A nova carta neoliberal do governo PSD/PP
Recentemente foram apresentadas as conclusões de um estudo elaborado
pela multinacional americana de consultoria McKinsey, que tinha sido pedido
pelo actual Governo. Uma apresentação com pompa e
circunstância, em que estiveram presentes o primeiro ministro e o
ministro da Economia. O estudo tem o titulo pomposo de
Portugal 2010: Acelerar o Crescimento da Produtividade
, como se as soluções para todos os males
nacionais no campo da economia estivessem nele.
O próprio segundo título, «Conclusões e
recomendações transversais», é elucidativo dos seus
objectivos, já que esta multinacional americana arroga-se no direito de
fazer recomendações ao Governo, que este servilmente
seguirá. Por isso, interessa conhecer as partes mais significativas
dessas conclusões, até porque o governo tem-se recusado a tornar
público esse estudo, apesar de insistentemente solicitado, incluindo na
própria Assembleia da República por partidos políticos com
representação parlamentar, o que só pode ser interpretado
como o próprio Governo duvidar da sua consistência
científica e técnica.
OS «GAP» DE PRODUTIVIDADE SEGUNDO A MCKINSEY
Assim, de acordo com as conclusões desse estudo que não é
conhecido verifica-se um «gap» (diferença para menos) entre a
produtividade dos países mais desenvolvidos da União Europeia e
Portugal, que a empresa diz ser de 48 pontos porcentuais. De acordo com as mesma
conclusões um terço, ou seja, 16% devem-se a razões
estruturais (menor procura por habitante, reduzida dimensão do mercado
português, custos baixos do trabalho face ao do capital,
características geográficas do país), que por serem
estruturais dificilmente o Governo pode alterar.
No entanto, o resto do «gap», ou seja, a diferença de 32% para
menos da produtividade portuguesa, resulta de causas não estruturais que
o governo poderá eliminar, segundo a McKinsey, se aplicar as medidas que
ela propõe no estudo.
E quais são essas causas que a empresa McKinsey considera não
estruturais e que, por isso, devem ser removidas rapidamente pelo Governo, e
quais são as medidas que a empresa americana defende que sejam
implementadas em Portugal?
A ECONOMIA SUBTERRÂNEA,
PRINCIPAL CAUSA DA BAIXA PRODUTIVIDADE
Em primeiro lugar, aquilo que a McKinsey chama «informalidade», ou
seja, a chamada «economia subterrânea», que tem merecido a
adesão mais ou menos geral porque traduz efectivamente um problema grave
da economia portuguesa, embora não seja exclusivamente português
(também se verifica em outras economias europeias mas com menos peso).
Assim, de acordo com essas conclusões a «informalidade»
é a mais importante das causas de raiz responsáveis pelo
«gap» (diferença para menos) de produtividade portuguesa,
representando cerca de 28% do «gap não estrutural»(pág.
7 das «Conclusões»), o que corresponde a cerca de 9% do
«gap» (diferença para menos) da produtividade total portuguesa.
Isto prova, contrariamente ao que tem afirmado o patronato e o Governo,
nomeadamente Bagão Félix, para defender o código laboral,
que os culpados da baixa produtividade portuguesa não são os
trabalhadores. A própria multinacional americana contratada pelo Governo
reconhece que a principal causa da baixa produtividade está na economia
subterrânea cuja culpa não é dos trabalhadores, mas sim dos
empresários que vivem e se aproveitam deste submundo.
No entanto, o reconhecimento da importância da chamada
«informalidade» para a baixa produtividade portuguesa não
deverá ser utilizado, como acontece nas referidas conclusões,
para branquear a situação da chamada economia formal, aquela que
não é subterrânea, e que segundo as próprias
conclusões do estudo abrange mais de 73% da economia portuguesa.
Efectivamente, se é verdade que a baixa produtividade resulta
também do facto das empresas da chamada economia informal
(subterrânea) terem uma produtividade inferior às do sector formal
da economia, e que só conseguem sobreviver porque não pagam nem
impostos nem contribuições para Segurança Social, nem
cumprem os CCT, nem respeitam normas de qualidade, desenvolvendo assim uma
concorrência desleal em relação às outras empresas,
no entanto, contrariamente ao que pretendem sugerir as conclusões do
referido estudo, a fuga ao fisco e ao pagamento das contribuições
à Segurança Social, assim como o incumprimento das normas de
qualidade e dos CCT não se circunscreve apenas ao sector informal da
economia.
Para concluir isso, basta ter presente que mais de 70% das empresas portuguesas
não pagam impostos, por apresentarem sistematicamente prejuízos,
e a maioria delas não pertence à chamada economia informal. Para
chegar a esta conclusão, é suficiente recordar a existência
de milhares de empresas com dívidas à Segurança Social (no
fim do ano 2002, as dívidas das empresas à Segurança
Social atingiam 3000 milhões de euros - cerca de 600 milhões de
contos - segundo as declarações feitas a órgãos de
comunicação social pelo secretário de Estado da
Segurança Social que estava na altura em funções) e a
maioria delas não pertence à chamada economia subterrânea,
assim como empresas, mesmo grandes empresas, que não cumprem nem normas
de qualidade nem Contratos Colectivos de Trabalho (ex. empresas importantes do
sector têxtil em Guimarães).
ESQUECIMENTOS DO GOVERNO
Em resumo, uma parte importante das empresas que fogem ao fisco, que têm
dívidas à Segurança Social, e que não cumprem nem
normas de qualidade nem CCT em vigor pertencem ao sector formal da economia.
Portanto, o mal é muito mais geral do que aquilo que as
conclusões do estudo da McKinsey pretendem sugerir e tem de ser
combatido eficazmente quer no sector informal quer no sector formal da
economia, porque existem em ambos os sectores.
Para além disto, existe um aspecto importante que não consta das
conclusões da empresa McKinsey, mas que contribui bastante para a baixa
produtividade portuguesa.
Como se sabe a economia portuguesa é uma economia aberta, muito
dependente do exterior. E como reconheceu recentemente o próprio
ministro da Economia, muitos produtos portugueses são vendidos no
mercado externo a um preço inferior ao seu verdadeiro valor porque
não possuem nem uma marca nem um marketing que os valorize
adequadamente. E apresentou como exemplo o caso dos têxteis, em que
estrangeiros, pela simples associação da sua marca, conseguem uma
margem que calculou em 30%, portanto muito superior à dos
próprios produtores. Como se sabe, o indicador de produtividade
utilizado pela Mckinsey para determinar o «gap» da produtividade da
economia portuguesa é em valor (euros ou dólares). É
estranho que esta razão que, segundo o próprio ministro da
Economia, tem grande peso no caso português, contribuindo grandemente
para a baixa produtividade portuguesa, não tenha sido estudada pela
empresa Mckinsey e tenha sido simplesmente ignorado, pois não consta das
conclusões apresentadas.
É importante e significativo recordar que apesar da economia
subterrânea ou «informal» ser uma das causa das baixa
produtividade portuguesa como afirma a McKinsey, e que por isso o combate a
evasão e à fraude fiscal devia constituir um objectivo importante
do Governo este, aquando do debate do OE2004, esqueceu-se completamente deste
ponto.
LIBERALIZAR AINDA MAIS O MERCADO
DEFENDE A MCKINSEY
De acordo com as conclusões do estudo da McKinsey, 13% da
diferença para menos observada na produtividade portuguesa (13% do
«gap» «não estrutural» corresponde a 4,1% do
«gap» total) deve-se a «restrições associadas
à regulamentação de mercados/produtos» (pág.
7), embora também isso não se prove.
E entre essas restrições que devem ser abolidas rapidamente pelo
Governo segundo o estudo da McKinsey incluem-se (págs. 12 e 13) -
(1) As restrições à abertura das grandes
superfícies comerciais (como estas têm uma produtividade superior
ao pequeno comércio logo, segundo o estudo, liberalizando-se as
primeiras e destruindo-se os segundos pequeno comércio a
produtividade aumentaria);
(2) As restrições em matérias de preços (o estudo
da McKinsey defende a alteração da lei que proíbe a venda
de produtos com prejuízo, pois isso é importante para as grandes
empresas destruírem os concorrentes e assim ficarem com o controlo de
todo o mercado, para poderem depois impor os preços que quiserem);
(3) As restrições de natureza operacional (é preciso
acabar, segundo o estudo da McKinsey, com a proibição de fechar
temporariamente empresas, por ex., hotéis, durante os períodos de
baixa de mercado);
(4) As restrições no mercado do arrendamento
(é preciso «liberalizar o mercado», segundo as
conclusões do estudo da McKinsey, pág.13).
Em suma, liberalizar a entrada das grandes superfícies, liberalizar
totalmente os preços, permitir o fecho total das empresas durante os
períodos de baixas de vendas, liberalizar as rendas, eis as
recomendações dadas pela multinacional ao governo PSD/PP. Este,
como bom aluno, procurará implementá-las. A prová-lo esta
a proposta de lei sobre as grandes superfícies noticiada já em
vários órgãos de comunicação social.
PRIVATIZAR A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA,
DEFENDE A MCKINSEY
Em relação à Administração Pública,
as conclusões do estudo da McKinsey, embora reconheça que ela
emprega menos trabalhadores que a média verificada nos países da
UE dos 15 (15% do total de emprego em Portugal, quando a média na UE
atinge os 18%), mesmo assim culpabiliza os serviços públicos de
contribuírem com 22% para o «gap» (diferença para
menos) «não estrutural» (o que corresponde a 7,9% do «gap
total») da produtividade portuguesa. E embora não prove como chegou
a estes valores, com base em tais conclusões a empresa McKinsey
recomenda que o Governo faça uma «Reforma do Sector
Público» que, segundo ela, devia passar nomeadamente por
«rever o âmbito dos serviços públicos, analisando com
rigor as oportunidades de privatização e de
participação do sector privado» (pág. 19 das
Conclusões). Portanto, privatizar a administração
pública é a palavra de ordem que a McKinsey dá ao governo
PSD/ PP.
DESREGULAMENTAR TOTALMENTE AS RELAÇÕES DE TRABALHO, DEFENDE A
MCKINSEY
Mas é na legislação laboral que, à
semelhança do governo e das entidades patronais, a empresa americana
Mckinsey mais se atira nas conclusões que apresentou, considerando-a
como altamente «restritiva». De acordo com ela, «a
legislação laboral portuguesa é uma das mais restritivas a
nível mundiais, com Portugal a ocupar o 83º lugar entre 85
países em termos de leis gerais de trabalho e o 84º também
entre 85 países em termos de relações industriais»,
ou seja de contratação colectiva (pág. 20 das
Conclusões), culpabilizando esta situação que segundo ela
existe em Portugal a nível da legislação laboral «por
13% do gap não estrutural do País» (o que explica, segundo a
McKinsey, 4,7% da diferença para baixo da produtividade portuguesa;
pág. 7 das Conclusões).
E dentro da legislação laboral, o ódio de classe da
McKinsey concentra-se na contratação colectiva,
responsabilizando-a pela baixa produtividade portuguesa já que, segundo
ela, «a legislação laboral é relativamente
rígida, a nível dos acordos de contratação
colectiva sectoriais (por ex., ACTs, CCTs) pelos quais se rege cerca de 80% do
emprego do País». A «segurança no emprego e os
mecanismos de promoção automática reduzem os incentivos ao
crescimento da produtividade por parte dos trabalhadores»; «a
legislação laboral restringe a capacidade de Portugal para atrair
novo investimento directo português»; e «os custos associados
à mobilidade laboral estimulam o emprego improdutivo em sectores em
crescimento» (págs. 19 e 20 das Conclusões do estudo da
Mckinsey). O governo não podia obter da McKinsey maior
justificação para o Pacote Laboral, até parece que foi
elaborada por medida.
A MCKINSEY DESRESPONSABILIZA O PATRONATO
É sintomático e mesmo revelador do espírito de classe que
percorre todas as conclusões do McKinsey que relativamente ao que chama
«legado industrial» ou «herança industrial», que
inclui nomeadamente a «escassez de capacidade de
gestão/técnicas», ela, segundo aquela multinacional,
não contribua em nada para a baixa produtividade portuguesa (pág.
22), portanto surpreendentemente os patrões portugueses são
desresponsabilizados pela baixa produtividade e competitividade das empresas
que dirigem.
E isto quando a quase da totalidade dos estudos que tratam desta matéria
considerem que a baixa qualificação e capacidade de gestão
da maioria dos empresários portugueses constitui uma das razões
mais importantes da baixa produtividade e competitividade da generalidade das
empresas portuguesas e um dos obstáculos mais importantes à
superação da actual situação de atraso da Economia
Portuguesa (recorde-se que cerca de 80% dos empresários portugueses
têm apenas o 3º ciclo básico ou menos), e à
substituição do actual modelo de desenvolvimento baseado em
trabalho pouco qualificado e mal remunerado, por um modelo baseado em trabalho
qualificado e pago de acordo com os padrões médios da UE15.
Esta parcialidade evidente em relação a uma das causas mais
importante da baixa produtividade da economia portuguesa e do atraso nacional,
que até é reconhecida por muitos empresários portugueses,
agrava as duvidas legitimas sobre a consistência técnica e
científica do estudo elaborado pela empresa americana McKinsey, que o
próprio Governo continua a recusar tornar público.
[*]
Economista
O original encontra-se em
http://www.avante.pt/noticia.asp?id=3172&area=19
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
.
|