por ORT's da Bombardier Transportation Portugal (SOREFAME)
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Num momento que apela a uma discussão e debate dos problemas
fundamentais do nosso país, os trabalhadores da Bombardier
Transportation Portugal (adiante designada de Sorefame), através das
suas ORT's, solicitam uma reflexão da sua parte sobre o presente e o
futuro da empresa e sobre a indústria metalomecânica pesada em
Portugal.
O papel estruturante da metalomecânica pesada no tecido económico
português persiste na configuração actual do sector
produtivo. Não nos referimos apenas ao carácter determinante que
empresas como a Siderurgia Nacional, a Cometna, a Sorefame, a Mague, a Mompor
ou a Equimetal desempenharam ou desempenham na criação de valor
no âmbito do processo produtivo; ou mesmo o que representaram ou
representam em termos de emprego qualificado. Referimos também a seu
função ímpar no processo de criação,
manutenção e valorização de estruturas e
equipamentos como sejam todo o sector portuário, ferroviário,
rodoviário ou mineiro, ou ainda as importantes unidades nacionais de
construção naval e indústria de barragens.
O presente e o futuro imediato e mediato da metalomecânica pesada deve
ser pensado em função do processo destrutivo a que desde 1975 tem
sido submetido, por um lado, e, por outro, das reais necessidades
económicas e sociais do país. Existe um nível
mínimo de estrutura produtiva abaixo do qual se desestruturam as
relações económicas e industriais com evidentes
consequências sociais. Não existe um país sem
população com história, memória e vivência
colectivas. Não existe uma vivência democrática sem
cidadãos informados e activos. Não existem cidadãos
informados e intervenientes sem uma estrutura produtiva mínima que
organize e dinamize os laços económicos e sociais potenciando
estruturas de organização do território e de
vivência colectiva.
O desenvolvimento da indústria ferroviária assume no âmbito
das sociedades contemporâneas uma relevância insofismável.
No plano social, uma estrutura ferroviária moderna e eficiente pode ser
um elemento de ordenamento territorial e de organização da vida
social importante. No plano ambiental / energético constitui uma
indústria essencialmente não poluente. No plano económico
destacamos que tanto a montante como a jusante da indústria
ferroviária se dinamiza um conjunto de actividades sociais e produtivas
com uma forte componente de investigação e desenvolvimento (I&D).
Aos decisores políticos está então colocado a necessidade
de tomada de opções. Em Portugal a Sorefame, que emprega directa
e indirectamente cerca de 1000 trabalhadores, é das principais unidades
produtivas da metalomecânica pesada com largo prestígio
internacional e capacidade competitiva. Hoje, esta unidade industrial, apesar
de amputada de vários sectores estratégicos continua a ser a
única com capacidade de conceber, planear, produzir e instalar
equipamentos de transporte ferroviário (locomotivas e carruagens)
detendo um notável sector de engenharia.
Esta área de I&D detida pela Sorefame, com uma forte
ligação a vários institutos de investigação
e uma importante componente de formação técnica e
científica é, no panorama da indústria portuguesa, um caso
exemplar. Defendemos que existe uma premente necessidade de generalizar e
difundir os casos exemplares e não torná-los
excepção. Como foi afirmado por V. Exa.
Temos que apelar a
todas as iniciativas que estimulem um clima favorável à
tecnologia e à inovação, que criem condições
concretas para que a competitividade das organizações e a
produtividade da empresas se eleve. (Discurso na Fundação
Calouste Gulbenkian, 17/Fev/2000).
É sabido que a modernização do tecido ferroviário
nacional está atrasado. Atraso que resulta de um problema estrutural no
domínio da decisão política. Portugal, mergulhado que
está num espaço europeu e mundial cada vez mais interdependente,
necessita de planeamento e definição de estratégias.
Carece de orientações e decisões políticas que
sustentem um desenvolvimento nacional que tendo em conta o existente lance as
bases de um crescimento sustentado. Não podemos avançar navegando
ao sabor de conjunturas. Estas podem destruir de uma penada o que demorou
muitos anos a solidificar: não se constrói uma empresa como a
Sorefame por despacho. Desde há cerca de 60 anos que a Sorefame se foi
desenvolvendo como uma empresa de referência a nível nacional e
mundial. Detém uma marca reconhecida em países como Marrocos,
ex-Rodésia, Irão, Sudão, México, EUA, China,
África do Sul, Brasil, Costa Rica, Iraque, etc. Participou na
construção do material mecânico de praticamente todas as
barragens portuguesas até ao Alqueva altura em que a
Hidro-Sorefame já estava amputada das suas capacidades , e em
muitas barragens realizadas pelo mundo fora.
V. Exa. poderia afirmar, contrapondo, que a produção de material
circulante ferroviário deve estar sujeito às normas que os
concursos públicos internacionais impõem. Nós afirmamos
que esse facto não é incompatível veja-se exemplos
concretos em outros países da EU com a tomada de decisões
políticas que defendam o mínimo de valor acrescentado nacional no
desenvolvimento do equipamento ferroviário. Para além desse valor
mínimo, existindo a Sorefame, é de exigir dos decisores
políticos que em períodos de restrições
orçamentais que é uma realidade intrinsecamente
conjuntural se desenvolva um nível de investimento que crie as
condições para a subsistência e desenvolvimento de
indústrias estruturantes em Portugal.
A Sorefame tem trabalho até Abril de 2004. O seu fecho, total ou
parcial, constituiria um rude golpe em mais de 1000 trabalhadores que, directa
e indirectamente laboram na empresa; constituiria um rude golpe na cidade da
Amadora, onde a empresa está há longos anos implantada;
constituiria um rude golpe no emprego qualificado e de qualidade que
detém a Sorefame e os seus trabalhadores e, não menos importante,
constituiria um rude golpe em mais uma empresa de referência e na
economia nacional pois, conforme V. Exa. diz,
Uma economia competitiva não é a que se baseia em baixos
salários, mas sim a que dispõe de um sistema produtivo moderno,
inovador e tecnologicamente avançado, capaz de produzir bens e
serviços de qualidade e bem valorizados nos mercados
internacionais. ("Batalhas a travar, desafios a vencer",
Público"
de 28/Nov/03).
Apelamos a que V. Exa., exercendo as devidas competências, tenha uma
acção interventora junto do Governo, de modo a que as
decisões políticas necessárias sejam tomadas atempadamente.
As ORT's da Bombardier Transportation Portugal (SOREFAME):
Comissão de Trabalhadores
Comissão Sindical
Delegados Sindicais
Esta carta aberta encontra-se em
http://resistir.info
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