Sobre a situação da investigação fundamental na Rússia pós soviética e o sindicalismo dos trabalhadores científicos

por Frederico Carvalho [*]

Correndo o risco de parecer afastar-me do tema que esperam ver tratado, gostaria de começar com uma referência que reflecte uma visão do mundo, visão que conserva toda a actualidade. Cito aqui duas breves passagens das notas que Bento de Jesus Caraça — figura maior da nossa intelectualidade — acrescentou ao corpo da conferência intitulada "A Cultura Integral do Indivíduo – Problema central do nosso tempo", proferida em 1933. Na primeira dessas notas, de Maio de 1939, antes ainda, portanto, da eclosão da guerra que devastaria a Europa, dizia Bento Caraça referindo-se à cena política europeia, cito:

" (…) mais necessário e urgente do que nunca, para pôr termo a esta coisa sórdida, anti-racional, a esta macacada que é a política europeia presente, mais necessário do que nunca é e continua a ser despertar a alma colectiva das massas ".
Na segunda nota, de Setembro de 1939, escrevia:
" (…). Hoje a Europa está de novo em guerra (…) agora que vamos arrastados pelo turbilhão, os acontecimentos ultrapassam-nos com uma rapidez que nos não deixa por vezes fixar as cambiantes momentâneas de perspectiva".
E continua:
" Uma coisa me parece no entanto certa — esta Europa entrou na fase central da carreira louca da morte; começou a descida aos infernos. E a nova Europa há-de surgir (daqui a quanto tempo?) aquecida pelo sol do oriente, aquele longínquo oriente onde se estão jogando os verdadeiros destinos do mundo".

Caraça referia-se sem dúvida à URSS, sem a nomear. Entretanto, sete décadas mais tarde, de novo arrastados pelo turbilhão de acontecimentos que nos ultrapassam, mantém-se viva a necessidade — continua a ser mais necessário do que nunca, despertar a alma colectiva das massas.

O nascimento da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos

A consciência da aproximação da tragédia de 39-45, fruto monstruoso gerado nas entranhas do capitalismo predador, teve um efeito mobilizador extraordinário sobre a intelectualidade progressista, intelectualidade em que se incluíam membros destacados da comunidade científica. Esta, por formação e experiência profissional, dispunha de conhecimentos que permitiam avaliar com particular segurança, a natureza e dimensão dos riscos que o caminho que então se seguia faria correr ao mundo. [1]

Um dos frutos (mas não o único) dessa mobilização de inteligências e vontades foi a criação, imediatamente após o fim da guerra, em 1946, da Federação Mundial dos Trabalhadores Científicos , de que foi um dos grandes animadores e primeiro presidente, Frédéric Joliot-Curie, prémio Nobel da Química em 1935, conjuntamente com sua mulher Irene, pela descoberta da radioactividade artificial.

Os cientistas, homens e mulheres, que ao longo dos anos animaram a FM deram corpo ao pensamento de Paul Langevin, um dos seus pares, que dizia: "Se nós (cientistas) não levarmos por diante o nosso trabalho científico, outros o farão, mas se descurarmos a nossa actividade política, em breve assistiremos ao fim da ciência".

É justo dizer que poucos levaram tão longe a consciência da sua responsabilidade social.

Joliot-Curie, físico nuclear, era também um pacifista. Decidido opositor das aplicações militares da energia nuclear, foi Presidente do Conselho Mundial da Paz entre os anos de 1949 e 1958, ano em que faleceu. Em pleno período de afrontamento Este-Oeste, vulgarmente designado por "Guerra fria", a FMTC procurou, com sucesso, afirmar-se como ponto de encontro de cientistas de um e outro lados da chamada "cortina de ferro", constituindo-se em fórum de debate e conciliação de posições, mantendo sempre na primeira linha das suas preocupações, a luta em defesa da Paz, objectivo inscrito aliás nos seus princípios estatutários.

O desaparecimento da URSS e as transformações políticas e sociais que se sucederam no seio das repúblicas que constituíam a União, bem como nos países socialistas do leste europeu, em particular o desaparecimento da RDA como entidade política independente, tiveram sérias repercussões na vida da FMTC, por razões que não seria curial aprofundar neste momento.

A FMTC é uma associação livre, não-governamental — uma ONG, como agora se diz — constituída por associações sindicais ou profissionais de trabalhadores científicos, em que se incluem, investigadores, docentes-investigadores e técnicos de investigação.

Durante muitos anos — desde a fundação da Federação Mundial em 1946 até ao início da década de 90 do século passado, os trabalhadores científicos da Rússia estiveram representados na FMTC através da Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores da Educação Nacional e da Ciência da URSS, em que, designadamente, se integravam os investigadores e restante pessoal dos institutos e centros pertencentes à então existente Academia das Ciências da URSS [2] . O Sindicato atrás referido foi, enquanto membro da FMTC, um dos principais pilares da actividade da Federação, participando nos seus órgãos de direcção, Conselho Executivo e Vice-Presidência.

A contribuição dos colegas russos para a Federação Mundial, aparte alguns contactos pessoais esporádicos, cessou em 1991 na sequência do desmantelamento do Estado soviético, por ausência de condições objectivas e subjectivas que essa participação pressupunha. Em Maio do corrente ano de 2008, a participação é retomada por iniciativa da direcção do Sindicato dos Trabalhadores da Academia das Ciências da Rússia, entretanto constituído. O regresso dos colegas russos ao seio da Federação Mundial deve ser visto como um acontecimento marcante, de excepcional importância e significado para o movimento organizado dos trabalhadores científicos. Dedicaremos mais adiante algumas linhas à questão da evolução que conduziu a este regresso.

Um passado glorioso

A par da educação de massas, o desenvolvimento na URSS de um sistema científico e técnico de grande dimensão e qualidade, em parte insuspeitadas, constituiu um objectivo estratégico prioritário do Estado soviético.

O trabalho científico desenvolvido na Rússia e nas outras repúblicas socialistas, foi fonte de progresso económico e social com resultados de decisiva importância, nos campos da ciência pura e investigação fundamental, mas também nos campos da engenharia e da tecnologia, em geral, ultrapassando em diversos ramos o campo capitalista.

Esta realidade merece particular realce se recordarmos a tremenda devastação humana e material sofrida pela pátria russa na segunda guerra mundial e a necessidade de prosseguir, uma vez restabelecida a Paz, o esforço de manutenção de um equilíbrio de forças no plano militar que obrigou a desviar importantes recursos científicos e tecnológicos, de outras finalidades criativas com impacte directo e imediato na melhoria das condições de vida da população.

Nos países socialistas a organização do trabalho científico e técnico possuía um traço distintivo que se mantém aliás ainda hoje no essencial, apesar das transformações ocorridas, e que se traduz na atribuição do trabalho de investigação científica de base a entidades designadas por Academias das Ciências, cada uma delas englobando numerosos institutos e centros de diferentes especialidades, geograficamente dispersos pelos territórios das repúblicas respectivas. Um olhar retrospectivo mostra que esta forma de organização não só é compatível com a obtenção de resultados de excelência na investigação de base mas também com a sua aplicação aos vários ramos da economia e à sociedade em geral, e tornou possível a obtenção de importantes avanços tecnológicos em áreas de ponta como a robótica, a aeronáutica, a astronáutica ou a engenharia nuclear.

Importa referir, que se, na URSS, a investigação aplicada e a inovação tecnológica eram conduzidas e realizadas num numeroso conjunto de laboratórios e centros especializados, financiados e geridos pelos diferentes Ministérios sectoriais, esta divisão de funções se processava num contexto de cooperação eficaz que deu boas provas.

A Ciência e a Técnica na URSS têm um passado glorioso, cujos sucessos levaram mesmo a principal potência capitalista — os EUA — a, por assim dizer, estugar o passo para acompanhar a evolução da URSS na esfera científica e competir com ela, sobretudo na esfera tecnológica.

As reformas "liberais" e as suas consequências para a comunidade científica

O período das reformas ditas "liberais" que se seguiu ao desmantelamento do Estado soviético, iniciado em 1991, e se desenvolveu com particular intensidade entre esse ano e o final do século, ficou marcado pelo empobrecimento massivo dos trabalhadores e por uma degradação social, de que a redução drástica da esperança de vida de mulheres e homens é um sinal revelador; pelo florescimento de um capitalismo selvagem assente na privatização de infra-estruturas e bens sociais, em condições tais que um observador externo qualificou como o "assalto ou hold-up do século" [3]

Alguém que sabe do que fala, pois trata-se do Presidente do Conselho do Sindicato dos Trabalhadores da Academia das Ciências da Rússia, escreveu o seguinte, que passo a citar: [4]

"O chavão "as reformas liberais em curso na Rússia" frequentemente usado no Ocidente, inclusive nos países da União Europeia, não é adequado. Os que o usam, quer queiram quer não, alteram a realidade dos anos 90. Uma análise científica rigorosa da situação, leva forçosamente a concluir que o objectivo prioritário dos promotores do liberalismo que se apossaram do poder na Rússia pós soviética era a demolição do sistema soviético, de todas as suas instituições políticas, sociais, económicas e culturais, incluindo a Academia das Ciências da URSS, um dos pilares essenciais desse sistema".

Logo nos primeiros anos do período pós soviético com Boris Ieltsin na chefia do Estado [5] , a esmagadora maioria dos trabalhadores intelectuais e manuais russos sentiu a amargura e desilusão de ver que se à penúria da época soviética se substituíra — é certo — abundância na oferta de produtos, uma inflação galopante, completamente desconhecida na URSS, de imediato esvaziou os bolsos e as carteiras das pessoas. Os trabalhadores e os reformados entenderam que a sua pauperização era o resultado das políticas do governo, dos abusos e das opções erradas do novo poder. [6]

Os trabalhadores manuais e intelectuais, operários e engenheiros, pessoal docente e investigador, centenas de milhares de pessoas, deixaram as fábricas, os laboratórios, as escolas, para se refugiarem em empregos precários no sector informal da nova economia de mercado; alguns emigraram. Este fenómeno de mobilidade descendente da mão-de-obra, levou a que ao longo da década de 90 os sindicatos da Rússia tenham perdido 30 a 40% dos seus efectivos. [7]

À Academia das Ciências da URSS sucedeu no território da Rússia pós soviética a Academia das Ciências da Rússia. Aquela era efectivamente já no passado, de algum modo, uma Academia das Ciências da Rússia porquanto todas as outras repúblicas soviéticas possuíam as suas próprias Academias de Ciências. Na turbulência dos anos 90, a Academia das Ciências (agora chamada) da Rússia, é salva graças à resistência e determinação de eminentes cientistas russos com grande prestígio no país e da comunidade científica em geral.

A Academia das Ciências da Rússia aparece assim institucionalizada no início da década de 90, apoiando-se em cerca de meio milhar de institutos de investigação situados no território da Rússia. Trabalhavam na Academia nessa altura mais de 200 mil assalariados, em que se incluíam investigadores, pessoal técnico e administrativo, médicos, operários e pessoal auxiliar diverso.

Os anos que se seguiram foram dolorosos para a Academia e para os seus trabalhadores, como de resto o foram para a grande maioria da população. O financiamento público foi substancialmente reduzido, tanto no que respeita à investigação de base realizada nos institutos da Academia das Ciências da Rússia como no que respeita à investigação aplicada e inovação de que se ocupavam os numerosos laboratórios e centros dos diferentes ministérios sectoriais.

Esta política conduziu a quebras dramáticas no montante dos salários auferidos pelos trabalhadores da Academia (eram comuns nessa altura salários mensais de 10 dólares americanos).

A reacção dos investigadores e outros colaboradores dos Institutos da Academia a esta "inovação liberal" traduziu-se num êxodo massivo e na rápida redução dos efectivos da comunidade científica russa. [9]

Ao mesmo tempo, a imagem da Academia, instituição do Estado que o era e continua a ser, viu (talvez por isso) a sua imagem e a importância do seu papel na sociedade ser severamente afectadas relativamente ao passado, por influência dos meios de comunicação social ditos "liberais" que se esforçaram por manchar essa imagem e desvalorizar o trabalho realizado.

A situação dos trabalhadores científicos russos evoluiu de forma a tornar por assim dizer incontornável o surgimento de uma organização sindical capaz de articular, discutir e exprimir os interesses e problemas particulares da comunidade científica, criando condições que permitissem a esses trabalhadores agir colectivamente, com alguma eficácia, por um lado em defesa dos seus interesses materiais mais prementes e dos seus direitos laborais, e, por outro, em defesa dos próprios institutos e centros de investigação.

Nesse sentido tornou-se clara a necessidade de constituir um Sindicato dos Trabalhadores da Academia das Ciências da Rússia, autónomo, independente da enorme organização com cerca de 5 milhões de membros, na sua maioria docentes e trabalhadores do Ministério da Educação Nacional, que era o Sindicato dos Trabalhadores da Educação Nacional e da Ciência em que até aí os trabalhadores da Academia das Ciências estavam integrados. Assim sucedeu, dando-se a cisão em Junho de 1992.

O Sindicato dos Trabalhadores da Academia das Ciências da Rússia contava no momento da sua criação com 175 mil filiados. No entanto a redução dos efectivos da Academia das Ciências da Rússia entretanto ocorrida fez baixar este número para cerva de metade. Actualmente o número de trabalhadores filiados no Sindicato é de 97 mil dos quais cerca de 3000 são reformados. Neste contexto, importa assinalar que a taxa de sindicalização dos trabalhadores científicos da Academia das Ciências da Rússia se manteve praticamente inalterada apesar de todas as vicissitudes ao longo destes anos difíceis, rondando — imagine-se! — os 90%.

A forte quebra do financiamento público da investigação fundamental afectou particularmente os centros e institutos da Academia das Ciências e teve como consequência directa uma brutal diminuição do nível de vida da grande maioria dos investigadores e outro pessoal desses institutos e centros. Dezenas de milhares de trabalhadores científicos viram-se assim obrigados a deixar os seus laboratórios e, como se diz na Rússia, " a adaptar-se às transformações ". Por esta via surgiram do seio da comunidade científica, por obra e graça das decantadas "reformas liberais", numerosos "vendedores ambulantes, motoristas, porteiros, caixeiros, etc", altamente qualificados — perdoe-se a ironia.

Os cientistas mais activos que mantinham boas relações com colegas de outros países, aproveitaram-se delas para emigrar para o estrangeiro, nomeadamente para os EUA, países europeus, Canada e Coreia do Sul. Alguns trocaram de profissão para se tornar negociantes ou empresários ou encaixarem-se nalgum recanto do aparelho estatal.

Aqueles que ficaram, resistindo a todas as dificuldades, foram obrigados a acumular dois ou três empregos para sobreviver. Não mais do que um em cada quatro ou cinco investigadores conseguiam o bastante para continuar a desenvolver normalmente a sua actividade profissional graças a financiamentos extraordinários obtidos junto de fundações públicas ou privadas, russas e estrangeiras. [9]

É curioso notar que já nos últimos anos da década de 80, se verificara uma sangria nas várias áreas das ciências sociais e humanas que antecedeu portanto o êxodo de trabalhadores científicos, ocorrido sobretudo na primeira metade dos anos 90, e terá tido certamente outras causas: sociólogos, economistas e filósofos mais activos foram quase todos recrutados como consultores e peritos por partidos políticos, fundações estrangeiras e russas, organizações não governamentais ou centros de investigação privados. Assim, quando o Sindicato dos Trabalhadores da Academia das Ciências da Rússia é criado, são físicos, químicos e biólogos que estão na origem da sua fundação e a levam por diante. [10]

Os problemas que se colocam hoje prioritariamente à comunidade científica russa e a atitude do poder nos anos mais recentes.

Nos anos que se seguiram à sua criação, o novo Sindicato, viveu tempos muito difíceis tendo sido forçado a lutar simultaneamente em várias frentes, por causas que — importa dizê-lo — ainda hoje se mantêm em boa parte actuais. O aumento dos baixíssimos níveis salariais dos trabalhadores científicos; um financiamento adequado das actividades de investigação; a luta da Academia das Ciências em defesa da investigação fundamental na Rússia, contra as tentativas de negociantes sem escrúpulos que, com a cumplicidade de funcionários corruptos, procuravam apossar-se dos bens da Academia das Ciências da Rússia, sobretudo de imóveis e terrenos pertencentes a alguns institutos da Academia.

As remunerações auferidas nesses tempos difíceis (entretanto algo melhoradas) eram de tal modo baixas que se impunha ao Sindicato ajudar os seus filiados a sobreviver em condições de indigência extrema. Isso foi feito. Valeu nessa emergência o facto das secções sindicais de alguns Institutos da Academia manterem relações informais de economia paralela que lhes permitiam obter produtos alimentares directamente dos produtores sem passar por intermediários, logo muito mais baratos do que nas lojas do comércio privado.

Onde não havia esse recurso funcionou muitas vezes uma rede de solidariedade activa entre colegas de diferentes Institutos. [11]

Neste quadro de desolação, levantou alguma esperança, o anúncio feito em 2002 por Vladimir Putin, então Presidente da Rússia, e pelo Conselho de Estado, de que a economia do conhecimento e a inovação tecnológica passariam a ser objectivos estratégicos da Rússia. Foi apontada a meta de 4% do PIB para a despesa em investigação e desenvolvimento (DI&DE) o que, diga-se de passagem, seria, em valor relativo, uma das percentagens mais altas do mundo. [12] . Em 2005 o governo russo comprometeu-se a aumentar gradualmente o salário mínimo do pessoal investigador da Academia das Ciências da Rússia de forma a atingir, em 2008, 30 mil rublos mensais (cerca de €850). Em 2006 os salários dos investigadores experimentaram um aumento significativo ainda que, na opinião das nossas fontes, insuficiente. Entretanto, e essa é uma das preocupações mais sérias do Sindicato, os salários dos engenheiros e técnicos de investigação, que representam em muitos casos 40 a 50% da mão-de-obra dos respectivos Institutos, não foram aumentados. A manter-se esta situação, pode vir a verificar-se um novo êxodo massivo de pessoal especializado, muito qualificado, com grave prejuízo para as actividades de investigação fundamental na Rússia. [13]

O envelhecimento do pessoal nos institutos e centros da ACR é outro sério problema a ter em conta. Na sua origem está o facto de os trabalhadores científicos desses centros e institutos procurarem manter o emprego até o mais tarde possível para fugir às pensões de miséria auferidas pelos reformados (5 a 6 mil rublos mensais, actualmente, ou seja, cerca de 150 euros). O escalão etário entre os 35 e os 40 anos está pouco representado já que é nesse grupo que se deu o êxodo massivo nos anos 90, sendo improvável que um dia regressem aqueles que emigraram para o estrangeiro, onde ganharão 4 a 5 vezes mais, ou encontraram na Rússia empregos bem remunerados no sector privado.

Este quadro parece dificilmente compatível com o anunciado objectivo estratégico atrás referido de desenvolver uma economia do conhecimento e da inovação. Acresce que a direcção da Academia das Ciências se viu obrigada a ceder à pressão do governo russo no sentido de reduzir em 20% em três anos o número de postos de trabalho de pessoal investigador! Por outras palavras: não se vê a tradução em medidas concretas dos grandes objectivos proclamados em 2002 pelo Presidente Putin.

Na Rússia capitalista de hoje o Sindicato dos Trabalhadores Científicos da Academia das Ciências, desenvolve, em condições difíceis, uma luta consequente por melhores condições de vida e de trabalho para os seus quase 100 mil filiados, mas também em defesa dos interesses mais gerais da comunidade científica e da ciência russas.

Ao mesmo tempo desenha-se um quadro de cooperação entre os sindicatos das Academias das Ciências da Rússia, da Ucrânia e da Bielorússia no seio de uma associação cuja formação foi recentemente decidida.

O reencontro do Sindicato da Academia das Ciências da Rússia com organizações de trabalhadores científicos de vários continentes, no seio da FMTC, permitirá por em evidência interesses e abordar problemas que são, em maior ou menor grau, interesses e problemas comuns à maior parte dessas organizações procurando caminhos para uma unidade na acção assente no conhecimento mútuo.

Notas
1- Então como hoje o conhecimento especializado, a experiência e o domínio do método científico, colocam aos cientistas e outros trabalhadores científicos uma pesada responsabilidade social: a de dialogar com os seus concidadãos, alertando para as possíveis consequências dos caminhos que estão num dado momento a ser seguidos e propondo soluções para o futuro socialmente aceitáveis e globalmente benéficas.
2- Também se achavam incluídos neste complexo, hospitais, clínicas, centros recreativos, bibliotecas, estâncias de turismo e repouso, etc.
3- François Roche, Le hold-up du siècle 1999.
4- Intervenção de Viaceslav Vdovine, Presidente do Conselho do Sindicato dos Trabalhadores da Academia das Ciências da Rússia no Conselho Executivo da FMTC, Paris, 31 de Maio de 2008
5- O golpe de estado do grupo de Boris Ieltsin, chegado ao poder em 1991, teve lugar em Setembro-Outubro de 1993 e envolveu a dissolução do Soviete Supremo e a prisão de diversos deputados.
6- Cf. Evgheni Novosselov, assessor do Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Academia das Ciências da Rússia. Documento entregue à direcção da FMTC em Março de 2007
7- Idem, ibidem
8- Idem Nota 4
9- Idem Nota 4
10- Idem Nota 6
11- Idem Nota 4
12- Alguns relacionam esta orientação com o facto de o aumento do preço do petróleo exportado pela Rússia ter aumentado sensivelmente as receitas do Estado. (Cf. Nota 4)
13- Idem Nota 4. Além das diferenças salariais entre investigadores e técnicos há também diferenças importantes entre Institutos da ACR.


[*] Físico, investigador. Palestra proferida em 17/Outubro/2008 na Associação Portuguesa de Amizade e Cooperação Iúri Gagárin (antiga Associação Portugal-URSS).

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
24/Out/08