O iminente declínio do petróleo
Rui Namorado Rosa
Observadores atentos dos acontecimentos internacionais saberão, mas a
larga maioria dos cidadãos ignora, porque lhes é intencionalmente
escondido, que existe uma agenda escondida dos decisores
políticos no plano da política internacional. Ainda menos
observadores atentos saberão que no topo dessa agenda está o
acesso e o controlo dos recursos energéticos mundiais. E que a actual
fase de agressividade brutal do imperialismo é movida também pelo
reconhecimento (que o público em geral ignora) de que a actual
disponibilidade de energia está em vias de extinção. Em
vez de trabalhar por alternativas viáveis no interesse da Humanidade, o
saque aos recursos energéticos é o pretexto para as
intervenções diplomáticas cobertas e encobertas e para as
intervenções militares humanitárias ou
anti-terroristas por todo o mundo; no Golfo Pérsico, na
Ásia Central, na América Latina, em África; nos
próprios EUA.
O SAQUE
A globalização é também esse saque que
está em curso.
A essa luz, as agressões e as ingerências acontecidas ou por
acontecer no Iraque, no Irão, na Colômbia, na Venezuela, etc, e a
presença militar dos EUA, apoiados no Reino Unido, no Golfo
Pérsico, nos Balcãs, na bacia do Cáspio, no Golfo do
México, etc, são dramáticos mas meros episódios
previstos nessa agenda escondida.
A industrialização no decurso do século XX está
marcada pela ascensão do petróleo como a mais importante fonte de
energia primária, e dos seus derivados como os mais essenciais
combustíveis para os transportes e a produção
termoeléctrica (as gasolinas, o diesel, o
fuelóleo e o jetoil) e essenciais
matérias-primas para as petroquímicas (as naftas, os
BTX e vários produtos químicos).
Porém, acumula-se a evidência de que a capacidade de
produção de petróleo convencional está
a atingir os seus limites. O petróleo convencional é aquele de
que o mundo afluente se tem alimentado desde o princípio do
século XX e que na década de 60 ultrapassou o carvão como
principal fonte de energia. O petróleo convencional é de
extracção relativamente acessível e económica; no
caso das jazidas gigantes da Arábia Saudita a um preço da ordem
de 1ou 2 dólar por barril. A fracção de hidrocarbonetos
líquidos que acompanha a extracção de gás natural,
pode ser contabilizada e adicionada á produção de
petróleo convencional. Esta fonte de hidrocarbonetos aumentará
previsivelmente até cerca de 2050, em resultado de a
produção de gás natural exceder nesse período a de
petróleo, mas em quantidade que, atenuando o declínio da
produção de petróleo convencional, não
adiará perceptivelmente o tempo de ocorrência do pico
de produção de hidrocarbonetos líquidos.
O PETRÓLEO NÃO CONVENCIONAL
O petróleo não convencional isto é, o
heavy oil
(ou petróleo pesado), o petróleo polar, o petróleo do
deep ocean offshore
(oceano profundo), as areias betuminosas e os xistos asfálticos
é ou de qualidade inferior, sendo de extracção e
refinação mais dispendiosa (caso do petróleo pesado da
bacia do Orinoco na Venezuela), ou de elevado custo de extracção
(custo não só económico mas energético
também). O petróleo polar implica impactos ambientais em zonas
sensíveis e mesmo protegidas, e também investimentos intensivos,
sobretudo associados ao transporte para os centros consumidores. O
petróleo do oceano profundo (extraído em laminas de água
superiores a 500 metros) apresenta condições geológicas
complexas e ambientais rigorosas, mais elevado risco de investimento e agravado
custo de extracção. O aproveitamento das areias betuminosas
implica impactos ambientais pesados, custos económicos e
energéticos elevados, tais que as eventuais reservas produtíveis
serão muito inferiores aos recursos existentes na crusta.
Situação mais problemática ainda é a dos xistos
betuminosos. Todavia a propaganda anestesiante procura fazer
passar a ideia de recursos fabulosos à superfície da Terra. Uma
fantasia, como oferecer a Lua. A referência cada vez mais frequente a
esses novos recursos de petróleo não convencional
é ela mesma a mais clara confissão de que o petróleo
barato, o petróleo convencional, está a aproximar-se
dos seus limites.
Os recursos de petróleo não convencional são
comparáveis aos de petróleo convencional; mas a
fracção convertível em reservas exploráveis
ascende, com optimistimismo, a não mais que 20% desses recursos. E a
custos técnicos, económicos e ambientais substancialmente mais
elevados, de todo não comparáveis aos custos do petróleo
do Golfo Pérsico... A somar a estes custos, o desenvolvimento de tais
reservas exigirá períodos de tempo dilatados. Mas investimentos
pesados a longo prazo é algo que não cabe no quadro da actual
organização económica; o que não exclui a
possibilidade de um ou outro conglomerado petrolífero o vir a fazer, na
perspectiva de retorno à custa da extrema escassez futura. Mas
não haja dúvida, embora possa haver uma fronteira difusa entre
petróleo convencional e não convencional, acabado o primeiro, a
economia do segundo será substancialmente diferente, e o custo de
energia será muito superior.
A
FLAT LAND
É convicção corrente, alimentada pela
informação oriunda da maioria dos organismos oficiais e das
empresas petrolíferas, que a produção de petróleo
poderia prosseguir indefinidamente, como se o recurso natural fosse ilimitado,
ou seja, como se o planeta Terra fosse plano e não esférico e
portanto finito. É a visão conhecida por
flat land
.
Essa visão idealista é conforme à teoria económica
dominante, segundo a qual os diversos factores de produção seriam
ilimitados e intermutáveis, como se não tivessem
qualidades distintas, e o mercado seria um regulador perfeito da
actividade económica, oferecendo automaticamente fluxos de
matérias-primas, de força de trabalho e de energia, em reposta
inevitável ao aumento de procura e à subida dos
preços respectivos. Tal teoria económica pressupõe que
haja uma Terra com recursos ilimitados e com ilimitada capacidade de gerar
fluxos desses recursos; bem como um exército de desempregados e de
técnicos já qualificados, em todas as especialidades; num e
noutro caso disponíveis no imediato, como se o desenvolvimento de uma
província petrolífera não levasse cerca de uma
década e a formação de especialistas num novo
domínio cerca de um lustro.
Mas a longa experiência da industria petrolífera prova que
não é assim. A produção em cada província
é assegurada maioritariamente por um escasso número de jazidas
gigantes, um elevado número de pequenas jazidas fornecendo apenas um
modesto complemento. O nível de produção de cada
província, uma vez todas as jazidas postas a produzir, não mais
poderá crescer significativamente e, pelo contrário,
entrará em declínio, a um ritmo que só a
multiplicação do número de poços consegue atenuar.
O custo de extracção vai crescendo em função do
volume de produção acumulada em cada província
petrolífera.
O ritmo de descoberta de novas jazidas de petróleo tem diminuído
e as grandes jazidas vão escasseando. À escala global, o ritmo
de consumo já ultrapassou e vem excedendo, desde 1981, as descobertas de
novas províncias petrolíferas. O pico das descobertas à
escala mundial ocorreu em 1964. Como o ritmo das descobertas deixou de
compensar o ritmo de consumo, o balanço é negativo, e as reservas
restantes tem diminuído persistentemente.
O crescimento de reservas, ou seja, a reavaliação em
alta das reservas das províncias petrolífera já conhecidas
em resultado conjugado do factor económico preço e do
factor técnico taxa de recuperação do petróleo
in situ
tem decrescido também, e será no futuro muito mais
reduzido do que no passado. Depois de um século de
prospecção em todo o mundo, e de aperfeiçoamentos
científicos e tecnológicos na geofísica e na engenharia do
petróleo, sabe-se hoje virtualmente quase tudo sobre essa
matéria, e particularmente sabe-se que recursos existem e quais os seus
limites. O maior obstáculo é, de facto, o secretismo de que os
resultados tem sido objecto por parte de empresas petrolíferas, governos
e organismos internacionais. Em suma, conjugando informações de
origens diversas, os especialistas estimam que, ainda na presente
década, ocorra o pico da produção mundial de
petróleo.
O MÁXIMO POSSÍVEL
A região do Golfo Pérsico detém a maior
fracção das reservas restantes. A OPEP, que assegura actualmente
uma fracção superior a 30% da produção mundial,
terá um peso crescente nesse abastecimento e na formação
do preço. A actual produção mundial de cerca 75
milhões de barris/dia poderá ascender a um máximo de cerca
80 milhões de barris/dia na presente década. A OPEP, só
por si, poderá elevar ainda a respectiva produção
até 45 milhões de barris/dia até 2015, mas já num
contexto mais geral de exaustão ou declínio. Por isso o pico do
petróleo ocorrerá antes desta última data.
Os EUA são o país com mais longa e completa experiência na
indústria petrolífera. No território dos 48 estados
contíguos, as descobertas atingiram o seu máximo em 1930, de que
resultou uma produção que atingiu o apogeu em 1971. Desde
então o declínio tem sido inexorável.
No Alaska foi entretanto descoberta e desenvolvida uma província
petrolífera em Prudhoe Bay. O investimento necessário à
sua exploração, incluindo o extenso oleoduto, foi muito elevado e
demorado, como é próprio de uma fonte considerada já
não convencional. E todavia a respectiva produção passou
o seu máximo doze anos depois, em 1989.
Ora a produção nos EUA atingiu o seu apogeu sem que fossem
adoptadas políticas de desenvolvimento sustentado no plano
doméstico, o que ilustra como o mercado não oferece
solução para o desenvolvimento sustentado. O caminho prosseguido
está à vista: os EUA declararam como seu interesse vital o
acesso às fontes de energia mundiais. E estão a prosseguir essa
política, agora sob a designação de guerra ao
terrorismo, nomeadamente estabelecendo alianças com regimes
corruptos, bases militares em regiões estratégicas para o
domínio de províncias petrolíferas e de oleodutos e, bem
assim, desencadeado ameaças militares e acções de guerra.
Mais discreto é o apoio diplomático e o financiamento
invisível das empresas petrolíferas o que frequentemente
é feito através do inesgotável financiamento para a Defesa
Nacional, tal como é já tradicional em relação
às empresas dos sectores aeronáutico, automóvel, nuclear,
energético e químico-farmacêutico (consequentemente as mais
lucrativas e portanto mais poderosas). É um ciclo vicioso, em que o
poder económico influencia e domina o poder político e este apoia
no plano internacional e financia os consórcios económicos com
recursos públicos.
A RÚSSIA E O CÁSPIO
A Rússia e a bacia do Cáspio detêm cerca de 15% das
reservas mundiais de petróleo convencional. Porém,
significativos recursos e reservas adicionais de petróleo polar na
região Árctica são expectáveis. A Rússia
mais a bacia do Cáspio forneceram em 2001 cerca de 11% da
produção mundial de petróleo convencional. Essa
produção poderá aumentar ainda 50%, durante os
próximos anos, podendo contribuir então com cerca de 15% da
produção mundial.
Na Rússia, o sector económico mais dinâmico na
última década tem sido o energético, o qual tem gerado
acumulação de capital e suportado a constituição da
oligarquia financeira emergente. Este sector tem tripla importância para
os EUA: é a estrutura económica que na Rússia mais
rapidamente se constitui como capitalista; por outro lado, pode servir os
interesses vitais dos EUA na segurança do aprovisionamento
energético; finalmente, pode servir o objectivo geo-estratégico
de controlar o aprovisionamento energético de outros grandes
países carentes de fontes de energia própria
designadamente a Índia e o Japão, a China e outros países
do Extremo Oriente. Estas razões tem levado os EUA a estreitarem
relações políticas com a Rússia. Por seu lado, a
Rússia terá interesse em desenvolver ao máximo as suas
infra-estruturas energéticas e manter relativo equilíbrio de
relações comercias quer com a Europa, quer com o Extremo Oriente,
quer com os EUA, nesse sentido tendo programado o prosseguimento do
desenvolvimento das actuais províncias produtoras, novas pesquisas na
zona Ártica e, ainda, o reforço e alargamento da rede de
oleodutos para o ocidente, para a costa do Pacífico e para a RP China.
A actual aproximação da Rússia aos EUA
é uma aliança para desenvolvimentos tecnológicos e
investimentos conjuntos no sector energético e para a
cooperação e partilha do comércio internacional de
matérias-primas energéticas; mas é também uma
capitulação da soberania russa face ao império financeiro
global. Em breve a Rússia entrará na OMC.
EUROPA OCIDENTAL
Quanto à Europa Ocidental, a província petrolífera do Mar
do Norte já ultrapassou a sua produção máxima e
entrou em declínio. Essa província veio à luz em 1969, a
taxa de descoberta atingiu o seu máximo em 1974 e a taxa de
produção o seu apogeu em 2000. Tendo incrementado as reservas
estimadas iniciais em 50% e atingido a taxa de recuperação de
50%, mas não podendo já aumentar nem uma nem outra, o
declínio é inexorável. O progresso tecnológico faz
maravilhas, mas ainda não faz milagres. A Europa terá agora de
importar uma crescente quota de petróleo num mercado mundial incerto.
Quanto ao gás natural do Mar do Norte, ele assegura agora 50% do
gás natural consumido na União Europeia. Descoberto em 1965,
atingiu o máximo de descoberta em 1979 a sua produção
espera-se atinja o apogeu em 2005, para entrar depois em declínio
também. A Europa depende já, e cada vez mais no futuro, do
aprovisionamento de gás natural proveniente do Norte de África e
da Rússia.
A Noruega dispõe ainda de recursos adicionais de hidrocarbonetos no
Árctico, particularmente gás, que permitirá manter e mesmo
acrescentar a sua capacidade produtiva, o que atenuará mas não
substituirá a pressão para as importações de fora
da Europa Ocidental.
Especialistas oriundos de vários países Europeus, EUA,
Rússia e Irão, reunidos num encontro internacional realizado em
fins de Maio de 2002 na Universidade de Uppsala na Suécia alertaram para
a previsível ocorrência de sérios choques
petrolíferos na próxima década
(ver http://www.isv.uu.se/iwood2002/welcome.html).
Prevê-se que a produção mundial de petróleo
convencional iniciará então um declínio
irreversível que terá enorme repercussão em todo o mundo.
À luz do conhecimento actual, na base dos actuais dados relativos a
reservas e a recursos, descobertos e ainda previsivelmente por descobrir, a
produção mundial deverá atingir o seu ponto máximo
por volta de 2010. A rede de instituições e especialistas
constituída nesse encontro internacional ASPO (Association for
the Study of Peak Oil) afirmou o propósito de proceder anualmente
à actualização do cenário da produção
em conformidade com o apuramento dos resultados de exploração e
produção verificados.
30 de Maio de 2002.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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