A derrubada do governo fascista-colonialista em 25 de Abril de 1974 e a
situação de Portugal hoje
Sr. Presidente da Câmara Municipal do Porto.
Minhas Senhoras e meus Senhores.
Desejo felicitar o Sr. Presidente e a Câmara Municipal pela iniciativa
que tiveram em promover este ciclo de conferências.
Desejo, igualmente, afirmar que me sinto honrado com o convite que me foi
dirigido e que é com muito prazer que aqui estou.
Em 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas derrubou o
governo fascista-colonialista que oprimia o nosso povo e os povos das
colónias portuguesas.
Nesse mesmo dia verificou-se um vigoroso, entusiástico, e
espontâneo levantamento popular e nacional que desencadeou um processo de
transformação do golpe militar numa revolução.
A Revolução de Abril foi a mais profunda e a mais popular das
revoluções portuguesas. Trouxe ao povo português, às
suas classes mais desfavorecidas, as maiores conquistas democráticas da
sua história de mais de oito séculos.
A Revolução de Abril pôs fim à guerra colonial e deu
um impulso decisivo na criação de condições para a
independência não neo-colonialista de Moçambique, Cabo
Verde, São Tomé e Príncipe, Angola e Guiné-Bissau
(este país já tinha proclamado a sua independência numa
parte do seu território).
Instaurou um regime de amplas liberdades, garantias e direitos
políticos, cívicos, culturais, sindicais e laborais.
Com a nacionalização da banca e das companhias de seguros, dos
sectores básicos da produção, das principais empresas de
transportes e comunicações, destruiu as bases do capitalismo
monopolista de estado e os grupos económicos monopolistas, que dominavam
a economia e a política portuguesa antes do 25 de Abril. Pôs fim
ao condicionamento industrial permitindo que os empresários tivessem
liberdade de investimento.
Com a criação de um sector público de peso determinante no
funcionamento da nossa economia e na regulação do mercado e no
comércio externo, foram abertas perspectivas de um desenvolvimento
económico-social orientado, basicamente, por critérios de
satisfação das necessidades materiais e culturais da nossa
população e das suas mais legítimas
aspirações.
Face aos nossos atrasos, deficiências e debilidades, abriu-se a
oportunidade de reestruturar profundamente o tecido económico e social e
de garantir o progresso.
A Revolução de Abril criou condições para profundas
transformações sócio-económicas nos campos, com a
expropriação dos latifúndios e a realização
da reforma agrária dando origem à constituição de
unidades colectivas de produção constituídas por
trabalhadores assalariados rurais, pequenos e médios
proprietários, com a aprovação de uma nova lei de
arrendamento rural, com a devolução aos povos de terrenos baldios
(de tradição centenária), com o desenvolvimento do
cooperativismo, com a transformação dos antigos organismos
corporativos e de coordenação económica, em estruturas
para o desenvolvimento agrícola ao serviço dos agricultores e dos
trabalhadores rurais assalariados.
A Revolução de Abril promoveu melhores condições de
vida para os trabalhadores e para as mais vastas camadas da
população com a elevação de salários, com a
institucionalização do salário mínimo, reformas,
pensões mínimas, segurança social, alargamento do
período de férias para trinta dias, férias pagas, 13º
mês, licença de parto, redução do horário de
trabalho, protecção no desemprego, e uma mais justa
repartição do Rendimento Nacional entre o capital e o trabalho.
A Revolução de Abril promoveu transformações
progressistas no ensino sem paralelo na nossa história (um
extraordinário acesso à frequência escolar, a
unificação do ensino básico, gestão
democrática das escolas, novos programas de estudo), na saúde,
através da criação de um Serviço Nacional de
Saúde universal e gratuito, na cultura e no desporto.
Todas estas transformações tiveram a orientação
geral de democratizar a vida social, de promover o exercício dos
direitos dos cidadãos e de estimular a participação
popular.
No domínio das relações internacionais, Portugal deixou de
ser um país isolado e submetido aos interesses do imperialismo passando
a praticar uma política de abertura e diversificação das
relações internacionais, e assumindo uma política de
independência nacional.
Portugal passou a agir como país independente assumindo o seu
próprio rumo quer no respeitante ao processo de
descolonização, quer na condução da sua
política interna.
É de salientar que o processo da Revolução de Abril
mostrou que a liquidação do poder económico dos grupos
monopolistas e do latifúndio era uma condição
necessária para a instauração de uma autêntica
democracia política.
Mentiu-se, e continua a mentir-se demagogicamente, com deliberados objectivos
políticos e ideológicos e de interesses de classe, acerca da
política económica que estava sendo posta em prática, numa
situação com as características de uma
situação revolucionária, naturalmente agitada e de grandes
contradições sociais.
Mas a verdade é que essa política se mostrou adequada à
situação em que se vivia, no contexto internacional da crise
capitalista de 1973-75, a maior do pós-guerra.
Para que não se esqueça, cito as declarações
esclarecedoras, mas deliberadamente ocultadas da opinião pública,
da missão da OCDE que se deslocou a Portugal de 15 a 20 de Dezembro de
1975, composta por Rudingen Dornbush, Richard Ekaus e Lance Taylor, do
Departamento de Economia do Massachussets Institute of Tecnology (MIT):
Parece ser opinião virtualmente unânime em Portugal que houve um
catastrófico declínio da actividade económica no segundo
semestre de 1974 e durante o ano de 1975.
Em face de tão sombrias perspectivas, pode ser encarado como
injustificado optimismo sustentar que, embora a situação seja
muito fluida, no princípio de 1976, a economia portuguesa está
surpreendentemente saudável.
Se há uma potencialidade perigosa para novos declínios reais no
produto e no rendimento, mais desemprego e inflação há,
também, a potencialidade para uma forte recuperação.
Para um país que recentemente passou através de reforma sociais,
um mar de mudanças na sua posição no comércio
externo e seis governos revolucionários nos últimos dezanove
meses, Portugal goza, inesperadamente, de boa saúde económica.
Se o produto real caiu claramente em 1975, o declínio não foi
precipitado: a melhor estimativa é de uma diminuição de 3%
no produto interno bruto (PIB). Em comparação com outros
países da OCDE, a experiência portuguesa não parece muito
pior que a média.
De facto, o desempenho da sua economia foi extremamente robusto quando as
incertezas políticas de 1975 são levadas em conta.
Em comparação o declínio do PIB nos Estados Unidos foi de
cerca de 3%, da Alemanha Ocidental próximo dos 4% e da Itália
quase 4,5%
Aquilo que para os autores do relatório era surpreendente não o
era para os responsáveis pela política económica dos
governos provisórios.
Foram, precisamente, as mudanças estruturais, a
nacionalização da banca e dos seguros, dos sectores
básicos da produção, das principais empresas de
comunicações e transportes, a reforma agrária, a
participação dos trabalhadores, as melhorias salariais, a
intervenção do Estado nas empresas em dificuldades, que salvaram
a nossa economia do colapso.
Ao longo do processo histórico da Revolução de Abril foi
surgindo, nas suas linhas gerais, um modelo de transição
pacífica, democrática e pluralista para o socialismo. Este modelo
foi sendo elaborado nas condições políticas,
económicas, sociais e culturais do nosso país, fortemente
determinadas pela participação popular, pela existência do
MFA, pela aliança Povo-MFA, na dinâmica de uma acesa luta de
classes, no contexto da crise da economia capitalista dos anos de 1973-75, e
das relações internacionais caracterizadas pela guerra fria.
O modelo foi surgindo às claras, sem mentiras, e correspondeu ao
programa do MFA, à opção socialista do MFA, aos dois
pactos MFA-Partidos, aos enunciados de política económica e
social feitos pelo IVº Governo Provisório nas assembleias do MFA de
11 de Abril e 19 de Maio de 1975, às conquistas democráticas e
revolucionárias, até à queda do Vº Governo
Provisório, às ideias e aos trabalhos da maioria dos deputados
constituintes e à decisão da Assembleia Constituinte e do
Presidente da República, que era também Presidente do Conselho da
Revolução.
Foi consagrado na Constituição da República Portuguesa de
1976.
Pelo modo como foi elaborado, e pela sua própria natureza, este modelo
de reeorganização da sociedade a caminho da
transição para o socialismo, era necessariamente diferente de
todos os anteriormente ensaiados.
A Constituição da República Portuguesa, de 1976 foi uma
criação do 25 de Abril e da revolução que aí
se iniciou e o socialismo a que a Constituição se refere
não é, uma qualquer forma de capitalismo reformado, é a
superação do capitalismo.
A Constituição foi promulgada em 2 de Abril de 1976, portanto
depois do 25 de Novembro de 1975, quando estava em curso uma mudança de
correlação de forças políticas e sociais, civis e
militares, contrária ao conteúdo revolucionário das
conquistas de Abril.
A aprovação e promulgação da
Constituição ainda foram possíveis devido ao impulso que
as conquistas democráticas haviam dado ao 25 de Abril, aos
esforços dos militares que ainda conseguiram fazer aprovar a 2ª
Plataforma de Acordo Constitucional MFA-Partidos, à vontade da maioria
dos deputados da Assembleia Constituinte que elaboraram o texto constitucional
e à posição tomada pelo Presidente da República,
que no próprio dia da aprovação do texto se deslocou
à Assembleia Constituinte para nela, imediatamente, o promulgar.
A mudança de correlação de forças que acima referi,
teve múltiplas causas das quais são de salientar:
-
as divergências e oposição de interesses entre democratas
que haviam estado unidos, embora com muitas dificuldades, contra a
política do regime e posteriormente unidos no apoio ao MFA e à
Revolução.
-
o agravamento da luta de classes.
-
o desenvolvimento de uma ofensiva ideológica e psicológica bem
sucedida contra o MFA, tendo por base o anticomunismo, a
identificação dos sectores revolucionários do MFA com os
comunistas, agitando o papão de uma nova ditadura, consubstanciada,
invocavam, nas profundas mudanças nas estruturas
sócio-económica que vinham sendo realizadas, nomeadamente, nas
estruturas da propriedade.
-
as divisões profundas dentro da esquerda do MFA, com o surgimento do
Grupo dos Nove
, o que era uma resultante da persistente influência da ideologia
burguesa e pequeno-burguesa entre os militares, e dos resultados eleitorais
para a Assembleia Constituinte.
-
o propósito dos partidos vencedores das eleições para a
Assembleia Constituinte de impedirem a consolidação das
conquistas alcançadas, em flagrante negação dos seus
proclamados objectivos socialistas ou socializantes e da sua assinatura posta
na plataforma de acordo constitucional com o MFA.
-
a permanência da ideologia burguesa ou pequeno-burguesa entre a maioria
dos trabalhadores portugueses e dos militares.
-
a situação antidemocrática existente em grandes
áreas do país.
-
a permanência da larga influência dos sectores mais conservadores e
retrógrados e até caciqueiros do clero.
-
a limitada consciencialização política do nosso povo.
-
o apoio dado à contra-revolução pela social-democracia
internacional, a democracia cristã internacional e o imperialismo.
Desde 1976, de um modo geral, todos os governos, com maior ou menor
intensidade, têm praticado uma política
contra-revolucionária, uma política de direita de acordo com os
interesses económico-financeiros e políticos do grande capital
dominante, no nosso país, por sua vez cada vez mais estreitamente ligado
e dependente do grande capital transnacional, e portanto dos interesses
dominantes nos países mais poderosos da União Europeia e nos
Estados Unidos.
Em contraste com o ordenamento económico-social da
Constituição de 1976, em contraste com as perspectivas de futuro
para Portugal, que a Revolução de Abril abriu, a política
que tem sido levada à prática pelos sucessivos governos
constitucionais tem sido determinada pelo neo-liberalismo, nas
estratégias e nas acções quotidianas, quer quanto
às decisões estruturais, quer quanto às decisões
conjunturais, nos diversos domínios da actividade política,
económica, social, cultural, das relações externas, da
comunicação social e das Forças Armadas.
Devo dizer que estou a referir-me a linhas de fundo de acção
política e que tenho consciência de que nesses governos
participaram individualidades que não perfilhavam a
orientação neo-liberal, das quais devo destacar a Srª
Eng.ª Maria de Lurdes Pintassilgo.
A política seguida há quase 30 anos é profundamente
diferente daquela para que apontavam as conquistas de Abril.
As conquistas de Abril eram um caminho para o futuro de Portugal.
E elas continuam a ser, devidamente ponderadas, analisadas e adaptadas, um
objectivo para esse futuro, face às novas realidades do nosso
país e do mundo.
Não se trata de uma posição voluntarista mas realista,
face às tremendas e, para alguns, inultrapassáveis realidades
actuais.
Procura-se diminuir drasticamente o papel do Estado quer nas
funções de regulamentação do mercado, quer na
orientação estratégica do desenvolvimento
económico-social, quer na correcção das desigualdades da
distribuição da riqueza nacional, que, pelo contrário se
agravam.
Procura-se reduzir a intervenção do Estado na
prestação de serviços infra-estruturais públicos,
na Saúde, no Ensino, na Segurança Social, na
Habitação, na Cultura, no Desporto, na defesa do meio ambiente e
do próprio património nacional.
Menos Estado social, mas maior utilização do papel do Estado para
garantir a regulamentação da
«desregulamentação» favorável aos interesses do
capital e desfavorável aos dos pequenos e médios produtores e das
classes trabalhadoras.
O neo-liberalismo tem provocado o agravamento das desigualdades, o que é
uma das suas características estruturais.
Provoca o aumento do desemprego, a desindustrialização, a
degradação e ruína da agricultura e das pescas, a
degradação do ambiente, a mercantilização de todas
as actividades da sociedade.
O neo-liberalismo é incompatível com a justiça social.
A política de privatizações da propriedade pública,
um dos fundamentos da política de contra-revolução, tem
decorrido em três fases, ajustadas aos interesses do grande capital, e
à necessidade que este tem de preparar sucessivamente a opinião
pública com vista a diminuir a intensidade da sua
oposição.
Na primeira fase, já muito avançada, a privatização
das empresas públicas industriais e financeiras.
A segunda, tem por objectivo os serviços públicos
infra-estruturais, água, energia, transportes e
comunicações, começando pela privatização do
estatuto jurídico a que se seguirá a privatização
do capital social das empresas.
Esta fase está em curso e tem encontrado resistência,
aliás, como a primeira, por parte dos assalariados e da opinião
pública.
A terceira fase, hoje bem visível por todos nós, tem por objectivo
a privatização de serviços públicos de natureza
não empresarial, como a educação, a saúde e a
segurança social.
A situação do país é caracterizada hoje,
fundamentalmente, por:
-
uma economia em recessão;
-
uma política orçamental restritiva, não favorável
ao investimento produtivo e nos serviços relativos à
satisfação de necessidades e de carências fundamentais como
no Ensino e Educação, Saúde, Segurança Social,
Cultura, Defesa do Ambiente.
-
uma política inteiramente subordinada às condições
do Pacto de Estabilidade, não atendendo às consequências
sociais do seu cumprimento na actual situação do país.
-
um modelo de desenvolvimento com base na exploração de mão
de obra barata e de baixa qualificação.
-
degradação das condições do emprego e crescente
aumento do desemprego;
-
queda real dos salários e de muitas pensões de reforma;
-
queda do poder de compra do salário mínimo;
-
aumento dos preços dos produtos acima da inflação.
-
excessivo endividamento das famílias e das empresas.
-
a degradação da situação financeira da
Segurança Social, quer porque há menor crescimento das
contribuições (contenção dos salários,
desemprego), quer por crescente despesa com o pagamento do subsidio de
desemprego, quer pelo volume dos fundos de pensão que passa para o
domínio do capital privado;
-
agravamento das desigualdades sociais. Portugal é o país da UE em
que os rendimentos dos 20% mais ricos são 7 vezes superiores aos
rendimentos dos 20% mais pobres.
-
degradação do Serviço Nacional de Saúde.
-
Diminuição da taxa de escolarização em todas as
idades potencialmente escolarizáveis, bem como insucesso e abandono
escolares em escala preocupante.
-
fraude e evasão fiscal.
-
aceitação do processo em curso de federalização da
União Europeia que visa a aprovação de uma
constituição para UE. Um processo que tornaria ainda mais
periférica sob todos os aspectos, a posição de Portugal no
seio da UE.
-
aceitação submissa da política de hegemonia
económica da Península Ibérica, que a Espanha vem,
paulatina e calculadamente, fazendo.
-
extinção do Serviço Militar Obrigatório e
transformação das F.A.'s numas F.A.'s de contratados, em tempo de
paz.
-
Aprovação de um novo Conceito Estratégico de Defesa
Nacional, moldado no conceito da NATO.
Face a esta situação que política nacional é
necessária?
Uma política absolutamente contrária à política de
direita que tem governado o nosso país desde 1976.
Uma política que garanta o cumprimento do ordenamento económico,
social, político e cultural da Constituição que,
não obstante as graves alterações sofridas em
consequência de sucessivas revisões constitucionais,
contém, ainda, um estatuto institucional, cujo conteúdo permite a
execução de uma política de desenvolvimento, no sentido da
satisfação das mais legítimas aspirações da
grande maioria da nossa população.
Aspirações à justiça social, ao bem estar, à
equidade social e ao progresso, no sentido e de abrir
abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do
povo
português, tendo em vista a construção de um país
mais livre, mais justo e mais fraterno.
Cito o preâmbulo da Constituição revista em 1997.
Precisamos de uma política económico-social que tenha por objecto
o desenvolvimento, em todos os aspectos, da vida da sociedade, a melhoria do
nível de vida das classes mais desfavorecidas, e o controlo apertado e
firme dos grandes grupos económicos e do investimento estrangeiro.
Portugal necessita de um novo modelo de desenvolvimento que abandone o modelo
de produção baseado na utilização de mão de
obra barata e de baixa qualificação e que tenha por base:
-
uma reorientação na política de investimento;
-
um grande esforço no investimento público, o qual deverá
ser utilizado como instrumento importante de revitalização da
actividade económica e da criação de um clima de
confiança.
-
uma melhoria significativa da formação profissional e da
qualificação da população empregada, o que implica:
-
um nítido aumento da escolaridade e um combate eficaz ao abandono
escolar.
-
uma reforma de todo o sistema do ensino superior, adequando-o às
necessidades de desenvolvimento do país.
-
uma formação profissional contínua, garantida pelo Estado
e pelas empresas.
-
um aumento substancial em Investigação e Desenvolvimento quer por
parte do Estado quer dos empresários privados. Em Portugal este
investimento é 0,76% do PIB, enquanto na UE é de 2,84.
Portugal necessita de um modelo que não permita que o capital
estrangeiro se venha a apropriar de sectores estratégicos para o nosso
desenvolvimento, como tem acontecido com a política das
privatizações.
Assistimos, em particular, a uma ofensiva global do capital espanhol,
transnacional: financeira e comercial, com consequências graves em quase
todos os domínios da vida nacional.
Trata-se de uma ameaça à nossa própria identidade.
A Espanha é o primeiro parceiro comercial de Portugal, sendo Portugal o
quinto da Espanha. As exportações espanholas para Portugal
são superiores à soma de todas as suas exportações
para a América Latina.
As nossas cedências conduzem a oferecer à Espanha possibilidades
concretas de vir a transformar a hegemonia económica em
dominação política, o que deve ser rejeitado com a maior
firmeza.
Um modelo de desenvolvimento que possa garantir a existência das empresas
rentáveis, e que estão sendo levadas à falência,
não só por má gestão, falta de iniciativa, falta de
recursos, como pela concorrência internacional desigual, em
consequência da abertura de fronteiras à livre
circulação de capitais, mercadorias e serviços, quer no
quadro da nossa pertença à União Europeia, quer devido
à pressão de organismos internacionais, como a
Organização Mundial do Comércio, o que beneficia
determinantemente os países altamente industrializados.
É necessário pôr fim à política de
privatizações, salvando o que resta do sector público
empresarial, consolidadndo-o e promovendo o seu desenvolvimento e a sua
expansão.
Não privatizando, de modo directo ou indirecto, serviços
públicos infraestruturais que sejam fundamentais para a
satisfação de necessidades básicas dos cidadãos,
como por exemplo, água, gás, electricidade, remoção
e tratamento de lixos e resíduos sólidos, etc.
É crucial um grande esforço no investimento público, o
qual deverá ser utilizado como instrumento importante de
revitalização da actividade económica e da
criação de um clima de confiança.
A salvaguarda do papel do Estado no desenvolvimento do país, exige a
modernização da Administração Pública
melhorando a organização e a qualidade do trabalho, do mesmo
passo dignificando a função pública como serviço
público.
No entanto, a intenção política subjacente à actual
reforma da Administração Pública vai no sentido da
privatização de serviços, e da precarização
do trabalho.
É necessário garantir os direitos laborais, sindicais, sociais
dos trabalhadores e uma justa retribuição do trabalho,
contribuindo assim, para uma mais justa redestribuição do
Rendimento Nacional e a dinamização do mercado interno.
O novo Código de Trabalho, recentemente aprovado, é injusto e
duramente violento, destruindo direitos fundamentais dos trabalhadores, como
por exemplo, os relativos a remunerações, à
fixação de horários de trabalho e duração de
trabalho, à actividade sindical nos locais de trabalho, aos direitos das
comissões sindicais e das comissões de trabalhadores, à
contratação colectiva, à regulação das
relações de trabalho nas empresas (através da
desregulamentação, precariedade e flexibilidade), tudo
subordinado ao objectivo da intensificação da
exploração da mão de obra.
O sistema público de Segurança Social tem de ser melhorado e
garantida a sua sustentabilidade financeira, ao contrário do sentido da
nova Lei de Bases da Segurança Social que deve ser combatida.
A nova Lei de Bases da Segurança Social tem por objectivo a entrega duma
fatia substancial dos fundos da Segurança Social à área de
negócios dos seguradores privados, tornando a Segurança Social um
sector particularmente lucrativo para o capital em prejuízo da garantia
da segurança das pensões de reforma dos trabalhadores, que passam
a ser objecto de negócio bolsista.
Devemos lutar, com firmeza, pela existência de um Serviço Nacional
de Saúde, o que implica a inversão da actual política no
sentido da sua progressiva privatização, que está a ser
concretizada através das recentes alterações à Lei
de Bases da Saúde relativas ao estatuto dos profissionais de
saúde do SNS, ao financiamento do SNS, à nova lei de
gestão hospitalar, à empresarialização de 34
hospitais públicos, à lei de Parceria Público-Privado.
Todas estas novas leis têm por finalidade a transformação
da Saúde numa nova e grande área de negócio financiada
pelo Estado por intermédio e em prejuízo do SNS.
Também é essencial não favorecer nem permitir a
mercantilização do Ensino e da Educação, investindo
no ensino público universal e tendencialmente gratuito, de qualidade.
O Estado deve garantir um sistema de justiça, rigoroso, isento e
credível capaz de assegurar aos cidadãos o cumprimento eficaz da
lei.
A salvaguarda da qualidade de vida dos cidadãos, exige uma
política nacional de ordenamento do território
tradução territorializada de uma política nacional de
desenvolvimento que se deseja equilibrado, respeitador do ambiente e dos
valores culturais das populações.
Tudo isto exige a dignificação do comportamento político,
da própria actividade política a todos os níveis da
representação popular, contrariando a utilização
das Administrações Central e Local para o emprego de clientela
partidária.
Portugal, no domínio das relações internacionais, deve
rejeitar o processo de federalização da União Europeia.
Em matéria de Defesa Nacional, Portugal deve rejeitar o fim do
Serviço Militar Obrigatório e a constituição de
umas Forças Armadas exclusivamente profissionais.
O novo conceito estratégico de Defesa Nacional é um conceito
moldado no novo conceito estratégico da NATO, ou seja, dos EUA.
A NATO é uma aliança bélica e de pressão
internacional que os EUA utilizam e controlam de acordo com os seus interesses
de domínio planetário.
É um conceito estratégico a que nos devemos opôr, bem como
ao propósito de militarização da União Europeia,
através da criação de uma
força europeia de intervenção rápida
.
Os princípios que devem estar na base do nosso conceito
estratégico de defesa nacional têm de ter em conta as componentes
políticas, económicas, sociais e culturais do nosso país
com vista à preservação da independência nacional e
ao exercício da soberania nacional.
Portugal deve afirmar uma voz própria e autónoma no plano
internacional, orientando por objectivos próprios a sua defesa nacional
e o exercício da sua soberania, recusando uma aceitação
passiva de políticas determinadas por interesses que não
são nossos.
O principal factor de defesa nacional tem de assentar numa coesão
interna com base na justiça social.
Com efeito, um pequeno país como o nosso não pode
alicerçar a sua defesa em poderosos e sofisticados armamentos, mas antes
na vontade de independência nacional de um povo.
Deve alicerçar a sua política na amizade e
cooperação com todos os povos e na vontade de
negociação política, pacífica, dos diferendos entre
nações, no respeito do Direito Internacional.
Não pode aceitar que organizações como a ONU e a OSCE, no
seio das quais devem ser resolvidos os diferendos, sejam instrumentalizadas por
parte dos EUA e dos seus poderosos aliados.
Portugal não deve, cooperar ou intervir nas falsas
operações humanitárias, de paz, quer na antiga
Jugoslávia, quer na guerra contra o povo iraquiano, quer em outros
teatros de operações.
Portugal não pode aceitar a política de dominação
planetária dos EUA a pretexto da prevenção do combate ao
terrorismo.
Só respeitando e não agredindo os direitos dos povos à
independência e à liberdade se pode combater o terrorismo.
Mas existem condições que permitam levar à prática
as orientações políticas acima expostas?
O modo de produção capitalista, em consequência da sua
própria essência, das leis do seu desenvolvimento, das
condições necessárias à sua
reprodução e perpetuação, conduziu à
globalização neo-liberal.
A política de globalização neo-liberal, comandada e
imposta pelos EUA, sustentada pela sua força militar e dos seus
poderosos aliados da NATO, embora com contradições internas e
externas, procura impôr-se a todo o mundo.
É uma política que arrasta consigo a penetração
generalizada e cada vez mais expandida da ideologia e da prática do
consumismo nos hábitos de comportamento das pessoas e na
formação da sua consciência social e política.
O 11 de Setembro permitiu que os interesses económicos da
globalização neo-liberal, pudessem ser acelerados sob o manto
ideológico da luta contra o terrorismo.
Passámos a assistir à intervenção militar externa
deliberada, à margem do Direiro Internacional a pretexto de levar a
democracia «
aos povos não democráticos
», cujos países, curiosamente, dispõem de recursos naturais
estratégicos.
E a guerra contra o terrorismo é estabelecida em duas vertentes:
como uma guerra preventiva a pretexto da defesa dos interesses
próprios, onde e quando esses «interesses» se sentirem
ameaçados - e como uma 'guerra sem fim'.
Tudo isto justificando a corrida aos armamentos nucleares, químicos,
radiológicos e biológicos.
Estamos perante uma política de dominação unipolar
planetária por parte da mais forte potência militar que jamais
existiu sobre a terra e com ela a uma ofensiva global do capitalismo que
procura impôr-se a todo o mundo como sistema único de
organização da sociedade.
Será possível que a acção consciente, organizada e
determinada dos trabalhadores e dos povos, seja capaz de criar
condições para pôr fim a esta ofensiva global do capital e
substituir a sociedade capitalista por uma sociedade mais justa, a socialista?
Será possível, neste quadro pôr fim à
política de direita que vem sendo feita em Portugal, há cerca de
30 anos?
Ao contrário do que pode parecer o capitalismo está em crise.
E a crise que o capitalismo, hoje, vive não é conjuntural mas
estrutural.
Por isso o sistema procura impor, a todo o mundo, esta
globalização, como fase final da sua evolução
histórica.
No entanto, o capitalismo não é reformável porque as
relações sociais em que se baseia e sem as quais não pode
sobreviver são intrinsecamente injustas e de exploração do
homem.
Assim, a cada momento, se agrava o processo de globalização, cuja
mão invisível não é, desta vez, o mercado
de Adam Smith, mas a força militar liderada pelos EUA. É
o próprio Kissinger que o afirma.
A globalização capitalista'',
segundo Istvan Meszaros
, ''acciona forças que colocam em causa não somente a
controlabilidade do sistema, por qualquer processo racional, mas também
e simultaneamente, a sua própria capacidade para cumprir as
funções de controlo que se definem como a sua
condição de existência e legitimidade.
Assim, dada a crise estrutural do sistema do capital, mesmo que uma
alteração conjuntural fosse capaz de criar, durante algum tempo,
uma tentativa de instituir alguma forma de administração
keinesiana do Estado, ela teria forçosamente, uma duração
muito limitada, devido à ausência das condições
materiais que poderiam favorecer a sua expansão por um período
maior, mesmo nos países capitalistas avançados.
Aliás, isto verificou-se com o fim da longa duração da
expansão keynesiana, nos
trinta gloriosos anos
após a 2ª Guerra Mundial. Esgotada, deu lugar à
actual política neo-liberal.
O novo imperialismo planetário necessita do controlo dos recursos
naturais e das guerras
preventivas
, de
intervenção humanitária
para garantir a sua dominação e superar a sua fraqueza
económica intrínseca.
Com efeito o imperialismo americano vive hoje uma crise económica
estrutural com tremendos défices na balança de pagamentos, no
orçamento federal, no endividamento interno, e na balança
comercial e energética.
Espelho desta situação é a queda do dólar em
relação ao euro.
O capitalismo necessita da guerra e da fome e da miséria de milhares de
milhões de pessoas.
O seu domínio sobre a ciência e a tecnologia, utilizadas,
permanentemente, como meios para a superação da crise estrutural
do sistema, tem levado a consequências dramáticas no meio
ambiente, colocando em risco a continuidade da vida humana sobre o planeta, tal
como a conhecemos hoje.
Os próprios cientistas, responsáveis pelo mais recente e extenso
estudo sobre as consequências da subida geral da temperatura do planeta,
mostram-se chocados e aterrorizados com as conclusões a que chegaram.
Prevêm que a mudança de clima nos próximos 50 anos
conduzirá à extinção de um quarto dos animais e
plantas terrestres. Estimam que a perda de uma em cada dez espécies de
plantas e animais já é irreversível devido ao aquecimento
global provocado pelos gases já descarregados na atmosfera.
Por isso se coloca, hoje, no horizonte histórico do homem, a necessidade
de travar a actual ofensiva do capitalismo neo-liberal e de o substituir por
uma sociedade orientada para a construção do socialismo.
Mas não haverá uma terceira via, a qual tem sido defendida por
partidos socialistas e sociais-democratas?
Penso que não.
Os seus defensores ao pretenderem colocar-se entre capitalismo e socialismo
têm na prática adoptado políticas neo-liberais
contrárias aos interesses dos trabalhadores e dos povos dos seus
países, como se tem por exemplo verificado com a experiência
recente e actual dos governos socialistas e sociais-democratas na Europa, os
governos de Jospin em França, Shroeder na Alemanha, Blair na
Grã-Bretanha.
A gravidade da situação é a de que a
globalização neo-liberal corresponde a um grau de
concentração transnacional da propriedade, da
produção, do poder político comandado pelos
monopólios transnacionais, fundidos com os Estados das principais
potências imperialistas.
Por outro lado a revolução científico-técnica
não pode adiar indefinidamente a explosão das
contradições antagónicas e insolúveis do sistema.
Não estamos em condições de prever o futuro próximo.
Mas conhecemos já ao que pode conduzir a política actual.
Impõe-se, portanto, a luta contra o neo-liberalismo e contra as guerras
que o sistema desencadeia, luta que tenha sempre presente, como objectivo
final, a superação do capitalismo.
As lutas nacionais não devem ser desligadas das acções
internacionais.
É necessário apoiar os movimentos de resistência
anti-imperialista que hoje se desenvolvem no mundo.
Nestas condições tão difíceis e tão
exigentes para cada um de nós, a missão das forças
democráticas e progressistas, no nosso país, é o trabalho
quotidiano, continuado, persistente, tenaz, inteligente, firme, pela
consciencialização política e social da nossa
população, para a efectiva participação profunda na
construção do seu próprio futuro.
Luta que deve ter por base os problemas mais concretos, mais diversos, em todos
os domínios da vida da sociedade.
Luta contra a guerra, contra o armamentismo.
Luta que deve ser pluriclassista porque a ameaça ultrapassa os limites
das classes trabalhadoras.
Luta, ela própria, formadora da consciência política e
social, mobilizadora de vontades e corações, da disponibilidade
pessoal e colectiva para enfrentar e combater, de modo vitorioso, as
consequências da política neo-liberal globalizante.
Luta que tem por objectivo inverter a presente correlação de
forças políticas e sociais, civis e militares, para pôr fim
à política de direita e criar condições para a
política alternativa de que Portugal precisa:
uma política que procure satisfazer os mais legítimos anseios e
interesses da grande maioria da nossa população, de defesa e
consolidação do regime democrático, de desenvolvimento e
de progresso, de independência nacional e de paz, apoiada nos
princípios programáticos da Constituição da
República.
Luta na qual têm um papel decisivo a existência dos sindicatos, dos
partidos políticos, dos movimentos sociais e associações
democráticas e progressistas, nos mais diversos domínios da
actividade social, que lutem por uma transformação radical da
sociedade.
Luta através da qual se irá ganhando espaço decisivo nas
instituições no poder legislativo, no governo, no poder local e
regional.
Luta ao longo da qual será acumulada a força social e
política necessária para a mudança e para a
instauração de um governo que faça uma política que
cumpra o princípio constitucional fundamental do preâmbulo da
Constituição da República:
abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do
povo
português, tendo em vista a construção de um país
mais livre, mais justo e mais fraterno
[*]
Conferência do General Vasco Gonçalves pronunciada em 12 de
Fevereiro de 2004 no anfiteatro do Edifício da Alfândega, na Cidade
do Porto, no âmbito do ciclo de conferências de ex-primeiro-ministros promovido
pela Câmara Municipal do Porto.
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