Homenagem a José Morgado
No passado dia 17 realizou-se, em Pegarinhos (Alijó), terra natal do
Professor José Morgado (1921-2003), uma romagem à sua campa e uma
sessão na Casa do Teatro. Intervieram César Príncipe,
António Machiavelo, ex-aluno e assistente do José Morgado na
Universidade do Porto e Paulo Morgado, filho do homenageado. Foi ainda lida uma
comunicação de Aurélio Santos, do Conselho Nacional da
URAP, entidade organizadora da evocação.
As homenagens não têm lugar único. Em todo o lado se pode
homenagear. Neste espaço de repouso jaz um homem que sempre foi inquieto
e inquietador e que encarou a vida académica e cívica com o
máximo de exigência e de intransigência. Isto é: foi
mestre do rigor e baluarte da dignidade. Afastado do ensino, nunca se afastou
do aprofundamento e da transmissão do saber. O saber nunca o quis
só para si. Esforçou-se por universalizar o conhecimento. Poderia
ter sido um vencedor solitário. Preferiu ser um derrotado
solidário. Sete vezes preso, jamais desistiu de ser livre e de
ambicionar que o Povo Português se tornasse igualmente livre. Exilado no
Brasil, continuou a luta por Portugal e pela Civilização. Desde
25 de Abril de 1974 até 9 de Outubro de 2003, manteve plena
coerência e austera decência. Nunca se calou em ditadura. Nunca se
desarmou em democracia. É este Português Maior e Homem Inteiro que
é indispensável recordar e retomar na construção de
uma sociedade justa. O presente conta com o passado de José Morgado.
Assim, esta homenagem não é apenas uma romagem, mas uma visita de
combatentes a um companheiro de muitas jornadas, que só tombou por
força da biologia, que jamais soçobrou pela ideologia. De
José Morgado, com todo o orgulho, diremos que caminha a nosso lado. Ele
que, em 1957, foi proibido pelo Tribunal Plenário do Porto de
acompanhar pessoas de má conduta política.
Pessoas como nós. Como tantos e tantos milhares de portugueses que
não se vergaram nem vergam perante a lei da violência como
razão de Estado, perante a ignorância como estratégia de
controlo social, perante a corrupção como sistema de poder.
José Morgado estará onde nós estivermos contra as
arbitrariedades, as insanidades e as iniquidades.
Mas onde estarão os inferiores culturais e políticos que, de
1947 a 1974, perseguiram um superior matemático e um pedagogo
revolucionário? Onde estão os inferiores culturais e
políticos que, em 1999, não tiveram coragem de recusar a proposta
de atribuição da Medalha de Ouro da Cidade a José Morgado,
que fora vice-reitor da Universidade do Porto, mas que não procederam
à sua entrega em vida? A História não os absolverá.
José Morgado passou pelo Aljube e por Caxias, foi espancado, perdeu o
emprego e sofreu o exílio e, no entanto, ei-lo, como um sol
subterrâneo a iluminar os nossos pés, a nossa estrada, o caminho
da justiça social e da independência nacional. Ei-lo, entre
nós, como em 1952: então manifestou-se contra a adesão de
Portugal à NATO; em 1998 contra o bombardeamento da Jugoslávia
pela NATO. Ei-lo, como símbolo, entre nós, nas marchas de
protesto nos negros dias de um Portugal ocupado e humilhado. Cidadão da
Liberdade, da Igualdade, do Progresso e da Paz, José Morgado
estará onde estiver a indignação dos trabalhadores sem
presente, dos jovens sem futuro e dos idosos a quem até já roubam
o passado, dos lavradores a quem mandaram abandonar a terra, dos pescadores a
quem tiraram o mar, dos intelectuais que são convidados a não
pensar e a não agir.
Amanhã, no tão urgente e claro amanhã que o país
precisa, o sábio humanista de Pegarinhos será matéria
obrigatória nas escolas portuguesas. A criança modesta que partiu
de uma aldeia para enriquecer o Mundo tornou-nos mais próximos da
sabedoria, da fraternidade e da esperança. Regressaremos às
nossas localidades e às nossas actividades com energia renovada e
redobrada por esta romagem a uma terra de amendoeiras e fortalezas. Não
é em vão que certos vultos são evocados: ficaremos mais
responsáveis depois da passagem pela última morada de José
Morgado. É uma das virtudes dos que morrem mas não desaparecem: a
sua obra e o seu exemplo não se sepultam.
[*]
Escritor/Jornalista
Ver também:
http://pt.wikipedia.org/wiki/José_Morgado
http://cvc.instituto-camoes.pt/ciencia/p68.html
http://www.mat.uc.pt/~jaimecs/HISTM/josemorgado-bio.html
http://www.apm.pt/nucleos/vreal/confmorg.htm
http://www.fc.up.pt/mp/morgado.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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