Salários e produtividade
em Portugual e na União Europeia
por Eugénio Rosa
No mesmo dia 17 de Maio de 2003 em que a CGTP-IN realizava em
Lisboa um Seminário de Quadros Técnicos e Científicos onde
um dos principais temas de debate era precisamente a Produtividade e
Competitividade em Portugal o semanário
Expresso
publicava um inflamado editorial titulado Produtividade: uma vergonha
nacional e onde entre outras coisas se podia ler: Como é
possível? E como se compreende que as centrais não se preocupem
com isto? E com a superficialidade e o espírito anti-trabalhador
que também nos começa a habituar este semanário escrevia
igualmente: Começamos por não ter grandes hábitos de
trabalho o que dito de outro modo, significa que somos
preguiçosos.
Pondo de parte a falta de deontologia revelada pelo
Expresso
ao escrever que as centrais não se preocupem com isto no
mesmo dia em que a CGTP realizava um debate público sobre esta tema,
para a qual foram convidados os órgãos de
comunicação social por isso o
Expresso
não pode alegar desconhecimento, o que é importante é
reflectir com seriedade e profundidade sobre este tema que centraliza cada vez
as preocupações nacionais. A prová-lo estão as
recentes declarações públicas do 1º ministro que
afirmou que o governo iria apresentar brevemente aos parceiros sociais para
debate uma proposta de Pacto para produtividade e competitividade.
O discurso habitual quer oficial quer de muitos órgãos de
comunicação social pretende imputar aberta ou veladamente a culpa
da baixa produtividade verificada em Portugal aos trabalhadores. Não
é por acaso nem por ingenuidade que se escreve como fez o
Expresso
que somos preguiçosos. Por isso interessa confrontar essas
opiniões do lugar comum com a linguagem fria dos números,
incluindo dados oficiais. É o que se vai fazer seguidamente.
O NÍVEL DE PRODUTIVIDADE PORTUGUESA
É MUITO SUPERIOR AO NÍVEL DOS SALÁRIOS DOS TRABALHADORES
PORTUGUESES
De acordo com dados publicados pelo Eurostat, que é o serviço
oficial de estatística da União Europeia, a produtividade
média portuguesa corresponde a cerca de 66% da produtividade
média da União Europeia. Comparemos este valor da produtividade
com nível de salarial português relativamente aos salários
dos trabalhadores dos países da União Europeia.
O quadro I, que a seguir se apresenta, e que foi construído com dados
publicados pela OCDE em 2002, que saíram no suplemento de Economia do
jornal
Público
de 3 de Março de 2003, permite fazer essa análise.
QUADRO I SALÁRIO MÉDIO EM PORTUGAL E NOS PAÍSES DA
UE
PAÍS
|
Salário Médio Anual
(em euros)
|
Percentagem que o salário médio português representa em
relação ao salário médio de cada país da U.E.
|
Dinamarca
|
36.476
|
34,1%
|
Alemanha
|
34.975
|
35,5%
|
Bélgica
|
33.519
|
37,1%
|
Luxemburgo
|
33.014
|
37,6%
|
Reino Unido
|
29.861
|
41,6%
|
Itália
|
26.833
|
46,3%
|
Suécia
|
25.106
|
49,5%
|
Irlanda
|
25.079
|
49,5%
|
França
|
23.281
|
53,4%
|
Espanha
|
20.794
|
59,8%
|
Portugal
|
12.425
|
|
A produtividade média portuguesa corresponde a cerca de 66% da
produtividade média da União Europeia, no entanto o
salário médio português corresponde a muito menos que 66%
do salário médio dos 10 países que constam do quadro
anterior.
Efectivamente, e como mostra os dados da última coluna da direita do
quadro I, o salário médio do trabalhador português
corresponde, de acordo com os dados da OCDE, apenas a 34,1% do salário
médio dinamarquês, a 35,5% do salário médio
alemão, a 37,1% do belga, a 37,6% do luxemburguês, a 41,6% do
inglês, a 46,3% do italiano, a 49,5% do sueco e do irlandês, a
53,4% do salário francês e 59,8% do salário médio
espanhol.
Em conclusão, contrariamente ao que afirma o
Expresso
os trabalhadores portugueses não são
preguiçosos. Tendo como base o salário que recebem, o
que produzem os trabalhadores portugueses é proporcionalmente superior
ao que produzem os trabalhadores dos outros países da União
Europeia: São os próprios dados publicados quer pela OCDE quer
pela União Europeia que provam isso.
Mas esta conclusão ainda se torna mais clara se se comparar o
número de vezes que o salário médio pago nos outros
países da União Europeia é superior ao salário
médio português, com o número de vezes que a produtividade
verificada nos outros países é superior à portuguesa. E
para tornar os dados da produtividade mais comparáveis vai-se utilizar o
PIB per capita PPC, ou seja, o Produto Interno Bruto, que mede o
valor da riqueza que é criada anualmente em qualquer país, em
Paridades de Poder de Compra, o que elimina a diferença de preços
entre países, a dividir pelo número de habitantes. Este valor foi
calculado pelo GEPE, que é um gabinete oficial, com base em dados
publicados pela União Europeia na revista
European Economy
, nº 71-2000; em resumo também dados oficiais.
QUADRO II - NÚMERO DE VEZES QUE O SALÁRIO E A PRODUTIVIDADE
MÉDIA EM OUTROS PAÍSES DA U.E. É SUPERIOR AOS VALORES
MÈDIOS VERIFICADOS EM PORTUGAL
PAÍSES
|
Salário médio anual
(em euros)
|
Nº de vezes que o salário médio de cada país é
superior ao salário médio português
|
Nº de vezes que a produtividade de cada país é superior
à produtividade média portuguesa
|
Dinamarca
|
36.476
|
2,9
|
1,57
|
Alemanha
|
34.975
|
2,8
|
1,41
|
Bélgica
|
33.519
|
2,7
|
1,48
|
Luxemburgo
|
33.014
|
2,7
|
2,5
|
Reino Unido
|
29.861
|
2,4
|
1,37
|
Itália
|
26.833
|
2,2
|
1,32
|
Suécia
|
25.106
|
2,0
|
1,37
|
Irlanda
|
25.079
|
2,0
|
1,19
|
França
|
23.281
|
1,9
|
1,32
|
Espanha
|
20.794
|
1,7
|
1,1
|
Portugal
|
12.425
|
|
|
Os dados do quadro II confirmam a conclusão anterior. Se comparamos os
dados constantes da 3ª coluna a contar da esquerda do quadro II
salários com os da 4ª coluna do mesmo quadro
produtividade constatamos que o número de vezes que o
salário praticado em qualquer país é superior ao pago em
Portugal, é sempre superior ao número de vezes que a
produtividade do mesmo país é superior à portuguesa. E a
conclusão que imediatamente se tira é que para o que recebem os
trabalhadores portugueses criam mais riqueza do que os trabalhadores dos outros
países. São os próprios dados oficiais que provam isso.
E tenha-se presente que utilizamos para Portugal o valor do salário
calculado pela OCDE, e não o valor apurado pelo Ministério da
Segurança Social com base nos quadros de pessoal das empresas. Se
utilizássemos os dados do Ministério do Trabalho
concluiríamos que o número de vezes que os salários pagos
nos outros países são superiores aos pagos em Portugal ainda
seria superior aos constantes da 3ª coluna do quadro II, pois de acordo
com o Ministério de Bagão Félix o salário
médio em Portugal em Outubro de 2001 atingia apenas 10.950 euros e
não os 12.425 euros indicados pela OCDE.
SEGURANÇA NO EMPREGO:
CONDIÇÃO INDISPENSÁVEL PARA ALCANÇAR NIVEIS
ELEVADOS DE PRODUTIVIDADE
Um dos argumentos mais utilizados quer pelo governo quer pelas entidades
patronais para defender a proposta de Código de Trabalho foi
precisamente que era necessário flexibilizar ainda mais o vinculo
laboral em Portugal, através do aumento da duração dos
contratos a prazo , que no código passa de 3 anos para 6 anos, e de
outras medidas constantes do mesmo código, porque isso era
necessário para aumentar a produtividade.
Dados publicados no Relatório e Contas do ano 2002 do Instituto de
Emprego e Formação Profissional, que é um organismo
tutelado pelo ministro Bagão Félix, provam também a
falsidade desse argumento. Para isso, observe-se o quadro III que se apresenta
seguidamente.
QUADRO III CONTRATOS A PRAZO E PRODUTIVIDADE
PAÍSES
|
% de trabalhadores contratados a prazo
|
PRODUTIVIDADE
UE15 = 100
|
15 países da União Europeia
|
13,4%
|
100%
|
IRLANDA
|
3,5%
|
119%
|
PORTUGAL
|
20,3%
|
66%
|
Os dados do quadro III mostram claramente que a percentagem de trabalhadores
contratados a prazo em Portugal é já muito superior à
média da U.E. .
Assim, enquanto a média de trabalhadores com contratos a prazo nos 15
países da U.E. atinge 13,4% , em Portugal essa percentagem já
alcança os 20,3%. E a apesar da percentagem de contratados ser em
média nos 15 países da União Europeia muito inferior
à verificada em Portugal, mesmo assim a produtividade média na
UE15 é significativamente superior à portuguesa.
Mas onde se verifica mais claramente que é falso que maior flexibilidade
do vinculo laboral determina aumento de produtividade é na Irlanda, que
é apresentada muitas vezes pelo próprio governo e seu defensores
como exemplo para Portugal. A percentagem de trabalhadores contratados a prazo
é apenas de 3,5% na Irlanda, ou seja, uma taxa que representa apenas 17%
da verificada em Portugal, e a produtividade é cerca de 180% superior
à portuguesa.
Os dados oficiais provam precisamente o contrário daquilo que o governo
e as entidades patronais afirmaram e afirmam em defesa do código de
Bagão Félix. Só é possível aumentar a
produtividade com estabilidade de emprego, pois só assim é que o
trabalhador será motivado para se empenhar no desenvolvimento da
empresa, e só assim é que esta última poderá estar
interessada em investir no aumento da qualificação do trabalho,
que é uma das condições básicas para aumentar a
produtividade que analisaremos em outro trabalho.
DIFERENÇAS MUITO GRANDE DE PRODUTIVIDADE
ENTRE EMPRESAS A FUNCIONAR EM PORTUGAL
Em Portugal a diferença de produtividade entre empresas é muito
superior à diferença de produtividade entre Portugal e os outros
países da União Europeia, o que também prova a falsidade
do argumento de que a culpa da baixa produtividade é dos trabalhadores,
já que os trabalhadores de todas as empresas a funcionarem em Portugal
são portugueses. Mas para se ficar com uma ideia das diferenças
de produtividade registadas em empresas a funcionarem em Portugal, observe-se o
quadro IV que se apresenta seguidamente que foi construído com dados
publicados pela revista Exame.
QUADRO IV PRODUTIVIDADE POR TRABALHADOR E DOS ACTIVOS EM EMPRESAS A
FUNCIONAR EM PORTUGAL Dados de 2001 publicados na revista
Exame
Empresas
|
Produtividade do trabalhador
(VAB em euros por trabalhador)
|
Investimento em activos
(euros por trabalhador)
|
Produtividade dos activos
(VAB em euros por 1000 euros de activos)
|
Porcentagem que (Remunerações+ Amortizações+
Encargos financeiros) representam das vendas
|
CLARK
ECCOLET
|
8.070
16.920
|
12.000
29.000
|
664
586
|
26%
20,7%
|
TAP
PORTUGÁLIA
|
57.738
39.162
|
187.000
264.000
|
308
148
|
44,8%
45,2%
|
TMN
OPTIMUS
|
542.639
186.577
|
1.120.000
1.362.000
|
485
137
|
17,3%
29,8%
|
ROBBIALAC
CIN
|
60.246
50.273
|
118.000
158.000
|
509
319
|
26,8%
21,7%
|
PORTUCEL
CELBI
|
130.471
159.148
|
2.150.000
718.000
|
265
222
|
26%
23%
|
PINGO DOCE
J.MARTINS
|
18.269
69.050
|
116.000
968.000
|
157
61
|
15,1%
19,8%
|
Os dados do quadro IV permitem tirar conclusões importantes que
desmontam mitos veiculados no discurso oficial e de uma forma acrítica
em vários órgãos de comunicação social.
Se compararmos a produtividade por trabalhador (que consta da 2ª coluna a
contar da esquerda do quadro IV) da empresa com menor produtividade a
Clark com 8.070 euros por trabalhador , uma empresa que recentemente se
tornou celebre por más razões (elevados despedimentos), com a
empresa com maior produtividade a TMN com 542.639 euros por trabalhador
concluímos que a produtividade nesta última é 67
vezes superior ao da primeira.
E isto acontecerá porque, como afirma o
Expresso
no seu editorial, os trabalhadores da Clark são mais
preguiçosos do que os trabalhadores da TMN? O absurdo
deste lugar comum veiculado pela imprensa que se diz séria
é evidente face a estes dados.
No entanto, se compararmos os dados da 2ª coluna produtividade por
trabalhador com os dados da 3ª coluna investimento por
trabalhador rapidamente nos apercebemos de uma das razões da
diferença verificada. E isto porque, como mostram os dados das
próprias empresas, a produtividade por trabalhador é tanto mais
elevada quanto maior é o investimento por trabalhador. No caso das duas
empresas referidas, a produtividade por trabalhador da TMN é 67 vezes
superior à da Clark, e o investimento por trabalhador na TMN é
cerca de 97 vezes superior ao da Clark . Portanto existe uma
correlação positiva entre volume de investimento e valor da
produtividade, o que naturalmente leva à conclusão que esta
última depende muito mais do investimento realizado do que do
trabalhador.
No entanto, dentro do mesmo sector de actividade a correlação
não se verifica sempre com a mesma dimensão. Por exemplo, o
investimento por trabalhador é maior na Portugália do que na TAP,
e apesar disso a produtividade por trabalhador é maior na TAP do que na
Portugália. O mesmo sucede em relação à TMN e
à Optimus. O investimento por trabalhador é maior ma Optimus do
que na TMN, mas apesar disso a produtividade por trabalhador é maior na
TMN do que na Optimus como mostram os dados constantes da 2ª e 3ª
colunas do quadro IV. Estes factos provam que existem outros factores para
além do volume de investimento que determinam a produtividade de uma
empresa, e quem domina minimamente os problemas da produtividade sabe que
são nomeadamente a qualidade de gestão, a
organização do trabalho, a qualificação e
motivação do trabalhador, etc.
No entanto, se analisarmos já não a produtividade por trabalhador
mas sim dos activos possuídos e utilizados por cada empresa para
produzir ( e esta é outra forma de medir a produtividade), as
conclusões a que se chegam são surpreendentes e esclarecedoras.
Efectivamente, se comparamos a produtividade dos activos (a produtividade das
instalações, maquinas, dinheiro, etc. , utilizados na
produção) medida em número de euros de VAB (Valor
Acrescentado Bruto), que é a medida de riqueza criada por uma empresa,
por cada 1000 euros investidos nos activos da empresa, as conclusões
são bem diferentes.
Assim de acordo com os dados constantes da 4ª coluna a contar da esquerda
do quadro IV, a Clark obteve com cada 1000 euros investidos em activos 664
euros em 2001, enquanto a TMN obteve apenas 485 euros. Portanto, a Clark
conseguiu rentabilizar muito mais o investimento que realizou do que a TMN, ou
seja, a produtividade dos activos ( do dinheiro que ela investiu em
máquinas, instalações, etc.) da Clark foi superior
à da TMN em 2001. Por outras palavras, por cada euro que tinha investido
na sua empresa a Clark obteve 66 cêntimos, enquanto a TMN obteve apenas
48 cêntimos.
Em resumo, se utilizássemos a linguagem do editorial do
Expresso
, no caso de se usar os dados da produtividade dos activos da empresa os
preguiçosos seriam os trabalhadores da TMN, enquanto os
não-preguiçosos seriam os trabalhadores da Clark que
foram despedidos. Se utilizarmos a produtividade por trabalhador, então
os preguiçosos seriam os trabalhadores da Clark e os
não-preguiçosos seriam os trabalhadores da TMN. Tudo
isto prova o absurdo, a falta de consistência cientifica e a falsidade de
procurar culpabilizar os trabalhadores portugueses da produtividade inferior
à média dos 15 países da União Europeia.
Outro dado importante do quadro IV é o que consta da última
coluna da direita, que indica, para cada empresa, a percentagem do volume de
vendas que é utilizado para pagar as amortizações dos
equipamentos e instalações utilizadas, os encargos financeiros e
os salários dos trabalhadores (para a maioria a soma destas três
despesas corresponde a cerca de 20% das vendas). E isto porque quando se fala
em produtividade normalmente só se pensa nas despesas com os
salários dos trabalhadores. Os dados da última coluna do quadro
IV mostram que as despesas com as remunerações dos trabalhadores
são apenas uma entre muitas despesas que as empresas têm de
suportar para produzir, que até não são as mais
importantes, e que se quiser aumentar a produtividade e competitividade tem-se
de pensar principalmente em reduzir as outras despesas, e não as de
pessoal, porque as outras são até as que têm maior peso na
estrutura de custos de qualquer empresa.
[*]
Economista, da CGTP-IN
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