Podemos ter uma greve histórica
por Paulo Raimundo
[*]
entrevistado pelo
Avante!
Avante! - Olhando para o que se passou nas últimas semanas, quais as
expectativas para esta greve geral?
Paulo Raimundo: Temos visto diferentes sectores em permanente
acção de contestação contra medidas que são
injustas. Todos os dias temos tido uma multiplicação intensa de
lutas de trabalhadores e de populações, de utentes, de
agricultores, de pescadores, de estudantes, de militares, de profissionais das
forças de segurança. Houve expressões maiores dessas lutas
e importantes momentos de convergência, como a manifestação
da Administração Pública, a 12 de Novembro, ou a jornada
dos militares, nesse mesmo dia.
Estas associam-se a outras lutas que, embora de dimensão menor,
têm uma grande importância política.
Pouco mais atrás, deve salientar-se a importância da semana de
luta que a CGTP-IN realizou no final de Outubro e que revelou grandes
potencialidades.
Face à brutalidade da ofensiva contra os trabalhadores e o povo, a greve
geral surge quase como inevitável e é um ponto alto desta
convergência.
Ao mesmo tempo que a preparação da greve geral se faz numa
componente mais organizativa e de mobilização dos trabalhadores,
através de plenários e de milhares de contactos, ela faz-se
simultaneamente com luta, com iniciativa, com reivindicação. Esta
talvez seja a grande riqueza deste período mais recente.
Sectores que não são de trabalhadores estão a acompanhar
os objectivos da greve e estão a associar-se à luta com a
afirmação própria das suas reivindicações.
Refiro-me, por exemplo, aos utentes da Saúde ou dos transportes
públicos.
Pelos motivos concretos de todas essas lutas e pela sua convergência,
conclui-se que fazer greve amanhã não é uma
opção em abstracto...
Esta não é uma greve em abstracto. A greve geral cava fundo na
situação actual do País. Os objectivos que a CGTP-IN
coloca ao convocar a greve geral são, em primeiro lugar, agarrados por
quem trabalha, já que os trabalhadores são os principais alvos da
actual ofensiva. Mas são simultaneamente passíveis de serem
absorvidos e desenvolvidos a partir de sectores muito amplos.
A dúvida hoje só pode estar em saber se vamos ter uma grande
greve geral ou uma greve geral histórica, pela sua dimensão e
participação.
Todos os trabalhadores têm razões fortes para fazerem greve.
Além das razões gerais, muitos têm as suas próprias
razões.
E há um milhão e duzentos mil trabalhadores em
situação precária que têm razões mais que
acrescidas para aderirem à greve de forma massiva. Muitas vezes,
são estes os mais pressionados para não lutarem. Ora,
amanhã é o dia para demonstrarem que estão unidos em torno
dos objectivos da greve geral, contra o rumo por onde o País tem sido
conduzido, mas também para demonstrarem a sua indignação e
a sua disposição de luta, face à situação
injusta que vivem. Não ir trabalhar é a melhor forma de
demonstrarem que fazem falta todos os dias e que o seu vínculo laboral
deve ser permanente.
Apesar dos fortes motivos para fazer greve, os trabalhadores vão
confrontar-se certamente com graves impedimentos. Até que ponto isto
poderá prejudicar os índices de adesão?
Não menosprezamos as dificuldades, nem as pressões, nem as
chantagens. Os trabalhadores vão enfrentar certamente muitas manobras,
não será novidade. Isto vai exigir de cada trabalhador coragem e
determinação, para afirmar «basta» pela sua
adesão à greve. Vai haver chantagens, pressões, ofertas de
prémios, vamos ouvir que a luta é prejudicial para a empresa e
para o País... Sabemos que vai haver tudo isto, como houve noutras
greves gerais e como surge sempre que os trabalhadores decidem entrar em luta.
É por isso que dizemos que é necessária coragem, é
necessária confiança, é necessária
determinação para aderir à greve.
Coloca-se outro problema. Se todos os trabalhadores têm razões
para aderir à greve e marcar uma posição firme, aqueles
que não o fizerem devem ter presente que, mesmo que não queiram,
vão ser contabilizados pelo capital e pelo Governo como apoiantes desta
política. Quem decidir não fazer greve vai ter que se confrontar
com este problema.
Vai ser decisivo o papel dos piquetes de greve. São constituídos
a partir de cada empresa ou serviço, de cada sector, e têm uma
grande importância para vencer as muitas dificuldades que se vão
colocar e que não devemos menosprezar.
O sucesso da greve geral significa paralisar o País, como repetidamente
tentam fazer crer?
Não é esse o objectivo de uma greve geral. A adesão dos
trabalhadores deve fazer-se sentir em cada local de trabalho. Vai haver
«guerra de números» e contabilização geral da
adesão, mas a greve geral deve ser entendida nos reflexos que tem em
cada uma das empresas e em cada local de trabalho. Aqui é que é
preciso dar o sinal.
Vamos ter empresas com adesão a cem por cento, outras a noventa, outras
com índices menores mas onde vai parar a produção,
haverá serviços encerrados, outros estarão a meio
gás. Haverá também sítios onde a greve não
vai ter a adesão que seria necessária. É assim numa greve
e é esta também a realidade da greve geral.
Mas o que vai contar é concluirmos que, desta exigente e elevada
resposta, em cada empresa, em cada um dos sectores, os trabalhadores vão
sair em melhores condições para prosseguir uma luta, que vai ser
necessariamente prolongada, mas que vai ter que se intensificar e agudizar. O
que vai contar é que os trabalhadores e as populações
vão dar uma grande resposta e o poder político não vai
poder ficar indiferente.
Vamos ter mais greves gerais
A greve geral vem procurar dar resposta a uma ofensiva que não fica
derrotada amanhã. A resposta do trabalho tem que corresponder à
intensificação da ofensiva do capital.
A luta terá expressões muito diversas e vai haver momentos de
convergência. Mas terá que viver pela sua
multiplicação e por se desenvolver o mais possível na base.
A greve geral tem que amanhã dar um sinal para a luta que desenvolvemos
contra o roubo dos salários e que será ganha nos locais de
trabalho. É aqui que a batalha contra as alterações ao
Código do Trabalho está a ser ganha todos os dias. É em
cada uma das empresas, e não na Concertação Social, que
vamos contrariar o trabalho gratuito ao sábado. A luta dos trabalhadores
e das populações vai ter que continuar e intensificar-se, e a
greve geral de amanhã será um impulso para esta
intensificação.
Teremos que ir tão longe quanto possível na
intensificação da luta, dado o grau da ofensiva. Exige-se a
multiplicação da luta, ao nível mais abaixo
possível, e outros momentos de convergência. Estes, caso o
movimento sindical assim entenda, poderão passar por
convocação de novas greves gerais.
Uma greve geral assume objectivos mais avançados, claramente
políticos. Como se enquadra esta greve geral na luta pela alternativa
que o Partido propõe para Portugal?
Contra a exploração e o empobrecimento são os objectivos
que a CGTP-IN coloca para a greve geral. Uma greve e uma luta que se assume,
assim, contra o rumo que o País vem seguindo, contra o empobrecimento,
contra as injustiças e contra medidas que vão levar ao
agravamento da situação. A par desta contestação, a
greve geral é pela exigência de um rumo novo, rompendo com o
caminho das últimas três décadas, que nos trouxe à
actual situação. Aqui a greve geral assume um significado
político de grande dimensão.
Nesta exigência de uma nova política, a greve geral cruza-se com
os grandes objectivos e desígnios nacionais que o Partido hoje aponta.
Por um lado, não será possível criar outra saída
para o País, enquanto não derrotarmos o pacto de agressão,
a política a que ele dá seguimento e os instrumentos dessa
política, como são o Orçamento do Estado e as
mudanças nas leis laborais. É preciso rejeitar este pacto,
responsabilizando o PS, o PSD e o CDS por o terem assinado com o FMI, a
União Europeia e o Banco Central Europeu duas troikas, associadas
aos grandes interesses do capital nacional e internacional.
Esta nossa palavra de ordem de rejeição do pacto associa-se
à contestação da actual política, nos objectivos da
greve geral.
Na ideia de construção de um Portugal com futuro, encontramos a
luta pela alternativa política que propomos e para a qual é
indispensável ter a mobilização dos trabalhadores e do
povo.
Assim, temos uma greve geral de dimensão política (não se
confunda com partidária) que se insere no desígnio nacional que o
PCP propõe aos trabalhadores e ao povo, com cada vez mais gente a
rejeitar a actual política e o pacto de agressão e,
simultaneamente, a abrir caminhos novos para um Portugal que achamos que tem
futuro, desde que para tal haja força bastante.
A par da intervenção unitária, tem havido iniciativas
próprias do Partido, temos as posições e as propostas dos
comunistas. Como é avaliada a resposta das pessoas, face à
necessidade de dar força ao PCP para construir a alternativa de que o
País precisa?
Há um reconhecimento, por parte de vários sectores, do papel
central do Partido na resistência e também na confiança em
que é preciso outro rumo. Mas, seja através da
acção dos militantes comunistas no movimento sindical e nas
estruturas unitárias, seja pela acção própria do
Partido, notamos um grande reconhecimento do papel do PCP na resistência
a esta ofensiva e uma grande confiança em que o Partido está em
condições de ser o polo central desta mudança
necessária.
Ficamos satisfeitos com este reconhecimento. Mas a muitos falta dar um passo,
falta cada um perceber que lhe cabe um papel activo nesta resistência. Os
comunistas cumprirão o seu papel, mas é preciso que outros
também o façam, nomeadamente neste momento, com a adesão
à greve geral.
Por outro lado, é preciso que, reconhecendo nas propostas do PCP a
saída para os problemas, cada um dê mais força a essas
propostas. E vamos ganhando mais apoios.
Por exemplo?...
Recordo alguns casos em que começámos praticamente sozinhos, e
hoje o que propomos já é olhado de outra forma, ainda que por
vezes com motivações contraditórias.
A 5 de Abril, na véspera de ser anunciado o «pedido de ajuda»,
defendemos a renegociação da dívida. Atravessámos a
campanha eleitoral isolados, nesta matéria, e fizeram-nos muitas
críticas por defendermos tal ideia. Mas hoje é já bem mais
ampla a compreensão da necessidade de renegociar os prazos, os juros e
os montantes da dívida.
Também ganha apoios, designadamente entre os pequenos
empresários, outra ideia por que nos batemos há anos: a grande
fatia dos custos de produção não tem a ver com
salários, mas com a energia, os transportes e
comunicações, o crédito, e é preciso que o Estado
tenha nas suas mãos os instrumentos necessários para diminuir
estes custos.
Hoje é mais aceite, como há anos nós dizemos, que o Estado
tomou uma opção política errada, quando perdeu capacidade
de intervenção no sector estratégico da banca, e
irá perder mais com a privatização de uma parte da Caixa
Geral de Depósitos. Hoje é mais evidente que todos os
sacrifícios e esforços que são exigidos à
generalidade dos portugueses acabam por reverter em benefícios para a
banca, que tem contribuição zero para esses sacrifícios e
que neste período de crise exibe uma vergonhosa acumulação
de riqueza.
Também notamos que se alarga a compreensão de que a ideia de
baixar mais os salários, para salvar a economia, representa caminhar
para o abismo. A saída do actual momento exige, a par de outras medidas,
um investimento muito grande no sector público, na
produção nacional. Os cortes salariais constituem uma
injustiça brutal, do ponto de vista social, e um erro
estratégico, do ponto de vista económico, porque retiram à
maioria dos trabalhadores e ao povo a capacidade de consumo. O que é
necessário é o aumento dos salários e, nomeadamente, do
salário mínimo nacional.
Mas quem apoia tais propostas não está necessariamente ao lado do
PCP...
Todos os que venham para esta batalha são bem vindos. Mas há
coisas que são de mais. O Presidente da República vem defender
agora a produção nacional e a viragem do País para o mar,
quando é ele um dos principais responsáveis pela
destruição de parte considerável da nossa marinha
mercante, da nossa indústria naval, da nossa frota pesqueira. Não
é um caso para dizer que mais vale tarde do que nunca. Ele sabe bem as
opções que tomou e que toma.
Portanto, para o Partido, a greve geral de amanhã marca o caminho para a
alternativa política...
O Partido está a actuar, de forma muito intensa, na
preparação da greve geral e em toda esta luta, com a sua
iniciativa própria e a sua acção
político-partidária; os comunistas têm papel activo no
movimento sindical, noutras estruturas unitárias, nas comissões
de utentes, estimulando o desenvolvimento das lutas; e, numa terceira vertente,
as propostas e a acção própria do Partido contribuem para
a confiança dos portugueses em que é possível construir um
país melhor, na base de outra política, e para a confiança
em que há forças para construir essa alternativa.
A greve geral, sendo um momento alto de convergência, não é
só um ponto de chegada desta dinâmica, é sobretudo um ponto
de partida para uma luta que vai ter que continuar.
23/Novembro/2011
[*]
Da Comissão Política do PCP
O original encontra-se em
http://www.avante.pt/pt/1982/emfoco/117477/
Esta entrevista encontra-se em
http://resistir.info/
.
|