Internet: controlo e cidadania
História de uma fulgurante expansão
Quando todos os orgãos de informação, tradicional e
não só, anunciam a efeméride dos 35 anos da
Internet,
pela importância que já hoje desempenha e pela sua
previsível importância no futuro, mas especialmente pelo muito que
foi dito e prometido sobre esta nova tecnologia, vale a pena tentar fazer um
balanço do caminho percorrido.
A
Internet
que hoje conhecemos nada tem a ver com aquela de que comemoramos o
aniversário. Nascida de um projecto financiado pelas estruturas
militares norte-americanas, e com o objectivo de permitir a
comunicação entre computadores, foi concebida de forma que,
não necessitando de uma administração central, fosse
tolerante a uma grande heterogenia de meios de transporte, capaz de suportar
dinamicamente alterações da geometria e fiabilidade da rede, e
assim pudesse suportar os piores cenários que a paranóia
militarista dos anos 70 conseguia admitir. Mostra-se então, exactamente
por estas características de robustez, o meio de ligação
por excelência dos computadores que começam a ser relativamente
vulgares nas universidades e institutos de investigação. Os
protocolos e serviços que suporta, no momento que sai do domínio
militar, são relativamente rudimentares, mas como são sempre
distribuídos com a possibilidade de os utilizadores poderem analisar e
modificar os programas em que assentam, acabam por se tornar bastante populares
na comunidade académica e passar a ser suportados pela grande maioria do
hardware.
É esta
Internet,
primeiro unicamente utilizada por especialistas em computadores, que
começa a ver crescer o número de utilizadores de correio
electrónico, alargando aos poucos a sua base, sempre dentro das
universidades e de algumas, poucas, grandes empresas que ou têm
interesses directamente no mercado informático, ou são
fornecedores académicos. O papel dos utilizadores desta rede é
muito diferente do de hoje: só existem porque participam. Porque os
programas e protocolos são essencialmente para trocar mensagens
escritas, os utilizadores da
Internet
são essencialmente utentes de correio electrónico ou de grandes
fóruns de discussão que se organizam na chamada
Usenet News
. De qualquer forma, a participação é feita sempre
individualmente. As instituições disponibilizam somente
servidores de
ftp
ou seja arquivos de ficheiros, a maioria das vezes de programas e documentos
técnicos. A rede é nessa altura constituída pela
interacção entre utilizadores. Não há lugar ao
consumo passivo da informação, porque simplesmente não
há informação disponível para consumir. Os
interesses comerciais são muito restritos pois mesmo as operadoras de
telecomunicações, que alugam a infraestrutura de
comunicação, conseguem realizar lucros muito maiores quando
alugam as mesmas linhas para comunicação por voz em vez da mesma
largura de banda em circuito digital.
Os austeros serviços e protocolos utilizados até aqui são
os possíveis para as larguras de banda disponíveis, para os
fracos recursos computacionais e capacidades gráficas dos computadores
pessoais, e seus sistemas operativos, que começam aos poucos a aparecer.
É exactamente, no início dos anos 90, com o aumento das
capacidades tanto dos computadores pessoais como das linhas de
comunicação disponíveis, e com a criação de
um modelo de hipertexto a que chamamos
WWW
[1]
que estão criadas as condições para que uma muito
rápida expansão da utilização da rede tenha lugar.
Aos poucos vão-se generalizando os servidores deste novo serviço,
primeiro como ilhas isoladas, mas aos poucos interligando-se numa verdadeira
rede de ligações hipertexto. Os utilizadores, cuja grande maioria
nunca chegou a conhecer outros serviços de rede, passam a ter a
possibilidade duma fruição da rede que já não
depende duma participação activa nos grupos de discussão,
por listas de correio ou nos grupos das
News,
mas passam a poder simplesmente navegar pelas páginas
WWW
disponíveis, numa sucessão de descobertas, ao seguir
as ligações das páginas já visitadas.
Num primeiro período, os interesses comerciais dominantes são os
da indústria da pornografia, com a excepção de uma
mão cheia de lojas virtuais, ainda de rendibilidade periclitante. Os
pagamentos electrónicos ainda esbarram com a (justa) suspeita de falta
de segurança, e os protocolos criptográficos que poderiam
resolver esses problemas técnicos continuam a ser encarados no
Departamento de Estado norte-americano pelo espírito da Guerra Fria, e
como tal não utilizáveis fora dos EUA. Mas quando os
órgãos de comunicação tradicional (jornais,
televisão e rádio), começam (em massa) a transferir grande
parte dos seu materiais para as suas páginas WWW recentemente
inauguradas, os entraves norte-americanos à utilização
generalizada da criptografia são aos poucos removidos e dá-se uma
verdadeira explosão de lojas virtuais... Poucas são as empresas
de dimensão considerável que prescindem do seu
site
para fazer publicidade aos seus produtos. Aos poucos, torna-se quase
impossível visitar uma qualquer página, seja qual for o
conteúdo, sem as inevitáveis áreas de publicidade, quantas
vezes mais elaboradas e gastadoras de largura de banda que os
próprios conteúdos principais.
Nos meios de comunicação tradicional, como é apontado por
Chomsky (ver
[2]
) e (
[3]
), o facto de o seu financiamento não mais assentar no resultado das
vendas directas ao consumidor, como da venda dos jornais no caso da
informação escrita, torna-os presa da máquina da
publicidade e propaganda comerciais e acaba por reduzi-los à
condição de meros veículos dessa mesma publicidade. Na
Internet
o financiamento da produção de páginas, no fundo da
informação que é consultada, e o do pagamento feito pelo
consumidor aos operadores de rede (
ISP
[4]
) não poderia ser mais distante. A
Internet
é assim um veículo de publicidade por excelência.
O padrão de utilização muda de uma
participação mais ou menos activa, nos primeiros tempos e
enquanto o
WWW
não é hegemónica, para um navegar de
página em página, essencialmente passivo, e portanto, onde a
apetência de consumo é muito maior. A isto não é
estranha a tendência de toda a comunicação social, toda ela
já transformada em veículo de publicidade, em adoptar os seus
métodos, bitolas, técnicas e estéticas, que impõem
um discurso extremamente simplificado (quando não simplicista), um
permanente recurso ao audiovisual, um predomínio do lúdico e do
imediatista com desprezo pela reflexão e o esforço. A
transposição deste código para as páginas do
WWW
revela-se especialmente eficaz e aditiva, seja pelo seu caracter interactivo,
pela novidade do meio e pelas sempre inovadoras possibilidades técnicas
da informática de consumo. Navegar na
Internet
e assim continuamente conviver com a publicidade, passou a não ser
muito diferente de ver televisão em que os programas mais parecem
intervalos dos anúncios comerciais, ou o crescente hábito de
alguns estratos das populações urbanas de usarem os seus momentos
de lazer passeando em centros comerciais.
Se a estimativa de quantos hoje podem já usufruir da
Internet
não é consensual, com os mais conservadores a apontar para uma
percentagem que não excede os 3% da população mundial
[5]
, os mais optimistas a avançar percentagens da ordem dos 15%
[6]
, todos concordam na assimetria da distribuição destes
utilizadores pelo mundo. No conjunto formado pelos EUA, Europa Ocidental e
Japão as percentagens de acesso das populações à
Internet
são cerca de 25% maiores do que as dos restantes países do mundo.
Assimetria que nada tem que espantar, já que em grande parte do planeta
não existem infraestruturas de comunicações que suportem
tais níveis de difusão para o telefone, muito menos para
comunicações digitais. Mesmo que as condições
técnicas fossem outras, os níveis de analfabetismo e pobreza
chegariam para justificar plenamente esta distribuição.
Desde os anos 90 que o alargamento da
Internet,
que a partir daí passou a ser vista como um mercado, foi
deixado ao critério e interesse de quem aí não tem outro
fito para além do lucro. Isto significou necessariamente um alargamento
exclusivamente direccionado a partir de expectativas de indução
de consumos. A
Internet,
com esse ou outro nome, constituirá provavelmente num futuro muito
próximo, a infraestrutura de suporte de quase todos os meios de
comunicação social. Excluir camadas da população
deste meio, constituirá, com toda a certeza, motivo forte para acentuar
as exclusões sociais e marginalizações já hoje
existentes. Apesar dos condicionalismos económicos e culturais serem por
si só suficientes para impedir uma difusão harmoniosa deste meio,
não foi até agora posto em prática nenhum programa de
Internet
pública que contrarie estas tendências.
As promessas e os mitos
A principal ilusão, e também a mais propagandeada promessa sobre
a
Internet,
é a de um meio livre da imposição de programas e
agendas, onde a manipulação da informação
não possa continuar a ser feita de modo eficaz. E aparentemente assim
acontece... O próprio modelo distribuído e o duplo papel de cada
utilizador ao mesmo tempo consumidor, mas também produtor de
informação, cria uma tão grande diversidade de
informação e de fontes que de todo parece impossível a
manipulação de toda a informação que consultamos.
Não é a existência de dezenas de milhares de
blogs
a prova disto mesmo?
A realidade é que a existência de uma tal quantidade de
informação, produto dessa mesma diversidade, torna-a
impossível de uma consulta directa. Este facto juntamente com o modelo
distribuído, mas também desestruturado da
WWW,
obrigam ao recurso a portais e motores de busca
sempre que procuramos informação na rede. Os primeiros, quase
sempre propriedade de algum grande grupo económico ou conglomerado de
empresas, estabelecem qual o destaque que em cada momento deve ser dado
às diversas páginas e sítios para os quais apontam, dando
evidente destaque aos seus associados, e filtrando aqueles que ferem os seus
interesses comerciais ou os dos seus patrocinadores publicitários. A
presença e imposição de uma agenda, de um programa,
é aqui muito mais do que uma suspeita. É uma realidade, ainda
mais evidente e assumida do que as subjacentes aos meios mais tradicionais de
informação. Os motores de busca, que cobrem apenas uma pequena
parcela das páginas disponíveis
[7]
, assentam em mecanismos que ordenam as respostas segundo critérios
comerciais. É possível comprar um bom lugar para as
páginas de uma empresa em todas as buscas feitas num serviço como
o
Google
ou o
Altavista.
Ter uma página nos primeiras 10 respostas ou na posição
200567 faz toda a diferença. Mas para além desta
ordenação subornada, o processo de
ordenação e pesquisa inclui outros mecanismos que acabam por se
revelar especialmente perversos e inibidores dessa pretendida diversidade. As
páginas que sugeridas como respostas a perguntas anteriores, foram mais
vezes lidas, são as escolhidas para primeiras respostas em
interrogações futuras. Este mecanismo de
feed-back
acaba por propor a todos os utilizadores deste serviço, e cada vez
mais, as mesmas páginas.
Apesar da aparente imensa diversidade de fontes disponíveis, este novo
meio de comunicação social, acaba por se revelar mais pobre, em
fontes e em conteúdos, do que os meios tradicionais. Estudos recentes
mostram que o número de fontes normalmente usadas pelos seus
utilizadores é menor do que o número das usadas por um utente de
meios tradicionais no início dos anos 90. Mas o mais nocivo dos efeitos
da
Internet
na informação, é que como tende a ser intensivamente
usada pelas redacções dos orgãos de
informação tradicional, com este afunilamento de fontes e
monotonia de opiniões e de formatos, tende a contagiar globalmente toda
a informação disponível.
Internet, espaço de vivência e cidadania
Apesar de no panorama da utilização da
Internet
o
WWW
ser absolutamente hegemónico, aspectos como o do correio
electrónico ou a da transmissão de ficheiros não devem, de
forma nenhuma, deixar de ser analisados.
O correio electrónico é, no formato de hoje que apesar de tudo
já muito dista do original, a base do sistema de mensagens universal,
que tende a substituir por completo o correio postal, exceptuando obviamente o
envio de encomendas. Pelo seu caracter quase instantâneo, e preço
irrisório, foi o primeiro dos protocolos da
Internet
[8]
que foi assimilado pelos seus utilizadores, deixando o mundo da
competência exclusivamente técnica e passando a ser universalmente
utilizado para a comunicação entre cidadãos.
As diversas iniciativas de caracter censóreo, que a curta
história da
Internet
já assistiu, não se revestem de significado particularmente
distinto do das suas congéneres no resto da comunicação
social. A verdade é que, pelo que já se disse, é
fácil de perceber que, primeiro estão, pelo carácter
distribuído da rede, condenadas a uma eficácia muito mitigada
[9]
, por outro lado também não são especialmente
necessárias e atractivas pelo papel de hegemonia ideológica que a
rede está sujeita, através de mecanismos muito mais subtis e
também muito mais eficazes. A recente proibição dos
soldados norte-americanos em missão no Iraque de publicarem
blogs
na rede, imposta pelo Pentágono, não pode ser vista como um acto
de censura específico à
Internet
, mas simplesmente como um acto desesperado de censura, que por acaso usa a
Internet
como veículo de difusão. A tentação de controlo e
escuta das actividades dos que usam a rede tem, pelo contrário, um
conjunto de razões que a tornam particularmente bem sucedida e perigosa.
O escrutínio integral da rede telefónica, que constitui no
século XX a principal rede de telecomunicação
bidireccional usada pela população, foi sempre desejo
inalcançável para o Poder. As razões são
essencialmente técnicas mas mais do que óbvias: as chamadas
realizadas são inúmeras, e a densidade de conversas
interessantes demasiado pequena para que faça sentido pensar
em arquivar tudo (para além disso ter sido, ao longo dos tempos,
tecnicamente impossível! ). Resta somente a possibilidade de escutar
umas quantas, perigosas e muito seleccionadas linhas, solução que
foi aliás prática corrente, como é sobejamente sabido.
A comunicação digital escrita tem características que
permitem obviar estes problemas de forma fácil e económica,
filtrando computacionalmente de todas as mensagens, aquelas que realmente
são interessantes. Nos anos 80, os mecanismos de filtragem,
aplicados pelo
FBI,
escolhiam para posterior escrutínio todas as mensagens que contivessem
alguma palavra subversiva de uma lista negra para isso
coligida. A reacção da comunidade de utilizadores não se
fez esperar, muitos programas de correio, passaram a incluir no fim de cada
mensagem um conjunto de palavras que garantissem que a mensagem seria
seleccionada. O volume de mensagens seleccionadas era assim tão grande
que qualquer escrutínio voltava a ser impossível. Hoje sistemas
como o
Echelon
ou o
Carnivore
(ver a propósito (
[10]
), (
[11]
) ou (
[12]
), que mantêm debaixo de pormenorizada observação a rede
mundial de computadores, possuem sofisticados mecanismos de análise
semântica que não podemos ludibriar com o recurso a tão
simples artimanhas. Mas, e na medida que o correio electrónico tende a
ser universal, e como tal, suporte ao exercício da cidadania (para
além do legítimo direito à privacidade da
comunicação pessoal) outra solução tem que ser
encontrada para garantir que sistemas de controle, seja o
Echelon
ou outro qualquer, falhem nos seus propósitos.
A questão mais geral, é que quando transferimos para este meio de
comunicação digital, parte das nossas actividades, o não
podemos fazer sem primeiro assegurar que as ferramentas que utilizamos nos
dão reais garantias que cumprem o papel para que as utilizamos e
não contêm nenhum efeito oculto (propositado ou não) que
possa desvirtuar essas mesmas actividades. O domínio hegemónico
do mercado de
software,
e com isso do conjunto de protocolos e serviços que na
Internet
são usados, por um pequeníssimo (quase singular! ) conjunto de
companhias produtoras de
software,
não constitui, bem pelo contrário, tal garantia. Tal suspeita
não é produto de nenhuma mente paranóica ou integrante de
uma generalizada teoria da conspiração, a
história recente mostra que são bem reais. A Microsoft tem muitas
vezes sido acusada de criar propositadamente buracos de
segurança ou mesmo exportar informação de
computadores pessoais (ver por exemplo (
[13]
). E as diversas propostas de legislação americana têm
sempre apontado para a necessidade dos serviços do
FBI
ou da
NSA
terem portas de cavalo para poder inspeccionar a
informação contida nos computadores pessoais (ver o texto do
Patriot Act
ou das sucessivas propostas de Judd Greg ao Senado dos USA). O que
necessitamos pois, é de peças de software cujo código
possa estar aberto ao escrutínio e vigilância pública, que
possam ser modificadas caso haja o menor indício de suspeita, enfim
necessitamos de utilizar software não proprietário. O movimento
do Software Livre (ver (
[14]
) e (
[15]
) que ganha especial expressão depois de meados dos anos 90, constitui
hoje (com o
GNU/Linux
) uma real alternativa ao software proprietário e fornece programas e
protocolos seguros, verificados independentemente por milhares de utilizadores
em todo o mundo. Este movimento, que por si só constitui um desafio ao
sistema monopolista de produção de software, e que enfrenta hoje
a ameaça de ilegalização na C.E. por via a
criação de patentes de software
[16]
, fornece mecanismos criptográficos que, se generalizados levarão
definitivamente de vencida os actuais e futuros sistemas de vigilância.
Como efeitos secundários, passaremos a ter a certeza da identidade dos
nossos interlocutores assim como tornaremos muito mais raros os
fenómenos como o dos vírus informáticos ou do
spam.
Internet, espaço de intervenção
A
Internet
é pois um espaço com importantes potencialidades, que com
garantida importância no futuro, já nos dias de hoje mostra um
muito eficaz controlo ideológico ao serviço dos interesses do
Capital. É pois um plano onde importa intervir.
O que importa fazer, é continuar a transcrever para a realidade da rede
os materiais que nas diversas organizações de resistência e
luta organizada se produzem, criar um verdadeiro acervo do trabalho de
análise e reflexão que se oponha à ideologia
capitalista. Esta é uma forma importante de intervenção,
porque permite difusão directa destes trabalhos. Mas mais importante
ainda é a influência indirecta que acaba por conseguir, no outros
meios de comunicação, pelo facto de as buscas de
informação na
Internet
passarem a trazer na rede, apesar dos mecanismos de filtragem já
referidos, outros textos para além dos gerados pelo próprio
sistema. A experiência dos últimos anos tem mostrado o papel
estruturante que a publicação de artigos de opinião em
portais como o
Rebelión
[17]
ou o
resistir.info
[18]
, para só citar dois, podem ter para a formação de uma
opinião pública alternativa. Para além da difusão
acrescida à dos outros meios de comunicação tradicional
dos textos aí publicados, constituem um local fixo que de alguma forma
ancora percursos na rede e constrói novos hábitos na sua consulta
que escapam à lógica de utilização dominante.
Porque normalmente não mantêm linhas editoriais tão
rígidas, fruto de viverem essencialmente de contribuições
voluntárias e dispersas pelo globo, constituem um significativo mosaico
da diversidade de opiniões e experiências de quem não se
revê no sistema capitalista, e este facto só pode potenciar a sua
capacidade atracção e de mobilização de novas
forças. É imprescindível multiplicar, apesar de todas as
condicionantes já vistas, o número de portais, de
páginas de conteúdos alternativos, por forma a que uma outra rede
esteja disponível, para que a
Internet
da publicidade não seja inevitável, porque a única.
Mas a questão fundamental é a da info-exclusão e o acesso
democrático à informação, que tem muito mais que
ver com a preparação de cidadãos para a
Internet
e a preparação da
Internet
para a cidadania, do que o acesso físico a meios informáticos
que permitam a sua utilização. O que temos por tarefa fundamental
nos dias de hoje é a de combater a info-exclusão dos
próprios utilizadores da
Internet
. Porque são info-excluídos não só aqueles que
simplesmente não têm acesso à
Internet,
que são muitos, mas também, todos aqueles que tendo acesso,
aí não podem encontrar, ou produzir, os conteúdos que
retratem os seus interesses e referências culturais. Sem essas
referências perdem as defesas contra a propaganda omnipresente. Para
além de uma rede que maioritariamente fala um inglês pobre e de
má qualidade, que não dominam, porque as diversas línguas
nacionais não têm na rede um espaço maior do que aquele que
representam como mercados para os interesses de quem a domina, têm que
movimentar-se num novo mundo de tecnologia, cuja gramática nunca lhes
foi ensinada, e no qual somente o acto de consumir parece ter sido
simplificado. Há, então, que fazer um grande esforço para
que as organizações populares, associações
culturais, sindicatos, orgãos de participação directa,
passem a traduzir a sua vivência quotidiana, também para as
páginas da
Internet.
Este facto, que por sua vez pode ser catalizador de melhor
interligação entre estas estruturas, potenciação de
iniciativas, e mesmo semente de coordenação organizativa,
permitirá que os cidadãos passem a poder tornar sua uma
Internet
que nunca teve esse propósito.
Somente com este esforço de verdadeira alfabetização para
as tecnologias da informação, que muito necessitavam ser apoiadas
por serviços públicos de
Internet,
é possível, educando para a cidadania, que com a
transposição de importantes prerrogativas de cidadania para a
rede digital de computadores, esta se não constitua em mais motivo de
exclusão e dominação, mas sim um espaço de
participação democrática e portanto de transformadora luta
revolucionária.
Notas
1- World Wide Web.
2- Edward S. Herman and Noam Chomsky. The political Economy of the Mass Media.
Manufacturing Consent. Vintage, 1988.
3- Noam Chomsky. Necessary Illusions. Thought Control in Democratic Societies.
Pluto Press, 1989.
4- Internet Service Providers.
5- Duncan Langford. Internet Ethics. St. Martin's Press, New York, 2000.
6- Click Z Geographic Statistics, 2004.
http://www.clickz.com/
.
7- Menos de 1% segundo um estudo publicado nas páginas da c|net
(
http://www.cnet.com/
) no ano 2000.
8- Para ser mais rigoroso, há que dizer, que o correio electrónico, de facto,
precede a Internet já que, usando protocolos como UUCP começou a ser difundido
pela comunidade académica muito antes da generalização do uso do TCP/IP.
9- A menos que se tratem de tentativas de bloqueio completo, como nos anos 90
foram tentados pelos EUA para com Cuba, ou de alguns Estados que simplesmente
baniam a possibilidade de os seus cidadãos se ligarem ao serviços digitais como
a
Arábia Saudita, mais ou menos no mesmo período.
10- Echelon watch.
http://www.echelonwatch.org/
.
11- Electronic frontier foundation.
http://www.eff.org/
.
12- Epic: Electronic privacy information center.
http://www.epic.org/
.
13- John Lettice. German armed forces ban MS software, citing NSA snooping. Der
Spiegel, 2001.
14- Richard M. Stallman. Free Software, Free Society. GNU Press, Boston, MA USA,
2002.
15- Gnu operating system - fsf.
http://www.gnu.org/
.
16- Rogério Reis. Patentes de sotfware, um caso exemplar de concentração
capitalista. Avante! , (1547), 2003.
17- Rebelión.
http://www.rebelion.org/
18- resistir.info. http://resistir.info/
[*]
Professor de Ciência de Computadores da Universidade do Porto. Comunicação
apresentada no Encontro Internacional "Civilização ou Barbárie", Serpa,
Setembro de 2004.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
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