Internet: controlo e cidadania

por Rogério Reis [*]

Densidade da Internet por países. Clique para ampliar. História de uma fulgurante expansão

Quando todos os orgãos de informação, tradicional e não só, anunciam a efeméride dos 35 anos da Internet, pela importância que já hoje desempenha e pela sua previsível importância no futuro, mas especialmente pelo muito que foi dito e prometido sobre esta nova tecnologia, vale a pena tentar fazer um balanço do caminho percorrido.

A Internet que hoje conhecemos nada tem a ver com aquela de que comemoramos o aniversário. Nascida de um projecto financiado pelas estruturas militares norte-americanas, e com o objectivo de permitir a comunicação entre computadores, foi concebida de forma que, não necessitando de uma administração central, fosse tolerante a uma grande heterogenia de meios de transporte, capaz de suportar dinamicamente alterações da geometria e fiabilidade da rede, e assim pudesse suportar os piores cenários que a paranóia militarista dos anos 70 conseguia admitir. Mostra-se então, exactamente por estas características de robustez, o meio de ligação por excelência dos computadores que começam a ser relativamente vulgares nas universidades e institutos de investigação. Os protocolos e serviços que suporta, no momento que sai do domínio militar, são relativamente rudimentares, mas como são sempre distribuídos com a possibilidade de os utilizadores poderem analisar e modificar os programas em que assentam, acabam por se tornar bastante populares na comunidade académica e passar a ser suportados pela grande maioria do hardware. É esta Internet, primeiro unicamente utilizada por especialistas em computadores, que começa a ver crescer o número de utilizadores de correio electrónico, alargando aos poucos a sua base, sempre dentro das universidades e de algumas, poucas, grandes empresas que ou têm interesses directamente no mercado informático, ou são fornecedores académicos. O papel dos utilizadores desta rede é muito diferente do de hoje: só existem porque participam. Porque os programas e protocolos são essencialmente para trocar mensagens escritas, os utilizadores da Internet são essencialmente utentes de correio electrónico ou de grandes fóruns de discussão que se organizam na chamada Usenet News . De qualquer forma, a participação é feita sempre individualmente. As instituições disponibilizam somente servidores de ftp ou seja arquivos de ficheiros, a maioria das vezes de programas e documentos técnicos. A rede é nessa altura constituída pela interacção entre utilizadores. Não há lugar ao consumo passivo da informação, porque simplesmente não há informação disponível para consumir. Os interesses comerciais são muito restritos pois mesmo as operadoras de telecomunicações, que alugam a infraestrutura de comunicação, conseguem realizar lucros muito maiores quando alugam as mesmas linhas para comunicação por voz em vez da mesma largura de banda em circuito digital.

Os austeros serviços e protocolos utilizados até aqui são os possíveis para as larguras de banda disponíveis, para os fracos recursos computacionais e capacidades gráficas dos computadores pessoais, e seus sistemas operativos, que começam aos poucos a aparecer.

É exactamente, no início dos anos 90, com o aumento das capacidades tanto dos computadores pessoais como das linhas de comunicação disponíveis, e com a criação de um modelo de hipertexto a que chamamos WWW [1] que estão criadas as condições para que uma muito rápida expansão da utilização da rede tenha lugar. Aos poucos vão-se generalizando os servidores deste novo serviço, primeiro como ilhas isoladas, mas aos poucos interligando-se numa verdadeira rede de ligações hipertexto. Os utilizadores, cuja grande maioria nunca chegou a conhecer outros serviços de rede, passam a ter a possibilidade duma fruição da rede que já não depende duma participação activa nos grupos de discussão, por listas de correio ou nos grupos das News, mas passam a poder simplesmente “navegar” pelas páginas WWW disponíveis, numa sucessão de “descobertas”, ao seguir as ligações das páginas já “visitadas”.

Num primeiro período, os interesses comerciais dominantes são os da indústria da pornografia, com a excepção de uma mão cheia de lojas virtuais, ainda de rendibilidade periclitante. Os pagamentos electrónicos ainda esbarram com a (justa) suspeita de falta de segurança, e os protocolos criptográficos que poderiam resolver esses problemas técnicos continuam a ser encarados no Departamento de Estado norte-americano pelo espírito da Guerra Fria, e como tal não utilizáveis fora dos EUA. Mas quando os órgãos de comunicação tradicional (jornais, televisão e rádio), começam (em massa) a transferir grande parte dos seu materiais para as suas páginas WWW recentemente inauguradas, os entraves norte-americanos à utilização generalizada da criptografia são aos poucos removidos e dá-se uma verdadeira explosão de lojas virtuais... Poucas são as empresas de dimensão considerável que prescindem do seu “site” para fazer publicidade aos seus produtos. Aos poucos, torna-se quase impossível visitar uma qualquer página, seja qual for o conteúdo, sem as inevitáveis áreas de publicidade, quantas vezes mais elaboradas e gastadoras de “largura de banda” que os próprios conteúdos “principais”.

Nos meios de comunicação tradicional, como é apontado por Chomsky (ver [2] ) e ( [3] ), o facto de o seu financiamento não mais assentar no resultado das vendas directas ao consumidor, como da venda dos jornais no caso da informação escrita, torna-os presa da máquina da publicidade e propaganda comerciais e acaba por reduzi-los à condição de meros veículos dessa mesma publicidade. Na Internet o financiamento da produção de páginas, no fundo da informação que é consultada, e o do pagamento feito pelo consumidor aos operadores de rede ( ISP [4] ) não poderia ser mais distante. A Internet é assim um veículo de publicidade por excelência.

O padrão de utilização muda de uma participação mais ou menos activa, nos primeiros tempos e enquanto o WWW não é hegemónica, para um “navegar” de página em página, essencialmente passivo, e portanto, onde a apetência de consumo é muito maior. A isto não é estranha a tendência de toda a comunicação social, toda ela já transformada em veículo de publicidade, em adoptar os seus métodos, bitolas, técnicas e estéticas, que impõem um discurso extremamente simplificado (quando não simplicista), um permanente recurso ao audiovisual, um predomínio do lúdico e do imediatista com desprezo pela reflexão e o esforço. A transposição deste código para as páginas do WWW revela-se especialmente eficaz e aditiva, seja pelo seu caracter interactivo, pela novidade do meio e pelas sempre inovadoras possibilidades técnicas da informática de consumo. Navegar na Internet e assim continuamente conviver com a publicidade, passou a não ser muito diferente de ver televisão em que os programas mais parecem intervalos dos anúncios comerciais, ou o crescente hábito de alguns estratos das populações urbanas de usarem os seus momentos de lazer passeando em centros comerciais.

Se a estimativa de quantos hoje podem já usufruir da Internet não é consensual, com os mais conservadores a apontar para uma percentagem que não excede os 3% da população mundial [5] , os mais optimistas a avançar percentagens da ordem dos 15% [6] , todos concordam na assimetria da distribuição destes utilizadores pelo mundo. No conjunto formado pelos EUA, Europa Ocidental e Japão as percentagens de acesso das populações à Internet são cerca de 25% maiores do que as dos restantes países do mundo. Assimetria que nada tem que espantar, já que em grande parte do planeta não existem infraestruturas de comunicações que suportem tais níveis de difusão para o telefone, muito menos para comunicações digitais. Mesmo que as condições técnicas fossem outras, os níveis de analfabetismo e pobreza chegariam para justificar plenamente esta distribuição.

Desde os anos 90 que o alargamento da Internet, que a partir daí passou a ser vista como “um mercado”, foi deixado ao critério e interesse de quem aí não tem outro fito para além do lucro. Isto significou necessariamente um alargamento exclusivamente direccionado a partir de expectativas de indução de consumos. A Internet, com esse ou outro nome, constituirá provavelmente num futuro muito próximo, a infraestrutura de suporte de quase todos os meios de comunicação social. Excluir camadas da população deste meio, constituirá, com toda a certeza, motivo forte para acentuar as exclusões sociais e marginalizações já hoje existentes. Apesar dos condicionalismos económicos e culturais serem por si só suficientes para impedir uma difusão harmoniosa deste meio, não foi até agora posto em prática nenhum programa de Internet pública que contrarie estas tendências.

As promessas e os mitos

A principal ilusão, e também a mais propagandeada promessa sobre a Internet, é a de um meio livre da imposição de programas e agendas, onde a manipulação da informação não possa continuar a ser feita de modo eficaz. E aparentemente assim acontece... O próprio modelo distribuído e o duplo papel de cada utilizador ao mesmo tempo consumidor, mas também produtor de informação, cria uma tão grande diversidade de informação e de fontes que de todo parece impossível a manipulação de toda a informação que consultamos. Não é a existência de dezenas de milhares de “blogs” a prova disto mesmo?

A realidade é que a existência de uma tal quantidade de informação, produto dessa mesma diversidade, torna-a impossível de uma consulta directa. Este facto juntamente com o modelo distribuído, mas também desestruturado da WWW, obrigam ao recurso a “portais” e “motores de busca” sempre que procuramos informação na rede. Os primeiros, quase sempre propriedade de algum grande grupo económico ou conglomerado de empresas, estabelecem qual o destaque que em cada momento deve ser dado às diversas páginas e sítios para os quais apontam, dando evidente destaque aos seus associados, e filtrando aqueles que ferem os seus interesses comerciais ou os dos seus patrocinadores publicitários. A presença e imposição de uma agenda, de um programa, é aqui muito mais do que uma suspeita. É uma realidade, ainda mais evidente e assumida do que as subjacentes aos meios mais tradicionais de informação. Os motores de busca, que cobrem apenas uma pequena parcela das páginas disponíveis [7] , assentam em mecanismos que ordenam as respostas segundo critérios comerciais. É possível comprar um bom lugar para as páginas de uma empresa em todas as buscas feitas num serviço como o Google ou o Altavista. Ter uma página nos primeiras 10 respostas ou na posição 200567 faz toda a diferença. Mas para além desta ordenação “subornada”, o processo de ordenação e pesquisa inclui outros mecanismos que acabam por se revelar especialmente perversos e inibidores dessa pretendida diversidade. As páginas que sugeridas como respostas a perguntas anteriores, foram mais vezes lidas, são as escolhidas para primeiras respostas em interrogações futuras. Este mecanismo de feed-back acaba por propor a todos os utilizadores deste serviço, e cada vez mais, as mesmas páginas.

Apesar da aparente imensa diversidade de fontes disponíveis, este novo meio de comunicação social, acaba por se revelar mais pobre, em fontes e em conteúdos, do que os meios tradicionais. Estudos recentes mostram que o número de fontes normalmente usadas pelos seus utilizadores é menor do que o número das usadas por um utente de meios tradicionais no início dos anos 90. Mas o mais nocivo dos efeitos da Internet na informação, é que como tende a ser intensivamente usada pelas redacções dos orgãos de informação tradicional, com este afunilamento de fontes e monotonia de opiniões e de formatos, tende a contagiar globalmente toda a informação disponível.

Internet, espaço de vivência e cidadania

Apesar de no panorama da utilização da Internet o WWW ser absolutamente hegemónico, aspectos como o do correio electrónico ou a da transmissão de ficheiros não devem, de forma nenhuma, deixar de ser analisados.

O correio electrónico é, no formato de hoje que apesar de tudo já muito dista do original, a base do sistema de mensagens universal, que tende a substituir por completo o correio postal, exceptuando obviamente o envio de encomendas. Pelo seu caracter quase instantâneo, e preço irrisório, foi o primeiro dos protocolos da Internet [8] que foi assimilado pelos seus utilizadores, deixando o mundo da competência exclusivamente técnica e passando a ser universalmente utilizado para a comunicação entre cidadãos.

As diversas iniciativas de caracter censóreo, que a curta história da Internet já assistiu, não se revestem de significado particularmente distinto do das suas congéneres no resto da comunicação social. A verdade é que, pelo que já se disse, é fácil de perceber que, primeiro estão, pelo carácter distribuído da rede, condenadas a uma eficácia muito mitigada [9] , por outro lado também não são especialmente necessárias e atractivas pelo papel de hegemonia ideológica que a rede está sujeita, através de mecanismos muito mais subtis e também muito mais eficazes. A recente proibição dos soldados norte-americanos em missão no Iraque de publicarem blogs na rede, imposta pelo Pentágono, não pode ser vista como um acto de censura específico à Internet , mas simplesmente como um acto desesperado de censura, que por acaso usa a Internet como veículo de difusão. A tentação de controlo e escuta das actividades dos que usam a rede tem, pelo contrário, um conjunto de razões que a tornam particularmente bem sucedida e perigosa. O escrutínio integral da rede telefónica, que constitui no século XX a principal rede de telecomunicação bidireccional usada pela população, foi sempre desejo inalcançável para o Poder. As razões são essencialmente técnicas mas mais do que óbvias: as chamadas realizadas são inúmeras, e a densidade de conversas “interessantes” demasiado pequena para que faça sentido pensar em arquivar tudo (para além disso ter sido, ao longo dos tempos, tecnicamente impossível! ). Resta somente a possibilidade de escutar umas quantas, perigosas e muito seleccionadas linhas, solução que foi aliás prática corrente, como é sobejamente sabido.

A comunicação digital escrita tem características que permitem obviar estes problemas de forma fácil e económica, filtrando computacionalmente de todas as mensagens, aquelas que realmente são “interessantes”. Nos anos 80, os mecanismos de filtragem, aplicados pelo FBI, escolhiam para posterior escrutínio todas as mensagens que contivessem alguma “palavra subversiva” de uma “lista negra” para isso coligida. A reacção da comunidade de utilizadores não se fez esperar, muitos programas de correio, passaram a incluir no fim de cada mensagem um conjunto de palavras que garantissem que a mensagem seria seleccionada. O volume de mensagens seleccionadas era assim tão grande que qualquer escrutínio voltava a ser impossível. Hoje sistemas como o Echelon ou o Carnivore (ver a propósito ( [10] ), ( [11] ) ou ( [12] ), que mantêm debaixo de pormenorizada observação a rede mundial de computadores, possuem sofisticados mecanismos de análise semântica que não podemos ludibriar com o recurso a tão simples artimanhas. Mas, e na medida que o correio electrónico tende a ser universal, e como tal, suporte ao exercício da cidadania (para além do legítimo direito à privacidade da comunicação pessoal) outra solução tem que ser encontrada para garantir que sistemas de controle, seja o Echelon ou outro qualquer, falhem nos seus propósitos.

A questão mais geral, é que quando transferimos para este meio de comunicação digital, parte das nossas actividades, o não podemos fazer sem primeiro assegurar que as ferramentas que utilizamos nos dão reais garantias que cumprem o papel para que as utilizamos e não contêm nenhum efeito oculto (propositado ou não) que possa desvirtuar essas mesmas actividades. O domínio hegemónico do mercado de software, e com isso do conjunto de protocolos e serviços que na Internet são usados, por um pequeníssimo (quase singular! ) conjunto de companhias produtoras de software, não constitui, bem pelo contrário, tal garantia. Tal suspeita não é produto de nenhuma mente paranóica ou integrante de uma generalizada “teoria da conspiração”, a história recente mostra que são bem reais. A Microsoft tem muitas vezes sido acusada de criar propositadamente “buracos de segurança” ou mesmo exportar informação de computadores pessoais (ver por exemplo ( [13] ). E as diversas propostas de legislação americana têm sempre apontado para a necessidade dos serviços do FBI ou da NSA terem “portas de cavalo” para poder inspeccionar a informação contida nos computadores pessoais (ver o texto do “ Patriot Act ” ou das sucessivas propostas de Judd Greg ao Senado dos USA). O que necessitamos pois, é de peças de software cujo código possa estar aberto ao escrutínio e vigilância pública, que possam ser modificadas caso haja o menor indício de suspeita, enfim necessitamos de utilizar software não proprietário. O movimento do Software Livre (ver ( [14] ) e ( [15] ) que ganha especial expressão depois de meados dos anos 90, constitui hoje (com o GNU/Linux ) uma real alternativa ao software proprietário e fornece programas e protocolos seguros, verificados independentemente por milhares de utilizadores em todo o mundo. Este movimento, que por si só constitui um desafio ao sistema monopolista de produção de software, e que enfrenta hoje a ameaça de ilegalização na C.E. por via a criação de patentes de software [16] , fornece mecanismos criptográficos que, se generalizados levarão definitivamente de vencida os actuais e futuros sistemas de vigilância. Como efeitos secundários, passaremos a ter a certeza da identidade dos nossos interlocutores assim como tornaremos muito mais raros os fenómenos como o dos “vírus informáticos” ou do “spam”.

Internet, espaço de intervenção

A Internet é pois um espaço com importantes potencialidades, que com garantida importância no futuro, já nos dias de hoje mostra um muito eficaz controlo ideológico ao serviço dos interesses do Capital. É pois um plano onde importa intervir.

O que importa fazer, é continuar a transcrever para a realidade da rede os materiais que nas diversas organizações de resistência e luta organizada se produzem, criar um verdadeiro acervo do trabalho de análise e reflexão que se oponha à ideologia capitalista. Esta é uma forma importante de intervenção, porque permite difusão directa destes trabalhos. Mas mais importante ainda é a influência indirecta que acaba por conseguir, no outros meios de comunicação, pelo facto de as buscas de informação na Internet passarem a trazer na rede, apesar dos mecanismos de filtragem já referidos, outros textos para além dos gerados pelo próprio sistema. A experiência dos últimos anos tem mostrado o papel estruturante que a publicação de artigos de opinião em portais como o Rebelión [17] ou o resistir.info [18] , para só citar dois, podem ter para a formação de uma opinião pública alternativa. Para além da difusão acrescida à dos outros meios de comunicação tradicional dos textos aí publicados, constituem um local fixo que de alguma forma ancora percursos na rede e constrói novos hábitos na sua consulta que escapam à lógica de utilização dominante. Porque normalmente não mantêm linhas editoriais tão rígidas, fruto de viverem essencialmente de contribuições voluntárias e dispersas pelo globo, constituem um significativo mosaico da diversidade de opiniões e experiências de quem não se revê no sistema capitalista, e este facto só pode potenciar a sua capacidade atracção e de mobilização de novas forças. É imprescindível multiplicar, apesar de todas as condicionantes já vistas, o número de “portais”, de páginas de conteúdos alternativos, por forma a que uma outra rede esteja disponível, para que a Internet da publicidade não seja inevitável, porque a única.

Mas a questão fundamental é a da info-exclusão e o acesso democrático à informação, que tem muito mais que ver com a preparação de cidadãos para a Internet e a preparação da Internet para a cidadania, do que o acesso físico a meios informáticos que permitam a sua utilização. O que temos por tarefa fundamental nos dias de hoje é a de combater a info-exclusão dos próprios utilizadores da Internet . Porque são info-excluídos não só aqueles que simplesmente não têm acesso à Internet, que são muitos, mas também, todos aqueles que tendo acesso, aí não podem encontrar, ou produzir, os conteúdos que retratem os seus interesses e referências culturais. Sem essas referências perdem as defesas contra a propaganda omnipresente. Para além de uma rede que maioritariamente fala um inglês pobre e de má qualidade, que não dominam, porque as diversas línguas nacionais não têm na rede um espaço maior do que aquele que representam como mercados para os interesses de quem a domina, têm que movimentar-se num novo mundo de tecnologia, cuja gramática nunca lhes foi ensinada, e no qual somente o acto de consumir parece ter sido simplificado. Há, então, que fazer um grande esforço para que as organizações populares, associações culturais, sindicatos, orgãos de participação directa, passem a traduzir a sua vivência quotidiana, também para as páginas da Internet. Este facto, que por sua vez pode ser catalizador de melhor interligação entre estas estruturas, potenciação de iniciativas, e mesmo semente de coordenação organizativa, permitirá que os cidadãos passem a poder tornar sua uma Internet que nunca teve esse propósito.

Somente com este esforço de verdadeira alfabetização para as tecnologias da informação, que muito necessitavam ser apoiadas por serviços públicos de Internet, é possível, educando para a cidadania, que com a transposição de importantes prerrogativas de cidadania para a rede digital de computadores, esta se não constitua em mais motivo de exclusão e dominação, mas sim um espaço de participação democrática e portanto de transformadora luta revolucionária.

Notas
1- World Wide Web.
2- Edward S. Herman and Noam Chomsky. The political Economy of the Mass Media. Manufacturing Consent. Vintage, 1988.
3- Noam Chomsky. Necessary Illusions. Thought Control in Democratic Societies. Pluto Press, 1989.
4- Internet Service Providers.
5- Duncan Langford. Internet Ethics. St. Martin's Press, New York, 2000.
6- Click Z Geographic Statistics, 2004. http://www.clickz.com/ .
7- Menos de 1% segundo um estudo publicado nas páginas da c|net ( http://www.cnet.com/ ) no ano 2000.
8- Para ser mais rigoroso, há que dizer, que o correio electrónico, de facto, precede a Internet já que, usando protocolos como UUCP começou a ser difundido pela comunidade académica muito antes da generalização do uso do TCP/IP.
9- A menos que se tratem de tentativas de bloqueio completo, como nos anos 90 foram tentados pelos EUA para com Cuba, ou de alguns Estados que simplesmente baniam a possibilidade de os seus cidadãos se ligarem ao serviços digitais como a Arábia Saudita, mais ou menos no mesmo período.
10- Echelon watch. http://www.echelonwatch.org/ .
11- Electronic frontier foundation. http://www.eff.org/ .
12- Epic: Electronic privacy information center. http://www.epic.org/ .
13- John Lettice. German armed forces ban MS software, citing NSA snooping. Der Spiegel, 2001.
14- Richard M. Stallman. Free Software, Free Society. GNU Press, Boston, MA USA, 2002.
15- Gnu operating system - fsf. http://www.gnu.org/ .
16- Rogério Reis. Patentes de sotfware, um caso exemplar de concentração capitalista. Avante! , (1547), 2003.
17- Rebelión. http://www.rebelion.org/
18- resistir.info. http://resistir.info/


[*] Professor de Ciência de Computadores da Universidade do Porto. Comunicação apresentada no Encontro Internacional "Civilização ou Barbárie", Serpa, Setembro de 2004.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .
24/Out/04