Uma guerra há muito anunciada
por Rui Namorado Rosa
A escassez física do petróleo (que o mercado
não alcança), a crise económica geral (também nos
EUA), a debilitação do dólar (ainda o principal
instrumento de transacção comercial e de reserva dos bancos
centrais), a crise financeira mundial, a emergência da zona euro, a
possibilidade de a OPEC vir a adoptar o euro na denominação do
preço do petróleo, constituem uma combinação de
factores entrelaçados e aparentemente explosiva.
Até à década de 1970, o Golfo Pérsico estava pouco
militarizado. Mas a crise petrolífera e o quadro de fundo da Guerra-Fria
veio acender a imaginação dos estrategas norte-americanos.
É de 1975 um plano de Henry Kissinger que iria transformar a prazo essa
situação. Esse plano não é publicamente conhecido
mas a sua existência tem testemunhos (Robert Dreyfuss, The Thirty-year
Itch, Mother Jones Mach-April 2003). A sua elaboração inicial e
posterior foi obra de uma elite bem instalada no Departamento de Defesa (DOD) e
no meio universitário que viria a ser conhecida pela
designação de
neo-conservadores
. A sua influência era já assinalável na
administração de Ronald Reagan e está presente em
força na de George Bush. A sua primeira tradução
política aparece em Janeiro de 1980 na doutrina do presidente Jimmy
Carter e na criação da Força de Intervenção
Rápida.
Depois, ao longo dessa década de 1980, sendo Ronald Reagan presidente,
verificar-se-iam vendas maciças de armamentos para países da
região (Arábia Saudita, Turquia, Israel, etc.), em vários
casos financiadas pelas próprias receitas da venda do petróleo. A
guerra Irão-Iraque, desencadeada pela queda da monarquia e a
mudança de regime político no Irão e estimulada pelo apoio
externo prestado pelos EUA ao Iraque, foi pretexto para o estabelecimento
duradouro de bases militares norte-americanas e da presença permanente
de uma poderosa frota da sua marinha de guerra, alegadamente para
protecção das rotas e dos navios petroleiros. A Força de
Intervenção Rápida foi substituída por um Comando
Central da Região do Golfo; a presença militar adquiria
permanência e solidificava-se, embora com geral desconforto na
região.
No fim dessa década de 1980, a presença dos EUA na região
recebe um novo e forte impulso com a Guerra do Golfo, desencadeada pela
ocupação do Kuwait pelo Iraque (notar que o Kuwait, é um
estado artificial, criado pela Grã-Bretanha só em 1961, retalho
da região Arábica de que essa potência ficara
protectora após a queda do império Otomano, desde o
termo da Primeira Guerra Mundial). Primeiro, foi o deslocamento de tropas e
equipamentos de guerra para as hostilidades; depois, foi o clima de
tensão deliberadamente mantido no pós-guerra (com
expressão no embargo, sanções e zonas de exclusão
aérea), clima propício que acelerou a venda maciça de
armamentos à Arábia Saudita e às restantes monarquias da
região (Kuwait, Qatar, Bahrein, EAU), e que abriu caminho à
concessão de direitos de estacionamento, ao treinamento de
pessoal militar e aos exercícios militares conjuntos. As zonas de
exclusão aérea, no norte e no sul do Iraque, foram decididas e
impostas unilateralmente pelos EUA com o Reino Unido e serviram: por um lado,
para justificar a presença e a operação
continuada de bases aéreas na Turquia e na Arábia Saudita; por
outro lado, para limitar a autoridade administrativa e a presença
militar do regime Iraquiano nas províncias do norte (Curda) e do sul
(Shiita); estas são, também, as duas províncias onde se
localizam as maiores reservas de petróleo desse país.
Finalmente, na sequência natural deste processo de
ocupação militar, nos dois últimos anos foram instalados
dois grandes e sofisticados centros de comando militar em Qatar e em Riyadh
(Robert Dreyfuss, The Thirty-year Itch, Mother Jones Mach-April 2003).
O discurso norte-americano da guerra ao terrorismo começou a
intensificar-se nos últimos anos, aparecendo associado ao conceito
fundamentalismo islâmico, e focalizou-se na vizinhança
do Golfo. Algumas acções terroristas contra a presença dos
EUA e outras acções de retaliação por parte dos EUA
surgiram como binómio de uma mesma realidade e conjuntamente prepararam
o terreno para o lançamento do novo conceito de guerra
preventiva. Antecipando a retomada da iniciativa militar, o
orçamento da defesa dos EUA retomou o crescimento nos últimos
cinco anos ($400.000 milhões) e parte significativa aparece logo
afectada à região do Golfo ($60.000 milhões). Com o ataque
terrorista de 11 de Setembro de 2001, o partido da guerra toma o
comando em Washington e lança determinadamente a sua guerra ao
terrorismo; o inimigo seria difuso mas teria uma base territorial algures
na Ásia Central. O Afeganistão é atacado e o regime
é deposto. Mas muito mais importante é a grande oportunidade para
fazer um jogo de alianças com as facções políticas
mais susceptíveis nesses países muçulmanos em processo de
transição após a desintegração da
União Soviética. A presença norte-americana alarga-se
rapidamente nos planos económico e diplomático e também
militar, no Afeganistão, no Uzbequistão e no Quirguistão.
A presença militar dos EUA conta agora com um eixo de bases
aéreas e navais que vai do Mediterrâneo Oriental até ao
coração da Ásia Central, na fronteira com a China. Antes
da Guerra do Golfo eram 10 bases, em pouco mais de uma década mais
tarde, esse número sobe para 22.
O Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) em que
participam Kissinger Schlesinger e Brzezinski, um influente centro de
reflexão estratégica que aparentemente tem servido de suporte
intelectual e veículo do plano Kissinger de 1975, reuniu em
2001 um grupo de trabalho com membros do Congresso e representantes das
petrolíferas ExxonMobil, Arco, BP, Shell, Texaco e do Instituto
Americano do Petróleo, o qual produziu um relatório intitulado
The Geopolitics of Energy into the 21st Century
, em que se identificava a instabilidade do aprovisionamento de
petróleo, como resultado de instabilidade nos países produtores e
dos conflitos a que estarão sujeitos. O seu relator afirmou
«O petróleo alimenta o poderio militar, os tesouros nacionais e a
política internacional. Já não é uma
matéria-prima, objecto de venda e compra nos limites tradicionais da
balança da oferta e da procura. Pelo contrário, transformou-se em
factor essencial do bem-estar, da segurança nacional e do poder
internacional»
. E referindo-se à Ásia, assinalava a sua crescente
dependência do petróleo do Médio Oriente, devendo tornar-se
no seu futuro principal destino, invertendo o sentido dos actuais fluxos de
petróleo do Ocidente para o Oriente, e admitia a perspectiva de
eventuais alianças políticas e militares da China com o
Irão e o Iraque, afirmando:
«[A China]
têm interesses políticos diferentes dos
nossos no Golfo. Será do nosso interesse ter um aí outro
competidor?»
.
Mas também um relatório de 1997 produzido pelo James Baker
Institute of Public Policy, Rice University, reconhecia a ameaça
pendente sobre a segurança do aprovisionamento energético dos
EUA, face a um crescente desequilíbrio entre a oferta e a procura, e
identificava o Iraque e o Irão como ameaças ao livre escoamento
de petróleo. Logo após a instalação da nova
administração, em 2001, o Vice-presidente Dick Cheney solicitou
um novo relatório do mesmo instituto, co-patrocinado pelo Council on
Foreign Affairs, o qual foi intitulado
Strategic Energy Policy Chalenges for the 21st Century
, que previsivelmente confirmava o anterior, mas adicionando ênfase no
Iraque. Recorde-se que James Baker fora o secretário de estado de George
Bush pai, portanto um dos protagonistas da primeira Guerra do Golfo; o
cenário estava pois montado para que a acção
fosse retomada.
O relançamento da intervenção dos EUA no Golfo
Arábico-Pérsico, de novo no Iraque, previsivelmente
alargar-se-á depois ao Irão e à Arábia Saudita
também, diplomática e militarmente. Do ponto de vista da
acção das transnacionais, o objectivo será afastar da
região as empresas Francesas, Russas, Chinesas, Italianas e outras, que
têm contratos de desenvolvimento no Iraque e no Irão, para que
sejam substituídas por petrolíferas sedeadas nos EUA como a
ExxonMobil, a ChevronTexaco, a ConocoPhilips, a Schlumberger ou a Halliburton,
[The Wall Street Journal 16/1/03, The Guardian 27/1/03, The Washington Post
15/9/02]. Do ponto de vista geoestratégico, os EUA tencionam impor a sua
vontade em toda a região, o Iraque sendo agora um passo mais nessa
marcha imperial; Colin Powell afirmou perante a comissão de
relações externas do Senado (6 de Fevereiro de 2003) que
«
o sucesso da guerra no Iraque poderia fundamentalmente redesenhar
a região de uma forma poderosa e positiva que fortalecerá os
interesses dos EUA»
. A um nível ainda mais elevado, o controlo de um número
significativo de países com elevadas quotas de reservas
petrolíferas (que se concentram maioritariamente nessa região)
terá em vista e como consequência debilitar decisivamente a OPEC,
o cartel de países produtores de petróleo (em que se incluem a
Arábia Saudita, o Iraque, o Irão, a Venezuela, a Nigéria,
a Indonésia) e constituir em seu lugar um novo cartel de países
produtores, mas sob o comando da administração dos EUA, dotando
esta de capacidade para determinar futuramente a política de
produção, o preço e o seu eventual racionamento. Essa
será uma poderosa arma que os EUA procurarão alcançar na
actual competição pela manutenção da sua já
questionada hegemonia, face aos demais pólos em desenvolvimento no
sistema capitalista mundial.
Mas o domínio do Médio Oriente também significa manter a
hegemonia do dólar no mercado mundial do petróleo. A actual
importância do dólar, construída desde o fim da Segunda
Guerra Mundial com o apoio do IMF/BM, mantém-se artificialmente
graças à circunstância de ser largamente utilizado nas
reservas dos bancos centrais e nas transacções internacionais,
incluindo as de matérias-primas energéticas. A
adopção, pela OPEC, do dólar na denominação
do preço do petróleo foi o resultado de um acordo secreto entre
os EUA e a Arábia Saudita; e a reciclagem dos petrodólares foi o
retorno que os EUA obtiveram dos países produtores, em troca de
tolerarem a existência desse cartel; foi um excelente negócio
enquanto as reservas de crude foram super-abundantes e a OPEC foi
aceitavelmente bem comportada. [
Bush's Deep Reasons for War on Iraq: Oil, Petrodollars
, and the OPEC Euro Question;
Drugs, Oil, and War
, Peter Dale Scott].
Mas a acumulação do défice comercial dos EUA ao longo das
duas últimas décadas (consumo muito acima da
produção, actualmente ao nível de $400.000
milhões/ano), transformou esse país de credor em devedor, de
forma que o défice comercial acumulado desde 1985 excede já $3
triliões (trilião = milhão de milhões). A
dívida pública norte-americana ascende já a mais de $6
triliões. O débito nacional total tem persistentemente crescido
ao dobro do ritmo de crescimento da receita anual, sendo actualmente quatro
vezes superior a esta; e o défice acumulado nas contas correntes atinge
já $3 triliões. Concomitantemente, a cotação do
dólar tem tendencialmente decrescido relativamente às divisas de
outras potencias industriais (uma descida de 68% em 33 anos relativamente ao
Yéne, Franco Suíço e Marco Alemão). Essa
evolução negativa é perigosa em si mesma, mas os
países do centro e da periferia do sistema capitalista tendem a
não questionar a estabilidade dos sistema financeiro mundial, com receio
de a crise de confiança acelerar a sua
decomposição e antevendo serem tal qual ou mais ainda gravemente
penalizados por esse presumível descalabro. Com efeito, sendo o
dólar a principal reserva em muitos países, as crises
económico-financeiras nestes são potencialmente contagiosas a
todo o restante sistema financeiro; assim, se o Japão, que detém
como reserva 15% dos títulos do Tesouro norte-americano, fosse levado a
vendê-los para recuperar o seu sistema bancário em crise, o
dólar sofreria pesada depreciação.
A fidelidade da OPEC para com o dólar deu sinais de vacilar nos
últimos anos. O Iraque foi um dos primeiros países a converter as
reservas do seu banco central de dólares para euros, já em 2000;
e em 2002, mais de metade das reservas em divisas estrangeiras do Irão
foram também convertidas de dólares em euros. Noutro continente,
mas ainda na OPEC, a Venezuela tem retirado parte da sua
exportação petrolífera da economia dos
petrodólares, ao contratualisar (barter)
transacções directas de petróleo por outras mercadorias.
Estes são sinais de alarme para a administração
norte-americana; o golpe de estado de Abril de 2002 e o lock-out da petroleira
nacional venezuelana foram acções documentadamente suportadas
pela administração norte-americana com o propósito de
derrubar um regime insubmisso (The Observer, 21/4/02).
Muito significativo foi um discurso do director do departamento de
análise do mercado petrolífero da OPEC, Javad Yarjani, em Madrid
em Abril de 2002:
«
vale a pena referir que a longo prazo o euro não está
em tal desvantagem face ao dólar quando comparamos as dimensões
das economias em causa, especialmente tendo em vista o plano de alargamento da
UE. Acresce que a zona euro detém uma maior fracção do
comercio mundial do que os EUA e que, enquanto os EUA tem um enorme
défice de contas correntes, a zona euro tem uma mais equilibrada
posição das contas externas. Um dos mais fortes argumentos para
preservar o preço e o pagamento em dólares tem sido que os EUA
continuam sendo um grande importador de petróleo, ainda que sendo
também um grande produtor. Porém, olhando para as
estatísticas de exportação de crude, notamos que a zona
euro é um importador ainda maior de crude e seus derivados do que os
EUA. (
) Da maior importância para o sucesso definitivo do euro, em
termos da indexação do preço do petróleo,
será se os dois maiores produtores europeus Reino Unido e Noruega
integrarem a moeda única. Naturalmente, a futura
integração desses dois países na zona euro e na Europa
será importante, pois que são os dois maiores produtores de crude
do Mar do Norte, de onde se extrai o crude de referência internacional, o
Brent. Isso poderá criar um impulso para mudar o sistema de
cotação do crude para euros.»
. Sem dúvida esclarecedor [
The Real reason for the Upcoming War with Iraq; a Macroeconomic and
Geostrategic Analysis of the Unspoken Truth
, W. Clark].
Mas essa transição de divisas tem-se sucedido noutros
países também: em 2002 quer a Rússia quer a China
converteram parte das respectivas reservas de divisas estrangeiras, e o
Canadá e a Formosa; estas conversões não têm de
significar actos de hostilidade, mas tão-somente de
diversificação e mesmo de rendibilidade das divisas; mas pode ser
percepcionada como hostil e implicará de facto uma repercussão
(negativa para o dólar) no mercado internacional de divisas. A
situação está agravada pela circunstância de o
capital financeiro ter ganho predomínio em relação ao
capital industrial; o primeiro virtual e volátil, o segundo reflectindo
mais concretamente a economia real; a presente crise dos mercados financeiros
pode assumir evoluções rápidas com repercussões
duradouras na economia. Entre 1989 e 2000, o mercado financeiro na bolsa de
valores norte-americana cresceu $11 triliões, em parte com capitais
oriundos da periferia do império, não obstante o
agravamento da balança comercial e da dívida pública;
aquele montante decresceu $4 triliões nos 20 meses que antecederam os
atentados de 11 de Setembro de 2001. [
Why? The Deeper History Behind the Sptember 11, 2001 Terrorist Attacks on
America,
J.W. Smith]. A crise financeira já estava em curso. Mas dados esses
montantes colossais, onde está a sua tradução em economia
real produtiva? Será esse capital financeiro sustentável?
Entretanto, a exploração e a pauperização
prosseguem por toda a parte. Teoricamente, o capital financeiro acumulado no
centro deveria regressar à periferia, a algumas periferias, para
reanimar as respectivas economias. Porém, acontece que o próprio
centro entrou já em queda.
Os EUA confrontam-se com duas ameaças à sua hegemonia mundial: a
disponibilidade de energia barata e a aceitação universal do
dólar como meio de reserva financeira e de pagamento. A primeira
ameaça é estrutural, materialmente inevitável mas o seu
desenvolvimento tem uma escala de tempo de vários anos ainda. A segunda
é teoricamente contornável mas as suas potenciais e
previsíveis consequências tem um desenvolvimento muito mais
rápido; a concertação multilateral em torno da
criação de um novo sistema financeiro internacional não
está, todavia, na agenda, pelo que o colapso do actual sistema, sedeado
nos EUA e baseado no dólar, parece um acontecimento plausível e
iminente. As duas ameaças são distintas e têm escalas de
tempo diversas; mas a sua confluência no risco do abandono do
dólar por parte da OPEC sugere uma intervenção
rápida pelos EUA na defesa dos seus interesses vitais;
também para converter a actual OPEC num outro instrumento ao
serviço da decadente hegemonia dos EUA; essa tomada de assalto da OPEC
seria uma operação aliciante para a administração
norte-americana, no quadro do confronto com a União Europeia e demais
centros rivais no sistema capitalista mundial.
Os governos da França e da Alemanha, no cerne da
construção da União Europeia, não estão
crentes na viabilidade do sistema capitalista nos termos ditados pela hegemonia
norte-americana. Estarão convictos que o colapso económico dos
EUA será inevitável a breve prazo no actual quadro de
desenvolvimento de forças produtivas e de correlação de
forças políticas, económicas e sociais a nível
mundial. Aparentemente, a Federação Russa fará uma
apreciação se não coincidente, convergente. O eixo
Paris-Berlim-Moscovo implicitamente assume a construção de um
pólo presumivelmente viável do sistema capitalista mundial, em
oposição ou em coexistência com o pólo
Norte-Americano. Mas um e outro pólo poderão estar ambos
iludidos, e o presente modelo de organização económica e
social não ser mais suportável, intolerado pelas cada vez mais
amplas camadas populacionais exploradas e destituídas de
condições de sobrevivência, e pela rotura de
aprovisionamento de certas matérias-primas, de energia e de água,
necessárias à sustentação do actual e decadente
modelo de produção económica.
O governo português é um poço de mistério. O seu
alinhamento incondicional com a administração Bush, admitindo
mesmo fazê-lo em rotura com o sistema de legalidade internacional em
vigor, contraria a vasta corrente de opinião pública e não
tem sustentação lógica quando confrontada com a
posição do conjunto de países da União Europeia em
que supostamente o país se integra. Os portugueses, crentes ou
não na construção europeia, perguntar-se-ão como
vai ser depois, no seio da UE, de onde emanam políticas comuns,
legislação com aplicação nacional e fundos
estruturais, onde se supõe fazer a defesa dos interesses nacionais no
confronto intra-europeu, e onde habitam importantes comunidades portuguesas
emigradas, como sairá depois fragilizada a intervenção das
instituições portuguesas. Esta
contradição só comprova que mais determinantes
que os interesses nacionais são e prevalecem os interesses de classe,
que atravessam e dividem países inteiros e partidos situacionistas ou
alternativos. O que é facto é que no plano logístico as
bases militares das Lajes e de Beja estão já ao serviço de
operações militares, o que significa que o país
está efectivamente envolvido nessa guerra iníqua, e que se
encaminha para entrar formalmente em posição de ilegalidade
internacional. O primeiro-ministro não crê que possa vir a ser
chamado ao Tribunal Penal Internacional, mas na realidade isso poderá
vir a acontecer, pois que nesta guerra sabe-se onde reside a força bruta
mas não se sabe quem será o vencedor final.
Entretanto, e como prova de devoção deste e do anterior governo
ao sistema financeiro internacional, o Banco de Portugal disponibilizou
(relatório relativo a 2001) 433 toneladas, ou seja, 70% das suas
reservas de ouro para transacções de empréstimo ou troca,
contribuindo, segundo as orientações do FMI, para defender o
dólar face ao anterior padrão monetário internacional (a
cotação do ouro também não foge à
denominação em dólares!); segundo Bill Murphy, do Gold
Anti-Trust Action Committee, esse ouro terá sumido sem retorno no
mercado de commodities e essa operação é mais
uma a corroborar os resultados da investigação conduzida pelo
GATA, segundo a qual os bancos centrais já não possuem
actualmente senão cerca de metade do valor oficial das respectivas
reservas de ouro (32 mil toneladas). Esse ouro não desapareceu, mudou de
mãos, encontra-se sobretudo na Ásia e no Médio Oriente.
Sintomaticamente, a Malásia anunciou ir adoptar o dinar islâmico,
em ouro, em substituição do dólar e esperar que essa
divisa encontrasse acolhimento nas transacções entre
nações muçulmanas; este é mais um sinal da vasta e
complexa mudança que está em curso. Enquanto isto, a industria
extractiva (seguindo as leis do mercado) tem reduzido o
investimento no desenvolvimento de reservas e na produção de
ouro, admitindo-se que as presentes reservas mineiras se esgotem no horizonte
de uma década e que a persistente subida de cotação do
ouro (ou depreciação do dólar) continue até limites
insuspeitados. O governo português terá feito um grande favor, mas
fez um péssimo negócio.
13/Mar/03.
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