"A saída da zona euro deve ser feita"
por João Ferreira do Amaral
[*]
entrevistado pela Agência Lusa
"Num cenário de estabilização da zona euro, a
saída de um país deve ser feita em acordo com as autoridades
comunitárias, quer o Conselho [Europeu], quer a Comissão Europeia
quer o Banco Central Europeu [BCE]", diz Ferreira do Amaral em entrevista
à agência Lusa.
Esse acordo visaria "garantir apoio" durante a saída:
"Nesse período crucial [de saída] deve haver apoio, que se
traduz no prolongamento do empréstimo ao nível do que temos
agora" no âmbito do programa de assistência negociado com a
'troika'.
"Isso, em todo o caso, será necessário, porque não
acredito que Portugal tão cedo esteja em condições de
voltar aos mercados [financeiros] e uma coisa muito importante é
que o BCE apoie a nova moeda para se manter dentro de bandas de
flutuação aceitáveis, na ordem dos 15 por cento",
sustenta Ferreira do Amaral.
O processo de saída implicaria ainda que o Estado continuasse a garantir
a sua dívida "em euros e não na nova moeda" e "que
quem tivesse investimentos em euros no setor bancário os mantinha em
euros", de forma a evitar uma corrida à banca, continua Ferreira do
Amaral. A saída do euro levaria "alguns meses, muito menos
tempo" do que levou a preparar a adesão.
O professor do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG) frisa, no
entanto, que este cenário só é viável "com uma
zona euro estável". Na atual situação, "sair da
zona euro seria um tiro no escuro."
"Agora, repito, a condição básica é que isto
esteja estável, e essa não sei se vai verificar", admite
Ferreira do Amaral.
Estabilização, nota Ferreira do Amaral, não deve ser
confundida com o fim da crise: "Estou a admitir que [os líderes
europeus] não são um bando de atrasados mentais e que percebem
que o problema estrutural da Europa e da zona euro é de crescimento
económico, e que a estabilização seria apenas
temporária nesse sentido."
O economista insiste que a actual crise demonstra que "a zona euro
não pode funcionar" nas actuais condições, e que
será "muito difícil" reformá-la.
No entanto, Ferreira do Amaral considera que o euro pode continuar a existir
mas com menos membros.
"Devo dizer que não fui adversário da existência do
euro. Fui principalmente adversário da nossa participação.
Penso que é necessário haver uma moeda de referência na
Europa. Não tem é de ser moeda única", afirma o
economista.
E conclui: "Haver uma moeda sustentada pelas economias de estados que
tenham competitividade para isso, acho muito bem. Agora não queiram
é pôr países com uma estrutura produtiva muito débil
dentro dessa zona monetária".
"Nunca tivemos década tão má" como a do euro
A última década foi a pior de que há memória para a
economia portuguesa e o mau desempenho deve-se mais às
restrições causadas pela união monetária que a
erros políticos, diz Ferreira de Amaral.
O economista argumenta que "é razoável" pensar que a
Europa "estaria melhor" sem a moeda única: "A zona euro
cresceu pouco, muito menos que na década e meia anterior. Acumularam-se
desequilíbrios gigantescos nas balanças de pagamentos,
nomeadamente em Portugal, na Grécia e também, em parte, em
Espanha".
Quanto a Portugal, assegura, nunca teve alguma "década tão
má" como a começada com a introdução das notas
e moedas de euro em 2002, "pelo menos desde a II guerra mundial".
Para Ferreira do Amaral, Portugal "já está" numa
situação "pior que há dez anos":
"Não só pior em termos de rendimento per capita como pior
nas desigualdades, pior em termos de estrutura produtiva".
O economista sugere assim que Portugal deveria abandonar a moeda única.
"A manutenção na zona euro vai implicar estarmos
décadas a viver à custa de empréstimos fornecidos pela
União. Décadas. Porque não temos condições
de crescimento nenhumas, e o nosso aparelho produtivo continuará talvez
anda mais ineficiente que agora", afirma Ferreira do Amaral.
"Portanto, de uma ou duas décadas de ajuda ninguém nos tira,
numa situação dessas. Penso que isso é
insustentável, mesmo do ponto de vista político".
O professor do ISEG não considera que os actuais problemas se devam a
erros políticos tanto como ao "fracasso" do projecto europeu:
"Um bom projecto é o que resiste a erros de política
económica. Não me parece, com toda a franqueza, que tenha havido
erros monstruosos de política económica" na zona euro.
"A nossa questão orçamental é apontada como um grande
desregramento, mas não é verdade, tivemos maior desregramento
antes de entrar na zona euro", continua Ferreira do Amaral, para quem se o
problema fosse o despesismo dos governos "teríamos um défice
muito maior, porque as receitas cresceram pouco, e a actividade
[económica] cresceu pouco."
Para Ferreira do Amaral, a "transferência de recursos de sectores de
bens transaccionáveis para bens não transaccionáveis"
é resultado de Portugal fazer parte de um espaço com uma
"moeda forte".
"O aparelho produtivo reorientou-se para sectores protegidos da
concorrência externa, porque a moeda é forte e não fazia
sentido concorrer com produtos importados", argumenta. "Isso
não foi um erro de política económica, o erro foi aderir a
essa zona [de moeda forte]."
Ferreira do Amaral também critica a União Europeia por se ter
"aberto sem condições" ao comércio mundial:
"A liberdade do comércio é boa em termos gerais", mas
teria sido preferível "uma gradual
liberalização".
Inscrever na Constituição limites ao défice estrutural
seria "estúpido" e inútil
A ideia de inscrever na Constituição limites ao défice
orçamental é "um disparate completo" e "não
vai resolver o que quer que seja", considera João Ferreira do
Amaral.
O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, defende a adopção de
uma "regra de ouro" de disciplina orçamental,
constitucionalizando um limite de 0,5% do PIB para o défice estrutural,
uma intenção cuja viabilidade tem sido criticada.
"Viável é, parece-me é estúpido. Não
é a constitucionalização do défice
orçamental que vai resolver o que quer que seja", diz Ferreira do
Amaral.
"Nem sei bem o que isso significaria que o orçamento tinha
que ser assim, mas a execução ao longo do tempo podia ser
diferente... É um disparate completo, não vai resolver nada,
é uma forma de chutar o problema para a frente e fingir que se
está a resolver" a crise, acrescenta. "Sou contra, porque a
nossa Constituição não é para essas
parvoíces."
No curto prazo, a estabilização da crise das dívidas
soberanas não passa por mudanças constitucionais mas sim por
reforçar os poderes do BCE, afirma o professor do ISEG.
"A única forma que vejo de estabilizar e evitar um colapso da zona
euro [no curto prazo] é o BCE ter uma missão muito mais
alargada", diz Ferreira do Amaral.
"Mas isso não resolve o problema a prazo, continuaria a não
dar condições de crescimento às economias mais
débeis", defende o economista, para quem a solução
duradoura para países como Portugal será voltar a ter a sua
própria moeda.
Ferreira do Amaral rejeita que a saída da zona euro significasse um
retrocesso na construção europeia.
"Houve um erro, e continua a insistir-se nele, de pensar que o euro
é essencial ao projecto europeu - não é", argumenta
Ferreira do Amaral. "O euro foi uma invenção do
início dos anos 1990, quando a França ficou aterrorizada pela
reunificação alemã.
Esta coisa de que desaparecendo o euro desaparece a Europa, a meu ver,
não tem credibilidade nenhuma."
Sem a moeda única, "o investimento da Nissan se calhar
mantinha-se"
Portugal poderia "reorientar o seu aparelho produtivo" se
saísse do euro e a moeda única tem prejudicado a
"captação de investimento estrangeiro", afirma o
economista.
"Estou convencido, por exemplo, de que o investimento da Nissan se calhar
mantinha-se em Portugal com uma taxa de câmbio mais ajustada, e como esse
muitos outros", diz Ferreira do Amaral, referindo-se à recente
decisão do grupo franco-nipónico de suspender um investimento de
156 milhões de euros na construção de uma fábrica
de baterias eléctricas em Cacia (Aveiro).
Por esta lógica, sair do euro seria uma forma de atrair investimento
estrangeiro, afirma.
27/Dezembro/2011
[*]
Professor do Instituto Superior de Economia e Gestão, militante do
Partido Socialista.
NR: Resistir.info considera um progresso que economistas conhecidos defendam
publicamente a saída de Portugal da zona euro. No entanto, a
publicação desta entrevista não significa uma
aprovação a todas as ideias nela expostas.
O original encontra-se em
economico.sapo.pt/noticias/...
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
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