Pergunta e respostas

Sobre o Código Bagão Félix

Lei Nº 99/2003, promulgada pelo Presidente da República
Publicada no Diário da República em 27 de Agosto de 2003
Inclui também a proposta de lei de regulamentação do Código de Trabalho
(Aprovada pelo governo e em discussão pública até 28/Fev/2004)

por Eugénio Rosa

MUITO IMPORTANTE
O Código de Trabalho entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003, no entanto mantêm-se em vigor todos os direitos que os trabalhadores tinham assim como se manterão no futuro . Os Contratos e os Acordos Colectivos de Trabalho mantêm-se também em vigor enquanto não forem negociados, mas mesmo no caso em que cessarem os seus efeitos os direitos adquiridos por cada trabalhador mantêm-se de acordo com decisão já tomada pelo Tribunal Constitucional.
Mas para que isso suceda é necessário que os trabalhadores estejam abrangidos por esses contratos colectivos, por isso precisam de estarem filiados nos sindicatos que assinaram esses contratos. É necessário explicar aos trabalhadores que o aumento da sindicalização é uma das formas que têm de defenderem os seus direitos e de responderem à violenta ofensiva do governo e do patronato contra eles.
Poderá acontecer que entidades patronais aproveitando a existência do Código e o desconhecimento que ainda existe sobre ele procurem reduzir ou mesmo tirar direitos aos trabalhadores. Por isso, é necessário alertar os trabalhadores para que nenhum assine seja o que for, nomeadamente contratos individuais de trabalho, sem antes se informar e aconselhar junto do seu sindicato.


ESCLARECIMENTO PRÉVIO
Este estudo apenas responsabiliza o seu autor. Ele não visa dar orientações a quem quer que seja, mas apenas fornecer informação para que cada um melhor informado possa participar de uma forma mais consciente e activa na luta em defesa dos seus interesses e direitos e dos interesses e direitos de todos os trabalhadores portugueses. É um estudo que pretende dar uma ideia global e fundamentada da Lei 99/2004, do Código de Trabalho e da Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho ( ao todo 1.170 artigos). Ele tem também como objectivo mostrar aos trabalhadores os perigos que o Código e a Lei de Regulamentação encerram e que só se poderão defender com eficácia organizando-se nos sindicatos, contribuindo desta forma para o aumento da sindicalização em Portugal.
(Agradecemos que envie as suas opiniões e criticas para o endereço edr@netcabo.pt pois são importantes para avaliar o interesse deste estudo e também para o melhorar).


ÍNDICE

Razões e objectivos deste estudo
Análise do Código Bagão Félix
I – Como lutar contra a devassa da vida privada do trabalhador que o Código pretende permitir?
II – Como lutar contra a discriminação que o Código pretende permitir?
III – Como é que p Código alarga o período experimental em que o trabalhador poderá ser livremente despedido?
IV – Como lutar contra o alargamento das situações em que o Código permite contratos de comissão de serviço?
V – Como lutar contra os contratos a prazo cuja duplicação de duração o Código pretende permitir?
VI – Como lutar contra o aumento de contratos a prazo sem limite de tempo que o Código pretende permitir?
VII – Como é qur o Código incentiva os contratos a prazo tornando-os mais baratos?
VIII – Como lutar contra a redução do pagamento do trabalho extraordinário que o Código permite?
IX – Como lutar contra a redução do tempo de trabalho nocturno pago que o Código permite?
X – Como lutar contra a redução da retribuição paga aos trabalhadores que o Código pretende impor?
XI – Como lutar contra o alargamento da mobilidade de categoria, de funções e geográfica que o Código pretende permitir?
XII – Como lutar contra a redução da actividade e da remuneração do trabalhador que o Código permite?
XIII – Como é que o Código permite que a baixa de doença seja controlada pelo médico indicado pela entidade patronal?
XIV – Quais são as outras formas de despedimento previstas também no Código (Despedimento colectivo, por extinção do posto de trabalho, e por inadaptação) ?
XV – Como lutar contra a tentativa da entidade patronal recusar a reintegração do trabalhador cujo despedimento foi declarado ilícito pelo tribunal?
XVI – Como lutar contra o despedimento do trabalhador duas vezes pelo mesmo motivo?
XVII – Como lutar contra o afastamento do princípio do tratamento mais favorável
XVIII –Sobre a cessação de efeitos dos Contratos Colectivos de Trabalho
XIX – Sobre a arbitragem obrigatória que o Código introduzir
XX – Sobre a limitação do exercício da actividade das Comissões de Trabalhadores e dos Sindicatos que o governo pretende impôr
XXI – Sosbre a limitação do direito irrenunciável à greve que o Código pretende impôr
XXII – Como é que o Código pretende fazer chantagem sobre os sindicatos e seus filiados
XXIII – Como lutar contra outros retrocessos sociais que o Código pretende impor?
XXIV – Como é que o Código procura manipular a opinião pública em relação ao aumento de dias de férias?
XXV – Como é que o Código pretende controlar as associações sindicais?
XXVI – Como tornar efectivo o direito à formação profissional?
XXVII – Como lutar pela introdução de pausas de trabalho que são necessárias para defender a vida e a saúde dos trabalhadores e de complementos de reforma
XXVIII – Como efectivar os direitos dos trabalhadores no campo da segurança, higiene e saúde no trabalho
XXIX – O contrato individual de trabalho na função pública: a precariedade e o arbítrio levado ao extremo
XXX – O conhecimento da forma como o Código de Trabalho trata os direitos individuais é importante para a contratação colectiva
XXXI – A experiência prova mais uma vez que vale a pena lutar
XXXII – Os falsos argumentos da produtividade e do absentismo utilizados pelo governo PSD/PP

1- Será que o Código de Trabalho determinará o aumento da produtividade e da competitividade das empresas portuguesas?
2- Será que o absentismo é muito elevado em Portugal e que o Código de Trabalho vai reduzi-lo?


RAZÕES E OBJECTIVOS DESTE ESTUDO

Este estudo procura analisar os aspectos essenciais do Código de Trabalho e da Lei nº 99/2003, promulgada pelo Presidente da República em 27 de Agosto de 2003, assim como da Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho, já aprovada pelo Governo mas ainda não aprovada pela Assembleia da Republica.

Como já afirmamos várias vezes, este estudo não é nem pretende ser um estudo jurídico do Código de Trabalho e naturalmente não abrange a totalidade do Código, mas sim os aspectos que o autor considerou mais importantes que qualquer trabalhador devia conhecer para se defender, e que permitem ficar com uma ideia global e fundamentada dele.

Neste estudo enumeram-se as prováveis práticas que as entidades patronais poderão procurar levar cabo, denunciando-as desde já para que se possa estar prevenido (em alerta) em relação a elas, e atempadamente preparar o combate contra elas, mostrando-se também como elas ofendem os interesses e direitos legítimos dos trabalhadores, e violam a própria Constituição .

É importante chamar a atenção logo no inicio para o facto que apesar do Tribunal Constitucional ter declarado inconstitucional apenas quatro artigos do Código isso não significa que não existam muitos mais artigos inconstitucionais no Código Bagão Félix . O que significa a decisão do TC é apenas o seguinte:- Relativamente aos artigos em que foi solicitado pelo Presidente da República que o Tribunal se pronunciasse sobre a sua inconstitucionalidade – e foram apenas sete artigos – o Tribunal Constitucional considerou que quatro deles, portanto mais de metade, violavam a Constituição, por isso tinham de ser obrigatoriamente alterados. Em relação aos restantes, como o Presidente da República não solicitou que o Tribunal Constitucional se pronunciasse sobre eles, o Tribunal não se pode pronunciar. Portanto, é falso nem corresponde às verdade que os restantes artigos respeitam os preceitos constitucionais. A provar que o governo e os defensores do Código não falam verdade está na possibilidade de 10% dos deputados da Assembleia da República, ou seja, de 23, ou do Provedor de Justiça, ou do Procurador Geral da República, ou ainda dos governos das Regiões dos Açores ou Madeira poderem, em qualquer momento, solicitar a fiscalização sucessiva do Código pelo Tribunal Constitucional, assim como o direito que tem qualquer advogado em relação a qualquer acção que se relacione com um artigo do Código de solicitar ao Tribunal Constitucional que declare esse artigo inconstitucional (a chamada inconstitucionalidade concreta). Portanto, se o Tribunal Constitucional já se tivesse pronunciado sobre a constitucionalidade de todo o Código era evidente que o não podia fazer de novo como é ainda possível.

Os 21 artigos da Lei 99/2003, os 689 artigos do Código de Trabalho anexos a esta lei, assim como os 480 artigos da Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho que está em discussão pública, analisadas nos seus aspectos essenciais neste estudo, revelam de uma forma muito clara os objectivos e a estratégia do governo e do patronato.

Apesar dessa estratégia e desses objectivos terem sido abalados, mas não destruídos, pela luta dos trabalhadores e pelas decisões do Tribunal Constitucional, nomeadamente a declaração de inconstitucionalidade da parte mais importante do artº 15 do chamado Decreto Preambular que visava a criação de sindicatos sem qualquer representatividade e o desaparecimento automático de contratos colectivos de trabalho, assim como a interpretação dada à clausula de sobrevigência pelo Tribunal Constitucional (ver Pergunta XVIII deste estudo), de que os direitos adquiridos no âmbito dos contratos colectivos de trabalho mantêm-se mesmo que esses contratos cessem os seus efeitos; repetindo, apesar de abalados, os objectivos do governo e do patronato continuam a ser os seguintes :- (1) Fragilizar o trabalhador para assim facilitar a sua exploração (exs. artigos 16, 17, 19, e 20 do Código que facilitam a devassa da vida privada do trabalhador); (2) Reduzir ainda mais as baixas remunerações que auferem os trabalhadores portugueses (exs: através do aumento do trabalho nocturno e do trabalho extraordinário não pago de acordo com os artº 192 e 165 do Código; da redução do valor das indemnizações por despedimento de acordo o artº 388 do Código); (3) Destruir os contratos colectivos de trabalho em vigor (artº 557 Código); (4) Afastar o principio do tratamento mais favorável (artº 4, e artº 531 do Código); (5) Generalizar os contratos individuais de trabalho com condições menos favoráveis para os trabalhadores do que as constantes do próprio Código (ex.: nº 2 dos artº 314 e 316, e nº 3 do 315 do Código); (6) Enfraquecer as Comissões de Trabalhadores e os próprios Sindicatos (artº 394 e 397 da Proposta de Lei de Regulamentação do Código)); (7) Limitar o direito de greve (artº 595 e 599 do Código).

É toda uma estratégia e um ataque global que o governo e o patronato desencadearam contra os direitos fundamentais dos trabalhadores e contra as suas organizações de trabalhadores, que procuraremos tornar clara neste estudo, e que é necessário combater com vigor. A luta contra o Código terá de continuar agora também no âmbito de cada empresa e de cada entidade, seja pública ou privada, todos os dias, para impedir a aplicação pelo patronato e pelo governo dos aspectos mais gravosos para os trabalhadores deste código, contribuindo também desta forma para a luta geral.

Mas para que a luta contra o Código possa ser desenvolvida a nível da empresa ou de outra entidade com segurança e com eficácia é fundamental que se conheça bem o código e a Proposta de Lei de Regulamentação (só se pode combater um inimigo eficazmente se o conhecermos profundamente) , pelo menos nos aspectos importantes. E este conhecimento do Código e da Proposta de Lei é importante (conhecimento é também poder) para que cada trabalhador ou activista defensor dos trabalhadores possa realizar a sua actividade de esclarecimento e de mobilização com segurança, pois se não tiver esse conhecimento a primeira reacção, natural e humana, é de fugir ao encontro com outros trabalhadores, e nomeadamente evitar falar sobre o código e Proposta de Lei de Regulamentação, com receio de que lhe possam fazer perguntas em relação às quais não esteja preparado, por falta de informação suficiente, para dar uma resposta segura e fundamentada.

Contrariamente àquilo que alguns defendem nós pensamos que o conhecimento do Código é fundamental para se poder defender a contratação colectiva com eficácia . E isto por várias razões. Em primeiro lugar, porque só o conhecendo bem é que se sabem quais são as armadilhas que ele contém, e isso é importante para se procurar introduzir normas na contratação colectiva que defendam os trabalhadores dessas armadilhas ou para impedir que desapareçam dos actuais contratos em vigor clausulas que, face ao conteúdo do Código, são fundamentais para os trabalhadores. Serve de exemplo a definição de local de trabalho. Em segundo lugar, porque o Código contém disposições que poderão ser melhoradas através da contratação colectiva (ex., formação profissional, Higiene e Segurança no Trabalho, complementos de reforma, pausas no trabalho, etc.). O conhecimento do Código é importante para os trabalhadores se poderem defender dele e tirar partido de algumas das suas normas.

Assim este estudo tem como objectivo fornecer a todos aqueles que estão interessados em defender os seus direitos e interesses e os de todos os trabalhadores informação que consideramos fundamental para que possa participar com segurança e com conhecimento no trabalho de esclarecimento e de mobilização dos trabalhadores em defesa dos seus direitos.

Para isso, analisa-se os aspectos mais importantes do Código fazendo-se numerosas citações de artigos para fundamentar e provar o que se afirma, e também para que cada um possa comprovar a veracidade das conclusões que se tiram e, se não estiver de acordo com elas, corrigi-las mesmo. Este estudo tem também como objectivo fornecer argumentos para luta contra a aplicação dos aspectos mais gravosos do Código para os trabalhadores, com base no conhecimento efectivo do Código, evitando recorrer a “slogans”, a frases feitas, ou a afirmações simplificadas e pouco fundamentadas, que mobilizam cada vez menos, e que não desenvolvem o pensamento livre e critico que é tão necessário no mundo em rápida mudança, como é o actual, e onde a informação difundida pelos órgãos de comunicação social é cada vez mais controlada pelo poder económico e político.

Este estudo está organizado em perguntas e respostas sobre as questões mais importantes do Código apenas para facilitar a sua leitura. Assim, só se tem de ler a pergunta e a resposta que em cada momento se está interessado em obter informação, evitando assim ter de se ler todo o estudo para obter a resposta para uma ou poucas questões. No fim de cada pergunta encontram-se ideias e sugestões que, para facilitar a sua identificação, chamamos “COMO OPÔR-SE” , que são dicas para a luta e que poderão ser ou não aproveitadas. Caberá a cada um avaliar, em cada caso concreto e no terreno, se essas sugestões e “dicas” são ou não úteis para a luta em defesa dos seus direitos e interesses e também para a defesa dos direitos e interesses de todos os trabalhadores. Mas, como é evidente, os resultados desta luta dependerá, essencialmente, da força e da organização dos trabalhadores em cada local de trabalho.

NOTA: Para facilitar a identificação, tudo aquilo que no estudo se refere à Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho está escrito a negro (bold) e em itálico (o tipo de letras desta nota)

ANÁLISE DO CÓDIGO BAGÃO FÉLIX

O direito de trabalho tem como objectivo fundamental restabelecer o equilíbrio, numa relação que é desigual, entre a entidade patronal e o trabalhador, já que normalmente a primeira é a parte mais forte e a segunda é a parte mais fraca.

Assim, o direito do trabalho impõe ou deve impor limites (por ex.: sobre o horário de trabalho, sobre despedimentos, etc.), que a entidade patronal deverá respeitar, protegendo desta forma o trabalhador, que é a parte mais fraca, contra os eventuais abusos das entidades patronais.

Mesmo que tenham de ser feitos ajustamentos e aperfeiçoamentos no direito de trabalho determinados pelas rápidas mudanças que se têm verificado e que se continuam a verificar a nível da economia e da sociedade, esses ajustamentos nunca devem pôr em causa a matriz e a função fundamental do direito de trabalho que é a proteger a parte mais fraca – o trabalhador – numa relação que é à partida é desigual e sempre mais favorável à entidade empregadora. A globalização neoliberal que domina actualmente o mundo, e que tem como consequência também o aumento da insegurança e da precariedade que atinge fundamentalmente os trabalhadores obriga ao reforço do direito de trabalho e não a sua fragilização como pretendem o Código de Trabalho que entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 e a Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho que está em discussão publica até 28.2.204 e o governo pretende que entre em vigor em 15 de Abril de 2004.

Como se provará através da análise dos artigos mais importantes do Código de Trabalho e da Proposta de Lei de Regulamentação, agrava-se ainda mais o desequilíbrio que já existia na relação trabalhador-entidade patronal, dando mais poder à parte que à partida já tinha mais, ou seja à entidade patronal, por ser a detentora dos meios de produção, fragilizando-se ainda mais a posição de quem trabalha que ficará assim sujeita a uma maior exploração e arbítrio patronal. Para além de tudo isto, o Código de Trabalho e Proposta de Lei de Regulamentação procuram consolidar um modelo de desenvolvimento baseado em baixas remunerações e no arbítrio da entidade patronal a nível da empresa, que a experiência portuguesa, nomeadamente de mais de 40 anos de fascismo, mostrou de uma forma clara que só poderá conduzir o país a um maior atraso.

I – COMO LUTAR CONTRA A DEVASSA DA VIDA PRIVADA DO TRABALHADOR QUE O CÓDIGO PRETENDE PERMITIR?

Para se poder responder de uma forma consistente à pergunta colocada vai-se dividir a resposta em quatro pontos.

A) INFORMAÇÕES SOBRE A VIDA PRIVADA DO TRABALHADOR
O nº 2 do artº 16 do Código Bagão Félix começa por reafirmar o direito à reserva da intimidade da vida privada, o qual “abrange quer o acesso quer a divulgação de aspectos atinentes à vida intima e pessoal, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas religiosas”. Isto devia significar que ninguém tem o direito de exigir a outrem informações sobre a sua vida privada e intima.

No entanto, o artº 17 mesmo Código dá o dito por não dito permitindo à entidade patronal obter dados dessa natureza.

Assim, de acordo com o nº 1 do artº 17 o empregador pode exigir ao candidato e ao trabalhador que preste informações relativas à sua vida privada “quando estas sejam estritamente necessárias e relevantes para avaliar a aptidão do trabalhador no que respeita à execução do contrato de trabalho” . Portanto, fica ao arbítrio da entidade patronal definir que “informações relativas à vida privada do trabalhador” exigir a este com a justificação de que são “necessárias e relevantes para avaliar a aptidão do trabalhador”, não estabelecendo a lei qualquer limite objectivo àquilo que ela pode pedir.

COMO OPÔR-SE : É evidente que esta norma viola o artº 26 da Constituição da República que diz expressamente o seguinte : “ A todos são reconhecidos os direitos … a reserva da vida privada e familiar. O nº 1 do artº 17 do Código de Bagão Félix também estabelece que a entidade patronal forneça “por escrito a respectiva fundamentação”. Portanto, quer aquele preceito constitucional quer a proibição de acesso directo por parte da entidade patronal a dados desta natureza quer a fundamentação que a entidade patronal terá de fazer (a sua análise deverá servir para mostrar a falta de validade dela) devem ser utilizadas para impedir a devassa da vida privada do trabalhador. Para além disso, e à semelhança do que aconteceu em relação ao nº 2 do artº 17 que, como consequência da solicitação do presidente da República ao Tribunal Constitucional, este declarou inconstitucional o acesso directo da entidade patronal a dados privados do trabalhador, é legitimo concluir que também em relação ao nº 1 do artº 17 se se tivesse pedido a fiscalização preventiva do Tribunal, este teria, por analogia, também declarado inconstitucional o acesso directo da entidade patronal à informação sobre a vida privada do trabalhador constante do nº 1 do artº 17.

Por outro lado, de acordo com o artº 641 do código constitui contra-ordenação muito grave a violação do nº 1 do artº 17,
ou seja , “o “o empregador não pode exigir ao candidato ao emprego que preste informações relativas à sua vida privada….” Portanto, tudo isto deverá ser utilizada para impedir que a entidade patronal tenha acesso, quer directo quer indirecto, a dados da vida privada do trabalhador. A entidade responsável pela aplicação das coimas é a IGT, portanto pode-se sempre exigir que intervenha levantando o respectivo auto e que aplique a respectiva coima à entidade patronal no caso de violação dos direitos a reserva da vida privada e familiar dos trabalhadores.

B) INFORMAÇÕES SOBRE O ESTADO DE SAÚDE E GRAVIDEZ

O mesmo sucede em relação a “informações relativas à sua saúde ou estado de gravidez”. Efectivamente, o nº 2 do artº 17 do Código aprovado pela maioria PSD/PP na 1ª parte estabelece que “o empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador que preste informações relativas à sua saúde ou estado gravidez”, mas na 2ª parte do mesmo artigo permite exigir tal informação “quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação ”..
O Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a possibilidade que a versão anterior do nº 2 do artº 17 dava à entidade patronal de ter acesso directo a este tipo de informação . No entanto, a versão do Código que acabou por ser promulgada pelo Presidente da República continua a permitir que a entidade patronal possa obter tal tipo de informação, mas indirectamente, ou seja, através de um médico.

Efectivamente, o nº 3 do artº 17 do Código de Trabalho promulgado pelo Presidente da República, que foi introduzida após a declaração de inconstitucionalidade pelo Tribunal Constitucional, estabelece que aquelas informações “ são prestadas a médico, que só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto a desempenhar a actividade”. Assim, a entidade patronal continua a ter o poder de exigir essa informação da vida intima ao trabalhador, embora de uma forma indirecta e apenas a informação “se o trabalhador está ou não apto”.

COMO OPÔR-SE: A decisão do Tribunal Constitucional e a obrigatoriedade da intervenção do médico, assim como a redução da informação a “apto ou não apto” limita o poder que era dado inicialmente à entidade patronal através do nº 2 do artº 17 com a redacção que tinha sido aprovada pela maioria parlamentar PSD/PP. No entanto, continua a ser possível que a entidade patronal exija ao trabalhador ou à trabalhadora tal tipo de informação, no entanto ela tem de ser obtida por intermédio de um médico que apenas poderá dizer à entidade patronal se o trabalhador ou trabalhadora tem ou não a aptidão para o exercício da profissão. Também aqui uma forma de lutar contra a devassa da vida privada do trabalhador poderá ser baseada nos mesmos fundamentos que foram referidos para o número anterior:- inconstitucionalidade com base no artº 26 da Constituição e falta de validade da fundamentação que a entidade patronal é sempre obrigada a apresentar previamente e por escrito. Para além isso, é preciso estar atento para que o médico não forneça à entidade patronal a informação concreta eventualmente fornecida pelo trabalhador e ameaçá-lo se tal for necessário de apresentação de queixa à Ordem dos Médicos por quebra de sigilo profissional e por violação do que está estabelecido na lei. E como já se referiu no ponto anterior a violação do nº 2 do artº 17 constitui contra-ordenação muito grave segundo o nº 1 do artº 641 do código. Em caso de violação pode-se denunciar também à IGT e exigir a sua intervenção e aplicação de uma coima à entidade patronal. Finalmente, fica também mais claro a razão porque afirmamos no ponto anterior que se o presidente da República tivesse solicitado ao Tribunal Constitucional a fiscalização do nº 1 do artº 17 naturalmente este tribunal também o teria declarado inconstitucional, já que não se vê razão para que o tribunal decida que a entidade patronal não possa ter acesso directo a informação sobre a saúde do trabalhador mas já possa ter acesso a dados sobre a vida privada do trabalhador.

C) INFORMAÇÕES SOBRE TESTES E EXAMES MÉDICOS

O nº 1 do artº 19 do Código Bagão Félix aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP e promulgada pelo presidente da República começa por estabelecer que o empregador “não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador a realização ou a apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas”.

No entanto, logo seguir no mesmo número, dá-se o dito por não dito, pois permite à entidade patronal exigir tais testes quando considere que “tenham por finalidade a protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao trabalhador a respectiva fundamentação ”. E o mais grave é que a forma genérica como está redigido este artigo permite que a entidade patronal fique com o poder de definir as situações em que exigirá ficando o trabalhador apenas com a possibilidade de recorrer para os tribunais o que é sempre difícil e moroso.

No entanto, apesar de todo este condicionalismo negativo, é preciso ter presente que o nº 2 do artº 19 estabelece a proibição absoluta de tal exigência em relação ao teste de gravidez, ao dispor que “o empregador não pode, em circunstância alguma, exigir a realização de testes de gravidez”) e o nº 3 dispõe que o “médico responsável pelos testes deverá apenas comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto para desempenhar a actividade”, não podendo dar a conhecer à entidade patronal o conteúdo e os resultados dos testes realizados.

COMO OPÔR-SE: Apesar dos condicionalismos negativos referidos anteriormente, é necessário lutar contra a realização de quaisquer testes contra a vontade do trabalhador. E uma forma de lutar contra a devassa da vida privada do trabalhador poderá ser com base nos mesmos fundamentos que foram referidos para o número anterior:- inconstitucionalidade com base no artº 26 da Constituição e falta de validade da fundamentação que entidade patronal terá sempre de apresentar previamente e por escrito ao trabalhador. A própria Comissão de Protecção de Dados considerou inconstitucional o recurso pela entidade patronal a análises que revelem o património genético do trabalhador (Público, 23/Fev/2003). Para além disso, e à semelhança do que aconteceu em relação ao nº 2 do artº 17 é legitimo concluir que se o presidente da República tivesse submetido à fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional o nº 1 do artº 19 o Tribunal teria, por analogia, também declarado inconstitucional o acesso directo da entidade patronal a este tipo de informação sobre a vida privada do trabalhador. De acordo com o nº 1 do artº 641 a violação do nº 1 do artº 19 –“O empregador não pode exigir ao candidato a emprego ou ao trabalhador a realização de testes ou de exames médicos …”- e do nº 2 do mesmo artigo – “O empregador não pode em circunstância alguma exigir … a realização ou a apresentação de testes ou exames de gravidez”- constitui contra-ordenação muito grave . Portanto, em caso de violação pode-se exigir a intervenção da IGT para levantar o respectivo auto e aplicar a respectiva coima. Tudo isto poderá funcionar também como forma de pressão sobre a entidade patronal para impedir a violação da privada dos trabalhadores.

D) INFORMAÇÕES TENDO COMO BASE CÂMARAS DE VIGILÂNCIA INSTALADAS NOS LOCAIS DE TRABALHO

O nº 1 do artº 20 do Código Bagão Félix, embora estabeleça que a entidade patronal “ não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho….com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador”, no entanto, no nº 2 do mesmo artigo, dá o dito por não dito pois estabelece que a utilização “é licita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens, ou quando exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem”.

E o nº 3 do mesmo artigo estabelece que “ o empregador deve informar o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados ”.

COMO OPÔR-SE: Também aqui uma forma de lutar contra a devassa da vida privada do trabalhador poderá ser com base nos mesmos fundamentos que foram referidos para o número anterior:- inconstitucionalidade com base no artº 26 da Constituição e falta de justificação apresentada pela entidade patronal (deve-se exigir a justificação da existência e finalidade por escrito e contestá-la) A Comissão de Protecção de Dados tinha apontado como inconstitucional “a admissibilidade da vigilância aos trabalhadores por câmaras” (Público, 23.05.2003). Por outro lado, de acordo também com o nº 1 do artº 641 constitui contra-ordenação muito grave a violação do nº 1 do artº 20, portanto em caso de violação por parte da entidade patronal pode-se pedir à IGT que actue levantando o respectivo auto e aplicando a coima prevista na lei.

E) ALGUMAS CONCLUSÕES FINAIS
O Código Bagão Félix aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP e promulgado pelo presidente da República contém um conjunto de disposições que poderão levar as entidades patronais a pretender violar a vida privada dos trabalhadores, com o claro objectivo de os fragilizar ainda mais para assim aceitarem mais facilmente a intensificação da exploração patronal. A essa eventual pretensão das entidades patronais deve-se opor a mais firme oposição com base no preceito constitucional que reconhece a todos os portugueses o direito “ à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação” (artº 26, da Constituição da República).

A decisão do Tribunal Constitucional embora não tenha eliminado tal perigo, veio limitá-lo nomeadamente ao reconhecer que é inconstitucional o acesso directo da entidade patronal a dados sobre a saúde ou estado de gravidez. Esta decisão certamente teria sido a mesma em relação a todos os dados relativos à vida privada do trabalhador se o presidente da República tivesse solicitado ao Tribunal a fiscalização não só do nº 2 do artº 17 mas de todos os números desse artigo e dos artº 19 e 20 como deveria ter feito . E isto porque, como é evidente, tal fiscalização preventiva da inconstitucionalidade deveria ter sido extensível a todos os dados da vida privada dos trabalhadores, e não apenas os relativos ao estado de saúde e gravidez, até porque todos eles são direitos fundamentais da pessoa humana.

Interessa dizer também que do Código para a Proposta de Lei de Regulamentação se observa uma suavização muito grande das coimas aplicáveis às entidades patronais por infracções cometidas. E isto é válido tanto para o que se referiu anteriormente quando se fala de coimas, como nos pontos seguintes quando a elas se tornar a referir.

Assim, o artº 624 do Código estabelecia que “quando a violação da lei afectar uma pluralidade de trabalhadores individualmente considerados, o número de infracções corresponde ao número de trabalhadores concretamente afectados, nos termos e com limites previstos em legislação aplicável”. E a legislação aplicável, ou seja, a Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho veio a estabelecer uma solução claramente favorável para a entidade patronal, porque reduz consideravelmente o valor da coima, já que dispõe no nº 2 do artº 443 que “ a pluralidade de infracções … dá origem a um (único ) processo e as infracções são sancionadas com uma coima única que não pode exceder o dobro da coima máxima aplicada em concreto”. É evidente que sairia muito mais caro à entidade patronal se tivesse de pagar uma coima por cada infracção cometida. É uma forma de tornar barato o crime e até de o incentivar.

Assim, torna-se necessário lutar a nível da empresa contra qualquer tentativa de devassa da vida privada dos trabalhadores por parte das entidades patronais, luta essa que levará também, no futuro, certamente à declaração da inconstitucionalidade de todos aqueles artigos.

II – COMO LUTAR CONTRA A DISCRIMINAÇÃO QUE O CÓDIGO PRETENDE PERMITIR?

O nº 1 do artº 23 do Código Bagão Félix aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP começa por estabelecer que “ o empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical”.

No entanto, como acontece no caso anterior, o nº 2 do mesmo artigo abre a porta à discriminação patronal pois estabelece que “ não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados no número anterior, sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo o objectivo ser legitimo e o requisito proporcional”. Como a discriminação seja qual fosse, e fosse qual fosse o contexto, pudesse ser alguma vez um “requisito justificável”.

E como tudo isto já não fosse suficiente, o nº 3 do artº 23 inverte o ónus da prova pois estabelece expressamente o seguinte :- “Cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la…”., o que era precisamente o contrário daquilo que estava estabelecido na lei que vigorava antes do Código Bagão Félix pois, segundo ela, era a entidade patronal que tinha de provar que não discriminava (artº 5º da Lei nº 105/97).

Ao inverter o ónus da prova, o que pretendeu o Código Bagão Félix é dificultar ao trabalhador a sua defesa no caso de se sentir discriminado.

Uma situação também de discriminação consta do nº 6 do artº 35 do mesmo Código aprovado pela maioria PSD/PP ao estabelecer que quando abortar a trabalhadora tem direito a uma licença “com a duração mínima de 14 dias e máxima de 30 dias “ mas só “em caso de aborto espontâneo, bem como nas situações previstas no artº 142 do Código Penal” (são três situações, a saber: - violação da mulher, perigo de vida da mulher, e deformação do feto). Isto significa que em caso de aborto clandestino as faltas que a trabalhadora der para recuperar a sua saúde são consideradas injustificadas, e se tiver 5 seguidas, de acordo com o mesmo Código, a trabalhadora é despedida com justa causa, portanto sem direito a qualquer indemnização.

Para se poder ficar com uma ideia do retrocesso que esta disposição representa em relação à lei que vigorava antes da entrada em vigor do Código de Bagão Félix, interessa recordar que o nº 1 do artº 10 da Lei 4/84, que era a lei de protecção da maternidade e paternidade, estabelecia que “em caso de aborto, a mulher tem direito a licença com a duração mínima de 14 dias e máxima de 30 dias”, não fazendo qualquer discriminação entre aborto legal e clandestino, já que o objectivo desta licença é o restabelecimento da saúde da trabalhadora, certamente até mais abalada por ter sido obrigada a fazer um aborto clandestino, e não o julgamento pelo facto de ter realizado o aborto.

Igualmente o artº 50 do código, sobre o “Regime das licenças, faltas e dispensas”, reforça a discriminação anterior ao estabelecer que apenas “não determinam perda de quaisquer direitos, salvo quanto à retribuição, como prestação efectiva de serviço, as ausências ao trabalho resultantes. (a) Do gozo das licenças por maternidade e em caso de aborto espontâneo ou nas situações previstas no artº 142 do Código Penal ”, portanto fica excluído o chamado aborto clandestino, cuja faltas por ele causado determinam a perda de direitos para as mulheres trabalhadoras.

O artº 30 da Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho não reduz a possibilidade de discriminação já que, por um lado, torna-a mais genérica (directa, indirecta) e, por outro lado, a comparação é feita com “outra pessoa em posição comparável” e não com o prejuízo causado aos indivíduos de um dos sexos por uma medida, um critério ou uma prática. No Código e na Proposta de Lei de Regulamentação desaparecem aquilo que podíamos considerar como indicadores objectivos de discriminação que existiam na Lei 105/97 (ex. desproporção considerável entre a taxa de trabalhadores de um dos ao serviço do empregador, de que é exemplo bem conhecido o que se verificava no BCP que praticamente não empregava trabalhadoras).

COMO OPÔR-SE: Aqueles artigos do Código contrariam frontalmente o artº 26 da Constituição da República que diz o seguinte:- A todos são reconhecidos os direitos ………contra quaisquer formas de discriminação “. Igualmente violam o artº 13 da Constituição (Principio da Igualdade) e o artº 64 da Constituição (Direito à Saúde). Para além disso, aqueles artigos do código contrariam outros existentes no próprio código a saber:- artº 22, nº 1 “Todos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais”; artº 22, nº 2 “Nenhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser beneficiado, prejudicado , privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, deficiência, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas ou filiação sindical”. E segundo o nº 1 do artº 642 constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no nº 2 do artº 22 e do nº 1 do artº 23 referido no inicio . Por outro lado de acordo com o artº 24 do próprio Código (1) “Constitui discriminação o assédio a candidatos a emprego e a trabalhadores; (2) Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factores indicados no nº 1 do artº 23, referido anteriormente (portanto, não se restringe apenas ao assédio sexual como é normalmente entendido na linguagem comum), praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego…”( e não há duvida que comportamentos discriminatórios baseados em todos os factores indicados no nº 1 do artº 23 do código são altamente indesejados). E de acordo com o artº 26 do mesmo Código “ a prática de qualquer acto discriminatório lesivo de um trabalhador ou a candidato a emprego confere-lhe uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais”. De acordo com o nº 1 do artº 642 constitui também contra ordenação muito grave a violação do artº 24. Portanto, todas estas disposições poderão ser utilizadas para lutar contra qualquer tentativa da entidade patronal para praticar discriminação, podendo-se exigir a actuação da IGT e a aplicação de coimas quando se considere que ela está a ser praticada pela entidade patronal.

III- COMO É QUE O CÓDIGO ALARGA O PERÍODO EXPERIMENTAL EM QUE O TRABALHADOR PODERÁ SER LIVREMENTE DESPEDIDO?

De acordo com o artº 107 do Código Bagão Félix o período experimental, nos contratos por tempo indeterminado, passará a ter a duração de 90 dias para a generalidade dos trabalhadores quando até à entrada em vigor do Código Bagão Félix era de 60 dias, sendo apenas de 90 dias para as empresas com vinte ou menos trabalhadores (artº 55, nº 2, alínea a) do Decreto Lei 64-A/89).

E de acordo com o artº 108 do código, em relação aos contratos a prazo, o período experimental é de 30 dias para os contratos com duração superior a 6 meses, e de 15 dias para contratos de duração inferior.

Em relação aos contratos em comissão de serviço, de acordo com o artº 109 do Código, o período experimental poderá atingir 180 dias (nº 2), quando antes era de apenas de 30 dias para os contratos com a duração até 2 anos, e de 60 dias para os contratos com duração superior a 2 anos.

IV – COMO LUTAR CONTRA O ALARGAMENTO DAS SITUAÇÕES EM QUE O CÓDIGO PERMITE CONTRATOS DE COMISSÃO DE SERVIÇO?

O artº 244 do código estabelece que “ podem ser exercidos em comissão de serviço os cargos de administração ou equivalentes , de direcção directamente dependentes da administração e as funções de secretariado pessoal relativas aos titulares desses cargos, bem como outras previstas em instrumento de regulamentação colectiva cuja natureza suponha, quanto aos mesmos titulares, especial relação de confiança”

Relativamente à lei que vigorou até à entrada do Código de Bagão Félix, esta disposição do Código significa um alargamento das situações em que é admissível este tipo de contrato.

Efectivamente, embora o conteúdo deste artigo seja idêntico ao nº 1 do artº 1º do Decreto-Lei 404/91, que é a lei que vigorou até 1 de Dezembro de 2003, no entanto é eliminado o nº 2 do mesmo artigo deste decreto que impunha limites (ex. excluía os cargos de chefia directa e todos os outros cargos hierárquicos que não envolvam coordenação de outras chefias, etc. ) e acrescenta o que está sublinhado.

Em conclusão, o artº 244 do Código, alarga os limites que existem na lei actual, permitindo aos representantes do patronato, aumentar o número de contratos de comissão de serviço, abrangendo assim muitos trabalhadores com este tipo de contratos colocando-se numa situação de grande precariedade. E em relação a este tipo de contrato, não existe qualquer limite de tempo.

De acordo com nº 2 do artº 247 do Código, se for “ o trabalhador que denuncie o contrato na pendência da comissão de serviço não tem direito à indemnização prevista na alínea c) do número anterior, que é de um mês de retribuição por cada ano de serviço.

COMO OPÔR-SE: O aumento da precariedade determinado por uma eventual generalização dos contratos de comissão de serviço viola o artº 53 das Constituição sobre “Segurança no Emprego”. Para além disso, é preciso distinguir na empresa os cargos “cuja natureza suponha, quanto aos mesmos titulares, especial relação de confiança”, que são poucos, e aqueles em que é necessário possuir apenas responsabilidade profissional, que são a maioria existente em qualquer empresa, e não permitir que a entidade patronal estabeleça qualquer confusão em seu beneficio relativamente a qualquer aspecto desta matéria.

E de acordo com artº 668 constitui contra –ordenação grave a falta de redução a escrito do “cargo ou funções a desempenhar, com menção expressa do regime de comissão de serviço”, salvo se o empregador reconhecer por escrito que o cargo ou função é exercido com carácter permanente.

V – COMO LUTAR CONTRA OS CONTRATOS A PRAZO CUJA DUPLICAÇÃO DE DURAÇÃO O CÓDIGO PRETENDE PERMITIR?

De acordo com o nº 2 do artº 44 do Decreto-Lei nº 64-A/89 que vigorou até a entrada em vigor do Código de Bagão Félix, o contrato a prazo só podia ser renovado duas vezes e a sua duração não poderia ultrapassar os 3 anos. Segundo o artº 139 do Código Bagão Félix o contrato a prazo poderá alcançar 6 anos e ser renovado três vezes .

Efectivamente o nº 1 do artº 139 estabelece que o contrato a prazo pode ter a duração de 3 anos e ser renovado duas vezes. E o nº 2 do mesmo artigo dispõe que decorrido os 3 anos anteriores ou tendo-se verificado já as duas renovações, o contrato pode-se prolongar por mais até 3 anos, desde que seja renovado apenas mais uma vez, e que a duração desta renovação não seja inferior a um ano nem superior a 3 anos.

De acordo com o nº 4 do artº 139 do Código, exceptuam-se apenas as situações de “lançamento de uma nova actividade bem como inicio de laboração de uma empresa ou estabelecimento” assim como a de contratação de desempregados de longa duração, já que nestes casos aquele limite, incluindo renovações, não pode ser superior a 2 anos, e em relação a desempregados à procura de 1º emprego a “contratação a termo não pode exceder 18 meses”

Em Espanha, de acordo com o artº 15, nº 1 alínea b) do “Estatuto dos Trabalhadores”, que é o código de trabalho espanhol, para actividades sazonais ou ocasionais, a duração máxima do contrato a prazo permitida é de 6 meses. Em França, de acordo com o Código de Trabalho, a duração máxima dos contratos a prazo para actividades sazonais ou ocasionais é apenas de 18 meses.

E contrariamente ao que afirma o governo e o patronato para aumentar a produtividade não seria necessário aumentar ainda mais a precariedade; muito pelo contrário. A prová-lo está o caso da Irlanda, em que a produtividade por empregado é cerca de 90% superior à portuguesa, no entanto a percentagem de trabalhadores contratados a prazo é apenas de 3,5%, quando em Portugal já atinge, neste momento, os 20%.

Finalmente, em Portugal não existe qualquer limite à contratação de trabalhadores a prazo. No caso extremo, até se pode dizer que todos os trabalhadores de uma empresa podiam ser contratados a prazo.

Efectivamente, o nº 1 do artº 129 do Código estabelece que “o contrato a prazo só pode ser celebrado para a satisfação das necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário”.

No entanto, o nº 3 desse mesmo artigo abre duas excepções, a saber: - (a) O “lançamento de uma nova actividade de duração incerta bem como inicio de laboração de uma empresa ou estabelecimento ”; (b) Contratação de trabalhadores à procura de primeiro emprego ou de desempregados de longa duração”. Nestes dois casos não é necessário que seja para satisfazer necessidades temporárias nem é indispensável que seja pelo período estritamente necessário. Como já se referiu nestes dois casos a duração máxima do contrato a prazo é, respectivamente, de 18 meses e de 2 anos.

De acordo com o artº 168 da Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho , a única penalização para a entidade patronal que terá de suportar pela contratação a prazo de um numero muito elevado de trabalhadores é a que estabelece que “a parcela da taxa social única a cargo do empregador (os 23,75%), cuja percentagem de trabalhadores a termo certo (portanto, exclui os contratados a prazo incerto) seja igual ou superior a 15% , é aumentada relativamente a todos os trabalhadores contratados a prazo certo (só a estes) em: - (a) 0,6% nos contratos a prazo com duração superior a 3 anos e que não excedam 5 anos; (b) 1% nos contratos a prazo com duração superior a 5 anos. Portanto, em contratos a prazo com duração até 3 anos não terão de suportar qualquer penalização assim como em relação aos contratados a prazo incerto. Podemos dizer que a montanha pariu, pois o efeito deste medida, tão badalada pelo governo, é praticamente nulo.

COMO OPÔR-SE: Ao duplicar a duração do contrato a prazo pode-se afirmar, por um lado, que aumenta a insegurança no emprego violando assim o artº 53 da Constituição e, por outro lado, que representa um retrocesso social violando o artº 2 da Constituição. Para além disso: (1) O nº 1 do artº 129 do código estabelece que o contrato a prazo “só pode ser celebrado para satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades”, portanto as empresas não poderão contratar trabalhadores a prazo para a realização de actividades que sejam regulares e permanentes na empresa exceptuando os casos de 1º emprego e desempregados de longa duração. De acordo com o nº 1 do artº 655 do código constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no artº 129; (2) De acordo com o nº 1 do artº 130, cabe ao empregador “ a prova dos factos que justificam o contrato a prazo”, e segundo o nº 2 do mesmo artigo “ considera-se sem termo o contrato de trabalho no qual a estipulação da clausula acessória tenha por fim iludir as disposições que regulam os contratos sem termo”, portanto os contratos a prazo que se destinem à realização de tarefas permanentes da empresa passam automaticamente a contratos sem prazo, definitivos e permanentes; (3) Também passa a contrato sem termo, portanto permanente, o contrato a prazo “em que falte a redução a escrito, a assinatura das partes, o nome ou dominação, ou, simultaneamente , as datas de celebração do contrato ou do inicio do contrato, bem como aquele em que se omitem ou sejam insuficientes as referências à indicação do fim do contrato e do respectivo motivo justificativo” (artº 131, nº 4); (4) Também passa a contrato sem termo (permanente), o contrato a prazo “cuja renovação tenha sido feita em desrespeito das exigências materiais da sua realização” (artº 140, nº 4) e “se forem excedidos os prazos de duração máxima e o número máximo de renovações” (artº 141); (5) “ O empregador deve comunicar no prazo máximo de 5 dias úteis, à comissão de trabalhadores e, tratando-se de trabalhador filiado em associação sindical, à respectiva estrutura representativa a celebração , com a indicação do respectivo fundamento legal, e a cessação, do contrato a termo” (artº 133, nº 1). Para além disso, e de acordo com o nº 2 do artº 655 constitui contra-ordenação grave a falta de “indicação do termo do contrato e do respectivo motivo justificativo”. Portanto, tudo isto pode ser utilizado na luta contra os contratos a prazo, ou seja, contra a manutenção de trabalhadores em situação de trabalho precário. Mas tudo dependerá, em última instância, da força, da vigilância e da organização dos trabalhadores na empresa, embora o conhecimento da lei possa ajudar essa luta.

VI – COMO LUTAR CONTRA O AUMENTO DE CONTRATOS A PRAZO SEM LIMITE DE TEMPO QUE O CÓDIGO PRETENDE PERMITIR?

O artº 143 do código aprovado admite a celebração de contrato de trabalho a prazo incerto em 7 situações, a saber:- substituição de trabalhador ausente; substituição de trabalhador em relação ao qual esteja pendente em juízo acção; substituição de trabalhador em licença sem vencimento; actividades sazonais; execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro ; acréscimo excepcional de actividade; execução de uma obra, projecto ou outra actividade definida e temporária.

Desta forma, são alargadas as situações em que de acordo com a lei que vigorou até a entrada em vigor do Código era admissível um contrato a termo incerto, já que de acordo com o artº 48 do Decreto Lei nº 64-A/89 este tipo de contrato não era possível para “ execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro ”; portanto, chega-se ao absurdo de se admitir a celebração de um contrato a termo incerto para uma actividade com prazo definido.

E de acordo com o artº 144 do Código Bagão Félix “o contrato de trabalho a termo incerto dura por tempo necessário para a substituição do trabalhador ausente ou para conclusão da actividade, tarefa, obra ou projecto cuja execução justifica a celebração “ do contrato; portanto, não existe limite máximo de tempo, tudo depende da duração da actividade para a qual se contratou o trabalhador.

COMO OPÔR-SE: O nº 1 do artº 145 estabelece que “considera-se contratado sem termo (portanto, permanente) o trabalhador que permaneça no desempenho da sua actividade … decorridos 15 dias depois da conclusão da actividade, serviço obra ou projecto para que haja sido contratado ou o regresso do trabalhador substituído ou a cessação do contrato deste. Portanto, a organização de trabalhadores deverá estar a atenta para o facto de que se passarem os 15 dias referidos anteriormente, o contrato a termo incerto transforma-se automaticamente em contrato sem termo, ou seja, em contrato permanente. Para além disso, torna-se necessário também controlar, logo no início, se existem efectivamente as condições que permitem celebrar um contrato a termo incerto, ou se as condições existentes obriga, de acordo com a lei, a um outro tipo de contrato, já que a experiência tem mostrado que as entidades patronais violam muitas vezes a própria lei . E de acordo com o artº 655, constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no artº 143, ou seja, das condições em que é admissível o contrato a termo incerto.

VII – COMO É QUE O CÓDIGO INCENTIVA OS CONTRATOS A PRAZO TORNANDO-OS MAIS BARATOS?

Até à entrada em vigor do Código, e acordo com o nº 3 do artº 46 do Decreto-Lei 64-A/89 , em relação aos contratos a prazo certo “ a caducidade do contrato confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a 3 dias de remuneração base por cada mês completo de duração”. O mesmo sucedendo em relação aos contratos a termo incerto (a prazo incerto ) segundo o nº 4 do artº 50 do mesmo decreto-lei.

De acordo com artº 388, nº 2 do Código de Bagão Félix o fim do contrato a prazo que decorra da declaração do empregador confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a 2 dias de retribuição e diuturnidades (as diuturnidades no caso de ter direito a elas) por cada mês completo de serviço se o contrato a prazo tiver tido uma duração superior a 6 meses; e três dias por cada mês de serviço se tiver uma duração igual ou inferior a 6 meses. O mesmo sucedendo em relação aos contrato a termo incerto (a prazo incerto) segundo o nº 4 do artº 389 do mesmo código. E de acordo com o nº 3 do artº 388 “ a compensação da duração do contrato que corresponda a fracções do mês é calculada proporcionalmente”. Portanto, desapareceu a disposição final que constava do nº 3 do artº 46 do DL 64-A/89 que estabelecia que a compensação não podia ser inferior a um mês. Mais uma vez, tudo contra o trabalhador.

Em resumo, como a maioria dos contratos tem uma duração superior a 6 meses, esta alteração constante do código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP tornará os contratos a prazo muito mais baratos para as entidades patronais incentivando desta forma a sua utilização por estas, o que significará elevados benefícios para as empresas com os consequentes prejuízos para os trabalhadores que para além de perderem o emprego, ainda verão as suas indemnizações baixar em um terço.

De acordo com estimativas que realizamos, para o nível actual de contratos a prazo, esta redução nas indemnizações que o código impõe significará um lucro para as entidades patronais avaliado em 250 milhões de euros por ano, valor este que aumenta todos os anos.

VIII – COMO LUTAR CONTRA A REDUÇÃO DO PAGAMENTO DO TRABALHO EXTRAORDINÁRIO QUE O CÓDIGO PERMITE?

O nº 1 do artº 163 do Código Bagão Félix começa por afirmar que “o período normal de trabalho não pode exceder 8 horas por dia nem 40 horas por semana”.

Mas o artigo seguinte (artº 164), introduz o chamado “regime especial de adaptabilidade”, estabelecendo que por instrumento de regulamentação colectiva se poderá dispor que o período normal de trabalho poderá ser definido em termos médios (ou seja, a média do tempo de trabalho realizado nos dias de vários meses), podendo o limite diário anterior ( o das 8 horas ) ser aumentado até ao máximo de 4 horas (portanto, pode ir até a 12 horas por dia ), e o limite semanal de 48 horas poderá aumentar para 60 horas por semana.

E segundo o nº 1 do artº 165, “por acordo, o empregador e os trabalhadores podem definir o período normal de trabalho em termos médios, bastando para isso que o empregador apresente uma proposta dirigida aos trabalhadores (nem é aos seus representantes) “ presumindo-se a sua aceitação pelos trabalhadores que, no prazo de 21 dias a contar do respectivo conhecimento, não se oponham por escrito

E de acordo com o nº 3 do mesmo artº 165, a proposta apresentada pela entidade patronal poderá determinar que o período normal de diário de trabalho possa atingir nos dias em que a empresa assim o quiser 10 horas, sem qualquer direito a pagamento de horas extraordinárias, e 50 horas por semana.

Resumindo, nos dias em que a empresa tenha interesse os trabalhadores poderão ser obrigados a trabalhar muitas mais horas dos que as 8 horas consideradas como período normal de trabalho sem ter direito a receber qualquer acréscimo por trabalho extraordinário.

O período para calcular o tempo (horário) médio é chamado “ período de referência ” e, de acordo com o artº 166 do código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP pode atingir 12 meses se for estabelecido por Instrumento de Regulamentação Colectiva, e quando tal não se verificar é de 4 meses , podendo ser alargado para 6 meses , nomeadamente nas seguintes situações e actividades :- (1) A quadros dirigentes ou trabalhadores com poder de decisão autónomo; (2) Havendo um afastamento entre o local de trabalho e o local de residência (?); (3) Nas actividades de guarda e vigilância; (4) E ainda às seguintes actividades:- saúde ; portos; aeroportos; imprensa; rádio; televisão; correios; telecomunicações; gás; água ; electricidade; lixo; indústrias em que o processo de produção não pode ser interrompido por razões técnicas; agricultura; transportes de passageiros; transportes ferroviários; serviços postais; em caso fortuito e de força maior (naturalmente definido pela entidade patronal), e em caso de acidente ou risco de acidente eminente (também a definir pela entidade patronal).

Portanto, em todas estas múltiplas situações e actividades, muitas delas a definir com base no arbítrio da entidade patronal (O que é e quando haverá afastamento entre o local de trabalho e o local de residência? Quais são os trabalhadores que serão considerados com poder de decisão autónomo? Que casos serão considerados fortuitos e de força maior?); repetindo, em todas estas situações e actividades, a entidade patronal deixará de estar obrigada a respeitar um horário diário de trabalho (por ex., 8 horas ), e todas as horas feitas a mais, para além do período normal diário de 8 horas, não são consideradas suplementares nem pagas como horas extraordinárias.

E se as horas feitas a mais não são pagas como horas extraordinárias, então como é que o trabalhador será compensado ? – De acordo com o nº 4 do artº 168 do Código, “nas semanas em que a duração do trabalho seja inferior a 40 horas, a redução diária não poderá ser superior a 2 horas, mas as partes podem acordar na redução da semana em dias ou meios dias, sem prejuízo do direito ao subsidio de refeição”.

Em resumo, o que significa tudo isto é que a entidade patronal poderá afixar num qualquer lugar da empresa a intenção de deixar de calcular a duração do tempo de trabalho por dia e passar a calculá-la tendo como base 4 meses, ou mesmo 6 meses, e se os trabalhadores não manifestarem por escrito a sua posição, poderá pô-los a trabalhar nuns dias mais horas, compensando-as com menos horas em outros dias, não sendo assim obrigado a pagar horas extraordinárias. Uma solução muito semelhante àquela que a administração da Autoeuropa conseguiu impor aos seus trabalhadores tendo como base os chamados “22 dias não trabalháveis trocados pelo congelamento dos salários de todos os trabalhadores durante 2 anos (corresponde a mais de 600.000 contos)” e que depois só serão pagos a singelo se a empresa tiver necessidade desses dias para a produção.

Um exemplo imaginado tornará tudo isto mais claro e mostrará como esta forma de calcular o período normal de trabalho determinará para as empresas uma importante redução de custos, e para os trabalhadores uma perda de uma parcela importante da sua retribuição.

Suponha-se, por ex., um motorista cujo horário de trabalho é de 8 horas por dia e 40 horas por semana. E que em vários dias da semana tem de fazer mais de 8 horas de trabalho por necessidades de serviço. Por exemplo, em viagens de turismo. Actualmente, a entidade patronal paga a 1ª hora suplementar feita em cada dia normal de trabalho para alem das 8 horas com um acréscimo de 50% da retribuição normal, a 2ª hora e subsequentes com um acréscimo de 75%.

A aplicação do período de referência de 6 meses para determinar a “duração média de trabalho”, como consta do código, fará desaparecer uma grande parte da remuneração por trabalho suplementar, apesar do trabalhador continuar a ser obrigado a fazer horas extraordinárias. E porquê ? – Porque a entidade patronal somará o total de horas feito pelo trabalhador durante um período de 6 meses e desde que esse valor não seja superior ao valor que se obtém multiplicando o horário semanal – 40 horas – pelo número de semanas que contém os 6 meses (40 x 4 x 6 = 960 horas) , e também desde que em nenhum dia o trabalhador faça mais de 10 horas, e , em cada semana, mais de 50 horas, a entidade patronal não terá de pagar quaisquer horas extraordinárias.

No passado recente a CIP apresentou uma proposta semelhante à CGTP, que não foi aceite por esta central sindical, que pretendia trocar a aceitação por parte dos sindicatos de uma clausula desta natureza a troco de um aumento salarial geral de 4%, e mesmo assim as entidades patronais ganhariam bastante. Fazendo uma estimativa do que representa um aumento salarial geral de 4%, retirando os trabalhadores da função pública, chega-se a um valor superior a 2.000 milhões de euros por ano. E agora Bagão Félix e o governo do PSD/PP pretendem dar de mão beijada isso e muito mais às entidades patronais através da redução das remunerações dos trabalhadores, tendo posto nas mãos das empresas um instrumento legal que lhes permitirá impor o cálculo do período normal de trabalho em termos médios.

COMO OPÔR-SE: Uma forma de impedir a introdução do chamado “regime especial de adaptabilidade “ na empresa ou mudanças de horários de trabalhos lesivas para os trabalhadores é mobilizar estes para que manifestem a sua oposição por escrito antes de terem decorridos os 21 dias. E de acordo com o artº 658 constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no artº 165

IX – COMO LUTAR CONTRA A REDUÇÃO DO TEMPO DE TRABALHO NOCTURNO PAGO QUE O CÓDIGO PERMITE?

De acordo com o nº 3 do artº 29 do Decreto-Lei 409/71, que vigorou até à entrada em vigor do Código de Bagão Félix, considerava-se “período de trabalho nocturno o compreendido entre as 20 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte”. E segundo o artº 30 do mesmo decreto-lei “ a retribuição do trabalho nocturno será superior em 25% à retribuição a que dá direito o trabalho equivalente prestado durante o dia”.

O nº 3 do artº 192 de Código Bagão Félix dispõe que “ na ausência de fixação por Instrumento de Regulamentação Colectiva considera-se período de trabalho nocturno o compreendido ente as 22 horas de um dia e as 7 horas do dia seguinte”.

Desta forma, e se nada constar de diferente sobre esta matéria no Contrato Colectivo de Trabalho que vigora, o Código de Bagão Félix determina que duas horas de trabalho nocturno – as compreendidas entre as 20 horas e as 22 horas – deixem de ser pagas com um acréscimo de 25%, o que significa mais um importante beneficio para as entidades patronais, e um claro prejuízo para os trabalhadores que realizam trabalho nocturno que deixam de receber um acréscimo de retribuição de 25% como actualmente sucede.

De acordo com estimativas feitas, a aplicação desta disposição determinará uma redução na remuneração mensal de centenas de milhares de trabalhadores calculada entre 100€ e 150€ (entre 20 e 30 contos por mês). Não resta qualquer duvida que tal redução multiplicada por centenas de milhares de trabalhadores vezes 11 meses, representará um aumento significativo nos lucros das empresas e, consequentemente, na exploração dos trabalhadores, sem qualquer aumento da produtividade (também neste caso não haverá aumento do VAB da empresa que serve para determinar a produtividade mas apenas uma repartição da riqueza criada ainda mais favorável à entidade patronal).

Por outro lado, de acordo com o nº 2 do artº 11 da Lei 99/2003 “ o trabalhador que tenha prestado, nos 12 meses anteriores à publicação do Código de Trabalho, pelo menos 50 horas entre as 20 horas e as 22 horas, ou 150 horas de trabalho nocturno depois das 22 horas mantém o direito ao acréscimo de retribuição sempre que realizar a sua prestação entre as 20 horas e as 22 horas”. Assim poderemos ter na mesma empresa trabalhadores a fazer o mesmo trabalho no mesmo período de tempo – entre as 20 horas e as 22 horas – mas a receberem pagamentos diferentes :- a uns é pago o acréscimo de 25% por trabalho nocturno, enquanto outros não recebem nada.

Portanto, o nº 2 do artº 11 da Lei 99/2003, aprovada pela maioria parlamentar PSD/PP e promulgada pelo presidente da república, cria, na prática, duas categorias de trabalhadores, dando um tratamento desigual, conforme tenham realizado ou não as horas de trabalho nocturno indicadas antes da entrada em vigor do Código (se realizou aquelas 50 horas ou 150 horas antes da entrada em vigor do Código, tem direito a receber por trabalho nocturno entre as 20 e as 22 horas que realize depois da entrada em vigor do Código; caso contrário, o trabalhador não terá direito ao pagamento dessas horas como trabalho nocturno), o que viola o princípio de igualdade estabelecido no artº 13 da Constituição.

O objectivo claro é dividir os trabalhadores para mais facilmente impor o código, aumentando assim a sua exploração, até porque com o tempo aqueles que recebem os 25% deixarão também de o receber.

Finalmente, interessa ainda referir que a Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho, nos seus artº 177, 178, 179 e 180, estabelece que a entidade patronal deverá avaliar os riscos para o trabalhador da realização de trabalho nocturno e elaborar um relatório, e que deverá consultar os representantes dos trabalhadores para saúde, higiene e segurança (RT´s para SHST) ou, na falta destes, os próprios trabalhadores, no trabalho sobre as “formas de trabalho nocturno que melhor se adapte ao trabalhador”. Portanto, os RT´s para a SHST devem estar atentos para que a entidade patronal respeite aquele direito exigindo, ao abrigo do direito de informação, uma cópia daquele relatório e dando o seu parecer.

COMO OPÔR-SE: A criação na prática de duas categorias de trabalhadores – os que têm direito ao pagamento das horas compreendidas entre as 20H e 22H e os que não têm esse direito - viola, como já se referiu, o artº 13 da Constituição, e o pagamento de uma retribuição diferente por um trabalho igual viola o nº 1 do artº 59 da Constituição da República que dispõe que “todos os trabalhadores , sem distinção de idade, sexo, território de origem , religião , convicções políticas ou ideológicas têm direito: (a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o principio de que para trabalho igual salário igual”. Para além disso, o próprio Código, no artº 263 estabelece que “na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, a natureza e a qualidade do trabalho (portanto, nenhuma das situações para uns trabalhadores receberem o acréscimo de 25% por trabalho nocturno, e outros não), observando-se o principio de que para trabalho igual, salário igual”.. Igualmente como já se referiu anteriormente a própria Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho define no artº 30, nº 1 “Trabalho igual” e “Trabalho de valor igual” e qualquer violação do estabelecido constitui uma forma de discriminação .

X – COMO LUTAR CONTRA A REDUÇÃO DA RETRIBUIÇÃO PAGA AOS TRABALHADORES QUE O CÓDIGO PRETENDE IMPOR?

O Decreto-Lei nº 49408, que é a lei que vigorou enquanto não entrou em vigor o código, estabelecia no nº 2 do artº 82º que “a retribuição compreende a remuneração base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou espécie”. Isto significava que no cálculo das remunerações acessórias, como é o subsidio de férias, e em relação às indemnizações, etc., era considerada não só a remuneração base, ou seja, o salário base, mas todas as prestações com carácter regular e periódico, como o recebido pelo trabalhador por isenção de horário, comissões, etc..
E o nº 3 do artº 244 do mesmo decreto reforça essa conclusão, pois estabelece que “ até prova em contrário , presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador”.

O próprio Supremo Tribunal de Justiça já tinha considerado, por acórdão, que a remuneração de trabalho suplementar feito de uma forma regular e durante um período extenso de tempo devia ser considerado no calculo do subsidio de ferias, de indemnizações, etc.

O nº 1 do artº 250 do Código de Bagão Félix pretende alterar tudo isto, reduzindo significativamente essa base de cálculo, pois estabelece que “quando as disposições convencionais ou contratuais não disponham o contrário , entende-se que a base do cálculo das prestações complementares ou acessórias é constituída pela retribuição base e pelas diuturnidades “, ficando assim excluídas muitas prestações com carácter regular como são as comissões, os subsídios de turno e de trabalho nocturno, de isenção de horário de trabalho, prémios de produtividade, de assiduidade, etc..

Esta restrição da base de cálculo, reduzindo-a apenas à retribuição base e às diuturnidades, determinará, ao entrar em vigor, uma redução geral nas remunerações dos trabalhadores portugueses, nomeadamente dos trabalhadores por turnos e os que estejam em regime de isenção de horário, porque reduz a base de cálculo do seu subsídio de natal, subsidio de férias, etc., representando para as entidades patronais mais um importante beneficio à custa das já baixas remunerações dos trabalhadores portugueses.

COMO OPÔR-SE: O artº 250 do código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP ao reduzir de uma forma geral as remunerações de uma grande parte dos trabalhadores portugueses determina um efectivo retrocesso social o que viola o artº 2 da Constituição e relativamente ao conceito de remuneração a Convenção 95 da OIT. O Código permite que por IRC seja alargada a base de cálculo existente no Código, o que se deve tentar impor. Para além disso, deve-se procurar defender uma interpretação para o conceito de retribuição que inclua também todas as remunerações associadas à forma especifica de executar o trabalho, o que pode levar a que seja também incorporado o subsidio de turno, o subsidio nocturno, etc. Nunca esquecer que, de acordo com decisão do próprio Tribunal Constitucional, todos os direitos se mantêm nomeadamente os adquiridos. Para além disso, o próprio conceito de retribuição base não está claramente definido no Código o que pode permitir que se interprete que ela não se restringe apenas ao salário base, incluindo também as remunerações ligadas à forma especifica de execução do modo de trabalho (ex.: subsidio de turno, subsidio nocturno, isenção de horário de trabalho).

XI – COMO LUTAR CONTRA O ALARGAMENTO DA MOBILIDADE DE CATEGORIA, DE FUNÇÕES E GEOGRÁFICA QUE O CÓDIGO PRETENDE PERMITIR?

De acordo com o nº 1 do artº 151 do Código, “ o trabalhador deve , em principio, exercer funções correspondentes á actividade para que foi contratado”; portanto, o trabalhador deixa de ser contratado para exercer uma profissão, ou seja, o contrato deixa de estar associado a uma categoria profissional, passando o trabalhador a ser contratado para executar toadas as funções correspondentes a uma actividade. E de acordo com o nº 2 do mesmo artigo, “a actividade contratada compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional ”. E o nº 3 do mesmo artigo dispõe que “consideram-se afins ou funcionalmente ligadas, designadamente, as actividades compreendidas no mesmo grupo ou carreira profissional”.

Resumindo, se a entidade patronal “esquecer” o que está sublinhado poderá procurar pôr o trabalhador a realizar todas as tarefas de toda a carreira profissional do grupo a que pertence o trabalhador incluindo as de nível mais baixo.

O Decreto-Lei nº 49408, que é a lei que esteve em vigor até à entrada em vigor do Código, dispunha no nº 2 do artº 22 , que a entidade patronal só poderia encarregar o trabalhador de desempenhar outra actividade “ se o desempenho da função normal se mantiver como actividade principal do trabalhador ” , formulação esta que desaparece no Código Bagão Félix para beneficio das entidades patronais que assim ficam de mãos mais livres.

O presidente da CIP em declarações feitas ao Diário de Noticias em 11.01.2003 tornou público as intenções do patronato neste campo. Afirmou ele o seguinte: “Uma das mudanças prende-se com o facto de os novos trabalhadores poderem ser recrutados para uma actividade e não para uma função, instituindo-se polivalência de funções e terminando com situações como a de um camionista de pesados não poder guiar uma grua ou carregar um camião”. É a chamada carreira em “zigzag” que Belmiro de Azevedo afirmou num debate na televisão ser já praticada nas empresas do seu grupo, tão do agrado do patronato.

Analisemos agora as várias “mobilidades “ contidas no Código Bagão Félix.
A- BAIXA DE CATEGORIA PROFISSIONAL

O artº 313 do código contém uma disposição que permite a baixa de categoria do trabalhador. Assim, de acordo com o nº 1 deste artigo “o trabalhador pode ser colocado em categoria inferior àquela em que foi contratado ou a que foi promovido … desde que seja imposta por necessidades prementes da empresa ou por estrita necessidade do trabalhador, e desde que seja aceite pelo trabalhador e autorizada pela Inspecção-Geral do Trabalho ”.

Desta forma, pode-se abrir a porta a descidas de categoria, pois muitos trabalhadores, para não perderem o emprego, podem ser levados a ceder face à pressão e chantagem patronal. No entanto o trabalhador com o apoio do seu sindicato tem sempre a possibilidade de se opor a tal descida .

B- MUDANÇA DE FUNÇÕES TEMPORÁRIAS

O nº 1 do artº 314 do Código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP estabelece que , “ o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador das funções não compreendidos na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador ”.

Aqui já não será necessário a aceitação do trabalhador nem a autorização do Ministério, e embora se utilize o termo “ temporariamente” não se fixa nenhum prazo máximo para essa situação, podendo o trabalhador ficar sujeito, se a isso não se opuser com o apoio do seu sindicato , ao arbítrio da entidade patronal quer em relação ao que se deve entender por “interesse da empresa” quer em relação à duração do tempo em que o trabalhador pode ficar em tal situação quer ainda ao que se entende por “não implique modificação substancial da posição do trabalhador”

No entanto, o trabalhador poderá rejeitar tal mudança, porque a lei o permite, quando essa mudança implique mudança substancial da posição do trabalhador. E particularmente quando a entidade patronal, agindo de má fé (imposição negativa do principio de boa fé) , o que pretende é levar o trabalhador a rescindir o contrato.

C- MUDANÇA DE LOCAL DE TRABALHO

De acordo com o nº 1 do artº 315 do Código Bagão Félix “ o empregador pode, quando o interesse da empresa o exija, transferir o trabalhador para outro local de trabalho se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador ”. Portanto trabalhador, apoiado pelo seu sindicato, pode-se opor à transferência desde que ela implique prejuízo sério para ele.

Se a transferência for definitiva, de acordo com o nº 2 do mesmo artigo essa transferência poderá ser realizada “se a alteração resultar da mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço”. O trabalhador se não aceitar poderá rescindir o contrato e receber uma indemnização que varia entre 15 dias e 45 dias de retribuição base e diuturnidades (se as tiver) por cada ano de serviço”(nº 1, artº 443 do Código).

E segundo o nº 1 do artº 316 “ o empregador pode , quando o interesse da empresa o exija , transferir temporariamente o trabalhador para outro local se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador “; portanto, aqui a transferência é temporária. Neste caso, e segundo o nº 3 do artº 316, “da ordem de transferência deve constar o tempo previsível” e “não implicar prejuízo grave para o trabalhador”.

O artº 317 do Código estabelece que no caso da transferência definitiva (artº 315) o trabalhador deverá ser avisado com 30 dias de antecedência, por escrito e a entidade patronal terá de fundamentar devidamente. No caso de transferência temporária (artº 316), o prazo é reduzido para 8 dias. E de acordo com o artº 674 constitui contra-ordenação grave transferência definitiva do trabalhador quando isso lhe provoque prejuízo grave.

D- ALARGAMENTO DO ARBÍTRIO DA ENTIDADE PATRONAL POR CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO

Como tudo isto já não fosse suficiente para fragilizar a posição do trabalhador numa relação que à partida já é bastante desigual, o Código Bagão Félix contém nos seus artigos 314 (nº 2,- Mobilidade funcional, ou seja mudança temporária de funções) , 315 (nº 3, Mobilidade geográfica ) e 316 (nº 2, Transferência temporária ) um número que é igual em todos eles com a seguinte redacção:- “Por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir “ a mobilidade funcional, a mobilidade geográfica e a transferência temporária”.

Desta forma, abre-se a porta para a entidade patronal impor ao trabalhador, utilizando a chantagem e a pressão, nomeadamente no momento da contratação como condição para dar emprego, a aceitação sem limites da mobilidade funcional e geográfica, ou seja, de condições ainda mais gravosas do que aquelas constantes do Código. A titulo de exemplo, interessa referir que muitas grandes superfícies estão a impor aos trabalhadores contratos em que eles têm de aceitar à partida trabalhar em qualquer loja da empresa, e a empresa tem lojas espalhadas por todo o país.

Em resumo, o nº 2 do artº 314 do código permite a celebração de um contrato individual de trabalho que contenha condições menos favoráveis para o trabalhador do que as estabelecidas na lei geral, o que viola a alínea b) do nº 1 do artº 59 da Constituição, já que não respeita o principio de “Organização do trabalho em condições socialmente dignificantes”. O nº 3 do artº 315 e o nº 2 do artº 316 permitem que por contrato individual de trabalho ou por alteração a esse contrato, o trabalhador possa ser transferido para qualquer outro local de trabalho, se tal for do interesse da entidade patronal, e mesmo que isso cause prejuízo sério ao trabalhador.

COMO OPÔR-SE: O nº 2 do artº 314, o nº 3 do artº 315 e o nº 2 do artº 316 violam, como se referiu, preceitos constitucionais . (1) Em relação à descida de categoria – artº 313 – como é necessário o acordo do trabalhador, é apoiá-lo para que ele recuse; (2) Em relação à mobilidade funcional, de acordo a parte final do nº 1 do artº 314, ela só admissível se “tal não implique modificação substancial da posição do trabalhador”; e de acordo com o nº 4 do mesmo artigo “ a ordem de alteração deve ser justificada , com indicação do tempo previsível”; portanto se implicar modificação substancial, ou se não for justificada e com indicação do tempo previsível por escrito o trabalhador pode-se opor; (3) Em relação à mobilidade geográfica – artº 315 – ela é só admissível segundo o nº 1 deste artigo “se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador”; portanto, desde que haja o trabalhador pode-se opor e tem de ser comunicada ao trabalhador pelo menos com 30 dias de antecedência e fundamentada; portanto, deve-se aproveitar este prazo para contestar as razões constantes da fundamentação apresentada pela empresa; (4) Em relação à transferência temporária – artº 316 – ela é só admissível se essa transferência não implicar prejuízo sério para o trabalhador”(nº 1) , e da “ordem de transferência , além da justificação deve constar o tempo previsível que não deverá exceder 6 meses, deve ser fundamentada e comunicada por escrito com pelo menos 8 dias de antecedência; portanto, pode-se utilizar tudo isto para se opor à transferência temporária do trabalhador, contestando as razões apresentadas pela empresa, se esse for o desejo do trabalhador; (5) Conjuntamente com o ataque à contratação colectiva, o afastamento do principio do tratamento mais favorável permitido pelos nº 2 do artº 314 e do artº 316, e pelo nº 3 do artº 315, como se mostrou, constitui também um dos ataques mais violentos aos direitos dos trabalhadores, este último agravado pelo facto de que os efeitos são imediatos com a entrada em vigor do Código em 1.12.2003, o que não acontece com a cessação dos CCT. Efectivamente, muitas entidades patronais já possuem em seu poder contratos modelo que incluem aquelas matérias aproveitando as disposições dos artº referidos anteriormente que procurarão impor aos trabalhadores não só no momento de entrada na empresa mas também fazendo depender aumentos salariais da sua aceitação. Para além disso, a tarefa das entidades patronais poderá estar facilitada naqueles sectores em que os Contratos Colectivos de Trabalho não tratam desta matéria, remetendo para a lei, e como a lei mudou em relação a esta matéria a porta fica aberta para que as entidades patronais, utilizando a chantagem e fragilidade do trabalhador resultante de ele ter de enfrentar a entidade patronal sozinho, procurem impor os seus propósitos, o que será ainda mais facilitado se os trabalhadores não estiverem avisados e se não se opuserem firmemente a qualquer tentativa patronal neste campo. Assim, em relação ao alargamento dos poderes da entidade patronal por contrato individual de trabalho – “Por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir a faculdade existente em cada artigo” - deve-se esclarecer o trabalhador para que nunca aceite o alargamento, pois caso contrário ficará à mercê da entidade patronal já que quando esta o quiser mudar de funções ou de local , e se o trabalhador não aceitar, a entidade patronal poderá tentar despedi-lo sem pagar qualquer indemnização alegando que o trabalhador à partida sabia que isso poderia acontecer e aceitou, portanto agiu de má fé (artº 93 do Código). Para além disso, a alínea f) do artº 122 estabelece que “É proibido ao empregador … Transferir o trabalhador para outro local de trabalho, salvo nos casos previstos neste Código e nos IRC de trabalho , ou quando haja acordo”. Portanto, a entidade patronal não poderá arbitrariamente transferir o trabalhador . Igualmente se a entidade patronal possuir contratos individuais de trabalho com clausulas modelo mais gravosas para os trabalhadores, que procura impor sem discussão, como isso anula o direito de negociação poderá ser impugnado. Finalmente e de acordo com o artº 669 constitui contra-ordenação grave a violação do nº 1 do artº 314 (encarregar mesmo temporariamente o trabalhador que implique modificação substancial da posição do trabalhador), o nº 3 (diminuir a retribuição do trabalhador) e o nº 4 do mesmo artigo ( não indicar na ordem de alteração o tempo previsível). E de acordo com o artº 674 constitui contra-ordenação grave igualmente a transferência geográfica do trabalhador “se essa transferência implicar prejuízo sério para o trabalhador” e “se o empregador não custear as despesas do trabalhador impostas pela transferência decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e resultantes da mudança de residência ”. Em relação aos trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva, de acordo com o artº 457 do Código, estes “não podem ser transferidos do local de trabalho sem o seu acordo, salvo quando a transferência resultar da mudança total ou parcial do estabelecimento onde aqueles prestam serviço”(nº 1) e tem de ser previamente comunicada “à estrutura a que pertencem” (nº 2)

XII – COMO LUTAR CONTRA A REDUÇÃO DA ACTIVIDADE E DA REMUNERAÇÃO DO TRABALHADOR QUE O CÓDIGO PERMITE?

O nº 1 do artº 335 do código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP estabelece que “ o empregador pode reduzir temporariamente os períodos normais de trabalho ou suspender os contratos de trabalho, desde que, por motivos económicos, tanto de mercado com estruturais ou tecnológicos, catástrofes ou outras ocorrências que tenham afectado gravemente a actividade normal da empresa, tais medidas se mostrem indispensáveis para assegurar a viabilidade da empresa e a manutenção dos postos de trabalho”.

Portanto, a entidade patronal pode argumentar com motivos económicos, que podem ser conjunturais (por ex., baixas de vendas ocasionais) ou estruturais (por ex., perda de mercado), ou com motivos tecnológicos (ex. informatização dos serviços) para tentar reduzir o tempo de trabalho ou mesmo a suspensão do contrato de trabalho com a consequente redução de remuneração

E de acordo com o nº 1 do artº 342, “durante a redução ou suspensão, o trabalhador tem direito a receber um compensação retributiva para lhe assegurar uma retribuição mensal equivalente a dois terços da sua anterior retribuição normal liquida, o que significa que ao valor do salário que recebia retira-se o desconto para a segurança social e depois é que se calcula os dois terços. Se o valor assim obtido for inferior ao salário mínimo nacional receberá então o valor deste. Se arranjar trabalho, o valor obtido neste terá de ser deduzido àquela retribuição (artº 344, nº 1, alínea b).

COMO OPÔR-SE : De acordo com o nº 1 do artº 336, o empregador deve comunicar, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou comissões sindicais, a intenção de reduzir ou suspender o trabalho fazendo acompanhar tal comunicação: ( a) Descrição dos fundamentos económicos , financeiros e técnicos; (b) Quadro de pessoal, repartido por secções; (c) Indicação dos critérios utilizados para seleccionar os trabalhadores a abranger pela medida;(d) Indicação dos trabalhadores abrangidos e categorias; etc. Toda esta informação deverá ser utilizada para contestar a redução da actividade ou suspensão dos contratos de trabalho. Segundo o nº 1 do artº 339 “ a redução ou suspensão determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos , deve ter uma duração definida , não podendo, porém, ser superior a 6 meses ”. De acordo com o artº 677, constitui contra-ordenação grave a violação do artº 336, podendo-se exigir à IGT que levante o respectivo auto e aplique a coima prevista .

XIII – COMO É QUE O CÓDIGO PERMITE QUE A BAIXA DE DOENÇA SEJA CONTROLADA PELO MÉDICO INDICADO PELA ENTIDADE PATRONAL?

De acordo com o nº 3 do artº 229 do Código Bagão Félix, a doença do trabalhador “pode ser fiscalizada por médico, mediante requerimento do empregador dirigido à Segurança Social”. E segundo o nº 4 do mesmo artigo, no caso da Segurança Social não indicar um médico no prazo de 24 horas, o empregador designa o médico para efectuar a fiscalização”. Como a Segurança Social poderá não indica, na maioria dos casos, um médico no prazo máximo de 24 horas, então poderá acontecer que tal controlo passe, de facto, para a entidade patronal, o que é grave.

E se o parecer do médico indicado pela empresa for diferente da do médico de família que deu baixa ao trabalhador? De acordo com o nº 5 do mesmo artigo, “em caso de desacordo entre os pareceres médicos, pode ser requerida a intervenção da junta médica”.

Os artº 184 a 195 da Proposta de Lei de Regulamentação do Código do Trabalho definem em pormenor os vários procedimentos e consequências nomeadamente para o trabalhador. Interessa referir nomeadamente o nº 1 do artº 186 o qual estabelece que o trabalhador deverá ser convocado no prazo de 72 horas para exame pelo médico designado e, no caso de não comparecer, “os dias de alegada doença são considerados dias de férias”. No entanto, mesmo neste caso pensamos que deve ser garantido ao trabalhador a duração mínima de 22 dias úteis de férias estabelecida no artº 213 do Código.

Para além disso, em caso de desacordo entre os pareceres dos médicos ( o nomeado e o que deu a baixa) é nomeada uma comissão de avaliação constituída por 3 médicos (um indicado pelo trabalhador, outro pela entidade patronal, e o terceiro pela segurança social) que tem oito dias para se pronunciar (artº 190).

Mais uma medida do governo PSD/PP para fragilizar a situação do trabalhador que à partida já é grandemente favorável à entidade patronal.

XIV – QUAIS SÃO AS OUTRAS FORMAS DE DESPEDIMENTO PREVISTAS TAMBÉM NO CÓDIGO (Despedimento colectivo, por extinção do posto de trabalho, e por inadaptação)?

Para além do despedimento individual com justa causa, o código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP e promulgado já pelo presidente da República prevê também três outras formas de despedimento dos trabalhadores que, embora existentes nas leis actualmente em vigor, ganham no contexto deste código uma gravidade muito maior, já que a relação de forças na empresa tornar-se-á ainda mais favorável à entidade patronal, o que é ainda agravado por algumas alterações introduzidas nomeadamente a redução em cerca de um terço do número de dias dados aos trabalhadores e às suas organizações para contestarem o despedimento. E esses instrumentos são os seguintes:-(1) O despedimento colectivo; (2) O despedimento por extinção do posto de trabalho; (3) O despedimento por inadaptação do trabalhador.

A) DESPEDIMENTO COLECTIVO

Assim, de acordo com o artº 397, será considerado despedimento colectivo se num período de 3 meses forem despedidos, pelo menos, 2 trabalhadores ( no caso de uma microempresa e pequenas empresa, que têm, respectivamente, até 10 ou até 50 trabalhadores ) ou 5 trabalhadores ( no caso de média ou grande empresa que, têm, respectivamente, até 200 ou mais de 200 trabalhadores). E estes podem ser realizados por motivos de mercado (por exemplo, diminuição previsível, nem é necessário que seja de facto, da procura de bens e serviços) ou motivos estruturais (desequilíbrio económico-financeiro, substituição de produtos dominantes, etc.) e motivos tecnológicos (ex.: informatização dos serviços ou automatização dos meios de comunicação).

Para além disso, e contrariamente ao que sucede actualmente, de acordo com o nº 4 do artº 401 do código, ”presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista neste artigo”, que é a relativa a despedimento colectivo (Um mês de retribuição base e diuturnidades – inclui estas últimas se o trabalhador as tiver a receber – por cada ano completo de antiguidade).


B) DESPEDIMENTO POR EXTINÇÃO DO POSTO DE TRABALHO

Neste caso, e segundo o artº 402 do código, os motivos que a entidade patronal pode invocar para despedir os trabalhadores são semelhantes aos do despedimento colectivo, a saber:- de mercado, estruturais e tecnológicos, relativos à empresa.

C) DESPEDIMENTO POR INADAPTAÇÃO De acordo com o artº 406 “constitui fundamento de despedimento do trabalhador a sua inadaptação ao posto de trabalho traduzida nas situações previstas no artº 406, que são as seguintes: (1) Redução da produtividade ou de qualidade; (2) Avarias repetidas nos meios utilizados; (3) Riscos para a segurança e saúde; (4) Não cumprimento de objectivos previamente fixados e formalmente aceites por escrito, portanto razões todas elas de fácil invocação pela entidade patronal.

COMO OPÔR-SE (algumas dicas que poderão ser utilizadas para dificultar, atrasar e se possível impedir o despedimento): (1) Em relação ao despedimento colectivo : (a) A entidade patronal é obrigada a comunicar por escrito à comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa a intenção de proceder ao despedimento com a indicação dos motivos, com o quadro de pessoal, com indicação dos critérios utilizados para seleccionar os trabalhadores a despedir, com a indicação do tempo findo o qual se pretende fazer o despedimento, com o método de cálculo da compensação(artº 419); (b) Seguem-se 10 dias para negociação (artº 419); (c) Participação do serviços do Ministério do Trabalho( artº 420); (d) A decisão de despedimento, com menção expressa do motivo, deve ser comunicada, por escrito, a cada trabalhador com uma antecedência não inferior a 60 dias relativamente à data prevista para a cessação do contrato(artº 398, nº 1); ( e) Nos termos do artº 430 ,o despedimento colectivo é ilícito, portanto nulo, sempre que o empregador não tiver feito as comunicações e promovido a negociação, não tiver observado o prazo para decidir o despedimento, não tiver posto à disposição do trabalhador despedido até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação. (2) Em relação ao despedimento por extinção do posto de trabalho : (a) A mesma obrigatoriedade em relação à comunicação, com a indicação dos motivos invocados para extinção do posto de trabalho, e indicação das categorias profissionais dos trabalhadores abrangidos (artº 423); (b) Seguem-se 10 dias para consultas e negociações podendo ser pedida a intervenção dos serviços do Ministério do Trabalho(artº 424); (c) Seguem-se 5 dias em que a entidade patronal terá de tomar uma decisão fundamentando-a (artº 425);(d) Segundo o artº 432, o despedimento por extinção de posto de trabalho é ilícito, portanto nulo, se não tiver respeitado os requisitos, se tiver violado o critério de determinação dos postos de trabalho, se não tiverem sido feitas as comunicações previstas, e se não tiver sido colocado à disposição do trabalhador, até ao termo do prazo previsto, a compensação; (3) Em relação ao despedimento por inadaptação: (a) A mesma obrigatoriedade da entidade patronal em relação à comunicação por escrito aos representantes dos trabalhadores (Comissão de Trabalhadores ou, na falta desta, com o respectivo fundamento (artº 426), (b) Seguem-se 10 dias para consultas e negociação (artº 426); (c) Depois a entidade patronal tem 5 dias para tomar uma decisão fazendo acompanhar da respectiva fundamentação (artº 427); (d) Segundo o artº 432, o despedimento por inadaptação é ilícito, portanto nulo, se faltarem os requisitos, se não tiverem sido feitas as comunicações, se não tiver sido posto à disposição do trabalhador a compensação.
Para além de tudo isto, e de acordo com o artº 681 constitui contra-ordenação grave a violação dos procedimentos relativos ao despedimento colectivo (artº 681, nº 1, alínea c), ao despedimento com fundamentação na extinção do posto de trabalho (artº 681, nº 1, alínea d) e ao despedimento com fundamentação na inadaptação (artº 681, nº 1, alínea e).


D) ENCERRAMENTO TEMPORÁRIO DA EMPRESA

A Proposta de Lei de Regulamentação no seu artº 220 “legaliza” a criação de mais uma figura, não prevista no Código que poderá ser interpretada e, em muitos casos, funcionar como antecâmara de despedimento colectivo, pretendo assim torná-lo mais “suave” e “enganador” para o trabalhador porque ser mais gradual(!?). É o chamado encerramento temporário da empresa, que procura, até o próprio nome, procura criar a ideia de que é apenas uma situação temporária. No entanto, nada na lei garante que o seja efectivamente.

XV - COMO LUTAR CONTRA A TENTATIVA DE A ENTIDADE PATRONAL RECUSAR A REINTEGRAÇÃO DO TRABALHADOR CUJO DESPEDIMENTO FOI DECLARADO ILÍCITO PELO TRIBUNAL?

De acordo com o nº 2 do artº 438 do código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP e promulgado pelo presidente da República, “em caso de micro-empresas (empresas até 10 trabalhadores) ou relativamente a trabalhadores que ocupem cargos de administração ou direcção (para estes seja qual for a dimensão da empresa) ,”o empregador pode opor-se à reintegração do trabalhador” cujo despedimento foi declarado ilícito pelo tribunal, embora o fundamento invocado – “o regresso do trabalhador ser gravemente prejudicial e perturbador para a prossecução da actividade empresarial” - tenha de ser apreciado pelo tribunal. É para dizer que o crime compensa neste campo, pois se o objectivo era pôr o trabalhador na rua, o código permite e dá cobertura a tal acção ilícita da entidade patronal.

Este despedimento de facto do trabalhador sem justa causa, pois ele tem lugar apesar do tribunal ter declarado a sua ilicitude, viola claramente o artº 53 da Constituição da República que dispõe expressamente o seguinte:- “É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego , sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos ideológicos”, portanto se o tribunal declara ilícito o despedimento é porque não existe justa causa para o fazer.

Assim, a aplicação desta norma do código porá em causa o principio da igualdade perante a lei, pois passarão a existir trabalhadores que se forem despedidos e se o despedimento for declarado ilícito pelo tribunal têm o direito de ser obrigatoriamente reintegrados (empresas com mais de 10 trabalhadores e desde que não ocupem cargos de direcção), e trabalhadores que, apesar do despedimento ter sido declarado ilícito pelo tribunal, não gozam desse direito já que o tribunal cedendo às pressões da entidade patronal poderá negar a reintegração do trabalhador (empresas com 10 ou menos trabalhadores ou trabalhadores ocupando cargos de direcção), concedendo apenas a este o direito de receber uma indemnização que, segundo o artº 439 nº 1, será “entre 15 dias e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade”, portanto não incluiu a totalidades da retribuição regular ( tenha-se presente, que no Projecto de Código a indemnização era entre 30 dias e 60 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, tendo sido diminuído por imposição do patronato).

Embora o Tribunal Constitucional não se tenha pronunciado pela inconstitucionalidade desta norma, no entanto estabeleceu que só o não era “quando a reintegração seja gravemente prejudicial para a prossecução da actividade empresarial, e desde que o despedimento não assente em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, e que o fundamento justificativo da oposição de reintegração não haja sido culposamente criado pelo empregador”.

COMO OPÔR-SE: O despedimento efectivo de um trabalhador cujo despedimento foi declarado ilícito pelo tribunal viola claramente o artº 53 da Constituição que proíbe tal tipo de despedimentos. A substituição deste preceito constitucional por uma indemnização que varia entre 15 e 45 dias de remuneração base e diuturnidades por cada ano de serviço apenas confirma a ideia de que o crime (violação da Constituição) compensa para o governo PSD/PP . Para além disso, e de acordo com a decisão do Tribunal Constitucional qualquer tentativa para recusar a reintegração do trabalhador mesmo em empresas com menos de 10 trabalhadores em que o despedimento seja declarado ilícito pelo tribunal com base “em motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ou que a situação de despedimento tenha sido culposamente criada pela entidade patronal” para despedir o trabalhador é inconstitucional.

XVI – COMO LUTAR CONTRA O DESPEDIMENTO DO TRABALHADOR DUAS VEZES PELO MESMO MOTIVO?

Embora isso contrarie tudo que se conhece neste campo (não existe na lei que estava em vigor) o nº 2 do artº 436 do código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP e promulgado pelo presidente da República permite que “no caso de ser impugnado o despedimento (pelo trabalhador) com base em invalidade do procedimento disciplinar, este pode ser reaberto (pela entidade patronal) até ao termo do prazo para o contestar”.

Isto significa que se o despedimento for declarado ilícito por não cumprimento dos procedimentos estabelecidos na lei por parte da entidade patronal, ou seja, se a entidade patronal não comunicar a intenção do despedimento ou a nota de culpa não tiver sido elaborado conforme está estabelecido na lei, e se a decisão despedimento e os fundamentos não constarem de documento escrito, etc., então a entidade patronal poderá reabrir o processo, corrigir as deficiências e despedir novamente o trabalhador.

Em resumo, o código de trabalho de Bagão Félix permite à entidade patronal reiniciar de novo todo o processo de despedimento no caso de ele ser “declarado ilícito por nulidade de procedimento” pelo tribunal, ou seja, para utilizar as próprias palavras do secretário de Estado:- “ É uma questão de bom senso. Há situações em que existe justa causa, mas que, por um mero vício processual, o despedimento é declarado ilícito. Nesses casos, deve-se abrir a possibilidade de, por uma vez, se corrigir o vício” (Exame, 18 de Setembro de 2002). Portanto, o trabalhador de acordo com o código poderá ter de enfrentar a situação absurda de ser “despedido duas vezes pelo mesmo motivo”. É para dizer:- “Tudo pela e para a entidade patronal, mas nada em defesa do trabalhador”.

O Tribunal Constitucional embora não se tenha pronunciado pela inconstitucionalidade desta norma, no entanto estabeleceu que “este regime é inaplicável em caso de inexistência de procedimento disciplinar e não consentindo o alargamento das impugnações contidas na nota de culpa a outros factos, conhecidos há mais de 60 dias pelo empregador ou pelo superior hierárquico com competência disciplinar”

COMO OPÔR-SE: Deve-se utilizar a decisão do Tribunal Constitucional nomeadamente para impedir que a entidade patronal invente mais culpas para justificar qualquer decisão arbitrária visando despedir o trabalhador.

XVII- COMO LUTAR CONTRA O AFASTAMENTO DO PRINCIPIO DO TRATAMENTO MAIS FAVORÁVEL

O artº 13 do Decreto-Lei 49408, ou seja, a lei que vigorou até à entrada em vigor do Código, estabelecia que “as fontes de direito superiores prevalecem sobre as fontes inferiores, salvo na parte em que estas, sem oposição daquelas, estabeleçam tratamento mais favorável para o trabalhador”. Isto significava que o acordado num contrato colectivo de trabalho, ou num contrato individual de trabalho, só poderia substituir o estabelecido na lei se as suas clausulas fossem mais favoráveis para o trabalhador, exceptuando as normas da lei imperativas que se sobrepunham à vontade das partes. O mesmo sucedia em relação ao Contrato Colectivo de Trabalho e Contrato Individual de Trabalho. Este último só poderia substituir o anterior se fosse mais favorável para o trabalhador.

O principio do tratamento mais favorável é uma das bases mais importantes que garante o progresso social e a protecção do trabalhador numa relação em que ele é a parte mais frágil.

O código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP e promulgado pelo presidente da República pretende subverter totalmente este princípio. E faz isso em três artigos fundamentais.

Assim, o nº 1 do artº 4 do Código Bagão Félix estabelece que “as normas do código podem ser afastadas por instrumentos de regulamentação colectiva, salvo quando delas resultar o contrário”. Isto significa que, exceptuando as matérias do código em que são abrangidas por normas imperativas que é uma pequena parte, em relação a tudo o resto o código admite que os instrumentos de regulamentação colectiva (CCT, PE, decisões arbitrais) possam estabelecer condições até menos favoráveis do que as constantes da lei (pois o Código não estabelece, diferentemente do Decreto-Lei 49408 que tenham de ser sempre condições mais favoráveis). Portanto, a lei acaba por não proteger os trabalhadores em relação a sindicatos eventualmente controlados directa ou indirectamente pelo patronato.

Em relação ao artº 4, o Tribunal Constitucional apenas se pronunciou sobre os regulamentos de extensão (PE) e sobre os regulamentos de condições mínimas (PRT), não se tendo pronunciado sobre as decisões arbitrais e sobre outros instrumentos de regulamentação colectiva (IRC) porque considerou que o presidente da Republica não tinha feito tal solicitação. E sobre as PE e as PRT declarou inconstitucional a parte que se refere aos regulamentos de condições mínimas (PRT), já que estes podiam estabelecer novas condições ( o que não acontecia com as Portarias de Extensão que, como o próprio nome indica, limitam-se a estender condições já estabelecidas a zonas brancas). E de acordo com o Código podiam ser menos favoráveis para os trabalhadores que as estabelecidas na lei geral, por isso essa possibilidade foi declarada inconstitucional pelo Tribunal

Como consequência a maioria parlamentar PSD/PP foi obrigada a introduzir um nº 2 no artº 4 que estabelece que “as normas deste Código não podem ser afastadas por regulamentos de condições mínimas”.

No entanto, em relação aos outros IRC, como não foram submetidos à apreciação do Tribunal Constitucional, não foi declarado inconstitucional a possibilidade de introduziram condições menos favoráveis que as constantes do próprio Código. E isto sucede, repita-se apenas porque o Tribunal Constitucional considerou que o presidente da República tinha pedido a fiscalização preventiva da constitucionalidade em relação apenas às portarias de regulamentação de trabalho, porque se tivesse pedido em relação a todos os IRC o Tribunal Constitucional, se mantivesse o mesmo critério que utilizou em relação às PRT, teria de declarar a sua inconstitucionalidade. E isto porque, de acordo com o Código, podem estabelecer condições mais desfavoráveis para o trabalhador do que as constantes no próprio Código o que, à luz da decisão do Tribunal Constitucional em relação às PRT, é claramente inconstitucional.

O nº 3 do artº 4 do Código estabelece que “as normas deste código podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se delas (normas do código) não resultar o contrário ”. Portanto, quando resultar o contrário, isto é quando as normas do Código admitirem expressamente que isso pode ser feito então poderão ser introduzidas por contrato individual de trabalho condições mais desfavoráveis para os trabalhadores dos que as condições contidas no próprio Código.

É isso precisamente o que sucede nos casos dos nº 2 dos artº 314 e 316 e do nº 3 do artº 315 em que o Código que, como já se mostrou, permite a introdução, através de contrato individual de trabalho, de condições mais desfavoráveis do que as constantes no próprio Código.

Finalmente, o artº 531 estabelece que “as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se daquelas disposições (dos IRC) não resultar o contrário ”. Portanto, o Código admite que os instrumentos de regulamentação colectiva (IRC), como são os contratos colectivos de trabalho e as decisões arbitrais, possam conter normas que permitam que sejam estabelecidas, através de contrato individual de trabalho, condições menos favoráveis que as constantes do próprio IRC.

Assim, está-se perante uma situação triangular gravemente lesiva para os trabalhadores, em que as normas do Código podem ser afastadas ou por instrumentos de Regulamentação Colectiva com a excepção dos casos em que o Código expressamente o não permita, ou por contratos individuais de trabalho nos casos em que o Código expressamente o permitir (é o que sucede nos casos contemplados nos nº 2 do artº 514 e 516 e nº 3 do artº 515) ; e, por sua vez, as normas dos instrumentos de regulamentação colectiva podem ser afastadas por contratos individuais de trabalho mesmo no sentido mais desfavorável para o trabalhador se o IRC contiver normas que o permitam, o que é possível com base neste Código. Portanto, chega-se assim a uma situação absurda em que as fontes de direito inferiores podem afastar as fontes de direito superior em muitos aspectos e mesmo no sentido desfavorável aos trabalhadores.

COMO OPÔR-SE: Estas disposições constantes do código representam um autêntico retrocesso social por isso são claramente inconstitucionais, pois violam o artº 2 da Constituição, bem como o direito à contratação como forma de progresso social estabelecido no artº 56 da Constituição. O Tribunal Constitucional em relação ao único caso cuja fiscalização preventiva foi solicitada pelo presidente da República – o caso das PRT –declarou tal norma inconstitucional pelas razões anteriores: Por isso parece legitimo concluir também (por analogia) que todas os outros casos em que podem ser introduzidas por IRC condições menos favoráveis para os trabalhadores são igualmente inconstitucionais, só não tendo sido declaradas inconstitucionais porque o presidente da República não pediu a sua fiscalização preventiva ao Tribunal Constitucional. Finalmente, interessa referir que uma outra forma de lutar contra o afastamento do principio do tratamento mais favorável, que é uma das bases do progresso social, consiste, em relação ao nº 1 do artº 4, em nunca aceitar ou assinar um IRC que introduza condições mais desfavoráveis para os trabalhadores. Uma forma também de lutar contra o afastamento do principio do tratamento mais favorável permitido pelo nº 3 do artº 4 é apoiar os trabalhadores para que nunca aceitem por contrato individual de trabalho condições mais desfavoráveis que as constantes do Código (ver Pergunta XI onde esta questão está mais pormenorizadamente explicada). Finalmente uma outra forma de lutar contra o afastamento do principio do tratamento mais favorável permitido pelo artº 531 é nunca aceitar ou assinar IRC, por ex. contratos colectivos de trabalho, que permitam que, por contrato individual de trabalho, sejam introduzidas condições mais desfavoráveis para os trabalhadores do que as constantes no IRC.

XVIII –SOBRE A CESSAÇÃO DE EFEITOS DOS CONTRATOS COLECTIVOS DE TRABALHO

Um dos ataques mais graves aos direitos dos trabalhadores assim como aos sindicatos constante do código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP situa-se a nível da contratação colectiva. Para se entender com toda a amplitude o que está em jogo, e o retrocesso social que isso representaria, interessa ter uma ideia global e clara de quais são os objectivos e de qual é a estratégia das forças da direita e do patronato neste campo.

E para isso interessa ter presente nomeadamente o seguinte. Até à entrada em vigor do Código, as leis do trabalho fixavam as condições mínimas. Os contratos colectivos de trabalho fixavam, em muitos sectores, condições mais favoráveis para os trabalhadores que as contidas na lei.

Se o governo PSD/PP e o patronato conseguissem destruir os contratos existentes, isto é, se conseguirem fazer cessar os seus efeitos, e também anular os direitos adquiridos pelos trabalhadores com base nesses contratos, então voltaria tudo à estaca zero como era desejo do patronato e do governo, e ficariam apenas em vigor as normas contidas no código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP que são, como já se viu, muito mais desfavoráveis para os trabalhadores que as contidas nas leis de trabalho anteriores, incluindo algumas publicadas mesmo antes do 25 de Abril.

Para além disso, como o próprio código permite em aspectos essenciais que, por contrato individual de trabalho, sejam estabelecidas normas ainda menos favoráveis para os trabalhadores que as contidas no próprio código, como já se provou, o patronato ficaria assim com as mãos livres para impor as condições que quisesse. Desta forma estariam criadas as condições para a verificação de um verdadeiro retrocesso social.

E como é que o governo PSD/PP e o patronato pretendem fazer cessar os contratos colectivos de trabalho actualmente em vigor e liquidar os direitos adquiridos? Utilizando fundamentalmente dois instrumentos, um constante da Lei 99/2003 e o outro do próprio código. Vamos analisar cada um deles com o pormenor necessário.

A) SUBSTITUIÇÃO DOS CONTRATOS EM VIGOR POR CONTRATOS ASSINADOS POR “SINDICATOS PATRONAIS”

O artº 13 da Lei 99/2003 estabelece que os IRC “vigentes aquando da entrada em vigor do Código podem ser denunciados, com efeitos imediatos, desde que tenha decorrido, pelo menos um ano após a sua última alteração ou entrada em vigor”, o que vem criar as condições para que a clausula da sobrevigência comece logo a actuar (artº 557, do Código).

Por outro lado, o nº 1 do artº 15 da mesma lei estabelece o seguinte: - “Nos casos em que, após a entrada em vigor do Código, se acorde uma convenção aplicável a uma empresa na qual se encontrem em vigor um ou mais IRC outorgados antes da entrada em vigor do Código, os trabalhadores da empresa, que não sejam filiados em sindicato outorgante, susceptíveis de serem abrangidos pelo âmbito sectorial ou profissional em causa, podem escolher, por escrito, o instrumento que lhes é aplicável”. Isto significa que todos os trabalhadores da empresa abrangido por aquele contrato negociado depois da entrada em vigor do Código, mesmo que estejam abrangidos por outro contrato em vigor, podem mudar de contrato se declararem por escrito tal decisão. O objectivo parece ser evidente:- tentar esvaziar os sindicatos do MSU.

Interessa recordar que, como consequência da luta dos trabalhadores e da CGTP, os aspectos gravosos que constavam da redacção anterior deste artigo declarado inconstitucional pelo Tribunal, que determinava o desaparecimento automático dos contratos onde o número de trabalhadores abrangidos por eles fossem minoritário, desapareceram. E que essa norma que foi declarada inconstitucional tinha sido introduzida por proposta da UGT, o que mostra que interesses ela defende.

B) CESSAÇÃO DOS EFEITOS DO CONTRATOS COLECTIVOS DE TRABALHO EM VIGOR

O outro instrumento para liquidar os contratos colectivos em vigor consta do artº 557 do código aprovado pela maior ia parlamentar PSD/PP e promulgado pelo presidente da República.

Assim, de acordo com o nº 1 do artº 556 “a convenção colectiva vigora pelo prazo que dela constar, não podendo ser inferior a um ano”. E segundo o nº 1 do artº 557, decorrido esse prazo de vigência a convenção colectiva renova-se nos termos nela previstos.

De acordo com o nº 2 do mesmo artigo, no caso dessa matéria não se encontrar regulada na convenção aplica-se o seguinte:- (1) Renova-se sucessivamente por períodos de um ano; (2) Havendo denuncia (basta de uma parte), a convenção colectiva renova-se por um período de um ano e, estando as partes em negociação, por novo período de um ano; (3) Decorridos os prazos anteriores, desde que se tenha iniciado a conciliação ou mediação, a convenção continua em vigor mas por mais 6 meses no máximo; (4) Estando em arbitragem mantém-se a vigência até ao fim da arbitragem; (5) Decorrido os prazos anteriores e não se tendo chegado a acordo “ a convenção colectiva cessa os seus efeitos” (artº 557, nº 4), portanto desaparece.

Resumindo, um contrato colectivo findo o período de vigência previsto nele, e tendo sido denunciado por uma das partes vigorará somente o seguinte tempo (inclui todo clausulado): - apenas mais um ano se não se tiver iniciado a negociação; se as partes estiverem em negociação prolonga-se por mais um ano, o que somando ao anterior dá dois anos; e se as partes estiverem em conciliação ou mediação prolongar-se-á por mais 6 meses no máximo, o que dá 2 anos e 6 meses; se se tiver iniciada a arbitragem aguarda-se até ao fim desta.

Findo aquela período – dois anos e meio – e se não se tiver chegado a acordo e não estando em arbitragem cessará os efeitos do contrato, desaparecendo totalmente passando a vigorar apenas o que está no código aprovado pela maioria PSD/PP. E a interpretação que dava o governo e o patronato é que nessa situação mesmo os direitos adquiridos pelos trabalhadores com base no contrato desapareciam também.

Alguns exemplos apenas do que sucederia com o fim da vigência das convenções colectivas de trabalho se a interpretação do patronato e do governo vingasse.

De acordo com um levantamento exaustivo feito pelo dirigente do sector de hotelaria, alimentação e turismo, Augusto Praça, que é simultaneamente advogado, “quem tivesse direito a 2 dias de descanso passaria a ter apenas 1 dia de descanso; quem tivesse direito à alimentação em espécie deixaria de ter e passaria a receber ou não um subsídio; quem recebe o subsidio de trabalho nocturno - para a hotelaria, pastelaria, bolachas, chocolates, Unicer e Central de Cervejas o acréscimo por trabalho nocturno é de 50% a partir das 20 horas - passaria a receber apenas 25% a partir apenas das 22 horas, e na hotelaria e nos hospitais privados não receberia nada devido a uma lei especifica do sector; quem trabalha em Lisboa, Porto ou outra localidade poderia ser transferido para qualquer localidade do País; os trabalhadores agora contratados a prazo no máximo por 3 anos passariam a poder estar nessa situação pelo menos o dobro do tempo; hoje a entidade patronal não tem poder disciplinar sobre os trabalhadores em greve que asseguram os serviços mínimos, com a aprovação do código passariam a estar sob o poder disciplinar da entidade patronal; os complementos de reforma , os subsídios de doença ou seguros de saúde que existem seriam eliminados; o trabalho em feriados e em dia de descanso semanal e feriados que são pagos com um acréscimo superior a 100% e pode chegar a 200%, com o código baixaria para 75%.

No Metro os trabalhadores têm direito a 24 dias de férias e na Carris a 23 dias de férias. Se cessar a vigência destes contratos os trabalhadores passariam a ter direito apenas a 22 dias de férias, que é o que estabelece a lei geral.

Na Carris o trabalho nocturno é o trabalho realizado entre as 20 horas e as 8 horas do dia seguinte. Se cessar a vigência do contrato passará a contar apenas como trabalho nocturno o realizado entre a 22 horas e as 7 horas do dia seguinte, portanto os trabalhadores perderão 3 horas de trabalho nocturno em cada dia.

Na RN, na Carris e no Metro os trabalhadores têm direito a complemento de reforma que é calculado multiplicando o número de anos de empresa vezes 1,5% , total que depois somado à reforma dada pela Segurança Social não podendo ultrapassar 80% no caso da RN e 100% no caso das outras duas empresas do salário do último ano. Se cessar a vigência destes contratos os trabalhadores perderão direito ao complemento de reforma que têm.

No contrato de Transportes Público de Mercadorias, há uma clausula que é conhecida pelos 20.000 trabalhadores do sector – a cláusula 74 – que garante o pagamento a todos os trabalhadores do correspondente a 2 horas de trabalho extraordinário por dia. Esta cláusula determina um acréscimo na remuneração que ronda os 60.000$00 por mês. O patronato do sector tem feito tudo para anular esta cláusula, no entanto a firme oposição dos trabalhadores tem impedido que os patrões levem para a frente os seus intentos. Se cessar a vigência do contrato os trabalhadores perderiam imediatamente o direito àquele valor.

Em quase todos os sectores a cessação da vigência dos contratos colectivos determinaria a perda de importantes direitos para os trabalhadores, direitos esses que foram conquistados ao longo do tempo por eles.

Portanto, o fim da vigência dos contratos colectivos de trabalho, como pretende impor o Código Bagão Félix representaria, para os trabalhadores, um autêntico retrocesso social, pois perderiam o que alcançaram os longo dos anos com a sua luta e esforços se a interpretação patronal e governamental vingasse.

No entanto, o Tribunal Constitucional embora não tenha declarado inconstitucional a chamada clausula da sobrevigência (artº 557 do Código que determina que ao fim de 2,5 anos após ser denunciado um CCT, se os representantes dos trabalhadores e os representantes das entidades patronais não chegarem a acordo, o contrato cessa os seus efeitos); repetindo, o Tribunal apesar de não ter declarado inconstitucional a clausula da sobrevigência, no entanto estabeleceu que os direitos adquiridos pelos trabalhadores no âmbito do contrato que cessa os seus efeitos mantêm-se.

Efectivamente, de acordo com a decisão do Tribunal Constitucional o regime da contratação colectiva continua “ a aplicar-se aos contratos individuais de trabalho anteriormente celebrados e às respectivas renovações ”. Portanto, contrariamente àquilo que o governo e as entidades patronais queriam, mesmo com a cessação dos efeitos dos contratos, os direitos adquiridos com base nesses contratos mantêm-se, portanto nada volta à estaca zero.

COMO OPÔR-SE:- O artº 15 da Lei nº 99/2003 ao procurar incentivar que os trabalhadores abrangidos por uma convenção colectiva de trabalho negociada antes da entrada em vigor do Código passem imediatamente para o âmbito de uma nova convenção negociada depois da entrada em vigor do Código visa fundamentalmente esvaziar e criar dificuldades aos sindicatos do MSU, por isso tem de ser denunciado com vigor entre os trabalhadores e firmemente combatido. O artº 557 ao criar as condições que permitem ao patronato fazer cessar os efeitos dos contratos colectivos de trabalho negociados livremente pelas partes significa um verdadeiro retrocesso social o que viola o artº 2 da Constituição. O Tribunal Constitucional ao estabelecer que os direitos adquiridos mantêm-se mesmo que cessem os efeitos dos contratos, determinará que na mesma empresa ou sector surjam grandes desigualdades, já que pode acontecer que venha a existir na mesma empresa trabalhadores com direitos (os que foram contratados quando o CCT vigorava) e trabalhadores sem direitos (trabalhadores contratados após o contrato ter cessado os seus efeitos). Esta desigualdade deverá ser aproveitada, com base na própria Constituição que proíbe também discriminação no trabalho (exige salário igual para trabalho igual), para lutar por direitos iguais para todos os trabalhadores e contra a cessação dos contratos colectivos de trabalho. Para além da luta directa contra a aplicação ou contra os efeitos da aplicação do artº 557, uma outra forma seria a apresentação de propostas que para além das cláusulas contratuais habituais incluíssem clausulas com objectivo de obter melhorias para os trabalhadores em outros domínios como a formação profissional (previsto no artº 125 do código, nomeadamente na alínea d do nº 1 deste artigo), pausas de trabalho para evitar doenças profissionais (previstas no artº 156), complementos de reforma (previstas no nº 2, artº 533), para aumentar o nº representantes para HST nas grandes empresas com estabelecimentos em muitos locais do País ( a lei fixou como máximo 7 seja qualquer a dimensão da empresa) etc. Mas tudo isso depende de sector para sector em função da situação concreta existente em cada um deles cabendo apenas aos trabalhadores e aos seus dirigentes decidir o que é mais conveniente.

Mais alguns argumentos que poderão ser utilizados para fundamentar a luta:- (1) A Constituição promove a contratação colectiva sendo este direito também uma forma de liberdade sindical como decorre do seu artº 56; no entanto, este código pretende destruir a contratação colectiva; (2) Um contrato resulta de um acordo voluntário entre duas partes. O chamado legislador, que devia respeitar e valorizar a vontade das partes, no entanto utilizando o poder que possui e colocando-se ao lado de uma delas – o patronato – viola assim a autonomia das partes, e tenta destruir os contratos existentes para beneficiar uma das partes, lesando gravemente os interesses da outra, que por ser a mais frágil, devia merecer por parte do legislador maior protecção, o que não sucede neste código.

XIX- SOBRE A ARBITRAGEM OBRIGATÓRIA QUE O CÓDIGO INTRODUZIR

De acordo com o nº 1 do artº 567 do código aprovado pelo PSD/PP, “quando depois de negociações prolongadas e infrutíferas, e tendo-se frustrado a conciliação e a mediação as partes não acordem, no prazo de 2 meses a contar do termo daqueles procedimentos, em submeter o conflito à arbitragem voluntária” “…pode ser tornada obrigatória a realização da arbitragem”

E de acordo com o nº 1 do artº 568 “ a arbitragem obrigatória pode ser determinada por despacho, devidamente fundamentado, do ministro responsável pela área laboral mediante requerimento de qualquer das duas partes ”; portanto, basta que uma parte solicite ao Ministério para que a arbitragem seja imposta por despacho governamental. Sendo também obrigatória se existir uma recomendação do Conselho Permanente da Concertação Social e estiver em causa entre sindicatos filiados nos parceiros com assento naquele Conselho e for apresentado requerimento conjunto por elas subscrito (artº 568, nº 2)

O artº 569 estabelece que as partes têm 48 horas para nomear o seu árbitro (nº 1), e depois estes num prazo de 72 horas procedem à escolha do 3º árbitro (nº 2 ).

No caso de não ter sido feita a designação do árbitro por um das partes, o secretário-geral do Conselho Económico e Social (CES) procede, no prazo de 24 horas, ao sorteio do árbitro entre os árbitros constantes da lista de árbitros dos representantes dos trabalhadores ou dos empregadores “ (nº 3, do artº 569).

E se esta situação acontecer em relação ao arbitro dos trabalhadores até poderá suceder que o arbitro dos trabalhadores num conflito em que esteja envolvido um sindicato do MSU possa ser um arbitro que tenha sido indicado pela UGT o que poderá ser extremamente grave.

E isto porque de acordo com o nº 1 do artº 570 do Código Bagão Félix “ a lista de árbitros dos trabalhadores e dos empregadores são elaborados, no prazo de 2 meses após a entrada em vigor do código, pelos respectivos representantes na Comissão Permanente de Concertação Social”, o que a significa que a UGT vai também indicar árbitros para o grupo de árbitros dos trabalhadores.

No caso de não ter sido feita a designação do 3º árbitro pelos dois outros árbitros, o secretário-geral do CES procede ao respectivo sorteio entre os árbitros da lista de árbitros presidentes (nº 4, artº 569).

E a lista de árbitros presidentes de acordo com o nº 2 do art. 570 é indicada por uma comissão constituída pelo presidente do Conselho Económico e Social, por dois representantes das associações sindicais e por dois das associações patronais, estando assim garantida a maioria governamental/patronal (2 patronais mais o presidente indicado pela maioria parlamentar).

Para além de tudo isto interessa ter presente que existia no Decreto Lei nº 519-C1/79 que vigorou até à entrada em vigor do Código disposições que desaparecem com o Código Bagão Félix , e que são extremamente graves para os trabalhadores .

E essas disposições que desaparecem no Código Bagão Félix são nomeadamente as seguintes:- O nº 3 do artº 34 do DL 519-C1/79 que estabelecia : “Não podem ser árbitros os gerente, administradores, representantes, consultores e todos aqueles que tenham interesse financeiro directo com as entidades interessadas na arbitragem…” E o nº 6 do mesmo artigo que dispunha o seguinte: -“ As decisões arbitrais não podem diminuir direitos ou garantias consagradas em convenções colectivas anteriores”.

A Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho aprovada pelo governo estabelece , no seu artº 416, que “todas as pessoas que, pelo exercício das suas funções, tenham contacto com o processo de arbitragem ficam sujeitas ao dever de sigilo” o que dificulta qualquer comunicação entre os árbitros e a entidade que os designou; no artº 417 dispõe que “ a arbitragem tem inicio 48 horas subsequentes à designação do árbitro presidente”; o artº 425 estabelece que “ a decisão é proferida no prazo máximo de 30 dias a contar do inicio de arbitragem”, podendo “ser prorrogado, em caso de acordo entre as partes, por mais 15 dias”, e “caso não tenha sido possível formar a maioria de votos para a decisão, esta é tomada unicamente pelo presidente do tribunal arbitral” (nº 3), o que vem tornar ainda mais aleatório os resultados da arbitragem.

COMO OPÔR-SE: O Código e a Proposta de Lei que o regulamente ao imporem a arbitragem obrigatória desde que seja requerido por uma das partes, e não pelo menos a pedido dos representantes de ambas, e não delimitando a matéria dessa arbitragem a assuntos bem específicos, como são as remunerações, e ao permitir que a decisão seja tomada apenas pelo arbitro presidente viola o direito à contratação colectiva estabelecido no artº 56 da Constituição assim como a convenção 98 da OIT. Tudo isto é ainda mais grave porque o nº 1 do artº 4 do Código (ver Pergunta XVII) permite que, por arbitragem, sejam estabelecidas condições mais desfavoráveis para os trabalhadores do que as constantes do Código, com excepção daquilo que o Código expressamente o não permita que é pouco.

XX – SOBRE A LIMITAÇÃO DO EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE DAS COMISSÕES DE TRABALHADORES E DOS SINDICATOS QUE O GOVERNO PRETENDE IMPOR

Um outro exemplo concreto que comprova o espírito anti-sindical que percorre todo o código aprovado pela maioria PSD/PP e promulgado pelo presidente da República é a redução do crédito de horas concedido aos membros da comissão de trabalhadores assim como a redução do número de dirigentes sindicais com o direito a crédito de horas, bem como os abrangidos pelo regime de faltas justificadas.

De acordo com o artº 20 da Lei 46/79, que vigorou até à entrada em vigor do Código, os membros das Comissões de Trabalhadores tinham direito a 40 horas por mês para o exercício da sua actividade, e os das Comissões Coordenadoras a 50 horas por mês. Segundo o artº 467 do Código, em relação às Comissões de Trabalhadores o crédito de 40 horas foi reduzido para apenas 25 horas por mês; e as 50 horas concedidas aos membros das Comissões Coordenadores de Trabalhadores baixou para apenas 20 horas por mês.

Os membros das subcomissões de trabalhadores têm um crédito de oito horas por mês para a actividade sindical que é o único que se mantêm igual à lei actual.

Por outro lado, nas micro-empresas estes números são reduzido para metade (nº 2, artº 467).

Em relação aos membros das direcções sindicais, o Decreto Lei 215.B/75, que vigorou até à entrada em vigor da Proposta de Lei de Regulamentação do Código, no seu artº 22 dispõe que todos os membros da direcção beneficiam (cada um deles) de um crédito de quatro dias por mês, mantendo o direito à remuneração, para o desempenho das suas funções e, para além disso, todas as faltas dadas pelos membros da direcção para o desempenho das suas funções são consideradas faltas justificadas. Portanto, não há limite do numero, basta ser dirigente de uma associação sindical.

O Código pretende alterar profundamente esta situação introduzindo sérias limitações ao exercício da actividade sindical.

Assim a nível do Código desapareceu o crédito de horas sendo remetido para “ legislação especial ”, mas estabelecendo-se já no Código que será “atribuído em função da dimensão das empresas e do número de filiados no sindicato” (nº 2, artº 505).

E a nível de legislação especial, a Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho estabelece no nº 1 do artº 395 – Crédito de horas dos membros da direcção – o seguinte::

1- Sem prejuízo do disposto em instrumento de regulamentação colectiva, o número máximo de membros da direcção da associação sindical que beneficiem do crédito de horas , é determinado da seguinte forma:

a) Empresa com menos de 50 trabalhadores sindicalizados : 1 membro;
b) Empresa com 50 a 99 trabalhadores sindicalizados : 2 membros;
c) Empresa com 100 a 199 trabalhadores sindicalizados : 3 membros;
d) Empresa com 200 a 499 trabalhadores sindicalizados : 4 membros;
e) Empresa com 500 a 999 trabalhadores sindicalizados : 6 membros;
f) Empresa com 1000 a 1999 trabalhadores sindicalizados : 7 membros;
g) Empresa com 2000 a 4999 trabalhadores sindicalizados : 8 membros;
h) Empresa com 5000 a 9999 trabalhadores sindicalizados : 10 membros;
i) Empresa com 10.000 ou mais trabalhadores sindicalizados : 12 membro;


Assim, o número de membros da direcção com direito a crédito de horas depende não do facto de ter sido eleito, como acontecia de acordo com o Decreto Lei 215.B/75, mas também do número de trabalhadores sindicalizados que existem na empresa onde trabalha o dirigente sindical.

Depois, para o exercício das suas funções, só os dirigentes que preencham as duas condições é que têm direito , “para exercício das suas funções, cada membro da direcção beneficia do crédito de horas correspondente a 4 dias de trabalho por mês, mantendo o direito à retribuição”. (artº 395, nº 2).

Em relação ao membros da direcção não beneficiados pelo crédito de horas, o nº 2 do artº 397 da Proposta de Lei de Regulamentação estabelece o seguinte:- “ Os demais membros da direcção usufruem do direito a faltas justificadas até ao limite de 30 faltas por ano”, o que significa que as faltas dadas para além de número são consideradas faltas injustificadas e se atingirem as 5 são motivo para despedimento com justa causa (artº 396, nº 3 , alínea g do Código).

As disposições anteriores contidas na Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho significam uma séria restrição ao que estava em vigor, já que de acordo com o nº 1, do artº 22 do DL 215-B/75 , “as faltas dadas pelos membros da direcção dos sindicatos para desempenho das suas funções consideram-se faltas justificadas e contam para todos os efeitos , menos o da remuneração com tempo de serviço efectivo”, e segundo o nº 2 do mesmo artigo “para exercício das suas funções cada membro da direcção beneficia do crédito de 4 dias por mês, mantendo o direito à remuneração”; portanto, quer num caso quer em outro não existia qualquer limite quantitativo.

De acordo com o artº 398 da Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho “ Quando as faltas determinadas para o exercício da actividade sindical se prolongarem efectiva ou previsivelmente para além de um mês aplica-se o regime da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador

Finalmente, de acordo com o nº 2 do artº 6 da Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho “as estruturas de representação colectivas de trabalhadores constituídas antes da entrada da presente lei ficam sujeitas ao regime nela instituído, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos relacionados com a respectiva constituição ou modificação”. Esta disposição poderá levar muitas entidades patronais a tentarem impor, após a entrada em vigor da Lei de Regulamentação do Código de Trabalho, o que se encontra fixado naqueles textos legais relativo a créditos de horas, a faltas justificadas e a horas para o desempenho de actividades relacionadas com defesa dos direitos dos trabalhadores às Comissões de Trabalhadores e às direcções sindicais eleitas mesmo antes da entrada em vigor do Código e da lei de Regulamentação do Código.


Em resumo, o constante da Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho, aprovado já em Conselho de Ministros, representa na prática uma séria limitação a actividade sindical e um ataque frontal à base de toda a estrutura sindical.

Para quem conheça o Movimento Sindical, sabe bem, por um lado, que as grandes empresas fornecem o maior contingente de dirigentes sindicais (até há sindicatos de apenas um empresa, como é o dos CTT, etc.) e de acordo com a proposta do governo da mesma empresa apenas pode existir na direcção no máximo 12 dirigentes sindicais E para que tal suceda é preciso que exista na mesma empresa pelo menos 10.000 trabalhadores sindicalizados pois se existirem menos de 50 apenas um terá direito a crédito de horas e a faltas justificadas. E tudo isto ainda com limitação imposta pelo artº 398 (para além do mês aplica-se o regime da suspensão do contrato de trabalho por facto respeitante ao trabalhador).

Embora dessas empresas possam pertencer mais trabalhadores à direcção do sindicato, estes não têm direito nem a crédito de horas e o número de faltas justificadas não poderá ultrapassar as 30 por ano, pois as que excederem são consideradas faltas injustificadas e constituirão motivo para despedimento com justa causa.

É evidente que estas limitações a actividade sindical não atingem a UGT porque esta organização não tem estrutura sindical de base. Estas propostas do governo visam claramente a CGTP e os seus sindicatos, e o combate a elas terá de ser também uma prioridade de todo o Movimento Sindical Unitário.

Para além de tudo isto, em relação quer aos membros das direcções sindicais quer aos delegados sindicais o código diminui a protecção que gozam na lei actual em caso de tentativa de despedimento por parte da entidade patronal.

Assim, de acordo com o artº 24 e com o artº 35 do Decreto-Lei 215-B/75, conhecido por lei sindical, o despedimento de membros dos corpos gerentes dos sindicatos ou de delegados sindicais que estejam a exercer tais cargos ou que os tenham exercido há menos de cinco anos presume-se sempre que é feito sem justa causa . O nº 2 do artº 456 do Código de Trabalho, sobre “Protecção em caso de procedimento disciplinar e despedimento” apenas estabelece que “ o despedimento de trabalhador pertencente a corpos gerentes das associações sindicais , bem como do que exerça ou haja exercido funções nos mesmos corpos gerentes há menos de três anos, presume-se feito sem justa causa . Portanto, reduz-se o período de protecção para apenas 3 anos e os delegados sindicais não se encontram abrangidos por este artigo do código que trata da protecção de trabalhadores eleitos para as estruturas de representação colectiva.

Por outro lado, de acordo com o nº 2 do artº 494, “ a responsabilidade pelas despesas necessárias para a entrega à associação sindical do valor da quota deduzida pelo empregador pode ser definida por instrumento de regulamentação colectiva ou por acordo entre o empregador e o trabalhador”, o que visa claramente criar mais obstáculos à actividade sindical dificultando o seu financiamento por parte dos trabalhadores.

Finalmente, existe um ponto importante que interessa saber como ele é tratado no Código Bagão Félix e na Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho –Reunião no local de trabalho dentro do horário de trabalho – pois as entidades patronais aproveitavam a deficiente redacção da lei que estava em vigor para impedir o exercício deste direito pelos trabalhadores.

Assim, de acordo com o nº 2 do artº 27 do DL 215-B/75, “as reuniões realizadas durante o período normal de trabalho até um período máximo de 15 horas por ano, só podem ser convocadas pela comissão intersindical ou pela comissão sindical, conforme os trabalhadores da empresa estejam ou não representados por mais do que um sindicato”. As entidades patronais aproveitaram a existência de sindicatos amarelos na empresa para impedir a realização de reuniões dentro do horário de trabalho.

Sobre a convocação das reuniões dentro do horário de trabalho, e também até um limite máximo de 15 horas por ano (nº 2, do artº 497 do Código de Trabalho), o artº 392 da Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho estabelece que “as reuniões só podem ser convocadas pela comissão sindical ou pela comissão intersindical”, não existindo a obrigatoriedade que existia na lei anterior das reuniões só poderem ser convocadas pela comissão intersindical se os trabalhadores da empresa estiverem representados por mais do que um sindicato.

XXI – SOBRE A LIMITAÇÃO DO DIREITO IRRENUNCIÁVEL À GREVE QUE O CÓDIGO PRETENDE IMPOR

O artº 591 do código começa por afirmar que “o direito à greve é, em termos constitucionais, um direito dos trabalhadores” (nº 1), que “compete aos trabalhadores definir o âmbito dos interesses a defender através da greve” (nº 2), e que é um direito “irrenunciável” (nº 3).

No entanto, logo a seguir o código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP procura introduzir uma série de limitações ao seu exercício, sendo até a introdução de uma delas – substituição dos trabalhadores em greve por elementos de uma empresa contratada – posterior ao debate público e ao fecho das reuniões do Conselho Permanente da Concertação Social.

Contrariamente ao que dispunha a lei de greve (Lei 65/77) , o artº 595 do código estabelece que o aviso prévio de greve , feito “com o prazo mínimo de 5 dias úteis” (nº 1) podendo ser aumentado para 10 dias úteis nas empresas que “se destinem à satisfação de necessidades sociais” (artº 598, nº 1 ) , “ deve conter uma proposta de definição dos serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações, bem como, sempre que a greve se realize em empresa ou estabelecimento que se destine à satisfação de necessidades sociais impreteríveis, uma proposta de definição de serviços mínimos ” (nº 3 do mesmo artigo).

E de acordo com o nº 3 do artº 599, “na falta de acordo com os representantes dos trabalhadores até ao termo do terceiro dia posterior ao aviso prévio de greve, a definição dos serviços e dos meios necessários para os assegurar é estabelecida por despach o conjunto, devidamente fundamentado, do Ministro responsável pela área laboral e do ministro responsável pelo sector de actividade”.

E segundo o nº 2 do artº 598 são considerados empresas em que é obrigatório a garantia da prestação de serviços mínimos, entre outras, “correios e telecomunicações”, “serviços médicos, hospitalares e medicamentosos”, “os serviços de atendimento ao público que assegurem a satisfação de necessidades essenciais cuja prestação incumba ao Estado” (nº 2, alínea g), os “transportes” (nº 2, alínea h), e os de “segurança transporte e segurança de valores monetários” (nº 2, alínea J), o que leva a pensar que se esteja perante não serviços mínimos, mas sim serviços máximos, o que viola o artº 57 da Constituição.

Para além de tudo isto, e apesar do direito à greve ser um “direito irrenunciável”, o nº 1 do artº 606 determina que “pode a contratação colectiva estabelecer normas especiais relativas a procedimentos de resolução dos conflitos susceptíveis de determinar o recurso à greve , assim como limitações, durante a vigência do instrumento de regulamentação colectiva, à declaração de greve por parte dos sindicatos outorgantes por motivos relacionados com o conteúdo da convenção”. Portanto, pretendia-se assim limitar, através de uma pretensa “clausula de paz social” eventualmente negociada com “sindicatos” controlados pelo patronato, o exercício de um direito garantido aos trabalhadores pela própria Constituição

O Tribunal Constitucional declarou inconstitucional a parte do artº 606 “enquanto permite a assunção de limitações, por parte dos sindicatos outorgantes da convenção colectiva, à declaração de greve durante a vigência da convenção e por motivos relacionados com o conteúdo desta”.

No entanto, o Código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP, e promulgado pelo presidente da República, mantém aquelas limitações ao exercício do direito à grave tendo apenas introduzido mais um número neste artigo que diz expressamente o seguinte:- “As limitações previstas na 2ª parte do nº 1 do artº 606 não prejudicam, nomeadamente a declaração de greve com fundamento: -(a) Na alteração anormal das circunstância em que acordaram o instrumento de regulamentação colectiva; (b) No incumprimento da convenção colectiva”. Portanto, tudo que não se enquadre nestas duas alíneas, se existir uma clausula de “paz social” acordada, serão consideradas razões ilegítimas para a realização da greve sendo naturalmente as associações sindicais passíveis de serem responsabilizadas pelos “prejuízos “ causados às entidades patronais.

Por outro lado, de acordo com o nº 2 do artº 596 do Código Bagão Félix “a concreta tarefa desempenhada pelo trabalhador em greve” pode “ser realizada por empresa especialmente contratada para o efeito” desde que seja considerado (naturalmente pela entidade patronal) “não estarem garantidos a satisfação das necessidades sociais impreteríveis ou os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações” . Portanto, isto significa que os trabalhadores em greve poderão ser substituídos por trabalhadores de empresas contratadas pela administração

Contrariamente ao que estabelece a lei que estava em vigor, o nº 1 do artº 600 do Código dispõe que “os trabalhadores afectos à prestação dos serviços mínimos mantêm-se sob a autoridade e direcção do empregador, tendo direito, nomeadamente, à retribuição”, ou seja, são criadas assim condições que permitem a chantagem da entidade patronal sobre esses trabalhadores.

A Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho, nos seus artigos 432 a 440 estabelece as normas que regulamentam a designação e funcionamento das comissões de arbitragem que o Código prevê para a definição de serviços mínimos nos serviços de administração directa do Estado ou empresa do sector empresarial do Estado (nº 4 do artº 599 do Código).

De acordo com o artº 439 da Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Estado “a notificação da decisão da comissão arbitral é comunicada até 72 horas antes do inicio do período de greve”, sendo apenas 24 horas “no caso de o aviso prévio ser de 5 dias úteis”. E de acordo com o artº 440 da mesma proposta os representantes dos trabalhadores “devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos até 12 horas antes do inicio do período de greve e, se o não fizerem, deve o empregador proceder a essa decisão”.

COMO OPÔR-SE: A substituição de trabalhadores em greve por uma empresa especialmente contratada para realizar as tarefas que aqueles vinham fazendo assim como as limitações ao direito de greve parecem violar claramente o artº 57 da Constituição, como direito irrenunciável dos trabalhadores, que “compete aos trabalhadores definir o âmbito dos interesses a defender através da greve ”.

XXII – COMO É QUE O CÓDIGO PRETENDE FAZER CHANTAGEM SOBRE OS SINDICATOS E SEUS FILIADOS

O artº 562 do código aprovado pelo governo estabelece que “a parte outorgante da convenção colectiva, bem como os respectivos filiados que faltem culposamente ao cumprimento das obrigações dele emergentes são responsáveis pelo prejuízo causado nos termos gerais”, portanto põe em pé de igualdades trabalhadores e entidades patronais, numa relação que é desigual à partida.

E o artº 601 estabelece que “no caso de não cumprimento da obrigação da prestação de serviços mínimos” durante a greve terão lugar os “efeitos gerais” por incumprimento. Para além disso, durante a greve “os trabalhadores afectos à prestação de serviços mínimos mantêm-se …. sob a autoridade e direcção do empregador…” (nº 1, artº 600).

XXIII- COMO LUTAR CONTRA OUTROS RETROCESSOS SOCIAIS QUE O CÓDIGO PRETENDE IMPOR?

Sem ter a intenção de esgotar esta matéria interessa chamar a atenção para mais alguns aspectos gravosos para os trabalhadores do código Bagão Félix.

Tal como acontecia no Anteprojecto e na Proposta de Lei de Código de Trabalho, o código aprovado pela maioria PSD/PP e promulgado pelo presidente da República contém ainda mais clausulas que representam para os trabalhadores a redução das suas já baixas remunerações ou mais ataques aos seus direitos, e para as entidades patronais ou importantes ganhos ou o reforço do poder patronal na empresa, desequilibrando ainda mais a relação trabalhador-entidade patronal que à partida já era e é bastante desigual em favor da segunda.

Assim, de acordo com o nº 2 do artº 163 “ há tolerância de 15 minutos para as transacções, operações e serviços começados e não acabados na hora estabelecida para o termo do período normal do tempo de trabalho …. Devendo o acréscimo de trabalho ser pago quando perfizer 4 horas ou no termo de cada ano civil”. Portanto, este trabalho extraordinário não é pago no mês em que é realizado, mas sim só quando atingir 4 horas ou terminar o ano civil.

O código aprovado pela maioria PSD/PP cria novas sanções e agrava algumas das existentes.

Assim de acordo com alínea d) do artº 365 do código é criada uma nova sanção a aplicar pela entidade patronal, que é a “perda de dias de férias”, que poderá determinar que o período efectivo de férias do trabalhador seja reduzido para apenas 20 dias úteis (nº 2, artº 368), portanto menos que o período mínimo fixado na lei que vigorou até à entrada do Código, que é 22 dias úteis

O nº 1 do artº 368 do Código estabelece que as sanções pecuniárias que a entidade patronal pode aplicar ao trabalhador poderão atingir “um terço da sua retribuição diária e, em cada ano civil, a retribuição correspondente a 30 dias”. A lei que vigora até à entrada do Código, o Decreto Lei nº 49408, no seu artº 28 estabelece um valor muito inferior pois dispõe que as sanções pecuniárias não podem exceder um quarto da retribuição diária e, em cada ano, a retribuição correspondente a 10 dias”.

E de acordo com o nº 3 do artº 208, a maioria parlamentar PSD/PP manteve a disposição que existia no projecto que “mediante legislação especial, determinados feriados podem ser observados na 2ª feira da semana subsequente”.

XXIV- COMO É QUE O CÓDIGO PROCURA MANIPULAR A OPINIÃO PUBLICA EM RELAÇÃO AO AUMENTO DE DIAS DE FÉRIAS?

Na campanha de manipulação da opinião pública o governo PSD/PP procurou ocultar as inúmeras disposições gravosas utilizando, para isso, benefícios que dizia que os trabalhadores teriam com o código. Igual comportamento teve a UGT, cujo secretário-geral chegou ao ponto de dizer, mentindo, que se o código já estivesse em vigor não teria havido despedimentos na empresa Clark.

E um dos pontos mais utilizados pela propaganda oficial e pela comunicação social afecta, foi nomeadamente o aumento dos dias de férias. Por isso, interessa analisá-lo com pormenor.

De acordo com o nº 3, do artº 213 do código “a duração do período de férias é aumentada no caso do trabalhador não ter faltado ou na eventualidade de ter apenas faltas justificadas , no ano em que as férias se reportam, nos seguintes termos:- (a) Mais 3 dias de férias até ao máximo de 1 falta justificada ou dois meios dias; (b) Mais 2 dias de férias até ao máximo de 2 faltas justificadas ou 4 meios dias; (c) Mais um dia de férias até ao máximo de 3 faltas justificadas ou 6 meios dias.

Portanto, para o trabalhador ter acréscimos de dias de férias não pode ter dado faltas injustificadas (basta uma para perder o direito a qualquer acréscimo) e tem de ter dado um número muito reduzido de faltas justificadas. . Interessa recordar que do anteprojecto até à versão final do código o número máximo de faltas justificadas para se ter direito a um acréscimo de dias de férias foi reduzido por pressão do patronato. Finalmente, o código ao criar sanções que não existiam na lei actual – a perda de dias de férias – ainda torna mais claro este simulacro.

No entanto, as faltas dadas ao abrigo artº 50 do Código parece não deverem ser consideradas para efeitos para redução da majoração dos dias de férias.

Para além disso, mesmo este reduzido beneficio introduzido pelo Código, o governo e as entidades patronais estão a procurar que ele não tenha lugar em 2004, mas só a partir de 2005, com o pretexto de que como o Código só entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 não é possível, sob o ponto de vista legal, fazer o controlo das faltas dadas pelos trabalhadores em 2003. Os trabalhadores e as suas organizações devem combater esta interpretação da lei em beneficio das entidades patronais, e exigir que lhe sejam concedidos já em 2004 mais 3 dias de férias, para além dos 22 dias, se deram em 2003 no máximo uma falta justificada ou 2 meios dias; mais 2 dias de férias se deram no máximo 2 faltas justificadas ou 4 meios dias; e mais um dia de férias se deram em 2003 no máximo 3 faltas justificas ou 6 meios dias. E isto porque o direito às férias vence no dia 1 de Janeiro de cada ano civil (nº 1, artº 212 do Código), e no dia 1 de Janeiro de 2004 o Código já estava em vigor.

XXV – COMO É QUE O CÓDIGO PRETENDE CONTROLAR AS ASSOCIAÇÕES SINDICAIS?

Já depois de encerrado a discussão no Conselho Permanente de Concertação social, o governo PSD/PP acordou com a UGT e a CIP o financiamento pelo Estado das associações representativas dos trabalhadores e dos empregadores, o que parece contrariar nomeadamente o artº 55, nº 4 da Constituição.

Assim, de acordo com o nº 3 do artº 452 do código, “o Estado pode apoiar as estruturas de representação dos trabalhadores , nos termos previstos na lei” (para as entidades patronais está o mesmo previsto no nº 2 do artº 507).

Em relação aos trabalhadores, o objectivo é claro:- através do financiamento procurarem “domesticar” as associações sindicais, tornando-as dependentes do poder político, e mais submissas aos interesses do capital.

Nos países em que isso sucedeu, as organizações dos trabalhadores tornaram-se muito dependentes da política do governo, verificando-se uma clara fragilização da sua a ligação com os trabalhadores, pois no modelo actual a situação financeira das associações sindicais está muito dependente da acção sindical desenvolvida em defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores.

XXVI – COMO TORNAR EFECTIVO O DIREITO À FORMAÇÃO PROFISSIONAL?

Em Portugal continua a vigorar um modelo de desenvolvimento baseado fundamentalmente em trabalho pouco qualificado e mal remunerado. Num estudo que realizamos para um seminário organizado pela CGTP-IN, e que enviaremos a quem nos pedir para o endereço edr@netcabo.pt , procuramos mostrar que não é possível passar do modelo actual para um modelo de desenvolvimento assente em trabalho qualificado e bem remunerado sem antes aumentar significativamente a qualificação da população empregada, que na sua maioria esmagadora é claramente insuficiente e tem aumentado a um ritmo demasiadamente lento nos últimos anos. Portanto, o aumento da qualificação, embora não seja a condição suficiente, é uma condição necessário para se poder passar para um novo modelo de desenvolvimento.

Neste aumento rápida da qualificação da população empregada, como forma também de garantir emprego, tem um papel chave a formação profissional continua ao longo da vida, pois apesar de Portugal ser o país da U.E. onde essa qualificação é mais baixa, é também onde a percentagem da população activa em formação (cerca de 3,3% do total em 2000, e tendo diminuído para apenas 2,9% em 2002) é uma das mais baixas dos países da U.E. ( a média da U.E. ronda os 8,9%).

No Acordo sobre Formação assinado pelo governo anterior e pelos parceiros sociais, ficou estabelecido que seria introduzida em todos os contratos assinados por trabalhadores com menos de 18 anos uma “clausula de formação” que garantiria a estes trabalhadores “uma formação com uma duração total não inferior a 1000 horas e, numa gestão flexível do tempo de formação, de 200-300 horas por quadrimestre”.

De acordo com o Relatório de Actividades do IEFP, que é a entidade que tem a responsabilidade de executar esta medida, até ao fim do ano de 2002 a sua execução desta tinha sido ZERO (pág. C-7 do Relatório de Actividades). E isto apesar de se orçamentar todos os anos verbas importantes para tal fim (por ex., no Orçamento do ano 2001 foram inscritos 20 milhões de contos, e no de 2002 cerca de metade da verba de 2001). No entanto, até a esta data nada foi executado neste campo devido à oposição das entidades patronais que nem comunicam ao IEFP as contratações de jovens que fazem, e devido também ao facto do governo e do IEFP nada fazerem para anular o boicote patronal. O IEFP aceitando passivamente o incumprimento por parte das entidades patronais inscreveu no seu orçamento de 2004, para a formação de menores que entrem no mercado de trabalho sem a escolaridade obrigatório e sem qualificação profissional, apenas 500.000 euros.

O código estabelece algumas normas no campo da formação profissional, que são a transposição para ele de pontos que tinham sido acordados entre o governo anterior e os parceiros sociais, que seria importante que não acabassem por se transformarem em letra morta como tem sucedido com a “clausula de formação”.

Para que isso não aconteça é necessário que as organizações de trabalhadores exijam o seu efectivo cumprimento. E isso só poderá suceder se essas normas constantes no código, resultante da luta dos trabalhadores portugueses, sejam amplamente conhecidas.

Assim, o artº 125 do código estabelece no seu nº 2 que “ a formação continua de activos deve abranger, em cada ano, pelo menos 10% dos trabalhadores com contrato sem termo de cada empresa”. E segundo o nº 3 “ ao trabalhador deve ser assegurado, no âmbito da formação continua, um número mínimo de 20 horas de formação certificada”, sendo de “35 horas a partir de 2006”( nº 3).

No entanto, o nº 5 do artº 125 do Código estabelece que “as horas de formação que não foram organizadas sob a responsabilidade do empregador por motivo que lhe seja imputável são transformadas em créditos acumuláveis ao longo de 3 anos, no máximo”. Portanto, para além dos 3 anos desaparecem automaticamente. E até 3 anos o que acontecerá se a empresa não as realizar? – De acordo com o artº 654 terá de pagar uma coima. Por outras palavras, corre-se o risco , mesmo em relação aos activos com contratos de trabalho definitivos, que o direito è formação não seja garantido efectivamente aos trabalhadores.

O nº 1 do artº 165 da Proposta de Lei de Regulamentação de Trabalho estabelece que “o trabalhador pode utilizar o crédito de horas correspondente ao número mínimo de horas de formação continua anuais , se esta não for assegurada pelos empregadores por motivo que lhe seja imputável, para frequência de acções de formação por sua iniciativa, mediante comunicação ao empregador com a antecedência mínima de 10 dias”.

Mas como a lei não estabelece que no caso do trabalhador não encontrar formação cofinanciada pelo Estado, terá de ser a empresa a pagar, o direito às formação mesmo em relação às horas previstas no Código não está garantido.

O nº 6 do artº 125 do Código estabelece que esta formação “deve ser complementada por outras acções previstas em Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho”, o que abre a porta para que se lute a nível da contratação colectiva pela introdução de clausulas que tornem e ampliem a efectividade do direito à formação profissional dos trabalhadores, condição indispensável para assegurarem o posto de trabalho num mundo em rápida mudança e a ascensão na carreira profissional.

Em relação aos trabalhadores contratados a prazo, o artº 137 do código estabelece o seguinte: - “ O empregador deve proporcionar formação profissional ao trabalhador contratado a prazo sempre que a duração do contrato, inicial ou com renovações, exceda 6 meses, sendo: (a) Se o contrato durar menos de um ano, a formação é igual a um número de horas igual a 1% do período normal de trabalho; (b) Se o contrato durar de um a três anos, a formação corresponde a um número de horas igual a 2% do período normal do tempo de trabalho; (c) Se o contrato durar mais de 3 anos a formação corresponde a um número de horas igual a 3% do período normal de trabalho.

No entanto, segundo o nº 5 do mesmo artigo do Código, “ o incumprimento do disposto anteriormente confere ao trabalhador um crédito igual ao valor da formação que devia ser realizada”. (nº 5, artº 137), o que permite à entidade patronal substituir a formação por dinheiro. E se se tiver presente que o financiamento publico por cada hora de formação continua realizada é inferior a 5 euros, rapidamente se conclui que é muito mais barato para a entidade patronal pagar esse crédito ao trabalhador do que realizar formação profissional..

COMO LUTAR PELA EFECTIVAÇÃO DESTE DIREITO:
As organizações de trabalhadores devem exigir o cumprimento destas disposições, nomeadamente crédito de horas para os trabalhadores poderem participar em acções de formação dentro do período laboral, controlando a qualidade e a efectividade da formação no caso da empresa se propor realizar ou organizar, e no caso de a não realizar o trabalhador ter o direito de escolher a entidade formadora, e essa formação ser paga pela empresa. Deve-se exigir e incorporar clausulas sobre formação nos CCT a fim de alargar e efectivar este direito. Para além disso, e de acordo com o artº 654 constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no artº 125 nº 1, 2, 3, 4, e 6, portanto tudo o que diz respeito a horas de formação de activos. E de acordo com o artº 655 constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto no artº 137, portanto as horas de formação a que têm direito os trabalhadores contratados a prazo. Portanto, em caso de violação por parte da empresa pode-se exigir que a IGT intervenha, levante o respectivo auto e aplique coimas. Para além disso o nº 2 do artº 533 abre a possibilidade da criação por IRC de complementos de reforma.

XXVII – COMO LUTAR PELA INTRODUÇÃO DE PAUSAS DE TRABALHO QUE SÃO NECESSÁRIAS PARA DEFENDER A VIDA E A SAÚDE DOS TRABALHADORES E DE COMPLEMENTOS DE REFORMA

O artº 156 do Código estabelece que se consideram compreendidos nos tempo de trabalho:- (a) As interrupções de trabalho consideradas em IRC, em regulamento interno de empresa ou resultante de usos reiterados da empresa; (b) As interrupções ocasionais para satisfação de necessidades inadiáveis dos trabalhadores; (c) As interrupções ditadas por motivos técnicos; (d) Os intervalos para refeições em que os trabalhadores tenham de permanecer no espaço habitual de trabalho podendo ser chamado para testar trabalho normal em caso de necessidade; (d) As interrupções ou pausas impostas por normas especiais de segurança , higiene e saúde no trabalho”

E o artº 10 da Lei 99/2003 estabelece que o disposto na alínea a) do artº 156 do Código não é aplicável até à entrada em vigor de convenção colectiva que disponha sobra a matéria , mantendo-se em vigor, durante esse período o previsto no nº 1 da Lei 21/96 , e na alínea a) do nº 1 do artº 2 da Lei nº 73/98 .

Para além disso, o nº 2 do artº 533 do Código estabelece que “os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho podem instituir regimes complementares contratuais que atribuem prestações complementares do subsistema previdencial na parte não coberta por este, nos termos da lei”

COMO LUTAR PELA EFECTIVAÇÃO DESTE DIREITO:
Defender a introdução de pausas necessárias para defender os trabalhadores contra acidentes de trabalho e doenças profissionais quer através de IRC (ex.: Contratos Colectivos de Trabalho) quer directamente O Instituto Bento de Jesus Caraça realiza cursos que têm como objectivo ensinar os negociador sindicais a determinar, como base numa metodologia cientifica, as pausas no trabalho de forma que defendam efectivamente os trabalhadores. O mesmo se pode fazer a nível da contratação colectiva em relação aos complementos de reforma, cuja introdução é permitida pelo Código, uma reivindicação importante que surgiu logo depois do 25 de Abril, mas cuja garantia deve ser externalizada, ou seja, com base em patrimónios autónomos da empresa, a fim de evitar, como sucedeu no passado, que qualquer dificuldade surgida na empresa determine a delapidação do património que garante o pagamento dos complementos de reforma.

XXVIII – COMO EFECTIVAR OS DIREITOS DOS TRABALHADORES NO CAMPO DA SEGURANÇA, HIGIENE E SAÚDE NO TRABALHO

O Código de Trabalho tem um capitulo – o Capitulo IV – dedicado à matéria de SHST, o qual consiste na transposição para o Código de Trabalho de alguns dos artigos do Decreto-Lei 441/91, a chamada lei quadro da saúde, higiene e segurança no trabalho. Esses artigos, são os que vão do artº 272 ao 280 do Código.

Dentro da matéria de SHST que consta já do Código de Trabalho interessa destacar, as obrigações das entidades patronais neste campo (artº 273) cuja violação constitui contra-ordenação muito grave (artº 671, nº 1 ) punida com uma coima que poderá atingir valores significativos ( artº 620, nº 4 do Código).

Para além das obrigações das entidades patronais, interessa ressaltar os direitos dos trabalhadores; nomeadamente o direito de informação que têm os trabalhadores e seus representantes (artº 275, nº 1, nº 2 e nº 5); o direito de consulta (artº 275, nº 3); o direito de apresentar propostas (artº 275, nº 4); o direito de representação , ou seja, de eleger representantes para SHST em todas das empresas e estabelecimentos do País (artº 277); e o direito de solicitar a intervenção dos organismos de fiscalização (IGT e DMS) e de apresentar a estes as suas observações (artº 279, do Código).

São 6 direitos fundamentais na área da Saúde, Higiene e Segurança de Trabalho, que é necessário conhecer muito bem para se poder exigir o seu respeito e efectivação por parte das entidades patronais.

Sem uma intervenção actuante dos trabalhadores não será possível a sua implementação e respeito, nem será possível a eliminação ou pelo menos a redução significativa desta forma de violência e de exploração dos trabalhadores que são os acidentes de trabalho e as doenças profissionais que atingem centenas de milhares de trabalhadores tirando-lhes a vida ou incapacitando-os para toda a vida, e destruindo desta forma o direito a uma vida digna e com qualidade.

Interessa ainda referir que a violação destes direitos por parte da entidade patronais constituem, em muitos casos, contra-ordenações muitos graves de acordo com o estabelecido no artº 671 do Código, dando origem a coimas que podem ser significativas (artº 620) assim como a penas acessórias (artº 627) que poderá levar mesmo à “interdição temporária do exercício das actividades no estabelecimento, unidade fabril ou estaleiro onde se verificou a infracção por um período até 6 meses” , mas que só serão aplicadas às entidades patronais se existir por parte dos trabalhadores e de seus representantes um conhecimento grande dos seus direitos neste campo e a exigência para que a lei seja aplicada aos prevaricadores.

O que tem acontecido é que o desconhecimento dos seus direitos por parte dos trabalhadores (tenha-se presente que o Decreto-Lei 441/91, já está em vigor desde 1991, e neste decreto já estavam consagrados todos estes direitos ); repetindo, a falta de conhecimentos dos seus direitos por parte dos trabalhadores, e uma intervenção actuante dos trabalhadores e seus representantes para obrigar as entidades patronais a respeitá-los e os órgãos de fiscalização do Ministério do Trabalho e do Ministério da Saúde a fazer cumprir a lei, tem sido aproveitado por grande número de entidades patronais para violar impunemente a lei o que tem causado milhares de mortes de trabalhadores (em Portugal morre, em média por dia, um trabalhador devido a acidentes de trabalho); registam-se centenas de milhares de acidentes de trabalho (em Portugal, em média 2000 acidentes de trabalho por dia ); e verificam-se centenas de milhares de trabalhadores atingidos por doenças profissionais cujo número real não é conhecido pois as estatísticas existentes não abrangem a maioria dos casos.

A Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho, tem um capitulo dedicado à regulamentação da segurança e higiene no trabalho (artº 206 a 283).
Dentro dos aspectos regulamentados interessa referir a criação de comissões de HST por contratação colectiva (artº 209); o direito a licença que têm os representantes dos trabalhadores para formação (artº 210);a obrigatoriedade de existir serviços de SHST em todas as empresas e estabelecimentos (artº 234); a fixação do número mínimo de técnicos de HST que deve existir em cada empresa (2 técnicos por cada 1500 trabalhadores abrangidos ou fracção nas empresas industriais e, nos restantes estabelecimentos, 2 técnicos por cada 3.000 trabalhadores abrangidos ou fracção segundo o artº 236); a fixação do número mínimo de médicos de trabalho que deve existir em cada empresa ( em estabelecimento industrial, pelo menos, uma hora por mês por cada grupo de 10 trabalhadores ou fracção; e nos restantes estabelecimentos , pelo menos, uma hora por mês por cada grupo de 20 trabalhadores ou fracção; ao médico de trabalho é proibido assegurar a vigilância da saúde de um nº de trabalhadores a que correspondem mais de 150 horas de actividade por mês; conjugando tudo isto conclui-se que deverá existir, nas empresas industriais, um médico de trabalho por cada grupo de 1500 trabalhadores ou fracção e, nas outras empresas, um médico de trabalho por cada 3000 trabalhadores segundo o artº 244).

Por outro lado, e também de acordo com a Proposta Lei de Regulamentação do Código, “os trabalhadores(20% ou 100) ou o sindicato que tenha trabalhadores na empresa promovem a eleição dos RT´s (representantes dos trabalhadores) para a SHST (artº 260), devendo informar o Ministério do Trabalho e a entidade patronal com a antecedência mínima de 90 dias da data do acto eleitoral (artº 261); os serviços do ministério procedem à publicação de imediato no Boletim de Trabalho e Emprego (nº 1 do artº 261), a entidade patronal deve afixá-la de imediato na empresa (nº 2, artº 261, o que não deixa de ser uma interferência no processo eleitoral que devia apenas competir aos trabalhadores e suas organizações); é constituída uma comissão eleitoral em que o presidente é o trabalhador com mais antiguidade na empresa e o secretário o com menos antiguidade e mais 2 trabalhadores escolhidos com base em idênticos critérios (nova interferência agora da lei) mais representantes das listas (artº 262);e , finalmente, o ministério responsável regista o resultado da eleição e publica-o imediatamente no Boletim do do Trabalho e Emprego, e os RT´s só podem iniciar as suas actividade após a publicação (artº 272).

Os RT´s têm direito a um crédito de 5 horas por mês (artº 274) e a faltas justificadas para o exercício das suas actividades sem limite (artº 275); os Representantes dos Trabalhadores, e não da Comissão de HST, têm o direito de se reunir com os órgãos de gestão da empresa pelo menos uma vez por mês (artº 279).

Finalmente, os RT´s “não podem revelar aos trabalhadores ou a terceiros as informações que lhes tenham sido comunicadas com menção expressa de respectiva confidencialidade “ (nº 1 , artº 281). Igualmente a entidade patronal não é obrigada “ a prestar informações ou a proceder a consulta cuja natureza seja susceptível de prejudicar ou afectar gravemente o funcionamento da empresa ou estabelecimento” (artº 282). Embora tudo isto tenha de “ ser justificado por escrito, com base em critérios objectivamente aferíveis e que assentam em exigências de gestão “ (artº 283), mesmo configura uma tentativa de procurar limitar a actividade dos representantes dos trabalhadores.


XXIX – O CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO NA FUNÇÃO PÚBLICA:- a precariedade e o arbítrio levado ao extremo

A Lei 99/2003 que aprovou o Código de Trabalho, estabelece no seu artº 5º que sem prejuízo do disposto em legislação especial , são aplicáveis aos agentes e funcionários públicos as disposições do Código de Trabalho sobre a igualdade e não discriminação (artº 22 a 32), sobre a protecção da maternidade e paternidade (artº 33 e 52), sobre constituição de comissões de trabalhadores (artº 461 a 470) e sobre o direito de greve (artº 591 a 606).

E em relação à legislação especial relacionada com o Código de Trabalho o governo já tornou publico o seu “PROJECTO DE DIPLOMA SOBRE CONTRATO DE TRABALHO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA”.

Devido à sua gravidade que este projecto tem para os trabalhadores da função pública, e como ela resulta do próprio Código de Trabalho e de toda a filosofia que o sustenta interessa analisar num estudo desta natureza os aspectos mais importantes daquele contrato, até porque o ataque contra os trabalhadores portugueses é global e tem os mesmos objectivos.

A fim de que se possa ficar com uma ideia clara da dimensão do ataque aos trabalhadores da função publica apresenta-se seguida os pontos mais importantes desse projecto que já foi submetido a discussão publica.

Assim, de acordo com o nº 4 do artº 4 do Projecto de Diploma, no âmbito da Administração directa do Estado, apenas não podem ser objecto de Contrato Individual de Trabalho as actividades que impliquem o exercício directo de poderes de autoridade e de soberania o que leva à conclusão que, exceptuando estes serviços do Estado, em todos os restantes que constituem a maioria podem ser aplicados os contratos individuais de trabalho.

Desta forma o que se procura é destruir o estatuto que vigora na função publica, que garante os direitos mínimos aos trabalhadores deste sector.

Segundo o nº 1 do artº 3, as pessoas colectivas publicas, ou seja, os serviços públicos, são equiparados a grandes empresas para efeitos do Código (artº 3, nº 1)..

Embora sejam equiparados a empresas, todos os que nelas trabalham têm os mesmos deveres, incompatibilidades e carecem de autorização para exercerem outra actividade que é exigida aos funcionários públicos (artº 4 do Projecto de diploma).. No entanto, a contratação de novos trabalhadores não fica sujeita a concurso publico (artº 5), o que vem facilitar a entrada aos “boys and girls”.

Segundo o artº 7 do projecto de diploma, “só podem ser celebrados contratos de trabalho por tempo indeterminado se existir um quadro de pessoal para esse efeito e nos limites deste; e a celebração de contratos em violação desta norma implica a nulidade e gera a responsabilidade civil, financeira e disciplinar dos órgãos que celebraram o contrato. Isto significa que se não existir “quadro de pessoal para esse efeito” o trabalhador nunca terá um contrato definitivo mesmo que seja necessário ao serviço.

De acordo com o nº 1 do artº 9 podem ser celebrados contratos de Trabalho a prazo para a satisfação das necessidades temporárias das Pessoas Colectivas Publicas e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades .

No entanto, o nº 2 do mesmo artigo estabelece que poderão ser celebrados contratos de termo (prazo) incerto, o que significa que os trabalhadores poderão ficar indefinidamente numa situação precária e serem despedidos em qualquer altura nas seguintes situações: (a) Substituição directa ou indirecta de funcionário ou trabalhador impedido temporariamente de prestar serviço; (b) Substituição directa ou indirecta de funcionário com processo de despedimento; (c) Substituição directa ou indirecta em situação de licença sem retribuição;(d) Substituição de funcionário, agente ou outro trabalhador a prestar trabalho atempo parcial por período indeterminado; ( e ) Para execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro; (f) Para estruturas temporárias das pessoas colectivas publicas (como se sabe, na função pública “temporário” é muitas vezes sinónimo de eterno); (g) Para fazer face ao aumento excepcional e temporário da actividade ou serviço; (h) Para o desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços, portanto sem qualquer prazo..

De acordo com o mesmo nº 2 do artº 9 podem também ser celebrados contratos a prazo certo , embora dependa de autorização do Ministério das Finanças e do ministro da Administração Pública , nas seguintes situações . (a) Para assegurar necessidades publicas urgentes de funcionamento das pessoas colectivas publicas que não poderá ter uma duração superior a 6 meses; (b) Para execução de tarefa ocasional ou serviço determinado precisamente definido e não duradouro; (c) Para o exercício de funções em estruturas temporárias das pessoas colectivas publicas; (d) Para fazer face ao aumento excepcional e temporário da actividade ou serviço; (e Para o desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços

Segundo o nº 1 do artº 10 do projecto de diploma do governo, o contrato a prazo certo não está sujeito a renovação automática. E não segundo o nº 2 do artº 10, o contrato aprazo certo não se converte, em caso algum, em contrato sem termo, em contrato definitivo.

Resumindo, pretende-se desta forma “legalizar” uma situação de precariedade permanente, sem limites de tempo, situação esta em que o trabalhador não tem direito a esperar um contrato definitivo, pois este não é possível se não existir “um quadro de pessoal para esse efeito”. E como se sabe, na função pública, isso muitas vezes sucede, e situações como essas eternizam-se.

Tudo isto pode acontecer mesmo quando o trabalhado do trabalhador seja indispensável para realizar serviços necessários e permanentes. E como se pretende resolver o problema? – Através de contratos a prazo incerto, porque os contratos a prazo certo carecem de autorização do Ministério das Finanças e não se renovam automaticamente (assim determina esta lei que se pretende aprovar), e por outro lado, os contratos a prazo incerto têm a vantagem de se poder despedir o trabalhador quando se quiser utilizando o pretexto de que o serviço, a actividade, ou o projecto terminou. Nem é necessário ter o trabalho de prever prazos, o prazo passa a ser quando se decidir.

O que não é permitido ao próprio patronato privado, o governo, este governo, pretende fazer. É a precariedade e o arbítrio levado ao seu extremo máximo. As pessoas, com direitos, com a sua dignidade merecedora de todo o respeito não existem para este governo. São meras peças de uma máquina. Belo exemplo pretende dar este governo aos patrões privados.

No entanto, não se pense que se pretende ficar por aqui. Segundo o nº 4 do artº 12 do projecto de diploma do governo, a duração média do trabalho semanal, incluindo trabalho suplementar, não pode exceder 48 horas, num período de referência de 6 meses, o que significa que poderá atingir, em média, para um período de 6 meses as 48 horas por semana, quando o horário actual normal da função pública é de 35 horas por semana (deixaria de haver horário normal de trabalho diário e passaria a ser calculado apenas ao fim de 6 meses).

Em relação às remunerações estabelecidas em contratos individuais de trabalho, o nº 1 do artº 13 estabelece que “os retributivos dos trabalhadores das pessoas colectivas publicas não devem ultrapassar os níveis remuneratórios do pessoal com vinculo de funcionário ou agente, quando existam as respectivas carreiras no âmbito da Administração Pública, e a violação implica responsabilidade disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos da pessoa colectiva(nº 2). Isto significa, que as remunerações não podem ser mais elevadas, mas já podem ser inferiores (os limites mínimos não são fixados).

O nº 2 do artº 14, estabelece que é “licita a cedência de pessoal de trabalhadores das pessoas colectivas para exercício de funções temporárias não sendo necessária o acordo do trabalhador se existir uma acordo entre as pessoas colectivas”, portanto, os trabalhadores são tratados como mercadorias, podendo ter de mudar de serviços e de locais de trabalho sem o seu acordo.

O artº 15 do projecto de diploma estabelece que “as pessoas colectivas podem reduzir os períodos normais de trabalho quando se verificar uma redução normal e grave da sua actividade, a medida de redução dos períodos normais de trabalho ou de suspensão de contrato de trabalho pode atingir um ano, e o trabalhador recebe uma compensação retributiva equivalente a dois terços da sua retribuição normal ilíquida “.

A extinção da pessoa colectiva pública determina a caducidade dos contratos individuais de trabalho estabelece o artº 17. E o que acontece aos trabalhadores? São pura e simplesmente despedidos.

O artº 18 do projecto de diploma do governo diz friamente o seguinte:- “Para além do previsto no Código, as pessoas colectivas públicas podem promover o despedimento colectivo ou a extinção de postos de trabalho nos termos do Código com base nos seguintes fundamentos: -(a) Cessação parcial da actividade da Pessoa Colectiva Publica determinada nos termos da lei; (b) Extinção, fusão ou reestruturação de uma unidade orgânica ou estrutura equivalente que determine redução de efectivos”; portanto, basta um director decidir a extinção de um serviço para ser motivo para despedir colectivamente os trabalhadores desse serviço sem ter de justificar o despedimento como é obrigado uma entidade patronal privada. Estamos no domínio do puro arbítrio.

O artº 25 do projecto de diploma do governo estabelece que as funções que no âmbito da administração doe Estado podem ser objecto de contrato individual de trabalho são definidas por decreto lei.

No entanto, para não perder tempo o nº 2 do artº 25 do projecto de diploma estabelece que “sem prejuízo de legislação especial, é aplicável o regime de contrato individual às admissões no âmbito da Administração do Estado para as seguintes actividades : (a) Apoio administrativo; (b) Auxiliar e serviços gerais. Portanto, seja qual o serviço do Estado a admissão de trabalhadores destas categorias profissionais só pode ser feita por contrato individual de trabalho a prazo (certo ou incerto).

Para além destas categorias, e segundo o nº 3 do artº 26 do projecto de diploma do governo, o regime previsto no presente diploma aplica-se aos contratos individuais de trabalho a celebrar ao abrigo da Base XXI da Lei de Bases da Saúde aprovada pela Lei 48/90, na redacção dada pela Lei 27/2002 e o artº 14 do Regime Jurídico de Gestão Hospitalar aprovado pela Lei nº 27/2002 , portanto aplica-se, após a sua aprovação e promulgação, ao sector de saúde..

Finalmente, e para que não existam dúvidas, as normas do presente diploma prevalecem sobre quaisquer normas /especiais dos contratos individuais de trabalho no âmbito das pessoas colectivas públicas.

XXX- O CONHECIMENTO DA FORMA COMO O CÓDIGO DE TRABALHO TRATA OS DIREITOS INDIVIDUAIS É IMPORTANTE PARA A CONTRATAÇÃO COLECTIVA

Contrariamente ao que muitos podem pensar o conhecimento do Código é muito importante para a contratação colectiva.

E é importante não apenas no aspecto processual, ou seja, não só porque é necessário conhecer aquilo que o Código estabelece a nível de procedimentos, a saber: - prazo de vigência dos CCT, período de apresentação da proposta, prazo para apresentar a contraproposta, arbitragem voluntária, arbitragem obrigatória, etc..

É também extremamente importante para a contratação colectiva conhecer o que Código de Trabalho estabelece em relação aos direitos individuais dos trabalhadores, e nomeadamente saber como é que ele procura reduzir ou mesmo anular direitos fundamentais que os trabalhadores têm nos contratos para nunca abdicarem deles durante as negociações assim como os instrumentos que o Código coloca nas mãos das entidades patronais visando agravar as condições de trabalho e aumentar a exploração para, através da contratação colectiva, introduzir clausulas que impeçam ou dificultem a redução ou a anulação de direitos, que não permitam o aumento da exploração, e que protejam o trabalhador contra a chantagem patronal, nomeadamente quando tem de a enfrentar isoladamente.

Alguns exemplos tornarão claro o interesse que tem em conhecer muito bem o Código para, a nível da contratação, se procurar fechar portas de exploração dos trabalhadores que o Código pretende abrir.

O nº 1 do artº 250 do Código restringe o conceito de retribuição para calculo de prestações complementares pois estabelece que “quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário , entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pelas retribuição base e diuturnidades”. Por contratação colectiva, portanto, pode-se procurar estabelecer que para calculo das prestações complementares” se considere “ a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas”.

Outro exemplo. O nº 2 do artº 314 permite que “por estipulação contratual as partes podem alargar ou restringir “ a mobilidade funcional. Deixar o trabalhador sozinho a enfrentar a chantagem patronal é condená-lo a maior parte das vezes a uma derrota, já que é a parte mais fraca numa relação desigual. Uma forma de o defender é introduzir na contratação colectiva clausulas que limitem fortemente o arbítrio patronal.

O esmo sucede em relação ao nº 3 do artº 315 – mobilidade geográfica – e ao nº 2 do artº 316 – transferência temporária do trabalhador – em que existe a necessidade de limitar fortemente o previsível arbítrio das entidades patronais que procurarão impor condições extremamente gravosas aos trabalhadores. Por exemplo, em Coimbra poucos dias depois da entrada em vigor do Código três empresas do sector de cerâmica tentaram impor aos trabalhadores uma mudança de local de trabalho que, para uma delas, representava uma deslocação diária de cerca de 400 km.

O Código está cheio de alçapões e armadilhas como estas que interessa conhecer muito bem e analisar se os contratos actuais já contém ou não clausulas que permitam aos trabalhadores opor-se com êxito a qualquer tentativa de arbítrio e chantagem levada a cabo pelas entidades patronais contra eles. É este um estudo que, a nosso ver, interessaria fazer, mas que não é possível realizar sem o conhecimento do Código.

Para finalizar este ponto, e sem ter a pretensão de esgotar esta matéria, apresentam-se, apenas com carácter indicativo, alguns artigos do código que deviam, a nosso ver, merecer uma atenção especial a nível da contratação colectiva ou para tirar proveito deles em benefício dos trabalhadores ou então para introduzir a nível da contratação colectiva clausulas que reduzam a exploração patronal que o Código pretende aumentar ainda mais.

1- Pausas :artº 10º do Decreto Preambular: “ O disposto na alínea a) do artº 156 do Código não é aplicável até à entrada em vigor de convenção colectiva de trabalho que disponha sobre a matéria”
2- Intervalo de descanso – nº 2 do artº 66 do Código
3- Garantias do trabalhador – artº 122, f) do Código de Trabalho
4- Local de trabalho
5- Retribuição – artº 250, nº 1 do Código de Trabalho
6- Flexibilidade de funções
7- Formação continua : artº 125 , nº 6 do Código de Trabalho
8- Regime especial de adaptabilidade – artº 165 e artº 166 do Código de Trabalho
9- Trabalho nocturno : artº 192, nº 2 , artº 193, e artº 257, nº 2 do Código de Trabalho
10- Indemnizações : artº 383, nº 3 do Código de Trabalho
11- Crédito de horas para membros das direcções sindicais – artº 395 da Proposta de Lei de Regulamentação do Código de Trabalho

XXXI- A EXPERIÊNCIA PROVA MAIS UMA VEZ QUE VALE A PENA LUTAR

A análise comparativa do Anteprojecto, da Proposta de Lei e da versão final do código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP, e promulgado pelo presidente da República, assim como da declaração de inconstitucionalidade de mais de metade dos artigos que o Presidente da República decidiu submeter a fiscalização preventiva (não se percebe as razões porque submeteu apenas sete artigos, quando havia muitos mais na mesma situação) leva à conclusão que, apesar de tudo, vale a pena lutar.

Efectivamente existiam no Anteprojecto aspectos extremamente gravosos para os trabalhadores que devido à sua luta “caíram” ou foram “rebuscados”.

Entre eles interessa recordar nomeadamente os seguintes:- (1) A reintrodução das licenças existentes na Lei de Protecção à Maternidade e Paternidade – Licença por gravidez de risco, Licença por nascimento de gémeos, Licença para os avós – que tinham sido eliminadas no Anteprojecto e que devido à denuncia da dirigente da CGTP foi introduzida; (2) A eliminação como motivo para despedimento com justa causa de 12 atrasos de 30 minutos por ano, assim como os atrasos no inicio e reinicio do trabalho, bem como a redução para 4 faltas seguidas ou 8 interpoladas como motivo para despedimento com justa causa que constava do Anteprojecto; (3) A exclusão das empresas com mais de 10 trabalhadores e menos de 51 trabalhadores no grupo daquelas cuja entidade patronal podia-se opor à reintegração do trabalhador cujo despedimento tivesse sido declarado ilícito pelo tribunal; (4) A substituição de contratos a prazo para toda a vida por contratos a prazo em que o limite máximo de tempo é de 6 anos; (7) A eliminação da possibilidade das Comissões de Trabalhadores poderem negociar Acordo Geral de Empresa, substituindo os Sindicatos, e facilitando assim a manipulação do patronato; (8) A introdução do direito à formação profissional.

A juntar a estas derrotas das entidades patronais e do governo, interessa ainda juntar os quatros artigos que foram declarados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional, e aqueles que embora não declarados inconstitucionais, o Tribunal definiu uma interpretação que reduz as consequências da entrada em vigor do Código Bagão Félix.

E aqui interessa realçar fundamentalmente o que de mais importante desapareceu por força da declaração de inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, e que foi: (1) As alíneas a), b) e c) do nº 1 do artº 15 do Decreto Preambular que determinavam a cessação automática e imediata de todos os contratos desde que tivesse sido acordado um novo contrato após a publicação o código e que 50% dos trabalhadores mais um da empresa ou do sector aderissem a ele, mesmo contra a vontade dos trabalhadores e dos sindicatos que tivessem assinado os contratos que assim desapareciam; (2) O nº 2 do mesmo artº 15 que impunha a representatividade mesmo de sindicatos controlados pelas entidades patronais, pois para serem “representativos” bastava ter 1.500 trabalhadores ou estar filiado numa confederação com assento no Conselho Permanente da Concertação Social, ou que possuísse uma adequada capacidade financeira; (3) O nº 1 do artº 4 do Código que permitia que fossem introduzidas por PRT condições ainda mais desfavoráveis que as contidas no Código.

Para além disso o Tribunal Constitucional embora não declarasse inconstitucional a clausula da sobrevigência (artº 557 do Código) , no entanto declarou que os direitos no âmbito dos contratos em vigor mantêm-se mesmo que os contratos cessem os seus efeitos (ver Pergunta XVIII). Esta interpretação faz lei, por isso tem de ser obrigatoriamente aceite quer pelo patronato, quer pelo governo, quer ainda pelos restantes tribunais.

No entanto, apesar de todas estas vitórias impostas pela luta dos trabalhadores, o que prova que vale a pena lutar, o certo é que aspectos extremamente gravosos do Anteprojecto se mantêm no código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP devido também ao facto do Presidente da República não ter tido a iniciativa de as submeter à fiscalização preventiva do Tribunal Constitucional. No entanto, o código que entrará em vigor em 1 de Dezembro de 2003 é um código que se encontra já muito mais fragilizado do que sucederia se essa imensa luta não tivesse tido lugar, podendo-se mesmo dizer que sai abalado desta imensa batalha que levará certamente a prazo à sua revogação, ou à revogação das partes mais gravosas para os trabalhadores. Mas para que isso suceda é necessário que essa luta continue, daqui para frente, o que provavelmente acontecerá, em duas frentes:- a nível geral como aconteceu até agora, e a nível de cada empresa impedindo, através da luta na empresa, a sua aplicação em tudo que representar violação dos direitos dos trabalhadores e retrocesso social, o que até violaria o artº 2 da Constituição da República.

XXXII – OS FALSOS ARGUMENTOS DA PRODUTIVIDADE E DO ABSENTISMO UTILIZADOS PELO GOVERNO PSD/PP

Para finalizar esta parte do estudo interessa analisar dois argumentos que o governo, as entidades patronais e todas as restantes forças da direita utilizaram para defender, a nível de opinião pública, o código embora, nos últimos tempos, devido à falta de credibilidade e de receptividade de tal argumentação se tenham silenciado. E esses argumentos, que interessa recordar, são os seguintes:- A produtividade e a competitividade das empresas portuguesas é baixa, e o código seria a panaceia para esse mal pois contribuiria para resolver esse problema; o absentismo dos trabalhadores portugueses seria muito elevado e o código também seria necessário para resolver esse problema.

Mas será tudo isto verdade? Será o Código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP a panaceia para muitos males que enfrentam a economia e as empresas portuguesas?- Responder com objectividade a estas questões é também necessário. É o que se procurará fazer seguidamente.

1- SERÁ QUE O CÓDIGO DE TRABALHO DETERMINARÁ O AUMENTO DA PRODUTIVIDADE E DA COMPETITIVIDADE DAS EMPRESAS PORTUGUESAS?

Os conceitos (palavras) produtividade e competitividade têm sido duas das mais importantes armas utilizadas pelo governo, pelo patronato e pelas forças da direita contra os trabalhadores, para justificar o Código de Trabalho que tem como objectivo principal retirar direitos e reduzir remunerações.

E nesta campanha o governo e as forças da direita têm contado com um poderoso aliado, que é a confusão que existe a nível do senso comum relativamente a produtividade e competitividade.

Efectivamente, o senso comum confunde produtividade com competitividade, e daí é-se levado a concluir que o maior problema da economia e sociedade portuguesa é a baixa produtividade das suas empresas, e que aumentando a produtividade o problema da competitividade das empresas portuguesas estaria imediatamente resolvido. Isto não é verdadeiro, pois não tem qualquer fundamentação técnica e cientifica como se procurará provar.

Acabar com esta confusão e desmontar esta campanha das forças da direita torna-se uma tarefa urgente.

Hoje em dia a concorrência entre empresas e países faz-se à escala global. Em Portugal, nenhuma empresa está a salvo de que em qualquer momento possa sofrer a concorrência de produtos ou serviços de empresas situadas em qualquer país do mundo, se isso já não lhe sucede.

Por essa razão, o maior problema que enfrentam as empresas e a economia portuguesa é a falta de competitividade num mercado cada vez mais global.

E contrariamente ao que muitos pensam e mesmo afirmam, o aumento da produtividade não significa necessariamente aumento da competitividade. Mais, ao colocar-se o acento tónico no aumento da produtividade e não na competitividade está-se a desresponsabilizar o patronato da falta de competitividade da esmagadora maioria das empresas portuguesas, e a criar o terreno para que a nível da opinião pública seja mais fácil culpabilizar os trabalhadores da baixa produtividade das empresas portuguesas.

E isto porque se centrarmos o problema das empresas portuguesas na falta de competitividade da esmagadora maioria delas, que é efectivamente o problema principal que enfrentam, será muito mais difícil acusar os trabalhadores desse facto, pois é evidente que a falta de competitividade está intimamente associada a má ou deficiente gestão das empresa, sendo da exclusiva responsabilidade dos empresários. Mas se, pelo contrário, centrarmos o problema das empresas portuguesas na falta de produtividade será muito mais fácil a nível da opinião pública culpabilizar os trabalhadores, até porque o indicador mais utilizado é a produtividade por trabalhador, que se obtém dividindo a riqueza criada pela empresa em cada ano (VAB) pelo número de trabalhadores.

Em resumo, não é indiferente nem inocente a forma como posiciona os conceitos – produtividade e competitividade – na batalha ideológica que se trava neste momento em Portugal com o objectivo de ganhar a opinião pública.

Produtividade e competitividade são dois conceitos (palavras) que, embora o senso comum normalmente confunda, significam coisas distintas. E para concluir isso, basta ter presente que a competitividade pode aumentar sem que a produtividade cresça; e inversamente, a produtividade pode crescer sem que aumente a competitividade.

A notícia que a seguir se transcreve publicada num jornal diário prova precisamente o que se acabou de afirmar.

“PORTUGAL GANHA COMPETITIVIDADE INTERNACIONAL – A competitividade global da economia portuguesa melhorou este ano... De acordo com uma análise relativa a 2002, ontem divulgada pelo World Economic Forum (WEF) , em termos globais a economia portuguesa figura como a 23ª mais competitiva de entre os 80 países abarcados pelo estudo, tendo subido dois lugares face ao 25º que ocupava no ano passado”( O Diário Económico de 13.11.2002 ).

Depois de ser ler esta notícia, a pergunta que imediatamente surge é a seguinte:- Como é que Portugal, possuindo a mais baixa produtividade da União Europeia, e tendo-se mesmo verificado uma diminuição na taxa de crescimento da produtividade no período considerado; repetindo, como é que apesar da baixa produtividade a competitividade da economia portuguesa aumentou ? – E a resposta só pode ser uma:- É que competitividade e produtividade são duas coisas diferentes, e o aumento de uma não é determinado necessariamente pelo crescimento da outra. De acordo com o World Economic Fórum a competitividade da economia portuguesa aumentou mesmo num ano em que a taxa de crescimento da produtividade portuguesa diminuiu.

Clarificar o que significam cada um destes conceitos (palavras) é muito importante para a batalha ideológica que neste momento se trava em Portugal, pois produtividade e competitividade estão a ser manipuladas e utilizados para defender interesses de classe, e nomeadamente para justificar a tentativa de retirar direitos aos trabalhadores e de reduzir as suas já baixas remunerações.

No debate nacional que se trava sobre estes dois importantes temas – produtividade, competitividade - tem-se procurado criar e espalhar a ideia de que a competitividade das empresas só se consegue aumentando a produtividade, e que o aumento desta última é só possível reduzindo remunerações, condições de vida e de trabalho, e direitos dos trabalhadores portugueses.

E é utilizando uma argumentação deste tipo que governo e o patronato unidos têm defendido o Código de Trabalho com base numa pretensa igualdade do seguinte tipo:- REDUÇÃO DAS REMUNERAÇÕES E DE DIREITOS => AUMENTO DE PRODUTIVIDADE => AUMENTO DE COMPETITIVIDADE . Mas esta relação é falsa como provaremos, pois não tem qualquer fundamento técnico e cientifico

E isto porque pode-se aumentar a produtividade das empresas e não aumentar a sua competitividade. Basta que se produza mais produtos mas de qualidade deficiente, ou produtos ultrapassados que os consumidores não queiram ou não estejam interessados em adquirir. Recorde-se a este propósito muitos produtos agrícolas portugueses que são colocados no mercado sem qualquer tratamento e selecção o que tem também contribuído para a diminuição da sua quota mesmo no mercado interno português. Para ser mais claro e mais facilmente entendível, basta reflectir sobre a seguinte pergunta :- Que interesse tem uma empresa em aumentar a produtividade e a quantidade de bens que produz, se não consegue vender esses bens porque os consumidores não estão interessados neles?

Por outro lado, pode-se aumentar a competitividade das empresas sem que necessariamente a sua produtividade aumente. Se as empresas produzem já produtos de boa qualidade ou inovadores, pode-se aumentar significativamente a sua competitividade com uma boa campanha de marketing, com um melhora distribuição, através da criação de uma marca com notoriedade, sinalizando o seu valor para os consumidores de que fala Porter, etc. Recorde-se a este propósito que produtos produzidos em Portugal que com a simples colagem de uma marca estrangeira são vendidos mais facilmente no mercado internacional a um preço superior.

O aumento da produtividade resulta de se produzir uma maior quantidade de produtos, seja qual for a sua qualidade e inovação, com a mesma quantidade de recursos (matérias primas, energia, etc.), ou então de se produzir a mesma quantidade de produtos com menos recursos.

Outra coisa bem diferente é a competitividade, pois esta está relacionada com a posição vantajosa ou não da empresa no mercado, ou seja, com a sua posição relativamente às empresas concorrentes.

Portanto, produtividade e competitividade são duas coisas diferentes e uma não resulta necessariamente da outra.

De acordo com um estudo elaborado com base nas respostas dadas por gestores de empresas americanas, Richard Chase e Niccholas J. Aquilano, dois especialistas de produtividade e professores na universidade de Boston, concluíram que os factores determinantes da competitividade, por ordem de importância, eram os seguintes:- 1º Qualidade consistente; 2º Produtos de desempenho elevado; 3º Entregas fiáveis; 4º Baixo preço ; 5º Entregas rápidas ; 6º Flexibilidade de concepção; 7º Serviço pós venda; 8º Alteração rápida do volume (Gestão da Produção e das Operações, pág. 40). Portanto, “baixo preço” só aparece em 4º lugar por ordem de importância

E como é as empresas podem aumentar a sua competitividade ?

As empresas podem aumentar a sua competitividade utilizando várias estratégias e não apenas uma. Michael Porter, um especialista desta matéria que já realizou um estudo sobre a competitividade ( ou a falta dela ) da economia portuguesa a pedido do governo e de empresários portugueses, na sua obra “Vantagem Competitiva “ indica três estratégias possíveis para as empresas aumentarem a sua a competitividade, a saber:- (1) Uma estratégia de baixos custos; (2) Uma estratégia de diferenciação dos produtos e serviços; (3) Uma estratégia a que ele chama “enfoque” que é uma estratégia de selecção de apenas um nicho (pequena parcela) do mercado para assim poder melhor servir os consumidores desse segmento de mercado.

Portanto, quando se afirma que o aumento da competitividade das empresas só é possível com base numa estratégia de baixos custos, isso não tem fundamento nem técnico nem cientifico. Está-se a afunilar a questão com consequências extremamente graves para o desenvolvimento do País.

Por outro lado, mesmo uma estratégia de baixos custos não pode nem deve assentar fundamentalmente em baixas remunerações e numa maior desregulamentação do mercado de trabalho em Portugal, como pretende a Proposta de Lei do Código de Trabalho. E isto por várias razões.

Em primeiro lugar porque como afirma Michael Porter e todo os estudiosos das questões de produtividade, as maiores reduções de custos não se conseguem baixando as remunerações e direitos, nomeadamente dos trabalhadores que são necessários ao processo produtivo, porque isso gera desmotivação e conflitualidade o que determina, por sua vez, diminuição da produtividade, mas sim analisando a “cadeia de valor” da empresa e actuando naquilo que ele chama “condutores de custos”.

Efectivamente, as maiores reduções de custos conseguem-se através da aplicação de inovação na própria concepção dos produtos reduzindo significativamente o número de peças necessárias para produzir uma unidade, de que são exemplos conhecidos a Ford e a Toyota (por exemplo, o modelo Corolla da Toyota tem menos 20% do número de peças do que modelo que substituiu) ; por meio do investimento em tecnologia e nomeadamente na informatização do processo produtivo; através de melhorias na organização do trabalho; por meio do aumento da qualificação dos trabalhadores; através de uma melhor articulação com a cadeia de valor quer dos fornecedores quer dos compradores, actuando nomeadamente nos elos mais importantes dessa cadeia (por ex., a Autoeuropa controla com grande rigor, e através das pesadas multas que aplica por incumprimento, a qualidade dos produtos dos seus fornecedores, obtendo assim importantes poupanças, reduzindo significativamente os defeitos na sua produção e garantindo a qualidade do produto final); etc., etc.; ou seja, tudo áreas em que a maioria dos empresários portugueses revela total incompetência.

É significativo que no seminário organizado pela AIP na FIL nos dias 29 e 30 de Outubro de 2002, em Lisboa, em que participamos, onde foram debatidos os problemas da produtividade e competitividade, o problema central debatido numa das suas principais secções tenha sido o da competitividade, tendo sido considerado que o problema actual e mais importante da economia portuguesa não se situava no binómio “competitividade-trabalhador” mas sim no binómio “competitividade- gestão/empresário”.

Por outro lado, uma estratégia de baixos custos baseada fundamentalmente em baixas remunerações e na redução de direitos, como é aquela que se defende no Código aprovado pela maioria parlamentar PSD/PP, é uma estratégia que não é sustentável nem a curto, nem a médio nem a longo prazo. E isto porque , por um lado, é impensável admitir que é possível baixar os salários dos trabalhadores portugueses para o nível dos salários dos trabalhadores asiáticos ou africanos e mesmo com os salários actuais dos trabalhadores dos chamados do alargamento (Europa Central e Leste, pois são os salários desses países que têm de subir, e não os nossos que têm de descer), por outro lado, essa estratégia não é a seguida pelos outros países da União Europeia para aumentar a competitividade das suas empresas. Um modelo de desenvolvimento baseado em baixos salários e em redução de direitos foi o modelo seguido durante muitos anos em Portugal, e que é o modelo subjacente no Código de Trabalho, está condenado ao total fracasso como o passado já o provou suficientemente.

Os dados da produtividade das diferentes empresas a funcionar no nosso País , apresentados seguidamente, contrariam muitas das afirmações que tem sido feitas sobre as causas da baixa produtividade de Portugal relativamente à média da U. E..

PRODUTIVIDADE E INVESTIMENTO POR TRABALHADOR, E PRODUTIVIDADE DOS ACTIVOS DE EMPRESAS A FUNCIONAREM EM PORTUGAL

Empresa VAB 1000€ Activo 1000€ Nº trabalha- dores PRODUTIVIDADE por Trabalhador Valor do VAB (em euros)por trabalhador PRODUTIVIDADE DOS ACTIVOS Valor de VAB (em euros) obtido por 1000 euros de ACTIVOS INVESTIMENTO Por trabalhador Euros por Trabalhador
IMORETALHO - GESTÃO DE IMOVEIS, SA 29.540 377.231 2 14.769.946 78 188.615.421
TURBOGÁS – PRODUTORA ENERGETICA, SA 55.168 638.486 7 7.881.143 86 91.212.286
LUSOPONTE – CONCESSIONARIA PARA A TRAVESSIA DO TEJO, SA 34.983 1.049.992 21 1.665.840 33 49.999.610
CELULOSE DO CAIMA SGPS, SA 12.145 98.424 10 1.214.490 123 9.842.388
SOMAGUE - P.M.G. - PROMOÇÃO E MONTAGEM DE NEGOCIOS, SA 12.931 68.434 12 1.077.589 189 5.702.793
CLC - COMPANHIA LOGISTICA DE COMBUSTIVEIS, SA 33.409 221.577 58 576.017 151 3.820.293
IGLO OLÁ - DISTRIBUIÇÃO DE GELADOS E ULTRA-CONGELADOS, LDA. 38.003 206.426 70 542.900 184 2.948.943
TMN - TELECOMUNICAÇÕES MOVEIS NACIONAIS, SA 614.268 1.267.803 1.132 542.639 485 1.119.967
ESSO PORTUGUESA, LDA. 20.846 123.700 175 119.120 169 706.857
ROCHE FARMACÊUTICA QUIMICA, LDA. 24.703 130.483 212 116.522 189 615.485
GUINNESS UNITED DISTILLERS E VINTNERS - DISTRIBUIDORA DE 16.812 56.676 150 112.077 297 377.840
B.BRAUN MEDICAL, LDA. 13.893 42.099 125 111.143 330 336.789
CONTINENTAL MABOR - INDÚSTRIA DE PNEUS, SA 102.904 237.676 931 110.531 433 255.291
COPAM - COMPANHIA PORTUGUESA DE AMIDOS, SA 11.130 20.008 140 79.503 556 142.917
CIMERTEX - SOCIEDADE DE MAQUINAS E EQUIPAMENTOS, SA 13.096 31.489 167 78.419 416 188.559
SACOR MARITIMA, SA 15.895 70.165 204 77.915 227 343.946
EMPILHADORES DE PORTUGAL - COMÉRCIO E INDÚSTRIA, SA 5.682 20.245 73 77.834 281 277.331
MADIBERIA - Transformação e COMÉRCIO de Madeiras, LDA. 12.881 56.125 167 77.134 230 336.081
CPCDI - COMPANHIA PORTUGUESA DE COMPUTADORES DISTRIBUIÇÃO DE PRODUTOS INFORMATICOS, SA 9.017 41.101 117 77.068 219 351.292
EUROPCAR INTERNACIONAL - ALUGUER DE AUTOMÓVEIS, SA 24.625 94.306 320 76.954 261 294.708
SOJORNAL - SOCIEDADE JORNALISTICA E EDITORIAL, SA 18.543 24.140 241 76.940 768 100.166
CONTINENTAL PNEUS (PORTUGAL), SA 4.693 17.277 61 76.931 272 283.223
MERCK FARMA E QUIMICA, SA 15.376 37.295 200 76.880 412 186.473
EDIFICADORA LUZ & ALVES, LDA. 18.101 42.482 321 56.389 426 132.342
SANYO PORTUGAL ELECTRONICA, SA 3.938 25.012 70 56.259 157 357.309
LABORATORIOS VITORIA, SA 12.453 29.076 223 55.845 428 130.385
EUSEBIOS & FILHOS, SA 11.429 31.810 470 24.317 359 67.680
ELECTRO CENTRAL VULCANIZADORA, LDA. 8.296 19.783 345 24.046 419 57.341
T.S. – THOMAZ DOS SANTOS, SA 4.587 22.448 191 24.018 204 117.530
HAWORTH PORTUGAL - MOBILIARIO DE ESCRITORIO, SA 10.862 27.359 460 23.614 397 59.476
PT CONTACT - TELEMARKETING E SISTEMAS DE INFORMAÇÃO, SA 12.505 12.600 531 23.549 992 23.729
SECURITAS - SERVIÇOS E TECNOLOGIA DE SEGURANÇA, SA 121.641 101.459 5.187 23.451 1.199 19.560
OLIVEIRA & IRMÃO, SA 9.569 28.420 410 23.338 337 69.316
RIBACARNE - MATADOURO REGIONAL DO RIBATEJO NORTE, SA 3.530 10.665 152 23.226 331 70.161
SOMELOS - TECIDOS, SA 14.227 48.463 616 23.095 294 78.673
CONFETIL - CONFECÇÕES TEXTEIS, SA 7.069 21.781 396 17.850 325 55.003
FAURECIA - ASSENTOS PARA AUTOMÓVEIS, LDA. 26.696 77.049 1.512 17.656 346 50.958
MALAQUIAS - DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR, LDA. 3.004 10.399 208 14.443 289 49.994
SOCIEDADE DE TRANSPORTES COLECTIVOS DO PORTO, (STCP), SA 34.717 101.544 2.470 14.055 342 41.111
SUNVIAUTO - INDÚSTRIA DE COMPONENTES AUTOMÓVEIS, SA 11.481 18.086 850 13.508 635 21.278
EUGSTER & FRISMAG - ELECTRODOMESTICOS, LDA. 5.549 14.023 520 10.671 396 26.967
VASP - SOCIEDADE TRANSPORTES E DISTRIBUIÇÃO, LDA. 5.334 16.433 500 10.668 325 32.866
PROPEL - PRODUTOS DE PETRÓLEO, LDA. 1.701 9.453 163 10.437 180 57.994
J.J.LOURO PEREIRA, SA 7.739 17.470 750 10.318 443 23.293
COTESI - COMPANHIA DE TÊXTEIS SINTETICOS, SA 18.147 69.303 1.770 10.252 262 39.154
C.& J.CLARK - FABRICA DE CALÇADO, LDA. 8.511 12.820 1.055 8.067 664 12.152
Fonte: Revista EXAME

Se compararmos os valores constantes da coluna “Produtividade por Trabalhador” com os da coluna “Investimento por Trabalhador” , rapidamente concluímos que , de uma forma geral, quanto maior é o investimento por trabalhador tanto maior é a produtividade por trabalhador.

Por exemplo, a produtividade da IMORETALHO, 1ª empresa do quadro, é de 14.769. 946 euros por trabalhador, enquanto a da CLARK , última empresa do quadro, é de apenas 8.067 euros por trabalhador, ou seja, a produtividade da 1ª empresa é 1.830 vezes superior à produtividade da última empresa. Se compararmos o investimento por trabalhador, concluímos que o investimento na IMORETALHO é de 188.615.421 euros por trabalhador enquanto na CLARK é apenas de 12.152 euros por trabalhador, ou seja, o investimento por trabalhador na 1ª empresa é 15.521 vezes superior ao verificado na última empresa.

Em resumo, é fácil de concluir, com base nos dados do quadro II, que existe uma correlação positiva entre produtividade e investimento realizado, ou seja, quanto maior é o investimento realizado tanto maior ser a produtividade.

É certo que a produtividade não depende apenas do investimento – são também importantes a qualidade da gestão, a marca, o marketing, a distribuição, o tipo de produtos, o sector em que desenvolve a actividade, etc.- mas o investimento não só tecnológico mas em todas as áreas da empresa são essenciais para alcançar elevados níveis de produtividade.

Os dados do quadro II também mostram duas outras realidades para as quais é importante chamar a atenção.

A primeira que é também evidente, pois já foi referida mas que reforça a conclusão anterior , é que se verificam diferenças enormes de produtividade entre empresas a funcionarem em Portugal.

Como se já viu a produtividade por trabalhador da IMORETALHO é 1.830 vezes superior à da CLARK. Só este facto é suficiente para mostrar que a baixa produtividade não depende essencialmente dos trabalhadores, pois empresas utilizando os mesmos trabalhadores – os portugueses – apresentam diferenças enormes de produtividade. É fácil de concluir que a razão não pode estar nos trabalhadores, mas fundamentalmente em outros factores. Estas diferenças enormes de produtividade que se verificam entre empresas a funcionarem em Portugal também mostram quão falso é o argumento utilizado pelo governo e pelo patronato para defender o Código de Trabalho, afirmando que a baixa produtividade tinha com razão a rigidez das leis laborais portuguesas. Como pode ser isso verdade, quando existem empresas a funcionarem no mesmo país – Portugal – utilizando os mesmos trabalhadores – portugueses – e submetidas às mesmas leis laborais – as portuguesas que estão em vigor- que alcançam valores de produtividade tão elevadas?

O outro facto importante revelado também pelos dados do quadro anterior é o que se prende com a produtividade dos Activos, ou seja, dos investimentos realizados. E isto porque a produtividade pode ser calculada por trabalhador (Valor Acrescentado Bruto, ou seja, VAB por trabalhador), mas também pode ser calculada em relação aos Activos. E esta última produtividade obtém-se dividindo o VAB, ou seja, a riqueza crida em cada ano por cada empresa, pelo valor do investimento que se utilizou para obter essa riqueza. Na coluna do quadro II titulada “Produtividade dos Activos” está o valor do VAB em euros que cada empresa obteve em 2001 por cada 1000 euros investidos. E as conclusões que se tiram dos dados obtidos são impressionantes. Em termos de produtividade de investimento realizado a CLARK apresenta um valor para a produtividade superior ao obtido pela IMORETALHO. E isto porque por cada 1000 euros de Activo, ou seja, de investimento realizado, a IMORETALHO apenas obteve um retorno de 78 euros de VAB, enquanto a CLARK alcançou 664 euros. Portanto, a Clark quando argumentou para justificar os despedimentos colectivos que fez que a empresa já não era rentável em Portugal, a verdade é que tomando como base o investimento realizado a empresa era altamente rentável como se conclui comparando os valor da “Produtividade dos Activos” constantes do quadro anterior.

Num relatório da Comissão da União Europeia de 2002, denominado “ European Competitiveness Report” (Relatório sobre a Competitividade Europeia), na pág. 30, e relativamente à qualificação associada e necessária ao aumento da competitividade, Portugal era o país da União Europeia que no ano 2000 o peso do emprego considerado neste estudo com de baixa qualificação era mais elevado ( 76,7% do emprego total em Portugal quando a média na UE15 era apenas 29,6%), e onde o peso do emprego com qualificação média (o secundário) era também mais baixo (13,1% em Portugal contra 46,3% na UE15). O peso do grupo de qualificação mais elevada era em Portugal inferior, em termos percentuais, a menos de um terço da média europeia (apenas 0,45% do emprego em Portugal, quando a média na UE15 atingia 1,57%).

Esta situação é um obstáculo importante ao aumento quer da produtividade quer da competitividade das empresas e da economia portuguesa, que urge alterar.

E isto torna-se ainda claro se se tiver presente que de acordo com o mesmo relatório da Comissão “ o crescimento da empresas é determinado pela sua capacidade para inovar, que depende da sua habilidade para desenvolver e utilizar os avanços tecnológicos e para explorar as oportunidades comerciais das suas inovações... O crescimento da produtividade depende das actividades em Investigação e Desenvolvimento (I&D)”.

E o relatório conclui que elevada intensidade em I&D nunca está associada com baixa produtividade, enquanto reduzido esforço em I&D está usualmente associado com baixa produtividade” (pág. 17).

De acordo com um relatório elaborado pela OCDE sobre “Investimento global em Investigação, Desenvolvimento e Inovação- 1999”, cujas conclusões foram transcritas no semanário Expresso de 30 de Novembro de 2002, “Portugal é o país onde as empresas investem menos em investigação, Desenvolvimento e Inovação” (Portugal investe neste área menos de 1% do seu PIB, enquanto a média na U. E. aproxima-se dos 2% do PIB, portanto o dobro de Portugal).

Portanto, os empresários portugueses se quiserem entrar no verdadeiro caminho de aumento da produtividade e da competitividade terão de investir fundamentalmente e muito no campo da inovação seja ela , tecnológica, organização do trabalho, canais de distribuição de distribuição, design, etc., e qualidade, e não podem pensar que conseguem aumentar a produtividade e competitividade reduzindo as já baixas remunerações e direitos, e aumentando ainda mais precariedade que já é uma das mais elevadas da UE15 ( Em Portugal, no 4T de 2001, 35,6% da população activa já estava em situação de precariedade de emprego, tendo os contratos a prazo aumentado, entre o 4ºT2000 e o 4T2001, em 12,8%).

E isto porque como afirmam também os especialistas da produtividade Normain Gaither e Greg Fraiser o aumento da produtividade depende igualmente do desempenho do trabalhador, o qual depende, por sua vez, não só das suas capacidades mas também da sua motivação. E esta última depende, como é fácil de compreender, da forma como é respeitada a sua dignidade de ser humano e de trabalhador assim como os seus direitos, das condições e ambiente de trabalho, da organização de trabalho, das características da liderança, da remuneração, etc..

Uma sociedade em que em primeiro lugar estão as empresas, a competitividade e a produtividade e só depois as pessoas, como defendeu já publicamente o presidente da CIP, é uma sociedade que inevitavelmente perderá a batalha do desenvolvimento, da competitividade, do progresso, e do bem estar, porque tudo isso é só possível com as pessoas, e nomeadamente com a participação empenhada e motivada dos trabalhadores, e nunca contra eles, como resulta do Código de Trabalho do PSD/PP.
O quadro que a seguir se apresenta construído com dados da produtividade e dos salários publicados pelo Eurostat e pela OCDE, em que se anulou o efeito da diferença de preços, completa os dados anteriores sobre produtividade.

Quadro XXIX.

Assim, tomando como base os dados das colunas 4ª e 6ª a contar da esquerda e começando de cima para baixo, conclui-se o seguinte:

a) A produtividade dos Estados Unidos é 1,92 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio americano é 2,59 vezes superior ao salário médio português;
b) A produtividade da Bélgica é 1,91 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio belga é 2,7 vezes superior ao salário médio português
c) A produtividade na Dinamarca é 1,55 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio dinamarquês é 2,94 vezes superior ao salário médio português
d) A produtividade na Alemanha é 1,55 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio alemão é 2,81 vezes superior ao salário médio português
e) A produtividade na Grécia 1,31 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio grego 1,29 vezes superior ao salário médio português
f) A produtividade espanhola é 1,48 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio espanhol é 1,67 vezes superior ao salário médio português
g) A produtividade francesa é 1,79 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio francês é 1,87 vezes superior ao salário médio português
h) A produtividade na Irlanda 1,91 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio irlandês é 2,02 vezes superior ao salário médio português
i) A produtividade na Itália é 1,76 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio italiano 2,16 vezes superior ao salário médio português
j) A produtividade no Luxemburgo é 2,09 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio no Luxemburgo 2,66 vezes superior ao médio salário português
k) A produtividade na Holanda é 1,54 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio holandês 2,62 vezes superior ao salário médio português
l) A produtividade na Áustria 1,56 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio na Áustria 2,12 vezes superior ao salário médio português
m) A produtividade na Suécia 1,47 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio sueco é 2,02 vezes superior ao salário médio português
n) A produtividade na Noruega é 1,93 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio norueguês é 2,59 vezes superior ao salário médio português
o) A produtividade no Reino Unido é 1,47 vezes superior à produtividade portuguesa, mas o salário médio inglês é 2,40 vezes superior ao salário médio português

Em resumo, os dados do quadro anterior permitem tirar duas conclusões extremamente importantes que desmentem o discurso governamental e patronal. Em primeiro lugar, tendo em conta os salários que recebem, a produtividade dos trabalhadores portugueses, em termos relativos, até é superior à produtividade dos trabalhadores dos outros países da União Europeia . Em segundo lugar, os valores mais elevados de produtividade estão sempre associados a salários mais elevados, não sendo por isso legitimo esperar aumentar significativamente a produtividade em Portugal sem aumentar simultaneamente o nível de remunerações que continua a ser o mais baixo de toda a União Europeia.

2- SERÁ QUE O ABSENTISMO É MUITO ELEVADO EM PORTUGAL E QUE O CÓDIGO DE TRABALHO VAI REDUZI-LO?

Em Portugal, não existem dados oficias sobre absentismo. Não existe nenhuma entidade, privada ou oficial, com um mínimo de credibilidade que publique dados sobre o absentismo. O Instituto Nacional de Estatística nunca publicou dados sobre absentismo, assim como nunca o fez o Departamento de Estatística do Ministério do Trabalho ou qualquer outro organismo. Portanto, em Portugal não existem dados sobre o absentismo.

No entanto, o governo, nomeadamente o ministro Bagão Félix, e o patronato têm utilizado com frequência a mentira do absentismo para atacar os trabalhadores e justificar as medidas extremamente graves para os trabalhadores contidas no Código de Trabalho.

Para se provar o que se acabou de dizer e também para mostrar a falta de honestidade intelectual de Bagão Félix basta ler duas entrevistas dadas pelo ele num intervalo de apenas uma semana com dados completamente diferentes.

No “Expresso” de 14 de Setembro de 2002, na coluna “ALTOS …& BAIXOS, podia-se ler o seguinte:- “ Bagão Félix. Eis um ministro que não foge a dar a cara pelas suas políticas, aposta no esclarecimento e apresenta trabalho com poucos. Esta semana , lembrou que meio milhão de portugueses não trabalham diariamente por faltas injustificadas ou baixas , ao mesmo tempo que 300 mil procuram emprego. Para sustentar a urgência do combate ao absentismo e a necessidade de alterar a legislação laboral”. Como ele chegou a mais estes 200.000 ninguém sabe, nem qualquer serviço mesmo oficial de estatística, mas também o ministro nunca explicou.

E no jornal “O Diabo” de 24 de Setembro de 2002, portanto apenas 10 dias depois, falando sobre o mesmo assunto, o mesmo ministro, já dizia coisa diferente :- “Faltam todos os dias ao trabalho, em média, por baixa médica, cerca de 200 mil pessoas. Mas como as baixas só constituem cerca de 50% do absentismo, quer dizer que faltam 400 mil”.

Portanto, em apenas 10 dias, o número de “absenteístas” na boca do ministro Bagão Félix passou de meio milhão para 400 mil, o que dá bem uma ideia da falta de rigor e da forma pouco responsável como o governo e, nomeadamente, o ministro Bagão de Félix, tratam esta matéria, ficando assim claro também que ela é nas mãos do governo uma mera arma de propaganda de ataque aos direitos dos trabalhadores.

Os únicos dados oficiais credíveis que existem em Portugal são os publicados pela Segurança Social sobre o número de dias de doença pagos pela segurança social resultante das baixas concedida pelos médicos por doença. E de acordo esses dados oficiais elas somam cerca de 51 milhões de dias de trabalho por ano devido a doença (baixas por doença). Se somarmos as licenças por maternidade obtêm-se 57 milhões de dias.

Se multiplicarmos o número o número daqueles que, segundo o ministro Bagão Félix, faltam diariamente ao trabalho ( 500.000 ou 400.000, mas ficou-se sem saber qual era o valor escolhido pelo ministro) obtém-se 122,5 milhões de dias de trabalho que se perdem por ano segundo o ministro. Este valor é 2,4 vezes superior aos números oficiais da segurança social, o que mostra também a falta de credibilidade dos dados utilizados pelo ministro.

Mas os 57 milhões dias de trabalho perdidos por ano incluem situações que de forma alguma são faltas fraudulentas ao trabalho, como o ministro Bagão Félix e todo o patronato pretendem fazer crer, e que são nomeadamente os seguintes:

a) Mais de 6 milhões de dias por licença de maternidade;
b) Portugal, é o país da Europa onde a sinistralidade rodoviária é mais elevada, o que provoca centenas de milhares dias de baixa, que estão incluídas naquele valor;
c) Em Portugal, morre em média quase um trabalhador por dia devido a acidentes de trabalho ( em 2001, morreram 218 trabalhadores em acidentes de trabalho; em 2002, e só até Julho morreram 118; nos últimos 62 Km da auto-estrada para o Algarve, morreu em média um trabalhador por cada 4,5 Km de auto-estrada construída; só no último dia, morreram dois);
d) Para além disso, o número de acidentes de trabalho não mortais, mas que deixam muitos trabalhadores estropiados para toda a vida, ultrapassam os 2.000 por dia, o que dá mais de 600.000 por ano, que provoca centenas de milhares de dias de baixa, que estão também incluídos naquele número que o ministro utiliza;
e) Em Portugal, as doenças profissionais, que não são nem registadas, reduzem à invalidez milhares de trabalhadores. Na indústria de material eléctrico e de vestuário, as tendinites e os esgotamentos nervosos provocados por ritmos de trabalho continuo e alucinantes, atiram milhares de trabalhadores para a baixa e para a invalidez física ainda jovens na idade. E estas centenas de milhares e de milhares de dias de baixa provocadas pelas doenças profissionais estão também incluídas no número que o ministro Bagão Félix ;
f) Num estudo recente a própria União Europeia concluiu que “ 50% a 60% do absentismo nas empresas e instituições da U. E. é provocado por problemas relacionados com stress. As autoridades comunitárias consideram que a situação se está a agravar de dia para dia, afectando cerca de 40 milhões de trabalhadores” (Expresso, de 17 de Agosto de 2002)..

A tudo isto deve-se juntar as baixas provocadas por doença que resulta da existência de um sistema de saúde mais orientada para a cura da doença e menos para a prevenção da doença e promoção da saúde (este tema é tratado no nosso estudo sobre a política de saúde do actual governo, que enviaremos a quem o solicitar).

De acordo com as Estatísticas da Segurança Social o número de dias subsidiados tem diminuído em Portugal:- 1995: 65,9 milhões de dias; 1998: 50,7 milhões de dias.

Para além disso, interessa recordar que , segundo as estatísticas oficiais da segurança social, que têm sido sistematicamente ignoradas pelo ministro Bagão Félix apesar de serem publicadas pelo Ministério que dirige, mostram que as despesas com subsidio de doença têm também diminuído em Portugal, já que sofreram a seguinte evolução:- 1996: 93,7 milhões de contos; 2001 : 89,9 milhões de contos.

E tenha-se presente que estes valores incluem muito subsídios de doenças pagos a patrões que se inscrevem nos regime dos independentes. Neste regime estão inscritos cerca de 300.000 gerentes, directores e administradores de empresas, que manipulam os vencimentos sobre os quais fazem descontos para depois poderem receber ou elevadas pensões ou elevados subsídios de doença com baixas fraudulentas, cujo número elevado foi confirmado por inspecções realizadas pela segurança social durante o governo PS.

A noticia que se transcreve seguidamente também prova a falta de verdade que encerra a campanha desenvolvida conjuntamente pelo governo PSD/PP, e nomeadamente pelo ministro Bagão Félix, pelo patronato e por todas as forças de direita neste campo.

“Segundo dados da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e do Trabalho, os valores europeus para o absentismo por doença são os seguintes:

Taxas de absentismo por doença
em alguns países da Europa

Itália 7%
Bélgica 5,8%
França 5,6%
Holanda 5,5%
Áustria 4,1%
Portugal 4,1%

Estes dados foram publicados no jornal “Publico on-line” ( http://jornal.publico.pt/2002/11/04/SupEconomia/TENAC03.htm ), e segundo informação do mesmo jornal “ o estudo foi remetido para o Ministério da Segurança Social e do Trabalho para que pudesse ser comentado , com tempo. Até ao fecho da edição não se obteve nenhuma resposta”. E podemos dizer que continuam sem resposta. Os comentários são desnecessários.

NOTA IMPORTANTE: Pedimos mais uma vez que envie a sua opinião sobre este estudo, nomeadamente se ele foi útil para si, e o que devia ser melhorado para corresponder melhor aos seus objectivos que é fornecer informação entendível sobre os aspectos essenciais do Código que seja útil aos trabalhadores para o endereço edr@netcabo.pt .

Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

20/Fev/04