Integração capitalista: Da trituração do trabalho
à desumanização do ensino
por Rui Namorado Rosa
O ENSINO TAMBÉM ENTRA NO QUADRO
DOS OBJECTIVOS DO IMPERIALISMO
O presente estágio de desenvolvimento do imperialismo iniciou-se
após o termo da Segunda Guerra Mundial com a assunção
pelos EUA da hegemonia do sistema capitalista mundial. Mas o que está em
causa não é a sede do poder político, é o
próprio sistema em si. Esse poder desenvolveu-se com o auxílio
instrumental de instituições financeiras internacionais, o Fundo
Monetário Internacional e o Banco Mundial, e intergovernamentais de
comércio, o GATT (General Agreement on Tariffs and Trade). No
entretanto, as grandes corporações transnacionais ganharam
extraordinário predomínio na organização da
economia, na divisão internacional do trabalho e na
concentração da capacidade de decisão do capital. Passado
mais de meio século, duplicou o abismo entre os 20% mais ricos e os 20%
mais pobres da humanidade. Os programas de ajustamento estrutural,
de liberalização do comércio internacional, de
privatização e desregulamentação,
consolidaram um império de endividamento e assimetrias sociais entre
nações e no seio de cada nação.
Há um ponto de vista corrente segundo o qual o mundo estaria a ser
conquistado pelas grandes corporações transcontinentais. Mas
não obstante todos os exemplos espectaculares do actual poder
económico das corporações, pois que muitas delas
dispõem de receitas anuais superior ao PIB de países populosos
(por exemplo, em termos de valor adicionado a maior das
corporações transnacionais não financeiras, a ExxonMobil,
equivale-se ao Paquistão [UNCTAD,
The World Investment Report 2002
http://r0.unctad.org/wir/contents/wir02_dl.htm
]), é leviano crer que o grande negócio está sozinho a
conformar a ordem mundial contemporânea. Esse ponto de vista é na
realidade perigoso, porque dá uma ideia incompleta do imperialismo e
pode desarma-nos na sua compreensão, e porque sugere a
despolitização da argumentação sobre a
globalização, tendendo a reduzi-la a questões importantes
mas parcelares, como direitos humanos, comércio
justo e códigos de conduta. E falha em reconhecer que
o poder e intervenção dos Estados está de facto igualmente
em rápido crescimento em todo o mundo.
As ameaças à democracia, direitos e liberdades fundamentais,
justiça social, equidade internacional, recursos naturais e ambiente,
são colocadas quer pelo poder político dos Estados quer pelo
poder económico das corporações transnacionais e seus
grupos de pressão constituídos.
As companhias transnacionais têm crescido paulatinamente e por vezes em
cadência rápida, mediante fusões e
aquisições, ou alianças pela conquista monopolista de
mercados. Vários estudos de caso revelam a influência
global dos meios empresariais em sectores económicos concretos. Mas para
que não nos iludamos sobre a versatilidade de forma de
acção e a escala planetária de solidariedade do capital
internacional, no seu projecto de globalização económica e
financeira, recordemos o presente relançamento do Transatlantic Business
Dialogue (TABD) [
http://www.tabd.com/history.html
] por ocasião da cimeira UE EUA (Junho 2003), na sequência
de anteriores diligências sob as designações de
Transatlantic Economic Partnership e de Multilateral Agreement on Investment [
http://www.foei.org/trade/activistguide/tep.htm
]. Estas iniciativas documentam a persistente procura, contraditória
é certo, mas com a segura finalidade de constituir a prazo um
mercado único atlântico e na verdade mundial [Raoul
Marc Jennar, L'Union Européenne et l'AGCS, URFIG, 6 Janvier 2003,
http://www.urfig.org/agcs-campagne-jennar-ue-6-janvier-2003-pt/htm
]. São o governo dos EUA e a Comissão Europeia que protagonizam
essas diligências, mas são influentes grupos de pressão
empresarial constituídos, como a ERT - European Round Table (of
Industrialists) e a BRT (US) Business Round Table, que estão na
retaguarda e afinam os seus objectivos e concertam as suas
acções.
Significativamente, uma das evoluções importantes registadas na
dinâmica empresarial na década 1990-2000 foi o aumento
sensível do número de alianças tecnológicas no
plano internacional (e transatlântico), alianças que se somam
às fusões e aquisições, como
manifestações de convergência de interesses do capital,
entre países e continentes; no período 1985-1999, as empresas
europeias estabeleceram alianças tecnológicas com as empresas
norte-americanas em virtualmente todos os domínios, mas mais
notoriamente nos do ambiente, energia, transportes e
telecomunicações e as empresas europeias mais activas nestas
alianças intercontinentais contam-se entre as grandes transnacionais da
energia, das telecomunicações e da electrónica (PB Amoco
PLC, DaimlerChrysler, Siemens AG, Thomson-CSF, Philips Electronics N.V., etc.
[CORDIS, Science and Technology Indicators for the European Research Area,
Third European Report on Science & Technology Indicators 2003,
«bonnes relations»: une recherche industrielle de plus en plus
mondialisee,
tp://europa.eu.int/comm/research/press/2003/pdf/indicators2003/8-industry_fr.pdf
].
Na Europa, nem o projecto europeu nem o projecto intercontinental têm
qualquer suporte democrático. A Comissão Europeia actua como um
governo de facto, mas não sujeito ao escrutínio popular no que
toca à sua composição e às suas políticas.
Estas são orquestradas nos bastidores com os representantes do capital,
para tal organizados em ciclo selecto de grupos de pressão como os
já referidos. Os compromissos (confidenciais) da Comissão
Europeia para com os grupos empresariais, levados para a agenda das
negociações da União Europeia com a OMC e o AGCS,
são sintomáticos da real natureza de classe dos nossos governos e
da real unidade mundial do poder imperialista [O Observatório das
Corporações Europeias (CEO)
http://www.corporateeurope.org/index.html
; EPSU,
GATS, PSI-EPSU and Pascal Lamy
, 2003,
http://www.epsu.org/Campaigns/GATS/Lamy.cfm
].
«A globalização não significa a
impotência do Estado escreveu o economista russo Boris Kagarlitsky,
mas a rejeição das suas funções sociais a
favor das funções repressivas, a irresponsabilidade dos governos
e o fim das liberdades democráticas. A ilusão do Estado
enfraquecido é sedutora: na realidade, é a cortina de fumo
lançada pelos autores do moderno poder centralizado. O projecto Europeu
é inteiramente a propósito de estender as fronteiras do Estado. A
China totalitária abraçou o mercado livre enquanto
consolida o seu vasto aparelho de estado. As autocracias de Singapura e da
Malásia fazem o mesmo enquanto se fortalecem.» [John Pilger,
The state is more powerful than ever; the view that big business alone shapes
the new world order is wrong,
9th July 2001,
http://pilger.carlton.com/print/67484
].
Não é por estar sob o controlo dos neoconservadores e
invocar mais veementemente a doutrina neoliberal que por isso o
Estado norte-americano deixa de ser mais centralizador e poderoso que nunca e
do que qualquer outro. A ideia que o presidente norte-americano é
submisso para com as grandes corporações da energia é
ingénua por demasiado esquemática. O grande negócio,
designadamente das indústrias petroleira, aeroespacial, armamentista,
agrícola, etc., sempre esteve com o governo norte-americano; são
intermutáveis entre si. Não fora o patrocínio do governo
norte-americano, alguns sectores e muitas grandes corporações
norte-americanas entrariam em colapso; é assim há longos anos com
a agricultura e o comércio mundial de cereais (subsídios ao
negócio agrário bem como a ajuda alimentar aos
países em desenvolvimento); é assim há longos anos, e
particularmente desde 11 de Setembro de 2001, com a indústria
aeronáutica (importante componente da indústria militar e
peça chave do comércio mundial). Até mesmo a natureza
gananciosa do capital e corrupta dos seus negócios é protegida e
dissimulada pelo Estado quando este, ao rebentar o escândalo de mais uma
falência desastrosa, contém o alcance dessa crise nas esferas da
regulamentação financeira e da responsabilidade pessoal dos
executivos, aquela necessitando aperfeiçoamento, estes
apontados como corruptos e se necessário julgados e sacrificados, mas
por uma e outra via mantendo a fachada de aparente decência do sistema
económico e das corporações que o exploram.
É muito perigosa uma visão moderada que recuse ver a
cumplicidade do poder do Estado com a rapacidade do poder do capital, porque
pode ser assimilada pela opinião pública para melhor a controlar.
Também o BM e o FMI, desacreditados e agora mais criticados, encontraram
entretanto uma táctica hábil de sobrevivência neste
contexto. De um dia para o outro o FMI e o BM, os maiores responsáveis
nos países em desenvolvimento e em
transição pela dívida pública e pela
crise social, em nome de hipotética salvação
económica, travestiram-se em instituições caridosas cuja
principal missão é agora supostamente derrotar a
pobreza. Conjuntamente com a OMC, promovem agora o
diálogo com ONGs moderadas ditas
anti-globalização, tratando-as como opositores
sérios, em oposição às
associações sindicais de classe e às massas populares que
se manifestam nas ruas.
As grandes transformações verificadas nas últimas
décadas foram conseguidas à custa da manipulação e
exploração da força de trabalho, levada até ao
limite concebível. A par da clivagem entre nações e entre
classes sociais, também a clivagem entre qualificações e
remunerações dos trabalhadores se acentuou (ainda que os seus
valores médios tenham crescido sensivelmente), conduzindo a uma mais
estreita nova elite e a um mais amplo exército de novos
proletários. Agora o trabalho para as amplas massas tende a ser
flexibilizado e é precário, e quanto
possível fora do quadro de acordos colectivos de trabalho.
Correspondentemente, a Educação é forçada a
substituir o seu anterior objectivo, com preocupação de
conteúdo humanista, por um outro estritamente utilitário. As
aprendizagens são tendencialmente fragmentárias, intermediadas,
actualizáveis e acumuláveis, segundo percursos de
responsabilidade supostamente pessoal, para a formação de
trabalhadores com competências em competição ao
serviço de uma economia competitiva. Nesta
transformação partilham responsabilidades os Estados com o grande
capital, sobretudo as corporações transnacionais. Os Estados,
cujos governos reduzem e privatizam o ensino público e criam as
condições legais para a generalização de novas
modalidades de aprendizagem e de certificação
de competências - a par da imposição de nova
legislação agressivamente anti-laboral. O capital, que procura
realizar um grosso negócio com a Educação, esse
último reduto dos serviços públicos, e,
sobretudo, configurar os perfis e modalidades de qualificação e
de acreditação da força de trabalho, tendo em vista impor
as modernas modalidades da sua prestação. Quanto mais
fragmentada e personalizada, não padronizável, for a
formação dos trabalhadores, tanto mais a força de trabalho
será flexibilizável, precária a prestação do
trabalho e vulnerável a organização autónoma dos
trabalhadores. O Estado e o capital actuam em cúmplice harmonia.
A GLOBALIZAÇÃO DO DESEMPREGO
Por todo o mundo capitalista desenvolvido, desde meados da década de
1970, não obstante os discursos fantasiosos, intencionalmente
paralisantes para as massas populares, a assimetria de rendimentos, a taxa de
desemprego, a precariedade do trabalho o nível ou a abrangência
dos serviços públicos e da segurança social, estão
em continuada deterioração.
As estatísticas do desemprego podem e são manipuladas mesmo em
países do "capitalismo avançado". Até os
cenários propagandeados sobre os EUA são fantasiosos. Segundo um
editorial de The Nation: «
Aproximadamente 50 milhões de
americanos - 19 por cento da população - vive abaixo da linha
nacional de pobreza (...) Em dólares constantes, os rendimentos
médios semanais dos trabalhadores caíram de US$ 315 em 1973 para
US$ 210 (...) O número de americanos sem seguro de saúde
mantinha-se em 40,6 milhões em 1995, um aumento de 41 por cento desde
meados da década de setenta.» [
Underground Economy
, The Nation, 12-19 January, 1998,
http://www.iran-bulletin.org/mezaros27Ib.html
].
Mesmo de acordo com os números oficiais - grosseiramente subestimados -
há mais de 40 milhões de desempregados nos países
industrialmente mais desenvolvidos. Deste número, a Europa conta com
mais de 20 milhões. Mesmo assim, quem trabalhe 16 horas por semana na
Grã-Bretanha é contado como se desfrutasse de um emprego a tempo
inteiro. E no Japão, exemplo de "capitalismo dinâmico
avançado" quem tenha tido trabalho assalariado por mais de uma hora
na última semana do mês deixa de ser incluído nas
estatísticas como desempregado". Na realidade, a dramática
ascensão do desemprego nos países capitalistas avançados
não é um fenómeno recente. Surgiu, como uma
manifestação da crise estrutural do sistema capitalista como um
todo, após 25 anos de expansão relativamente tranquila.
Além disso, a intervenção do FMI, verdadeiro instrumento
ao serviço do imperialismo, nos países "em
desenvolvimento", piorou nestes a condição difícil
dos desempregados ao afirmar pretender melhorar as condições
económica. Quanto aos antigos países socialistas do sistema
soviético - a começar pela Rússia - os quais no passado
não sofriam de desemprego, apesar de administrarem as suas economias com
altos níveis de subemprego, tiveram de acomodar-se, muitas vezes sob a
pressão do FMI também, às condições
desumanizantes do desemprego maciço. A China não é
excepção à regra geral do desemprego em ascensão,
apesar do modo muito especial como a sua economia é controlada
politicamente. Um relatório do seu Ministério do Trabalho adverte
o governo chinês que dentro de alguns anos o desemprego poderá
atingir o número de 268 milhões. E um país como a
Índia tem não menos de 336 milhões de pessoas nos seus
registos de desemprego, e muitos mais sem trabalho adequado. [István
Mészáros,
Desemprego e precarização: Um grande desafio para a esquerda
, Londres Fevereiro 2000,
http://resistir.info/crise/desemprego_precarizacao.html
].
O presente processo não é novo. Já em 1971
Mészáros argumentava, a propósito do desemprego:
«
O problema não é mais apenas a condição
difícil dos trabalhadores não qualificados mas também a de
vastas quantidades de trabalhadores altamente qualificados que estão
agora a perseguir, em acréscimo ao primitivo mar de desempregados, os
escassos empregos disponíveis. (
) Assim, já não
estamos preocupados com os "normais", e bem aceites, subprodutos do
"crescimento e desenvolvimento" mas sim com sua tendência para
uma travagem, nem na verdade com os problemas periféricos dos
"bolsões de subdesenvolvimento" e sim com uma
contradição fundamental do modo de produção
capitalista como um todo que converte até as últimas conquistas
do "desenvolvimento", da "racionalização" e
da "modernização" em fardos paralisantes de
subdesenvolvimento crónico.» [István Mészáros,
The necessity of Social Control
, Merlin Press, London 1971]. O que fica dito mantém-se actual,
dramaticamente cada vez mais actual, não obstante volvidos trinta anos
já. Alcançamos agora um ponto no desenvolvimento histórico
no qual o desemprego é uma característica dominante do sistema do
capital como um todo. Na sua nova modalidade, constitui uma rede fechada de
inter-relações e inter-determinações pelas quais
é impossível encontrar soluções parciais para o
problema do desemprego em áreas delimitadas. E o que fica dito,
respeitando o emprego e a forma de prestação do trabalho,
necessariamente se repercute no ensino e na forma de qualificação
da força de trabalho. Com algum atraso, os sistemas de ensino e
formação iriam adequar-se a essa
evolução económica.
É neste contexto de crise que nos últimos anos temos sido alvo da
propaganda das virtudes universais da "globalização",
como se a tendência de expansão global e integração
do capital fosse um fenómeno radicalmente novo e predestinado a resolver
todos os nossos problemas. O sistema capitalista alcançou a sua
maturidade no nosso tempo de uma forma inextricavelmente ligada à sua
crise estrutural, pois que o avanço produtivo deste modo
contraditório de controlar o metabolismo social lança uma
fracção cada vez maior da humanidade na categoria de
mão-de-obra supérflua. Paradoxalmente, o desenvolvimento do mais
dinâmico sistema produtivo da história culmina por excluir da sua
engrenagem um número cada vez maior de seres humanos, embora, de acordo
com o carácter contraditório do sistema, eles não sejam
supérfluos enquanto consumidores. Ora o capital ou mantém o seu
inexorável impulso de auto-expansão ou deixa de ser capaz de
controlar o metabolismo social da reprodução, neste respeito
não pode haver meio-termo ou a mais ligeira atenção a
considerações humanas. [István Mészáros,
Desemprego e precarização: Um grande desafio para a esquerda
, Londres, Fevereiro 2000,
http://resistir.info/crise/desemprego_precarizacao.html
].
Desde que o capital "já não pode alimentar o seu
escravo", as "personificações" do seu sistema (a
expressão de Marx) tentam resolver o problema pela reversão dos
limitados benefícios concedidos ao trabalho, durante o período de
expansão económica do pós-guerra, enquanto "Estado
providência" ("welfare state"). Assistimos nas recentes
décadas à persistente desconstrução do dito
"Estado providência". Nos EUA, os desempregados são
obrigados a submeterem-se aos "programas de trabalho para o governo"
(work-fare") para que recebam ainda benefícios sociais. Do
mesmo modo, no Reino Unido está a ser tentada a mesma
transferência do "welfare" para o "work-fare". Um
jornal liberal britânico anuncia: "Aviso aos desempregados:
alistem-se no Exército ou percam os vossos benefícios". Em
Portugal as reformas legislativas nos âmbitos da
segurança social e laboral, limitando ou até eliminando direitos
e até liberdades, e o retrocesso do esforço e da responsabilidade
do Estado nos serviços públicos como a saúde e
a educação, reduzindo o financiamento e o acesso a esses
serviços enquanto abre as portas à privatização e
à progressão de grupos económicos, são o eco que
temos, enquanto portugueses, desse vendaval mundial.
INTENSIFICAÇÃO DA TAXA DE EXPLORAÇÃO
MEDIANTE A "FLEXIBILIZAÇÃO"
Os obstáculos reais com que se confronta o trabalho no presente e no
futuro previsível podem ser resumidos em duas palavras:
"desregulamentação" e "flexibilidade", dois
dos mais queridos slogans das personificações do capital nos
negócios e na política. Pretendem parecer modernos e até
progressistas, contudo condensam as mais agressivas aspirações
anti-laborais. Aqueles que reclamam ser a flexibilização das
condições de trabalho benéficas para a economia e para o
emprego, são os mesmos que designam a prática da
legislação autoritária anti-laboral de
"democracia". Na realidade, a "flexibilidade" em
relação às práticas de trabalho - a ser facilitada
e forçada através de modalidades de
"desregulamentação"- aumenta a brutalidade da
precarização da força de trabalho e a arbitrariedade da
sua remuneração.
Nas raízes desta contraditória advocacia da
"flexibilidade", e a par de rígida e autoritária
legislação laboral, encontramos a importante lei do nivelamento
descendente da taxa de exploração diferencial, a qual se agudiza
através da cada vez mais destrutiva globalização do
capital no período de crise estrutural que atravessa. Quando
"capital nacional total" (distinto do capital social
total") é afectado por um enfraquecimento relativo da sua
posição global, ele tentará compensar as suas perdas
através do aumento da sua taxa específica de
exploração, em relação à força de
trabalho sob seu controle directo. A intensificação das taxas
específicas de exploração conduzirá, tanto local
como globalmente e a longo prazo, a uma intensificação do
antagonismo social fundamental. [István Mészáros, The
necessity of Social Control,
Merlin Press, London 1971]. Como reflexo dessa intensificação, a
precarização avança por toda a parte no mundo do trabalho,
e mesmo o trabalho mais estável experimenta uma pressão em
direcção à intensificação sem precedentes e
à disponibilidade para submissão aos mais diversificados
horários de trabalho.
Cronogramas de trabalho flexível e concentrado
(Flexible and Compressed Work Schedules) foram há muito
introduzidos nos EUA, sintomaticamente por volta do início do
período de regressão económica (Federal Employees Flexible
and Compressed Work Schedules Act, 1978) [US Office o Personnel Management,
Negotiating Flexible and Compressed Work Schedules
,
http://www.opm.gov/cplmr/html/flexible.asp
]. Os esforços de flexibilização do trabalho têm
sido persistentes e envolventes, não obstante a também
persistente resistência do movimento sindical, e as
condições laborais têm-se deteriorado em geral desde
então.
No Japão o governo introduziu recentemente um projecto de lei "para
elevar os limites superiores do dia de trabalho de 9 para 10 horas, e a semana
de trabalho de 48 para 52 horas. Tal permitirá a uma empresa
forçar os empregados a trabalharem mais horas quando estiver ocupada,
conquanto o total de horas trabalhadas anualmente não exceda o limite
fixado". Além disso, esse projecto pretende também
generalizar os chamados "cronogramas de trabalho arbitrários"
("discretionary work schedules") que permitiriam uma empresa pagar
aos seus trabalhadores de colarinho branco apenas 8 horas de trabalho mesmo que
eles excedam esse limite. Alguns exemplos dramáticos dos efeitos
desumanos de tal regime de "trabalho arbitrário" são
relatados em sectores onde já estão em prática, com casos
de morte por suicídio ou exaustão, desencadeados por ritmos de
trabalho insuportáveis. O Japão é um exemplo
particularmente significativo pois que representa a segunda mais poderosa
economia do mundo e é um paradigma do capitalismo avançado. E
agora mesmo, nesse país o desemprego está a crescer e as
condições de trabalho estão a agravar-se, como nunca no
anterior período de expansão do capital no pós-guerra
(1945-75).
Aos olhos dos capitalistas, a culpa das dificuldades do sistema
cabe automaticamente aos trabalhadores. Já John Kenneth Galbraith, em
plena período de expansão, se queixava de que os trabalhadores
nos EUA podem culpar-se a si próprios pelo seu desemprego porque se
recusam a "mover-se" devido ao seu "instinto para ficar em
casa. Outros argumentos procuram justificar práticas ilegais e
fundamentar políticas anti-laborais. No Reino Unido, uma campanha
defende a abolição do salário mínimo e uma outra a
isenção da sua aplicação aos jovens;
enquanto isto, observa-se a degradação das
condições de trabalho dos imigrantes legais ou ilegais, bem como
de porção significativa da força de trabalho inglesa,
escocesa, galesa e irlandesa; estes factos comprovam o reaparecimento do
impulso para realizar a mais-valia absoluta, uma das mais
retrógradas tendências do desenvolvimento do capital no
século XX, proeminentes nos países do terceiro mundo,
mas agora no início do século XXI e no seio de um dos mais
privilegiados países do "capitalismo avançado".
[István Mészáros,
Desemprego e precarização: Um grande desafio para a esquerda,
Londres, Fevereiro 2000
,
http://resistir.info/crise/desemprego_precarizacao.html
].
Em Portugal, agrava-se o desemprego também. «
interessa
referir que o ritmo de crescimento do desemprego em Portugal está a
aumentar de uma forma intolerável (
) o número efectivo de
desempregados, que inclui o número oficial de desempregados mais os
inactivos disponíveis (desempregados mas que não procuraram
trabalho no período em que foi feito o inquérito), mais os
inactivos desencorajados (aqueles que estão desempregados mas desistiram
de procurar emprego), mais os que se encontram na situação de
subemprego invisível (aqueles que fazem algumas horas por não
encontrarem emprego) (
) com o ritmo de crescimento que se tem verificado,
neste momento (Fevereiro/2003), já ultrapassa certamente o meio
milhão de desempregados.» [Eugénio Rosa,
Desemprego, recessão económica e guerra
, 2003,
http://resistir.info/portugal/desemprego_guerra.html
]. Paralelamente, aprofunda-se tanto a assimetria do nível de rendimento
face aos restantes países da União Europeia como a assimetria da
repartição interna de rendimentos; porém, seguindo a
norma, para o governo a repartição e a
qualificação não são os problemas, o problema
reduz-se à pouca produção de riqueza cuja culpa é
dos trabalhadores acusados, se não de preguiçosos, de pouco
produtivos. «Um novo modelo de desenvolvimento económico para
Portugal tem que assentar em trabalho qualificado, com
remunerações que se aproximem da média da U.E., e em
segurança no emprego. E é evidente que esse modelo só
será também possível com uma repartição
muito mais justa da riqueza do que aquela que se verifica em Portugal
actualmente.» [Eugénio Rosa,
Agravamento das desigualdades em Portugal
, 2003,
http://resistir.info/portugal/desigualdades.html
].
Em vista do contexto generalizado de crescimento do desemprego e de
precarização, movimentos sindicalistas e socialistas em
vários países europeus têm lutado pelo objectivo de reduzir
o tempo de trabalho para 35 horas semanais, sem redução de
remuneração. Esta importante reivindicação
estratégica enfrenta grande oposição por parte do
patronato, pois que evidencia tanto os prementes problemas do desemprego como
também as contradições do sistema socioeconómico
que, por perversa necessidade, impõe a milhões de humanos os
sofrimentos do desemprego.
Outra linha de argumentação do capital contra os trabalhadores
pretende responsabilizá-los pela sua auto-aprendizagem e
até mesmo pela sua empregabilidade, bem como
obrigá-los a pagar a sua educação e
formação. Esta linha de argumentação é
reforçada pela desconstrução dos conceitos de
educação e formação, que são
substituídos por um outro conceito difuso de aprendizagem fragmentada,
contínua e acumulável, conducente à
aceitabilidade ou inevitabilidade desse outro conceito
de trabalho flexível. É reforçada, ainda, pela
imposição do conceito de liberdade de ensinar em
substituição do conceito de direito ao serviço
público de ensino; pela redução do financiamento e
da oferta de ensino público gratuito e a abertura e
liberalização do negócio do ensino privado.
Trata-se da inversão do curso verificado na conquista do welfare
state, durante o período de expansão económica,
agora em consonância com a doutrina neoliberal, que procura comandar
ideologicamente o povo e até mesmo entregar ao capital o controlo
directo do sistema de educativo.
A crise global da acumulação de capital na presente era de
globalização avançada cria novas grandes dificuldades, ao
invés de resolver as há muito contestadas iniquidades do sistema,
pois as margens de viabilidade produtiva do capital estão a diminuir,
não obstante todos os esforços dos Estados capitalistas para as
expandir ou pelo menos manter. Esta circunstância alimenta o impulso para
a realização da mais-valia absoluta que gera as
maiores iniquidades, pois no quadro do presente sistema económico,
só existe um caminho para alargar as margens em contracção
da acumulação de capital: a expensas do trabalho. Esta é
uma estratégia promovida pelo Estado - na verdade, devido a esta
necessidade, o papel intervencionista do Estado nunca foi tão grande
como agora, tanto no plano político como económico, ao
serviço do grande capital claro, não obstante toda a
retórica neoliberal que ao som do enganador slogan menos Estado
melhor Estado de facto significa o contrário.
A TIRANIA DO "TEMPO DE TRABALHO NECESSÁRIO"
Hoje, o sistema capitalista já não está em
posição de conceder ao trabalho seja o que for, em contraste com
as cedências reformistas do passado. A exigência de uma
redução significativa da semana de trabalho tem uma
importância estratégica para o trabalho porque não é
negociável, pois que se refere directamente à questão do
controle do metabolismo social, de que o capital não pode abrir
mão. Eis porque no actual período histórico mesmo os
objectivos limitados do trabalho - como a segurança de emprego, a
prestação de segurança social, o salário
mínimo ou o limite do horário de trabalho - só
poderão ser realizados através da "mudança de
sociedade", pois que objectivamente contestam a ordem
socio-económica e política estabelecida sob a qual "o bolo
económico" é produzido e distribuído. Também
por isso, o movimento sindical é objecto de activa agressão
política e ideológica por parte do capital, incluindo a tentativa
da sua marginalização do contracto social.
A questão da redução do horário semanal, sem
redução de salário, suscita a atenção para a
importância central do tempo de trabalho necessário e
do tempo disponível. O antagonismo radical entre a ordem
social existente e uma outra na qual os seres humanos estejam no controle da
sua actividade vital, incluindo o seu "tempo livre foi recente e
dramaticamente ilustrado no Reino Unido em 1984, quando os mineiros do
carvão travaram uma luta heróica em defesa do seus empregos, uma
longa greve de um ano, derrotada através dos esforços combinados
do governo conservador e do Partido Trabalhista. A força de trabalho dos
mineiros, que na época era de mais de 150 mil, foi dizimada para o
número actual inferior a 10 mil. Ao tempo da greve, as minas estavam
ainda "nacionalizadas", mas administradas com os mais brutais
critérios de "eficiência" capitalistas pelo National
Coal Board, que impôs um insano cronograma de sete dias de trabalho
enquanto reduzia de forma selvagem a força de trabalho.
Como ficou ilustrado, o capital conhece uma só maneira de administrar o
tempo de trabalho: pela maximização da exploração
do "tempo de trabalho necessário" da força de trabalho
empregada, ignorando totalmente o "tempo livre" disponível na
sociedade de forma geral, pois não pode extrair lucro deste. Há
aqui uma profunda contradição: o sistema produtivo do capital
cria "tempo livre" na sociedade como um todo e numa escala crescente,
porém, não reconhece a legitimidade deste tempo excedente
socialmente produzido como potencialmente criativo, que poderia ser utilizado
autonomamente para a satisfação de muitas das necessidades
humanas agora cruelmente negadas. Ao contrário, o capital procura
até apropriar-se desse tempo livre, canalizado para novas
formas fragmentadas de auto-aprendizagem, sob a responsabilidade individual dos
trabalhadores, em que estes serão simultaneamente
micro-empresários e aprendizes, movidos para a
aquisição de competências (skills)
que a qualquer momento sejam necessárias para a prestação
flexível de trabalho precário. Por esta via, instilada
através da palavra de ordem aprendizagem ao longo da vida e
materializada em novas e diversificadas modalidades de aprendizagem, o
"tempo livre" de muitos seres humanos, que antes era
capitalisticamente inaplicável, passa a poder ser subtilmente
incorporado como tempo de trabalho necessário, levando ainda
mais longe a sua tirania [Commission Européenne,
Mémorandum sur l'éducation et la formation tout au long de la vie
, SEC(2000) 1832, Bruxelles, le 30.10.2000;
http://europa.eu.int/comm/education/policies/lll/life/index_fr.html
; Nico Hirtt,
Les trois axes de la marchandisation scolaire
, Etudes marxistes n°56, décembre 2001,
http://users.skynet.be/aped/Analyses/Articles2/Trois%20axes.htm
].
Ainda estamos muito longe de organizar a sociedade com base no imensamente
maior potencial de produção de riqueza do tempo
disponível. A perspectiva estratégica no longo prazo, que
não negligencie também a realização das
exigências imediatas, é inseparável da nossa
consciência da viabilidade e necessidade fundamental de controlarmos a
reprodução social metabólica com base no tempo
disponível. Este objectivo é inseparável do problema do
emprego. Devido aos constrangimentos inultrapassáveis e às
contradições do sistema capitalista, qualquer tentativa de
introduzir o tempo disponível como o regulador dos intercâmbios
sociais e económicos - o que teria de significar colocar à
disposição das pessoas individuais grandes quantidades de tempo
livre, libertadas através da redução do tempo de trabalho
- colocaria na ordem do dia destruir a ordem produtiva estabelecida. Pois o
capital é totalmente incompatível com o tempo livre utilizado de
forma autónoma por indivíduos livremente associados.
[István Mészáros,
Desemprego e precarização: Um grande desafio para a esquerda
, Londres, Fevereiro 2000,
http://resistir.info/crise/desemprego_precarizacao.html
].
PRIVATIZAÇÃO TRANSNACIONAL
E GLOBALIZAÇÃO DO CAPITAL
As políticas de privatização de recursos e
serviços, de desregulamentação da economia e do trabalho e
de flexibilização laboral são promovidas a nível
internacional pelo Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a
Organização Mundial do Comércio e a
Organização de Cooperação para o Desenvolvimento
Económico. Importantíssimos são também os blocos
político-económicos constituídos (ou cuja
constituição teima em se realizar) como a União Europeia,
a NAFTA, a ALCA, etc. Esta multiplicidade de organizações tem
raízes históricas e regionais, mas também comporta
âmbitos e modos de actuação diferenciados. O BM e o FMI
têm sido particularmente activos na
reestruturação e no ajustamento de
países do terceiro mundo e dos países em
transição, enquanto a OCDE o tem sido na
articulação e na
harmonização de políticas entre os
países capitalistas mais desenvolvidos. A União Europeia tem
contribuído activamente para a integração dos
países europeus no sistema capitalista mundial. Os governos nacionais
encontram assim facilitada, com a invocada autoridade (não
democrática) das instâncias supra-nacionais, a sua
argumentação a favor da imposição de
políticas comuns a cada um dos seus próprios povos.
A ofensiva neoliberal faz-se sentir na Europa desde há duas
décadas, tendo sido iniciada e notória no Reino Unido, sob os
governos conservadores de Margaret Thatcher e John Major, para prosseguir tal
qual sob o governo trabalhista de Tony Blair. Mas a ofensiva exerceu-se em
geral, tendo em Portugal assumido a forma de ofensiva
contra-revolucionária sobre as então recentes conquistas da
Revolução de Abril.
Essa ofensiva desenvolve-se segundo um padrão reprodutível. O
processo de privatização da propriedade pública
desenvolve-se em três fases (e três etapas). A primeira fase,
já muito avançada, foi a de privatização de
empresas públicas industriais e financeiras. Estas empresas
encontravam-se já a operar num mercado de competição e a
sua alienação pelo Estado decorreu naturalmente com a
mudança de política económica de intervencionista para
liberalizante [Asbjorn Wahl,
Privatisation, TNCs and Democracy
, in "Initiative for another Europe", Copenhagen 15 December 2002
(counter-conference during the EU Summit),
http://www.aswahl.net/ENGELSK/
].
A segunda fase consiste ainda na privatização de serviços
públicos infra-estruturais água, energia, transportes e
comunicações; primeiro a privatização do estatuto
jurídico e de seguida a privatização do capital social.
Esta fase está ainda em curso na generalidade dos países
europeus, vindo a encontrar forte resistência da parte da opinião
pública e das organizações sindicais. É
justificada quer pela necessidade de realizar receitas para o
Estado através dessas alienações de património quer
pelas argumentadas virtudes da gestão empresarial (como se a
não fosse já); os governos concorrem para acelerar este processo
nomeando frequentemente administrações que representam os
próprios interesses privados interessados na aquisição das
empresas. A táctica prosseguida compreende uma primeira etapa de
desregulamentação e liberalização do mercado
respectivo. A segunda, é de mudança do estatuto jurídico
do serviço público para empresa de capital público ou
misto. A terceira etapa consiste na venda das acções detidas pelo
Estado. Este processo é apresentado não na sua globalidade mas
sim passo a passo, como se cada um fosse definitivo, deste modo reduzindo a
intensidade da oposição do público e dos trabalhadores.
A terceira fase está a iniciar-se na Europa, estando mais
avançada nalguns outros países (EUA, Canadá,
Austrália, Nova Zelândia) e tem em vista a
privatização de serviços públicos de natureza
não empresarial saúde, educação,
segurança social ou seja, o núcleo essencial do estado
previdência (welfare state). Para este efeito, o modelo
organizativo empresarial é sobrevalorizado e contraposto ao modelo
organizativo da administração pública do Estado; é
imposto um dilema entre um modelo e o outro; um seria intrinsecamente bom e o
outro irremediavelmente obsoleto.
Os serviços públicos, objecto de liberalização,
privatização, desregulamentação e
reestruturação, são responsáveis por
reduções por vezes dramáticas de pessoal empregado, de um
e de outro lado do Atlântico [ILO,
Challenges and opportunities facing public utilities, Geneve
, 2003,
http://www.ilo.org/public/english/dialogue/sector/techmeet/tmcopu03/tmcopu-r.pdf
].
E também, ao contrário do que seria espectável ao som da
retórica dos governos e do patronato, o desempenho dos serviços
públicos liberalizados, privatizados e desregulamentados, tem sido
frequentemente negativo e por vezes catastrófico, nas suas duas
vertentes de preço e de qualidade e segurança de aprovisionamento
para os consumidores. [Greg Palast,
Power Outage traced to dim bulb in White House
, August 22, 2003,
http://www.gregpalast.com/detail.cfm?artid=258&row=0
].
Tomando como exemplo o processo em curso no sector da energia eléctrica
na Europa, designadamente a sua liberalização, este teria
evidenciado um lapso de competências (skill gap) entre as
qualificações dos trabalhadores e as necessidades das
empresas, atribuída por estas à competição e
à evolução tecnológica. EURELECTRIC, a
associação que representa o patronato deste sector na Europa,
apela ao investimento em programas de formação formal, não
formal e informal que promovam a urgente mobilidade interna e
externa dos trabalhadores mais velhos; quanto aos trabalhadores mais novos,
não obstante as boas qualificações, o dito lapso de
competências exigirá muitas vezes o treino em regime de
aprendizado. O sentido anti-laboral desta declaração
é patente. [Eurelectric,
Electricity sector Social Partners stress the importance of life-long learning
, Joint EURELECTRIC/EPSU/EMCEF Press release, 16/07/2003,
http://www.eurelectric.org/News/Articles///art097.htm
].
Esse sentido geralmente anti-social e mais directamente anti-laboral da
privatização dos serviços públicos, em nome da
racionalização e de um hipotético melhor
serviço prestado aos consumidores, está documentado
em variados documentos da Organização Internacional do Trabalho
OIT (ILO em Inglês), organismo dependente da ONU. Segundo esta:
«
os processos de privatização e
reestruturação dos serviços de água, electricidade
e gás resultaram, em geral, numa redução dos níveis
de emprego, por vezes afectando até 50% da força de trabalho.
Cortes no emprego parecem ser mais severos sob certas formas de
privatização, como seja a contratação externa de
partes da indústria e a privatização total ou onde se
combine a privatização com a reestruturação. Mais,
aumentos de emprego após a privatização são raros e
usualmente acontecem passados períodos de grande
contracção (
) a tendência com as
reestruturações é para o mesmo trabalho ser feito por
menos pessoal e num contexto não sindical, a mais baixos níveis
de salários e de benefícios.» [ILO,
Managing the privatization and restructuring of public utilities (Water,
Gás, Electricity)
, 1998,
http://www.ilo.org/public/english/dialogue/sector/techmeet/tmpu99/tmpure2.htm
].
Entidades públicas e privadas, centros de estudo e sindicatos, têm
acompanhado este desígnio do capital, produzindo dados e reflexão
que documentam essa hecatombe global. Vejam-se os numerosos estudos,
substancialmente argumentados e claramente críticos, publicados por
Public Services International Research Unit
[PSIRU,
http://www.psiru.org/
].
Enquanto organismos públicos e autoridades locais privatizam ou
contratam serviços no exterior, os sindicatos de trabalhadores de
serviços públicos preocupam-se com o avanço das empresas
transnacionais, posto que representam um grave risco quer para os trabalhadores
quer para o público em geral, ao procurarem adquirir o domínio
monopolista da prestação de serviços sobre comunidades
regionais ou locais, para depois as explorarem. Os sindicatos dos
serviços públicos defendem a manutenção sob tutela
pública dos serviços essenciais tais como fornecimentos de
cuidados de saúde, electricidade, água, saneamento, etc. Merecem
especial referência a PSI e a EPSU. Public Services International
PSI é uma federação internacional de sindicatos dos
sectores públicos, representado 600 sindicatos em 140 países;
é reconhecida como uma ONG representante do sector público junto
da OIT, e está acreditada junto da UNCTAD e da UNESCO. European
Federation of Public Service Unions EPSU é uma
federação de sindicatos independentes de trabalhadores de
serviços públicos
Europeus. Representa 180 sindicatos de mais de 30 países da União
Europeia, países candidatos e da Região Económica
Europeia. Integra a direcção da Confederação
Europeia de Sindicatos CES/ETUC.
EPSU e PSI reúnem a experiência de trabalhadores desses sectores e
de cidadãos para provarem que os serviços públicos podem
ser eficientes e corresponderem às necessidades dos cidadãos. A
EPSU tem promovido campanhas pela defesa dos serviços públicos na
Europa, designadamente dos serviços de saúde e de abastecimento
de água, e pela contratação criteriosa de serviços
de interesse social pela administração pública, bem como
pela garantia dos padrões de qualidade dos serviços prestados e
pela dignificação das condições de trabalho e de
remuneração dos seus trabalhadores.
PSI EPSU tomaram posição em defesa dos serviços de
interesse comum SGI que deverão ser salvaguardados pela
Convenção Europeia em projecto e reuniram-se recentemente
(Fevereiro de 2003) com o Comissário Europeu do Comércio, Pascal
Lamy, a quem transmitiram as suas preocupações sobre o curso das
negociações com o AGCS. EPSU estabeleceu com diversas ONGs
europeias a Coalition for Green and Social Procurement que trabalha
pela inclusão de critérios sociais, éticos e ambientais na
adjudicação de contratos públicos. No que respeita
à Educação, emitiu também (em conjunto com
Education International EI) documentos de estudo e subscreveu uma
declaração Stop the GATS Attack! [
http://www.epsu.org/Campaigns/Default.cfm
].
EPSU e PSI, por outro lado, procuram também estabelecer estruturas
sindicais Europeias e transnacionais representativas dos trabalhadores das
empresas transnacionais, que actuem como plataformas efectivas no confronto com
as administrações internacionais, para melhor poderem negociar
segundo padrões de justiça e dignidade para os seus associados e
garantir que as empresas transnacionais, seus fornecedores e suas
subcontratadas, respeitem os direitos humanos e laborais.
[
http://www.epsu.org/TNC_EWC/Aboutpages.cfm
].
As estruturas sindicais Europeias e internacionais são partes nas
campanhas, junto das corporações transnacionais e dos organismos
internacionais, de todos os que têm como objectivo um ordenamento
internacional que previna que as forças do mercado livre e a
ganância do capital dominem a vida dos trabalhadores, cidadãos e
comunidades.
AS CTN PARTE E INSTRUMENTO DA INTEGRAÇÃO CAPITALISTA
Sabemos que as companhias transnacionais (CTN) crescem a ritmo rápido
mediante fusões e aquisições no mesmo sector de actividade
e de sector para sector (diversificação). Recentemente o
crescimento das CTN tem-se dado também à custa da
aquisição de serviços públicos privatizados. A
forma como a etapa final da privatização é realizada
concurso público internacional defendido e obrigado pela
UE facilita essas aquisições pelo grande capital
transnacional.
O exame da lista das cem maiores CTN não financeiras de todo o mundo
mostra que pelo menos dez cresceram sobretudo à custa da
privatização de serviços públicos energia,
gás, água, telecomunicações, etc. das quais oito
são europeias (Vodafone, Vivendi, Telefónica, Suez, E.On, RWE,
Ericsson, Cable & Wireless). Estas mesmas empresas destacam-se também
por estarem entre as mais activamente transnacionais e ascendentes no clube das
cem maiores [UNCTAD,
The World Investment Report 2002
,
http://r0.unctad.org/wir/pdfs/fullWIR02/pp85-114.pdf
].
Tomemos um caso exemplar. Vivendi é a maior corporação
privada com sede em França; tem-se especializado na
aquisição de serviços públicos em sectores
diversificados (transportes, água, energia, construção,
telecomunicações, etc.) por todo o mundo (Europa,
Américas, Ásia). Será surpreendente para os menos
prevenidos que Vivendi controla também a maior instituição
privada francesa no sector Ensino Educinvest com 250 escolas. A
Vivendi é uma multinacional com numerosas empresas subsidiárias
que, por outro lado, coopera com algumas outras multinacionais em diversos
sectores. Assim sendo constitui carteis e alianças cúmplices, com
o fito de ganhar vantagem nos concursos a que se apresenta, com êxito
frequente. No sector da água em particular, existem seis
major que o dominam a nível mundial; mas estas, mais do que
competir cooperam entre si; em cada processo de privatização
formam associações de duas ou três, a fim de ganharem a
operação; essa associação vai mudando de
configuração de caso para caso; assim vão alargando e
consolidando o seu poder no sector da água sobre todo o mundo. No sector
de recolha e gestão de resíduos sólidos urbanos, existem
quatro major apenas que dominam o panorama mundial (eram oito
há cinco anos); uma destas major Onyx é
subsidiária da Vivendi. No sector de serviços de energia
(electricidade e gás), configura-se também a
constituição de um reduzido núcleo de multinacionais em
torno, nomeadamente, da RWE (Alemanha), Suez-Lyonnaise (através da
Tractebel) e da Vivendi (associada à empresa pública EDF)
[Asbjorn Wahl,
Privatisation, TNCs and Democracy
, in "Initiative for another Europe", Copenhagen 15 December 2002
(counter-conferance during the EU Summit),
http://www.aswahl.net/ENGELSK/
].
Uma das tácticas destas multinacionais é fazer ofertas
intencionalmente sub-avaliadas, tendo em vista eliminar os potenciais
contendores, mas na convicção de que, a prazo, a
aquisição de uma posição monopolista
permitirá elevar as receitas. As perdas no curto prazo são o
preço a pagar pela eliminação de oponentes, preço
que as grandes CTN estão em condições de pagar, para
depois recolherem os frutos da posição monopolista. E quando
é caso disso, havendo crise, os governos acodem com subsídios
públicos cujos beneficiários são já então os
únicos. O apregoado jogo de mercado livre é na realidade um jogo
viciado que conduz a crescente monopolização. Os únicos
que aparentam não verem essa realidade são os que se assumem
apoiantes convictos (?) da privatização a caminho da completa
liberalização dos mercados e da livre concorrência,
supostamente competitiva.
Movimentos cívicos, sindicais e políticos, comunistas e
socialistas, confrontam esta avalanche neoliberal, desmontam a sua
retórica falaciosa, rompem a espessa cortina de propaganda montada pelos
governos porta-vozes dos interesses capitalistas, mobilizam a resistência
popular em acções locais, sectoriais e em grandes
acções de massas, tanto junto do patronato e demais
instâncias do poder económico, como junto dos seus governos e
demais instâncias do poder político. O tempo é de recuo mas
não é de derrota, porque o capitalismo é contra o povo, e
o capital não pode sobreviver senão, contraditoriamente, mediante
a exploração cada vez mais alargada e cada vez mais extrema
dessas massas populares. Só os povos podem ser os vencedores finais
neste confronto.
Os governos da União Europeia anunciam objectivos de liderança a
nível mundial na competitividade e no dinamismo económicos. Nesse
discurso invocam a sociedade do conhecimento mas não
a da humanização do trabalho e da solidariedade social. A
propósito desta, enunciam políticas atinentes à
harmonização de qualificações profissionais,
regimes laborais e benefícios/restrições sociais, e de
livre circulação dos trabalhadores e flexibilização
da prestação do seu trabalho. A propósito da
integração económica, enunciam políticas de
intensificação tecnológica, de liberalização
da acumulação e circulação de capitais, incluindo a
privatização e a desregulamentação dos sectores
públicos fundamentais com suas repercussões laborais e
sociais. As grandes orientações são decididas a
nível supra-nacional, congeminadas com os grupos capitalistas
constituídos, fora do controlo democrático. Não há
dúvida sobre a prioridade conferida por este bloco político aos
seus desígnios, na verdade estritamente os desígnios do grande
capital, relativamente aos interesses sociais dos trabalhadores e dos povos
europeus em geral.
Nesta fase do imperialismo, a Educação e o sistema de Ensino
também são alvos a abater.
29 de Agosto de 2003.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
|