) e a NIH (National Instituts of Health); financiamento
privado para a investigação fundamental é também
atribuído por fundações filantrópicas e
doações particulares. Como regra, nos EUA a
afectação é directamente feita às equipas de
investigação, o que gera grande competição mas
grande precaridade também. Importantes corporações
realizam autonomamente investigação de natureza fundamental
intramuros (Bell Laboratories, IBM, etc).
A disparidade de políticas científicas entre os dois lados do
Atlântico encontra-se claramente manifesta na disparidade de
números de prémios Nobel atribuídos a investigadores
trabalhando num ou noutro lado, sendo que desde a década de 40, se
verifica uma divergência persistente e progressiva.
É aparente a vontade teórica de a Comissão Europeia
imprimir uma política de aproximação formal ao
modelo americano. Será uma orientação
difícil e perigosa, na medida em que visa destruir para reorganizar e
elevar o grau de concentração do sistema europeu de I&D, quanto a
recursos e a objectivos, aspirando a incertos sucessos futuros.
Orientações que se repercutem profundamente na
reestruturação dos presentes sistemas de ensino superior europeus
e das instituições nacionais de I&D. Sem que a oportunidade e
estabilidade de trabalho e carreira de investigadores sejam salvaguardadas e a
origem dos necessários fundos adicionais esteja de todo assegurada.
A Comissão Europeia finalmente pronunciou-se, em Janeiro de 2004, sobre
a investigação fundamental na comunicação A
Europa e a Investigação Fundamental, fazendo eco às
aspirações da comunidade científica, traçando o
quadro comparativo entre a União e os EUA, mas extraindo
conclusões muito prudentes.
Logo após a referida comunicação, realizou-se em Dublim,
em Fevereiro de 2004, a conferência A Procura Europeia de
Excelência em Investigação Fundamental, sob os
auspícios da presidência irlandesa da União e a
presença de ministros e altos funcionários de 27 Estados, bem
como de representantes do patronato, agências nacionais de financiamento
e académicos. As conclusões dessa conferência repetem
enfaticamente (o termo excelência é repetido sete
vezes) o que a CE já antes enunciara na sua comunicação,
designadamente a coordenação e concentração de
políticas e recursos a nível europeu, a formação de
recursos humanos qualificados para a investigação e para a
economia, e a afectação explícita de fundos à
investigação fundamental no próximo Programa Quadro. A
conferência mais propôs uma iniciativa europeia que, merecendo a
confiança da comunidade científica, crie um dispositivo que
envolva a comunidade científica e as esferas empresarial e
universitária, na definição das suas estratégias e
na sua administração, para a afectação de fundos
sob forma de subsídios individuais em base competitiva. Acaba por
afirmar que a investigação fundamental deverá ser um forte
pilar do Espaço Europeu da Investigação e este suportar a
recuperação da liderança científica da Europa.
Mas pouco depois, nas conclusões do Conselho Europeu de Março de
2004 pode ler-se apenas: O Conselho Europeu vê mérito no
incremento do apoio à investigação fundamental da mais
elevada qualidade e a oportunidade de financiamento específico
será examinada. Aguarda com interesse uma proposta da CE que
poderá incluir a possibilidade de estabelecer um Conselho de
Investigação. É um enunciado displicente e sem
convicção.
Finalmente, na comunicação de Junho de 2004, intitulada
Ciência e Tecnologia, a chave para o futuro da Europa, mais
categórica, a União, através da Comissão Europeia,
não consagra nem o prometido European Researh Council nem o
desejado reforço da investigação fundamental, antes um
mero esquema de apoio. Pelo contrário, reafirma a consabida
prioridade dos interesses imediatos e utilitaristas da agenda dos grandes
sectores económicos.
UM CONFLITO DE IDEIAS QUE TRADUZ O CONFLITO SOCIAL
A conclusão será que, passados mais de dois anos de
mobilização da comunidade científica, desde os
níveis de unidade de investigação, de
associação sindical ou profissional, a estruturas representativas
ou especializadas a nível da própria União Europeia, a
prioridade da agenda económica e da investigação dirigida
para a indústria prevaleceram inteiramente, quase sem ganhos para a
agenda social e a investigação fundamental. A Comissão
Europeia limitou-se à mera intenção de estabelecer ainda
este ano um esquema de financiamento da investigação
fundamental; o documento de trabalho intercalar produzido a 29 de
Setembro passado pela CE em colaboração com o EuroHORCs, para
além de repetir os mesmos considerandos e equacionar alguns aspectos
particulares do novo mecanismo, confina-se a avançar com os conceitos de
um Conselho de Governo (para superintender o novo
esquema) constituído por representantes de alto nível
da comunidade científica europeia (não de países), de uma
vasta bolsa de especialistas para efeitos de
avaliação por pares, e de uma estrutura que cumpra os
fins do novo mecanismo de financiamento (agência da União,
fundação ou outra).
A realidade é que a agenda económica das
corporações transnacionais é que comanda a marcha da
Investigação Científica e Tecnológica na
União Europeia. A concentração monopolista do capital e
das actividades de produção progride. Paralelamente,
avança a concentração da I&D num número reduzido de
grandes instituições de investigação e de grandes
universidades, ou de apertadas redes ou projectos de grande dimensão,
ditos excelentes. As patentes ou títulos de propriedade
intelectual surgem como instrumentos também de apropriação
e de investimento, tornaram-se em activos de novas oportunidades de
negócio, também eles objecto de concentração
monopolista.
Entretanto, os resultados da investigação fundamental e a
formação de trabalhadores científicos altamente
qualificados, não sendo propriedade privada desses mesmos interesses
económicos, são um precioso mas mero substrato público de
que gratuitamente se alimentam. Mas para os cidadãos europeus, a
investigação científica e a qualificação
avançada, isto é, a criação de conhecimento e a sua
fruição, são bens públicos de que não
prescindem e que lhes são explicitamente garantidos como os direitos
universais, pelas suas constituições nacionais.
A constituição europeia, proximamente objecto de
ratificação na União, pretende subverter esses valores
constitucionais, conferindo ao acesso à criação e à
transmissão de conhecimento uma importância subalterna, ao
diminuir o seu valor social como bem público para realçar o seu
valor instrumental para o crescimento económico. Cabe aos trabalhadores
científicos o dever cívico de a escrutinar e criticar,
também do ponto de vista da Educação e da Ciência,
para sobre este projecto europeu formularem opinião própria e
para com esta contribuírem para que todos os demais sobre ele formulem
mais fundamentado juízo.
27/Out/2004.
Este artigo encontra-se em
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