1- O golpe militar em preparação
2- A tese do «contra-golpe»
3- O «cerco» de S. Bento
4- O «contra-golpe» falhado
5- A saída da crise político-militar
O 25 de Novembro foi um golpe militar inserido no processo
contra-revolucionário. A sua preparação começou
muito antes das insubordinações e sublevações
militares do verão quente e de Outubro e Novembro de 1975
.
Talvez que as mais esclarecedoras informações dessa
preparação em curso muitos meses antes de Novembro sejam as que
dá o comandante José Gomes Mota no seu livro, esquecido ou
guardado nas estantes,
A Resistência. O Verão Quente de 1975
, Edições jornal
Expresso
, 2ª ed., Junho de 1976.
Segundo José Gomes Mota, o golpe foi preparado pelo
«Movimento», que define por ser contra o que chama «os
dissidentes», nomeadamente «os gonçalvistas» e o
PCP. Fala em «novas estruturas reorganizadas». Diz que o
«Movimento» deveria ter presença activa no Conselho da
Revolução (
ob. cit.
, p. 93) e aceitar a «manutenção formal dos
órgãos de cúpula do Movimento Conselho da
Revolução e Assembleia do MFA» (
ob. cit.
, p. 95).
O «Movimento» chamava a si a preparação e
decisão do golpe militar, mas, «preservando e garantindo a
legitimidade revolucionária do Presidente da República» (
ob. cit.
, p. 94). Segundo José Gomes Mota, a cúpula efectiva era o
«Movimento», que dispunha de dois grupos dirigentes.
Um «militar», «inicialmente constituído por Ramalho
Eanes, Garcia dos Santos, Vasco Rocha Vieira, Loureiro dos Santos, Tomé
Pinto e José Manuel Barroso». A sua «tarefa» principal
era a «elaboração de um plano de
operações» (
ob. cit.
, p. 99), tarefa que «cumpriu rigorosamente», tendo «para isso
muito contribuído a liderança de Ramalho Eanes» (
ob. cit.
, p. 100).
Outro «político», de que faria parte o «Grupo dos
Nove», «veio a desempenhar o papel de um verdadeiro estado-maior de
Vasco Lourenço», que «assumira a chefia do Movimento» (
ob. cit.
, p.100).
O livro encerra muitas contradições e obscuridades sobre o
«Movimento». Diz que «a iniciativa [de um confronto militar]
teria de partir sempre dos «dissidentes» (
ob. cit.
, p. 93), que o «Movimento» tinha por objectivo «evitar qualquer
possibilidade de uma guerra civil» e a criação da
«Comuna de Lisboa» (
ob. cit.
, p. 94). Mas o facto, que importa sublinhar, é a
revelação de um efectivo centro político-militar a
preparar um golpe ao longo do
verão quente
.
Melo Antunes,
por seu lado, fala da acção militar do «Grupo dos
Nove» na preparação para o golpe: «Além das
acções legais ou semilegais a que deitámos mão
para obter a supremacia militar, também desenvolvemos
acções clandestinas para nos prepararmos para uma
confrontação que eu julgava inevitável.
[...]
Tínhamos uma organização militar em marcha.
» (
Vida Mundial
, Dezembro de 1998, p. 50.)
A preparação do golpe «para pôr fim a uma
situação insustentável» vinha pois de longe.
Foi ulteriormente dado a conhecer que, no
verão quente
, muitos Comandos «deixaram os postos civis e se alistaram de novo para
estarem operacionais».
A colocação de Pires Veloso no Norte em Setembro de 1975,
substituindo Corvacho, que Freitas do Amaral intitula de «famigerado
Brigadeiro» «afecto ao PCP» (
O Antigo Regime e a Revolução
, ed. cit., pp. 245 e 406), fazia parte dessa preparação.
Não foi por acaso que, no 25 de Novembro, vieram ajudar o golpe
várias Companhias do Norte, que depois levaram os presos para
Custóias.
O papel de Ramalho Eanes é sublinhado nas valiosas
informações que, no 20º aniversário do golpe, revela Vasco
Lourenço, designado em 22 de
Novembro e confirmado a 24 Comandante da Região Militar de Lisboa em
substituição de Otelo Saraiva de Carvalho.
Segundo Vasco Lourenço,
Eanes
, «
responsável por organizar o plano de operações»,
«desempenhou papel fundamental»
, e «acabou por ser
o principal comandante operacional
», não cedendo às pressões dos militares mais
radicais (artigo «Não aconteceu o pior», in Revista
História
, nº 14, Novembro de 1995, pp. 37-38).
Também Jaime Neves, sublinhando que se tratou de «um golpe contra o
PCP», confirma o papel de Eanes: «
Conspirávamos
[...]
e o Eanes
[...]
passou a ser ele a coordenar as coisas.
» (Entrevista à revista
Indy
, 21-11-1997.)
O papel de Eanes expressou-se aliás publicamente, logo após a
vitória do golpe, em factos tão significativos como a sua
ascensão a Chefe do Estado-Maior do Exército (interino em
27-11-1975 posse em 9-12-1975) e ulteriormente a Presidente da
República eleito.
Está mais que provado, assumido e confessado, que se tratou de
um golpe militar contra-revolucionário há muito em
preparação
num turbulento processo de arrumação e rearrumação
de forças.
Cerca das 10 horas da própria manhã do dia 25, prontos para
desencadear as operações, os conspiradores numa
diligência conjunta do «Grupo dos Nove», Eanes, Jaime Neves e
oficiais dos Comandos da Amadora procuraram e conseguiram obter a
aprovação e cobertura institucional do Presidente da
República, Costa Gomes (entrevista de Costa Gomes a Maria Manuela
Cruzeiro, in
Costa Gomes, o Último Marechal
, Editorial Notícias, 3ª ed., Lisboa, 1998, p. 357; e in revista
Indy,
27-11-1998).
Para a compreensão do golpe e do que dele resultou é
necessário ter em conta que,
na sua preparação, participaram forças muito diversas
associadas num complexo enredo de alianças contraditórias.
Todas estavam aliadas para pôr fim à influência do PCP e ao
processo revolucionário, restabelecer uma hierarquia e disciplina nas
forças armadas e extinguir o MFA insanavelmente em vias de
destruição pelas suas divisões e confrontos internos. Mas,
como resultado do golpe relativamente ao poder político e às
medidas concretas a tomar, havia importantes diferenças.
Na grande aliança contra-revolucionária, internamente muito
fragmentada, participavam fascistas declarados e outros reaccionários
radicais, que visavam a instauração de um nova ditadura, que
tomasse violentas medidas de repressão, nomeadamente a
ilegalização e destruição do PCP. Participava
também o
Grupo dos Nove,
de que alguns membros, receosos da possibilidade de saírem vitoriosas
do golpe as forças mais reaccionárias, pretendiam a
continuação de um regime democrático.
Da parte dos fascistas e neofascistas, a ilegalização e
repressão violenta do PCP era, não apenas um desejo mas um
objectivo que pretendiam fosse alcançado no imediato.
As organizações terroristas deviam também participar.
Paradela de Abreu diz que «sempre tinha estado convencido de que o
Plano Maria da Fonte
só deveria ser desencadeado no seu «programa máximo
um programa de violência ou de guerra em ligação com
um golpe militar
» (
Do 25 de Abril ao 25 de Novembro
, ed. cit., p. 204), intervindo com «muitos grupos capazes de executar
quem quer que fosse» (
ob. cit.
, p. 197). Na noite de 25 de Novembro foi-lhe comunicado para não
avançar com o «Plano» (
ob. cit.
, p. 208).
Este objectivo de desencadear uma vaga repressiva de extrema violência
já na altura era abertamente proclamado nas campanhas anticomunistas. E
muitos anos volvidos, mais claramente o dizem, nas suas confissões,
alguns dos participantes.
Jaime Neves, num jantar em sua homenagem realizado em Janeiro de 1996, declarou
que «
o problema seria resolvido muito simplesmente com a
prisão do líder do PC, Álvaro Cunhal
» (
Público
, 11-1-1996). O seu estado de espírito é transparente, ao dizer
que, se «havia uma manifestação realizada pelo Partido
Comunista, eu recusava-me a ir com a tropa para a rua se não fosse para
prender o dr. Álvaro Cunhal» (entrevista ao
Semanário
, 26-11-1983).
Alpoim Calvão, operacional nº 1 da rede bombista, não deu por
definitivamente derrotada a extrema
direita depois do 25 de Novembro. Num encontro com Pinheiro de Azevedo
(então Primeiro-Ministro), solicitou que fosse permitido o regresso a
Portugal de Spínola e de todos os spinolistas exilados. Não
são conhecidos os termos em que colocou o problema. Pedido?
Exigência? O que diz é que uma tal decisão seria «uma
solução pacífica», porque, apesar do 25 de Novembro,
«
muitos queriam pegar em armas e vir por aí abaixo matar comunistas
» (entrevista a Eduardo Dâmaso, publicada no seu livro
A Invasão Spinolista
, Círculo de Leitores, 1997, p. 98). É o que teriam feito, pelo
que se vê, se tivessem sido eles a impor o resultado.
No próprio dia 25, não estando ainda certo como o golpe iria
terminar política e militarmente, todos envolvidos num objectivo geral
comum anticomunista, cada qual pretendia que o resultado correspondesse aos
seus próprios objectivos.
Mário Soares e o PS tinham representado um papel importante na
acção política preparatória do 25 de Novembro. Mas
o golpe do 25 de Novembro não foi o que projectaram. Nenhum dos seus
três objectivos centrais imediatos se concretizou. Nem a
liquidação da dinâmica revolucionária e das suas
conquistas. Nem o esmagamento militar do PCP, do movimento operário e da
esquerda militar, nem, como resultado do golpe, ser Soares o vencedor, aquele
que teria salvado a democracia de um golpe e de uma ditadura comunista e que
por isso assumiria naturalmente de imediato, no poder do Estado, as
responsabilidades daí decorrentes. Tal operação foi
tentada mas falhou. Não é por isso exagero dizer-se que
Soares ficou de fora do 25 de Novembro
.
Os fascistas e neofascistas, participantes na preparação e no
golpe, não conseguiram tão-pouco o que pretendiam.
Quanto ao «Grupo dos Nove», Melo Antunes (tal como Eanes e Costa
Gomes) defendia uma solução política da crise. Indo no dia
26 à televisão declarar que «a participação do
PCP na construção do socialismo era indispensável»,
deu importante contribuição para a defesa da democracia.
Como na altura considerámos, essa atitude expressava um objectivo
político e uma apreensão: o objectivo de assegurar um regime
democrático para o que considerava indispensável o contributo do
PCP e a apreensão de que, se a extrema direita desencadeasse a
repressão contra o PCP, ele e seus amigos acabariam também por
ser reprimidos.
Poucos dias depois, o chefe do EMGFA, general Costa Gomes, enviou aos
três ramos das Forças Armadas uma directiva na qual se afirmava
que «só os militares [...] estão em condições
de servir o projecto de construção da sociedade proposta pelo
Movimento do 25 de Abril, sociedade onde não seja mais possível a
exploração do homem pelo homem» (
Jornal de Notícias
, 2-12-1975).
E, ao tomar posse como Chefe do Estado-Maior do Exército, no dia 6 de
Dezembro, Ramalho Eanes, então promovido a general, declarou como
«objectivos políticos prioritários a independência
nacional e a construção de uma nova sociedade democrática
e socialista.» (
Jornal de Notícias
, 7-12-1975)
Desde o 25 de Abril, todos os golpes e tentativas de golpes
contra-revolucionários golpe Palma Carlos, 28 de Setembro, 11 de
Março e outros foram explicados pelos seus autores, apoiantes e
cúmplices como respostas a golpes ou tentativas de golpes do PCP visando
o assalto ao poder. Assim sucedeu também no
verão quente
de 1975, quando forças contra-revolucionárias desenvolviam o
terrorismo bombista e preparavam um novo golpe militar.
Ao contrário do que dizem (como acabamos de ver) os principais
protagonistas do 25 de Novembro, Mário Soares e seus amigos não
desistiram até hoje de dizer que, no 25 de Novembro, «
houve uma tentativa de golpe, animado pela Esquerda Militar e pelo PCP, e uma
resposta,
[...]
um contra-golpe da parte do sector democrático, isto é,
militares moderados, Grupo dos 9 e PS
» (Maria João Avillez,
Soares. Ditadura e Revolução
, ed. cit., p. 487).
Esta versão dos acontecimentos foi através dos anos repetida
incansavelmente.
José Manuel Barroso
, sobrinho de Soares e adjunto de Spínola, é ainda mais
categórico: «
O 25 de Novembro
[diz ele]
foi um golpe de força militar, preparado pelo Partido Comunista
». «Páras e fuzos receberam, assim,
ordens de saída directamente da direcção militar do PCP
».
O 25 de Novembro
foi «uma operação dirigida por dois postos de comando: um,
militar, situado no SDCI, e outro, civil,
a partir da direcção militar do Partido Comunista
» (
Diário de Notícias
, 25-11-1993).
Manuel Monge
, destacado oficial spinolista próximo de Soares e que tinha fugido para
o estrangeiro com Spínola depois do 11 de Março, afirma
também que «o 25 de Novembro foi
um golpe desencadeado pela ala gonçalvista do MFA com o
total apoio do PC.
» (
Público
, 17-4-1994.)
E, já agora, lembremos que, em 1997,
Carlucci
informava a Câmara dos Representantes de que no
25 de Novembro «o golpe comunista foi derrotado
» (
Dossier Carlucci/CIA
, ed. cit., p. 109).
Como a orientação e acção do PCP e os
acontecimentos provassem que não tinha havido nem golpe nem tentativa de
golpe do PCP, inventou-se então
a tese do «recuo» a história de que o PCP, vendo que o
seu golpe militar, já desencadeado, iria falhar, recuou e desistiu do
golpe
. Essa tese do «recuo do PCP» é condimentada com uma
insultuosa afirmação de Mário Soares: que o PCP teria
lançado o golpe, mas, vendo que ia ser derrotado, deixou no terreno os
esquerdistas «abandonados pelo PC» à sua sorte e à
repressão (Maria João Avillez,
Soares. Ditadura e Revolução
, ed. cit., p. 487). Falsidade e calúnia retomada por Freitas do Amaral (
O Antigo Regime e a Revolução,
ed. cit., p. 477).
Explique-se. Esta invencionice, como argumento, deturpa
dois factos reais: Um
, as orientações dadas pela Direcção do PCP na
noite de 24 para 25 a algumas das suas organizações para
não se deixarem arrastar em atitudes ou na participação em
aventuras esquerdistas de confronto militar (casos do Forte de Almada e do RAL
1).
Outro
, uma conversa telefónica na mesma noite de 24 para 25 entre o
Presidente da República Costa Gomes e o secretário-geral do PCP,
Álvaro Cunhal, em que este, tendo tomado a iniciativa do contacto, nos
termos habituais da ligação institucional com a Presidência
da República, comunicou ao Presidente, desmentindo
especulações em curso, que o PCP não estava envolvido em
qualquer iniciativa de confronto militar e insistia em apontar a necessidade de
uma solução política. Soares diz contudo que Costa Gomes
conseguiu «convencer o Partido Comunista a
desistir
»
do 25 de Novembro
(entrevista ao
Público-Magazine
, 24-4-1994). A verdade é que não houve «recuo» nem
«desistência» porque não houve golpe nem tentativa de
golpe do PCP, mas a realização empenhada da
orientação definida pelo Comité Central em 10 de Agosto,
até ao último minuto, incluindo as indicações acima
referidas dadas às organizações do Partido e a
diligência que se lhes seguiu junto do Presidente da República.
Apesar de ficar claramente comprovado que o 25 de Novembro foi um golpe militar
contra-revolucionário, há muito em preparação,
Soares diz ainda, tantos anos passados, que «a tese de Álvaro
Cunhal» de o 25 de Novembro ter sido um golpe e não um contra-golpe
«
permanece hoje historicamente indefensável
» (Maria João Avillez,
Soares. Ditadura e Revolução
, ed. cit., p. 490).
A verdade dos factos e os testemunhos mais válidos (de Costa Gomes, de
Melo Antunes, de Vasco Lourenço, de Ramalho Eanes) mostram que
«indefensável» é a «tese» de Soares e seus
amigos quando insistem no
golpe
do PCP e no
contra-golpe
de 25 de Novembro.
Na medida em que avançava a preparação do golpe militar
contra-revolucionário, travou-se acesa luta política em torno dos
trabalhos e das funções da Assembleia Constituinte.
Soares pretendia (tal como Freitas do Amaral) que a Assembleia Constituinte,
sem aprovar a Constituição, se transformasse de imediato num
órgão do poder para fazer leis gerais e escolher novo governo.
Pretendia no imediato, tendo Mário Soares como Primeiro-Ministro, formar
governo em substituição do VI Governo Provisório. Jorge
Miranda a pedido do PS e do PPD (segundo testemunho de Freitas do Amaral a pp.
531-532 do seu livro já citado) chegou a redigir um projecto de lei
constitucional segundo o qual a «Assembleia Constituinte assume a
plenitude dos poderes legislativos e de fiscalização do Poder
Executivo em Portugal» (art. 1º ). Compreende-se assim melhor que, nas
suas memórias, Mário
Soares chame «Parlamento» à Assembleia Constituinte (Maria
João Avillez,
Soares. Ditadura e Revolução
, ed. cit., p. 483). Pretendia ainda, como os acontecimentos pouco depois
comprovaram, impedir a aprovação da nova
Constituição.
Na preparação do golpe contra-revolucionário, que veio a
realizar-se em 25 de Novembro, e no quadro desses objectivos, chegou a ser
examinada a possibilidade de transferência para o Porto dos chefes da
conspiração, de unidades militares comprometidas e da Assembleia
Constituinte, para depois, a partir do Norte, desencadear a guerra civil e
esmagar militarmente o Sul, o que chamaram a «Comuna de Lisboa».
O conhecimento da existência desse plano é necessário para
compreender a conduta de Mário Soares no chamado «cerco a S.
Bento», assim chamado pela contra-revolução.
Foi o caso de, em tão polémica situação, no dia 12
de Novembro, os trabalhadores terem realizado uma concentração em
frente da Assembleia Constituinte com
objectivos de carácter reivindicativo laboral
.
Conhecendo as posições dos vários partidos relativas
às suas reivindicações, os trabalhadores aplaudiram os
deputados do PCP e alguns outros, que saíram calmamente do
edifício e seguiram os seus destinos.
Mário Soares conta à sua maneira os acontecimentos:
«Vieram dizer-me que havia uma importante manifestação de
operários da construção civil em frente ao Palácio.
Fui a uma janela e
apercebi-me de que uma verdadeira milícia paramilitar
[?!!!],
que enquadrava
[?!!!]
os manifestantes, se preparava
[?!]
para ocupar certas posições chave perto das saídas
» (?!) (Mário Soares,
Portugal: Que Revolução?
, ed. cit., p. 187).
Segue-se a descrição da «fuga», que vale a pena ler
como testemunho de uma operação teatral, espectacular e
rocambolesca. Corredores fora no edifício, «começou a
correr» com seus amigos, atravessou em correria os jardins de S. Bento
até lá cima à residência do Primeiro-Ministro e saiu
pelas traseiras... (Maria João Avillez,
Soares. Ditadura e Revolução
, ed. cit., p. 483). O próprio Soares conta este episódio com um
colorido que faz inveja aos melhores ficcionistas. Leia com gosto, se tiver
ocasião.
A história do «cerco de S. Bento», como ameaça
comunista de assalto à Assembleia Constituinte com tais
«milícias paramilitares», correu mundo, espalhada pela
contra-revolução, tal como tinham sido os casos
República
e do Patriarcado.
A ameaça comunista e a «fuga» a que Soares fora forçado
para escapar ao perigo «provavam» que a Assembleia Constituinte
não tinha condições para continuar em Lisboa.
Segundo o pormenorizado plano de ir para o Norte, era imperativo deslocar a
Assembleia para o Porto, para, a partir do Norte, lançar-se à
conquista da «Comuna de Lisboa». É esclarecedor que, no dia 20
de Novembro, PS, PPD e CDS aprovam na Assembleia Constituinte a possibilidade
de a Assembleia reunir «em qualquer momento e em qualquer lugar» (
Diário da Assembleia Constituinte
, p. 2779).
Para o Porto não foi a Assembleia mas, como veremos, foi Mário
Soares, pensando poder realizar o tenebroso plano, que fora rejeitado.
Quanto à manifestação dos trabalhadores, «a ordem
repôs-se» com «cedências do Primeiro-Ministro a algumas
das reivindicações salariais», segundo acabou por confirmar
o próprio Soares (Maria João Avillez,
Soares. Ditadura e Revolução
, ed. cit., p. 483). Para quê ter abalado em tal correria e saído
pelas traseiras?
A ida, no próprio dia 25 de Novembro, de Soares para o Porto com os seus
amigos, constituiu um episódio que esclarece e evidencia alguns dos mais
sérios perigos de um plano muito diferente do que veio a ser o golpe do
25 de Novembro e os seus resultados.
Nesse dia, partindo para o Porto, Soares ia certamente esperançado e
decidido a que o golpe contra-revolucionário vitorioso seria um
confronto militar violento, que tivesse como resultado a
ilegalização e repressão violenta do PCP, do movimento
operário e da esquerda militar e a não aprovação da
Constituição da República já elaborada pela
Assembleia Constituinte.
Um tal plano foi desvendado vinte anos mais tarde pelas extraordinárias
revelações de Vasco Lourenço que, nas vésperas do
25 de Novembro, substituiu Otelo no Comando da Região Militar de Lisboa
e acompanhou de perto, em ligação com Eanes, a
preparação final e a realização do golpe.
Vasco Lourenço revela que, já depois da formação do
Grupo dos Nove
e da publicação do seu documento,
foi levantada e esteve quase em vias de ser aprovada a hipótese
(à qual Vasco Lourenço diz ter-se oposto «firme e
deliberadamente», porque seria «provocar a guerra civil») da
«
retirada para o Norte, com as forças que nos apoiavam
(Comandos da Amadora, Artilharia de Cascais, Infantaria de Mafra e Cavalaria
de Santarém),
permitindo, ou provocando,
[!]
que se criasse a Comuna de Lisboa
, que depois se procuraria reconquistar» (artigo in
Revista História
, nº 14, Novembro de 1995, p. 35). Seria também de considerar
«passar a
reunir no Porto» a Assembleia Constituinte (
ibid.
), ideia esta que Mário Soares sugere, inventando e lançando a
cabala do «cerco a S. Bento» pelos comunistas. Sendo
impossível à Assembleia funcionar como Constituinte em tais
condições, com a ida para o Porto tornar-se-ia um Parlamento,
faria leis e escolheria o governo, como consta do projecto de lei
constitucional de Jorge Miranda atrás referido.
Reveladora também da natureza e execução do mesmo plano a
pouco conhecida
transferência para o Norte do ouro do Banco de Portugal
, em «operação devidamente concertada com o sindicato dos
bancários, na altura de orientação conjunta socialista e
MRPP» (
Vida Mundial
, Dezembro de 1998).
Os factos mostram que, ao ir para o Porto no dia 25, ainda Soares sonhava com a
«hipótese» de guerra civil contra a «Comuna da
Lisboa» desvendada anos mais tarde por Vasco Lourenço.
Também
Melo Antunes
informa «a sua vontade de evitar
a deslocação do poder para o Norte, com a intenção
de daí se partir à conquista da comuna de Lisboa
» (
Vida Mundial
, Dezembro de 1998, p. 50).
As revelações de Vasco Lourenço e de Melo Antunes
são ainda mais esclarecedoras, se lhes acrescentarmos outras
confissões, igualmente sensacionais, feitas pelo próprio Soares a
Maria João Avillez: «
Talvez uma semana antes do 25 de Novembro, o então Primeiro-Ministro
[da Grã-Bretanha]
James Callaghan enviara-me um oficial do Intelligence Service
que eu, através de Jorge Campinos, apresentei aos militares operacionais
[é pena não dizer quais]
que, entretanto, tinham começado a gizar o seu plano militar
conforme Callaghan conta nas suas
Memórias
.»
«A consumar-se a divisão entre o Norte e o Sul do país
[informa Soares], o Reino Unido não só nos apoiaria
politicamente, como colaboraria ainda com Portugal através de apoios
concretos.
Prometeram-nos fazer chegar rapidamente ao Porto combustível para os
aviões e também armamento.
» (Maria João Avillez,
Soares. Ditadura e Revolução
, ed. cit., p. 491.)
Isto é: Uma semana antes do 25 de Novembro já Soares estava a
combinar com os ingleses a ida para o Norte, o fornecimento de gasolina para os
aviões e de armamento.
E não só. Conta Rui Mateus referindo os apoios financeiros dos
ingleses: que «a entrega mais [...] volumosa, seria a 24 de Novembro, nas
vésperas da partida de Mário Soares para o Porto. [...] As
instruções que Mário Soares me tinha dado eram no sentido
de eu me dirigir com o pacote a sua casa, pois o seu
conteúdo era necessário para esta segunda viagem para a capital
do Norte. Dirigi-me então [...] à sua casa no Campo Grande.»
(
Contos Proibidos. Memórias de Um PS Desconhecido
, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1996, p. 89.)
Acompanhemos o desenrolar dos acontecimentos militares. No dia 25 de Novembro,
pilotos e aviões são levados de Tancos para Monte Real e
Cortegaça, os pára-quedistas abandonados pelos oficiais saem de
Tancos e ocupam o Estado-Maior da Força Aérea em Monsanto.
Está tudo preparado para desencadear em Lisboa as
operações do golpe contra-revolucionário há muito
preparado e definido no «Plano das Operações». Soares
vai à sede do PS, aí «trocando informações com
os seus camaradas e recolhendo dos militares as precisões
possíveis». Vai depois ao Palácio de Belém, onde
«se montara
um posto de informações chefiado pelo tenente-coronel Ferreira da
Cunha»
, o mesmo que no 11 de Março se encontrava com Manuel Alegre e outros
dirigentes do PS. «Após ter sido decretado por Costa Gomes o
estado de emergência, mas quando a situação
militar era muito confusa e Lisboa estava cercada [em vez de ficar no teatro de
operações do golpe a desencadear-se nesse mesmo dia], decidiu-se,
numa reunião da direcção do Partido, que alguns de
nós iríamos para o Porto» (Maria João Avillez,
Soares. Ditadura e Revolução
, ed. cit., p. 490).
Chegara para Mário Soares a hora do seu «contra-golpe», a hora
do plano referido por Vasco Lourenço, ao qual este se tinha
«firmemente oposto»: a retirada para o Norte «permitindo, ou
provocando, que se criasse a Comuna de Lisboa, que depois se procuraria
reconquistar». Agora não seria com as unidades das Forças
Armadas nessa altura consideradas. Mas poderia ser com as unidades do Norte e
do Centro e com os pilotos e aviões que tinham abandonado Tancos e
estavam em Monte Real e Cortegaça. E com mais armas, que poderiam
fornecer os amigos ingleses, conforme não só prometera Callaghan
directamente, mas confirmara por intermédio de um oficial do
Intelligence Service
.
E, à maneira da «fuga» espectacular do «cerco de S.
Bento», aí vão eles agora para o Porto do Estoril
para Sintra, pela estrada da costa, até às Caldas da Rainha, ali
pela Nazaré e S. Pedro de Muel até ao Porto (Maria João
Avillez,
Soares. Ditadura e Revolução
, ed. cit., p. 490).
Conta Freitas do Amaral que Mário Soares, imediatamente antes de partir
para o Norte, lhe telefonou a «pedir-lhe que desse
instruções para os dirigentes e os Deputados do CDS irem
também todos para o Porto», a fim de a partir dali combaterem
a «Comuna de Lisboa». Perguntando-lhe Freitas do Amaral: «Acha
que devemos partir antes do fim-de-semana?», Mário Soares
respondeu-lhe «à queima-roupa: Antes do fim-de-semana
não, Sr. Professor. Têm de partir antes do jantar. Hoje
mesmo.» (
O Antigo Regime e a Revolução
, ed. cit., p. 461.)
Melo Antunes
e
Costa Gomes
fazem interessantes apreciações à ida para o Porto de
Soares e seus amigos no momento crucial do 25 de Novembro.
Melo Antunes, usa palavras importantes para compreender esta
deslocação: «Admito que tenha
havido conivência entre o PS e o Pires Veloso, nomeadamente na ideia da
fuga para o Norte
, que, do meu ponto de vista, era completamente disparatada e só ia
criar
condições de dramatização, que podiam conduzir
à guerra civil
. Passado este tempo todo,
não me custa a admitir que o PS, em particular o Mário Soares,
quisessem ter, mais uma vez, um enorme protagonismo no meio disto tudo,
aparecendo no fim como os grandes heróis.
» (Entrevista a Maria Manuela Cruzeiro, revista
Indy
, 27-11-1998.)
Diz por sua vez
Costa Gomes
: «Achei de
um ridículo espantoso
a decisão de
os principais dirigentes do PS se refugiarem no Norte
. E parece que o Mário Soares foi um deles. Acho que isso é uma
fraqueza que as pessoas têm de vez em quando. Talvez levadas, porque vejo
o Mário Soares como uma pessoa corajosa. Mas, nesse momento não
foi o mais corajoso.
Fugiu do centro onde havia maior actividade revolucionária para um
sítio onde julgava que havia paz
. Mas era uma
paz podre, com laivos de MDLP.
» (Entrevista a Maria Manuela Cruzeiro, revista
Indy
, 27-11-1998. Cf.
Costa Gomes. O Último Marechal
, ed. cit., p. 363.)
Costa Gomes revela com frontalidade a situação, mas os factos
atrás apontados mostram que não se tratou de uma «fuga»
e sim da partida para a realização de um plano.
Indo para o Norte, onde o aguardavam o comandante da Região Militar
Pires Veloso e Lemos Ferreira, levando os aviões e pilotos de Tancos, e
contando com o apoio político, diplomático e financeiro da
Grã-Bretanha, gasolina para os aviões e mais armamento,
Mário Soares vai com a ideia de que o golpe contra-revolucionário
em Lisboa poderá ser derrotado e então ele, a partir do Norte,
desencadeará a guerra civil para esmagar a «Comuna de Lisboa».
E, sobre os pilotos que, com os aviões, abandonaram «em bloco»
Tancos, e que «constituíam a parte mais importante dos
páras» e os seus comandos todos, não é de
mais lembrar que Costa Gomes lhes atribui grande responsabilidade por
abandonarem os «páras» (
Indy,
27-11-1998) que em desespero foram ocupar em Monsanto o EMGFA e prender o seu
comandante.
No Norte, os aliados de Soares não eram famosos.
Segundo Melo Antunes, Soares e o PS «
aliaram-se ao que de pior havia nas Forças Armadas. Como já se
haviam aliado ao Spínola
. Numa aliança que se tornou mais evidente depois da vinda dos oficiais
do
ELP e do MDLP. Que se tornaram nos aliados militares preferenciais do PS.»
(
Indy,
27-11-1998).
No Porto (já realizado o encontro com Pires Veloso e Lemos Ferreira)
Soares dá, no dia 26, uma conferência de imprensa. Insistindo na
sua tese do «contra-golpe» à tentativa de um golpe comunista,
afirma que o 25 de Novembro foi (o inventado golpe comunista, claro) «
o mais grave atentado à democracia portuguesa desde o 25 de Abril
» (
Primeiro de Janeiro
, 27-11-1975).
Dois dias depois, num comício realizado também no Porto, acusa:
«os responsáveis são em primeiro lugar os dirigentes do
PCP» (
Jornal de Notícias
, 27-11-1975). Sottomayor Cardia classifica o 25 de Novembro como «
uma insurreição comunista para a conquista total do poder e
eliminação dos adversários do comunismo
» (
O Jornal
, 5-12-1975).
Nesse comício destacou-se uma delegação do PC de P(m-l),
muito aplaudida segundo o jornal, com um sugestivo cartaz: «Prisão
para Cunhal e seus lacaios» (
Comércio do Porto
, 27-11-1975).
Vê-se que Soares e o PS se identificavam, quanto aos objectivos do golpe,
não com o que veio a ser o golpe e o seu resultado, mas com os fascistas
e «laivos de MDLP» como Costa Gomes refere. Com spinolistas e «o
pior que havia nas Forças Armadas», como refere Melo Antunes. Com
os reaças a ferver para «
vir por aí abaixo matar comunistas
», como diria dias depois o chefe da rede bombista do MDLP Alpoim
Calvão. Ainda com a ideia de liquidar pelas armas a «Comuna de
Lisboa».
Uma observação mais para melhor se compreender o alcance das
palavras.
Os contra-revolucionários chamaram «Comuna de Lisboa» à
eventual conquista insurreccional do poder pelo PCP na grande região de
Lisboa. Este nome não foi utilizado por acaso. Foi por analogia com a
«Comuna de Paris» de 1871, a qual nas palavras de Marx «era
essencialmente um governo da classe operária» (Marx//Engels,
Obras Escolhidas
em três tomos, Edições
«Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1983, Tomo
II, p. 243). Tão-pouco por acaso a analogia da repressão que
projectavam para a «Comuna de Lisboa» com a conquista de Paris pelas
tropas reaccionárias e o terrível e cruel esmagamento da
«Comuna de Paris» com fuzilamentos em massa de dirigentes e da
população.
A preparação e a execução do golpe militar
contra-revolucionário de 25 de Novembro realizou-se no quadro complexo e
movediço de alianças diversas e contraditórias, de
arrumações e desarrumações de forças em
movimento, de objectivos políticos e militares diferenciados e
incompatíveis no que respeita ao que cada qual pretendia como resultado
final do golpe.
Mário Soares e o PS participaram com importante
contribuição na formação da grande aliança
contra-revolucionária anticomunista e anti-MFA, que conduziu ao golpe.
Mas, pela identificação dos seus objectivos e pela sua
colaboração estreita e prioritária com as forças
mais reaccionárias, estiveram à margem do processo efectivo de
preparação do golpe e não conseguiram desencadear o que
apelidavam de «contra-golpe», nem conseguiram o seu objectivo de
reprimir e ilegalizar violentamente o PCP e o movimento operário.
Muitos anos mais tarde, Soares diz que, logo no dia 26, apoiou e
«pareceu-lhe sensata» a célebre declaração de
Melo Antunes na televisão: que «os comunistas eram
indispensáveis para que se cumprissem as regras do jogo
democrático» (Maria João Avillez,
Soares. Ditadura e Revolução
, ed. cit., p. 489). Fantástica reviravolta, na hora do fracasso da
tentativa de desencadear a guerra civil a partir do Norte.
A verdade é que,
no 25 de Novembro, Soares, de companhia com a extrema direita, sofreu
séria derrota política
. Nem a liquidação militar da «Comuna de Lisboa», nem
guerra civil, nem ilegalização e repressão do PCP, nem
intervenção efectiva na saída política da
situação. É pertinente a observação de Melo
Antunes de que «não é por acaso que das suas
declarações continuam a não constar grandes
referências ao 25 de Novembro» (
Indy,
27-11-1998).
Há quem não compreenda como foi possível a surpreendente
solução política, que no imediato veio a resultar do
golpe. Com a salvaguarda das liberdades e da democracia. Com a
formação de um governo em que continuou o PCP. Com a
aprovação e promulgação da
Constituição pela Assembleia Constituinte.
E entretanto essa solução política era uma possibilidade
há muito considerada pelo PCP na sua análise da
situação e na sua acção prática. Uma tal
saída política do golpe «contra o PCP» resultou da
aliança, não negociada, não debatida, não acordada,
não explicitada, mas aliança com o PCP, conjuntural e
objectivamente existente
, de chefes das Forças Armadas, destacados participantes na
preparação do golpe e na sua execução, mas
defensores da continuação das liberdades e da democracia
política.
A aliança, que decidiu da saída política do 25 de
Novembro, não foi pois a que Mário Soares indicava como sendo a
do «contra-golpe» «militares moderados, Grupo dos Nove e
PS». Não, não foi essa aliança que realizou o 25 de
Novembro nem a que interveio na saída política do golpe. No
complexo quadro da grande aliança contra-revolucionária, o PS, no
25 de Novembro, acabou por
ficar de fora
, como atrás anotámos. É Eanes que, citando o «Plano
de Operações», o testemunha (
O Independente
, 29-4-1994).
De facto, o «Plano de Operações», publicado como anexo
em vários livros, e não nos consta tenha sido desmentido,
justifica inteiramente essa afirmação.
Embora admitindo poder vir a ser necessário um «plano de
acção política com deslocação dos
órgãos do poder político para o Norte», o Plano
estabelece que «a acção decisiva processar-se-á na
Região Militar de Lisboa» «seja ou não» a
iniciativa das «forças da ordem».
Elaborado sob a direcção pessoal de Eanes (como Gomes Mota
informa e Vasco Lourenço confirma) o Plano permite explicar e
compreender muitos dos aspectos mais contraditórios e polémicos
do golpe.
O «Plano de Operações» contém, objectivamente,
não o plano de um contra-golpe mas de um golpe. Não uma
acção militar para responder a um golpe efectuado ou em curso,
mas o plano de um golpe militar, exigindo longa preparação, com o
objectivo de pôr fim a uma situação político-militar
cuja responsabilidade atribuem ao PCP.
O Plano é concebido como um golpe à escala nacional e com plano
de operações em todas as regiões. Faz um balanço
das «unidades favoráveis» e «unidades não
seguras» indicando as operações militares do golpe
decorrentes da situação avaliada em cada caso.
Aponta os termos concretos da intervenção tanto das unidades das
Regiões Militares do Norte, do Centro, do Sul e de Lisboa, como dos
partidos que apoiam o golpe.
O Plano, embora admitindo que o momento da execução possa ter de
ser determinado por circunstâncias não previstas,
«está elaborado para a hipótese da iniciativa ser das
forças da ordem» (hipótese 2ª) e vai ao ponto de indicar a
altura do dia para o começo das
operações de tais ou tais unidades.
O Plano, nas alternativas que coloca em muitos casos ao desenvolvimento das
operações, contém uma avaliação de
incertezas e contradições, que reflectem e correspondem às
contradições do próprio golpe.
Por um lado, constitui um elemento do processo geral da
contra-revolução no caminho para o fim da dinâmica
revolucionária, para a efectiva dissolução do MFA, para o
restabelecimento da hierarquia militar controlada pelas forças de
direita.
Por outro lado, o seu resultado imediato não foi a repressão ao
PCP e ao movimento operário e a instauração de uma nova
ditadura, como queriam, e não estiveram longe de conseguir, os
protagonistas e apoiantes fascistas e fascizantes, mas a
continuação (com os comunistas e com um forte movimento sindical
de classe) de um regime democrático.
Os principais dirigentes dos partidos que tinham participado e apoiado a
realização do golpe evitaram até hoje dar sobre isso uma
apreciação frontal. Deixaram isso para o Jardim e para os
bombistas.
Pouco conformado com a saída política, Galvão de Melo (em
8 de Dezembro), brandindo a moca, apelava para que os comunistas fossem
lançados ao mar.
Alberto João Jardim
diria mais tarde que «o problema foi que as
Forças Armadas voltaram a falhar por deixarem incompleta a missão
patriótica,
em que se
envolveram
a 25 de Novembro.
Passou-se uma esponja sobre os crimes que vinham sendo cometidos desde o 25 de
Abril
» «
mantiveram uma Assembleia Constituinte
eleita em condições de total falta de imparcialidade e liberdade
para vários partidos políticos, o que deu a borrada ainda hoje em
vigor, quando
deviam ter dissolvido essa Assembleia
e, então sim, isso feito, realizar eleições
verdadeiramente livres» (
O Diabo
, 4-4-1994).
O chefe do movimento terrorista
Maria da Fonte
responsável por numerosos assaltos, atentados,
destruições de instalações do PCP, lamentando
não ter vencido o «Plano» gizado para liquidar fisicamente o
PCP, referirá o golpe realizado como «aquele 25 de Novembro»,
«o pudico golpe militar de Novembro de 1975», que quis
«evitar» que a intervenção dos civis na
execução do «Plano» «pudesse resultar em algumas
centenas de mortos» (Paradela de Abreu,
ob. cit.,
pp. 153 e 154). Que importância teria isso?
Joaquim Ferreira Torres, destacado activista do MDLP e contratador do
mercenário Ramiro Moreira, considerou o 25 de Novembro «
uma traição
» (
ob. cit.
, p. 188).
Também o cónego Melo ficou manifestamente desiludido. Tanto
empenho, tanta mobilização das populações
arregimentadas pela Igreja e pelos padres, tantos assaltos e
destruições de Centros de Trabalho do PCP, tantas bombas, tantos
atentados alguns dos quais até tem sido difícil manter
impunes e afinal um tal resultado: liberdades, regime
democrático, aprovação da Constituição.
Desapontamento profundo. Não sabe como explicar mas explica: «
O 25 de Novembro foi da total responsabilidade dos marxistas
[
]
foi uma luta de marxistas
» (entrevista ao
Diário do Minho/Rádio Renascença
, 13-3-1999). Só faltava mais esta, não é verdade?
Como podiam fascistas e fascizantes, militares radicais, bombistas do MDLP, do
Maria da Fonte
e do ELP, como podiam PS, PPD e CDS aceitar que a saída política
de um golpe contra-revolucionário anti-PCP fosse a
continuação e retomada de funções de um governo com
a continuação da participação do PCP, com um
ministro e seis secretários de Estado?
Não podiam aceitar e não se deram por vencidos. Voltaram à
carga no imediato numa ressaca que, como veremos, teve como objectivos
imediatos fundamentais inverter a situação, impedir a
aprovação e promulgação da
Constituição pela Assembleia Constituinte e assegurar a efectiva
tomada do poder pela contra-revolução.
____________
[*]
Ex-secretário-geral do Partido Comunista Português. Capítulo 8 do livro
"A verdade e a mentira na Revolução de Abril: A
contra-revolução confessa-se", Edições Avante!,
Lisboa, Setembro de 1999, ISBN 972-550-272-8
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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