Agravamento das desigualdades em Portugal
por Eugénio Rosa [*] Neste momento, o discurso habitual quer do governo quer das entidades patronais, quer do próprio governador do Banco de Portugal, e mesmo de muitos órgãos de comunicação social, é que a crise que enfrenta o nosso País exige sacrifícios, mas do que normalmente acabam por referir é sobre a "necessidade de contenção salarial", ou seja, de sacrifícios sim mas apenas para os trabalhadores. E um dos argumentos mais matraqueados é que a produtividade dos trabalhadores portugueses é muito baixa, procurando assim fazer pensar que a culpa da baixa produtividade é dos trabalhadores. Interessa, por isso, continuar a desmontar este discurso governamental e patronal. Num estudo anterior provamos que, tendo em conta os salários que recebem os portugueses, a produtividade dos trabalhadores portugueses até é superior à que se verifica na maioria dos países da União Europeia. No entanto, a produtividade referida no estudo anterior foi calculada tendo como base a população total. No entanto, o mais correcto seria fazê-lo com base na população empregada, ou seja, tomando como base os que estão ligados directamente à produção da riqueza. Os dados do quadro I, que a seguir se apresenta, e que estão disponíveis no "site" do Eurostat, o valor da produtividade já foi calculada tendo como base a população empregada, ou seja, a que trabalha e produz. E como rapidamente se verá as conclusões a que se chegam são idênticas às que contam do estudo anterior. QUADRO I Produtividade e salários em Portugal e nos países da União Europeia
.Assim se compararmos os dados da 3ª coluna a contar da esquerda Produtividade dos outros países em relação à Portuguesa com os dados da 5ª coluna também a contar da esquerda Comparação do salários médio dos outros países com o de Portugal concluímos rapidamente que o salário médio dos outros países é superior ao salário medido português muito mais do que a produtividade dos outros países é superior à produtividade portuguesa. Por exemplo, o salário médio no Luxemburgo é superior ao salário médio português em 166%, enquanto a produtividade por empregado é apenas superior em 107%; o salário médio na Irlanda é superior ao português em 102%, enquanto a produtividade é apenas em 90%; o salário médio na Dinamarca é superior ao salário médio português em 194%, enquanto a produtividade por empregado é superior apenas em 56%; o salário médio na Bélgica é superior ao português em 170%, enquanto a produtividade por empregado é apenas superior em 91%; o salário médio na Alemanha é superior ao português em 181%, enquanto a produtividade é superior em apenas 55%; e assim sucessivamente. E isto é considerado o salário médio português referido pela OCDE. Se no lugar de consideramos o valor da OCDE, consideramos a remuneração media que se obtém dos quadros de pessoal que são tratados pelo Ministério da Segurança Social e do Trabalho a diferença é ainda maior . E foi isso que fizemos e que consta da última coluna à direita do quadro. E isto porque a remuneração média dos quadros de pessoal em 2002 (calculamos o valor de 2002 com base no de 2001 já publicados acrescentando um aumento de 4,9%); repetindo, e isto porque a remuneração média que se obtém nos quadros de pessoal é apenas de 11.478 euros por ano, e não os 12.425 euros considerados pela OCDE para Portugal como consta do quadro I. Em resumo, os dados do quadro I permitem tirar duas conclusões extremamente importes que desmentem o discurso oficial e patronal. Em primeiro lugar, tendo em conta os salários que recebem, a produtividade dos trabalhadores portugueses, em termos relativos, até superior à produtividade dos trabalhadores dos outros países da União Europeia. Em segundo lugar, os valores mais elevados de produtividade estão sempre associados a salários mais elevados, não sendo por isso legitimo esperar aumentar significativamente a produtividade em Portugal sem aumentar simultaneamente o nível de remunerações que continua a ser o mais baixo de toda a União Europeia. REPARTIÇÃO DA RIQUEZA CADA VEZ MAIS INJUSTA Outro argumento muito habitual no discurso governamental e patronal é que não se pode aumentar os salários porque a massa salarial já é incomportável tendo em conta a riqueza produzida. Os dados oficiais do Banco de Portugal que estão disponíveis no "site" deste organismo mostram claramente que os baixos salários que vigoram no nosso País têm provocada uma profunda desigualdade na repartição da riqueza produzida em Portugal. O quadro II que se apresenta seguidamente, construído com dados do Banco de Portugal, mostra precisamente a dimensão dessa grave realidade social nacional. QUADRO II Percentagem que "Ordenados e Salários " e
"Lucros Brutos "
Os dados do quadro II mostram um claro e rápido agravamento da repartição da riqueza crida em Portugal nos últimos anos. Como se sabe , o valor do Produto Interno Bruto dá precisamente o valor da riqueza que é criada em cada ano num país, o qual é depois repartido pelos diversos intervenientes no processo produtivo. De acordo com os dados do quadro II que foram publicados pelo próprio Banco de Portugal, em 1973, portanto no ano anterior à Revolução de Abril , a parte do rendimento nacional que os trabalhadores portugueses recebiam sob a forma de "Ordenados e Salários " representava apenas 47,4% do Produto Interno Bruto. Em 1974, com a Revolução de Abril, essa parte subiu para 52,5%, tendo atingido em 1975 o maior valor de sempre, que foi 59% do PIB. A partir deste ano, a parte que cabe aos trabalhadores começou a decrescer atingindo em 1995 apenas 35% do PIB segundo dados do Banco de Portugal, e ,no ano 2002, menos de 37% segundo uma estimativa feita com base em dados do Banco de Portugal, portanto um valor bastante inferior ao que se verificava mesmo antes do 25 de Abril como mostram também os dados do quadro II. Por outro lado, o chamado "Excedente Bruto de Exploração" , ou seja, os lucros brutos têm aumentado. Em 1975, representava apenas 24,3% do Produto Interno Bruto, enquanto em 1995 já atingia os 39,8% , ou seja, um valor superior ao verificado mesmo antes de 25 de Abril em 1973 representava 37,1% - como provam os dados publicados pelo Banco de Portugal. Contrariamente ao que afirma o discurso governamental e patronal, existe riqueza em Portugal, o que sucede é que ela está cada vez mais mal distribuída. A REPARTIÇÃO DA RIQUEZA EM PORTUGAL De acordo com o estudo "Income, Inquality ande Poverty" (Rendimento, Desigualdade e Pobreza) do Serviço de Estudos e Desenvolvimento Metodológico do Instituto Nacional de Estatística com a data de Junho de 2002, portanto um estudo recente avalizado pelo organismo oficial nacional de estatística, 20% da população portuguesa com rendimentos mais baixos recebe apenas 5,9% do rendimento líquido nacional, enquanto os 20% mais ricos recebem 44,9% do rendimento liquido nacional. Isto significa que os 20% mais ricos recebem 7,6 vezes mais do que aquilo que recebem os 20% mais pobres (pág 29, do estudo). Se compararmos este dado com a média da União Europeia a conclusão é assustadora em termos da profunda desigualdade ainda existente no nosso País. Assim, de acordo com dados do Eurostat a média na União Europeia é de 4,6 vezes (ver http://europa.eu.int/comm/eurostat "Cohesion sociale) , ou seja, os 20% mais ricos recebem 4,6 vezes mais do recebido pelos 20% mais pobres ( em Portugal, a relação é 7,6 , portanto quase o dobro). Para além do referido anteriormente, este estudo INE também revela que os 10% da população portuguesa mais ricos existentes auferem 29% do rendimento liquido do País, enquanto os 10% mais pobres apenas recebem 2,2%, ou seja, os 10% mais ricos recebem 13 vezes mais do que os 10% mais pobres. Finalmente o mesmo estudo do INE ainda conclui que a pobreza subjectiva atinge cerca de 35% da população portuguesa masculina e 44% da população portuguesa feminina (pág. 44). Os dados apresentados parecem suficientes para mostrar as profundas desigualdades que continuam a existir em Portugal, e que urge alterar rapidamente. DESIGUALDADES E CRISE ECONÓMICA A profunda desigualdade que se continua a verificar em Portugal a nível da repartição do rendimento, que os dados oficiais referidos anteriormente provam de uma forma clara, constitui também um importante obstáculo ao desenvolvimento do País e é também um factor que contribui para agravar a crise actual que Portugal enfrenta. Efectivamente, a actual crise que abala todo o sistema capitalista mundial, e também Portugal, é uma crise de excesso de produção, não relativamente às necessidades das pessoas, mas sim em relação ao poder de compra da maioria da população. Em Portugal este facto é claro e de fácil compreensão. Durante muitos anos, a extrema desigualdade na repartição dos rendimentos, que contribuía também para que o poder de compra da maioria da população fosse insuficiente para a cobrir as suas necessidades, foi atenuado pelo recurso ao endividamento. Tal facto determinou que o endividamento dos portugueses tenha atingido no fim de 2002, segundo o Banco de Portugal, o correspondente a cerca de 103% do rendimento disponível, isto é, se os portugueses tivessem de pagar num único ano o que pediram emprestado, todo o seu rendimento de um ano seria insuficiente para pagar as suas dividas. Mas como é evidente, o endividamento tem limites, até porque há que pagar todos os anos encargos a divida que incluem os juros e as amortizações dos empréstimos pedidos, e se os empréstimos aumentarem os encargos destes tornam-se cada vez mais incomportáveis para a maioria das famílias portuguesas. A conjugação destes dois factores uma profunda desigualdade na repartição do rendimento que contribui também para que o poder de compra da maioria da maioria da população portuguesa seja muito baixo e limitações a um maior e continuado recurso ao crédito teve consequências graves e imediatas no mercado interno, que deixou de crescer ao ritmo a que se estava a verificar, e que era base do desenvolvimento do País, tendo-se contraído fortemente o que está a causar neste momento dificuldades acrescidas ao escoamento (venda) da produção por um número crescente de empresas. É evidente que a panaceia apontada por Cavaco da Silva e logo a seguir pelo governo de que a "salvação nacional" está no turismo é uma falsa solução que acabará por não resolver de uma forma efectiva os verdadeiros problemas do nosso País, até porque a maioria da actividade turística desenvolvida em Portugal (o chamado "turismo de sol e praia"), tal como sucede com a construção civil, caracteriza-se na sua maioria por baixas remunerações, precariedade, e reduzida qualificação. Um novo modelo de desenvolvimento económico para Portugal tem que assentar em trabalho qualificado, com remunerações que se aproximem da média da U.E., e em segurança no emprego. E é evidente que esse modelo só será também possível com uma repartição muito mais justa da riqueza do que aquela que se verifica em Portugal actualmente, pois essa repartição diferente é condição indispensável para a existência de um mercado interno em crescimento continuado que é a base do desenvolvimento efectivo de qualquer país. Uma economia dinâmica pressupõe e exige um mercado interno em crescimento o que só é possível também com uma melhor repartição do rendimento, à semelhança do que já se verifica em vários países da União Europeia.
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13/Jun/03