Fazer o mal e a caramunha
De há uns tempos a esta parte multiplicaram-se os comentários
sobre a situação económica do país, comparando-a
com os países do Leste Europeu a partir do cotejo da
evolução dos respectivos rácios do PIB/capita. E as
conclusões são sempre as mesmas: Portugal ultrapassado até
pela Roménia!
Os títulos são elucidativos: "Retrato de um país
ameaçado pelo marasmo"; "Assim não saímos do
mesmo sítio"; "Causas da nossa decadência". Para a
SEDES, "é infelizmente necessário constatar que, em termos
de desenvolvimento económico e social, os últimos 22 anos se
saldaram por um rotundo fracasso".
A controvérsia não será certamente com as
"conclusões" inscritas nos títulos. Três breves
anotações com o registo da superficialidade, mesmo o simplismo,
de algumas análises e surpreendentes "esquecimentos".
Aparentemente não passa pela cabeça dos analistas que no
período de referência utilizado, as duas primeiras décadas
do século, a economia é definitiva e estruturalmente marcada pela
adesão ao euro e tudo o que a pertença à Zona Euro
arrastou, nomeadamente em termos de gestão orçamental.
A que se deve acrescentar as consequências da Estratégia de Lisboa
(2000) e os seus sucedâneos, com o carrossel das
liberalizações e privatizações, uma
financeirização brutal, e consequências dramáticas
nos sectores produtivos, como foi a desindustrialização. Depois
são análises que, metendo todos aqueles países no mesmo
saco, não conseguem ver que há dois grupos bem distintos.
O grupo que está fora do euro (Bulgária, Croácia, Hungria,
R. Checa e Roménia), que cresce a um ritmo médio anual que
é o dobro da média da Zona Euro. O outro, os restantes cinco
(Estónia, Lituânia, Letónia, Eslovénia e
Eslováquia), que aderiram ao euro em momentos diferentes nos
últimos 15 anos, e que, desde então, baixaram consideravelmente
os seus ritmos de crescimento, mesmo se quase sempre superiores aos da
média da Zona Euro (e não só de Portugal, Itália,
Grécia e Espanha).
Veremos no futuro o que vai acontecer, mas seria estranho que não se
acrescentassem outros factores como os pontos de partida das suas estruturas
produtivas, qualificação da mão-de-obra (uma
"herança" do comunismo!), e até a sua maior proximidade
geográfica à Alemanha e países do centro da Europa.
Depois, o "esquecimento" de que há mais de duas décadas
todos estes analistas, e os jornais onde escrevem, e os partidos a que alguns
pertencem, são os promotores, os ideólogos e estremes defensores
das opções políticas estruturantes de sucessivos governos
do PS (incluindo do actual), PSD e CDS, e de tudo quanto tem vindo da UE e
sobretudo da Zona Euro. Exactamente as causas e as explicações
para a situação de desastre económico e social em que o
país se encontra e que povoa os títulos dos seus
comentários.
Por fim, os reais objectivos daquelas análises.
Todos concentram as responsabilidades do ponto a que chegámos,
não em mais de quatro décadas de políticas de direita do
PS, PSD, CDS, particularmente as que geriram os 20 anos deste século,
não na continuidade, no essencial, dessas mesmas políticas pelo
actual Governo PS (caso da submissão à UE e ao euro), mas na
paralisia do actual Governo PS peado no ímpeto reformista pelas
"alianças" à esquerda, na concretização
das velhas e conhecidas, e nunca assaz louvadas, "reformas
estruturais".
Parecem "esquecer", também, que daqueles 20 anos a pontual e
limitada interferência da esquerda se deu em cinco anos! Curiosamente, o
único período em que crescemos acima da média da Zona Euro.
11/Junho/2021
[*]
Dirigente do PCP.
O original encontra-se em
jornaleconomico.sapo.pt/noticias/fazer-o-mal-e-a-caramunha-749218
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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