Assange: a história não contada de uma luta heróica pela
justiça
por John Pilger
Este artigo é uma versão actualizada da investigação feita
em 2014 por John Pilger, com a história não contada de
uma campanha implacável na Suécia e nos EUA para recusar
justiça a Julian Assange e silenciar a WikiLeaks: uma campanha que
agora atinge uma etapa perigosa.
O cerco de Knightsbridge
[NR]
é símbolo de uma injustiça brutal e de uma farsa
repugnante. Durante três anos, um cordão policial em torno da
Embaixada do Equador em Londres serviu só para ostentar o poder do
estado. Ele já custou £12 milhões. A caça é um
australiano que não é acusado de qualquer crime, um refugiado
cuja única segurança é a sala que lhe foi dada por um
corajoso país sul-americano. O seu "crime" foi ter iniciado
uma onda de verdade numa era de mentiras, cinismo e guerra.
A perseguição a Julian Assange está prestes a inflamar-se
outra vez pois entra numa etapa perigosa. A partir de 20 de Agosto, três
quartos do processo do promotor sueco contra Assange quanto a uma [alegada] má
conduta sexual em 2010 desaparecerá pois a lei das
prescrições o determina. Ao mesmo tempo, a obsessão de
Washington com Assange e a WikiLeaks intensifica-se. Na verdade, é a
vingativa potência americana que constitui a maior ameaça
como Chelsea Manning e aqueles ainda mantidos em Guantanamo podem confirmar.
Os americanos estão a perseguir Assange porque a WikiLeaks revelou seus
crimes monstruosos no Afeganistão e no Iraque: a matança por
atacado de dezenas de milhares de civis, que eles encobriam, e o seu
desprezo pela soberania e o direito internacional, como demonstrado
incisivamente pela fuga dos seus telegramas diplomáticos. A WikiLeaks
continua a revelar a actividade criminosa dos EUA, tendo acabado de publicar
intercepções
top secret
dos EUA relatórios de espiões americanos pormenorizando
chamadas telefónicas privadas dos presidentes da França e da
Alemanha, bem como de outros altos responsáveis, relativas à
política interna e assuntos económicos europeus.
Nada disto é ilegal sob a Constituição dos EUA. Como
candidato presidencial em 2008, Barack Obama, então professor de direito
constitucional, louvou os denunciantes como "parte de uma democracia
saudável [que] devem ser protegidos de represálias". Em
2012, na campanha da reeleição o presidente Barack Obama
jactou-se no seu sítio web de ter processado mais denunciantes nos seu
primeiro mandato do que todos os outros presidentes dos EUA somados. Antes
mesmo de Chelsea Manning ter tido um julgamento, Obama declarou o denunciante
como culpado. Ele foi a seguir sentenciado a 35 anos de prisão, tendo
sido torturado durante a sua longa detenção anterior ao
julgamento.
Há pouca dúvida de que se os EUA pusessem suas mãos sobre
Assange, um destino semelhante o aguardaria. Ameaças de captura e
assassinato de Assange tornaram-se a moeda corrente dos extremistas
políticos nos EUA depois de o vice-presidente Joe Biden ridiculamente
caluniar o fundador da WikiLeaks como "ciber-terrorista". Aqueles que
duvidam do grau de brutalidade que Assange pode esperar deveriam recordar a
aterragem forçada do avião do presidente boliviano em 2013
por se acreditar erradamente que transportava Edward Snowden.
Segundo documentos divulgados por Snowden, Assange está numa "Lista
de alvos humanos a caçar". A ânsia de Washington para
obtê-lo, dizem telegramas diplomáticos australianos, é
"sem precedentes na escala e na natureza". Em Alexandria,
Virgínia, um grande júri passou cinco anos a tentar imaginar um
crime pelo qual Assange pudesse ser processado. Isto não é
fácil. A Primeira Emenda à Constituição dos EUA
protege editores, jornalistas e denunciantes.
Confrontado com esta barreira constitucional, o Departamento de Justiça
imaginou acusações de "espionagem",
"conspiração para cometer espionagem",
"conversão" (roubo de propriedade do governo), "fraude e
abuso computacional"
(hacking)
e "conspiração" geral. A lei do Espionage Act inclui
disposições de prisão perpétua e pena de morte.
A capacidade de Assange para defender-se neste mundo kafkiano foi prejudicada
pelo facto de os EUA terem declarado o seu caso como segredo de estado. Em
Março, um tribunal federal em Washington impediu a
divulgação de toda informação acerca da
investigação de "segurança nacional" contra a
WikiLeaks, porque estava "activa e em andamento" e causaria danos ao
"iminente processo" contra Assange. O juiz, Barbara J. Rosthstein,
disse que era necessário mostrar "deferência apropriada para
com o executivo em matérias de segurança nacional". Esta
é a "justiça" feita por um simulacro de tribunal
(kangaroo court).
O acto que suporta esta farsa sombria está na Suécia,
desempenhado pela promotora sueca Marianne Ny. Até recentemente, Ny
recusava-se a cumprir um procedimento europeu de rotina que requeria viajar
a Londres a fim de interrogar Assange e assim avançar o caso. Durante quatro
anos e meio Ny nunca explicou adequadamente porque se recusava a vir a
Londres, assim como as autoridades suecas nunca explicaram porque se recusavam
a dar a Assange uma garantia de que não o extraditariam para os EUA sob
um esquema secreto acordado entre Estocolmo e Washington. Em Dezembro de 2010,
The Independent
revelou que os dois governos haviam discutido antecipadamente sua
extradição para os EUA.
Contrariando a sua reputação da década de 1960 como
bastião liberal, a Suécia aproximou-se tão estreitamente
de Washington que tem permitido "rendições" secretas da
CIA incluindo a deportação ilegal de refugiados. A
rendição e subsequente tortura de dois refugiados
políticos egípcios em 2001 foram condenadas pelo Comité da
ONU contra a Tortura, pela Amnistia Internacional e pelo Human Rights Watch. A
cumplicidade e duplicidade do estado sueco estão documentadas em
sucessivas litigações civis e em telegramas da WikiLeaks. No
Verão de 2010, Assange fugiu para a Suécia a fim de falar acerca
de revelações da WikiLeaks acerca da guerra no Afeganistão
na qual a Suécia tinha forças sob comando estado-unidense.
"Documentos divulgados pela WikiLeaks desde que Assange foi para a
Inglaterra", escreveu Al Burke, editor do Nordic New Network online, uma
autoridade sobre as múltiplas reviravoltas e perigos enfrentados por
Assange, "indicam claramente que a Suécia submeteu-se
sistematicamente à pressão dos Estados Unidos em matérias
relativas a direitos civis. Há toda a razão de
preocupação em que se Assange for tomado em custódia pelas
autoridades suecas, ele podia ser entregue aos Estados Unidos sem a devida
consideração dos seus direitos legais".
Por que a promotora sueca não resolveu o caso Assange? Muitos na
comunidade legal na Suécia acreditam que o seu comportamento é
inexplicável. Outrora implacavelmente hostil a Assange, a imprensa sueca
tem publicado manchetes tais como: "Vá para Londres, pelo amor de
Deus".
Por que ela não foi? Mais exactamente, por que não
permitirá ela que o tribunal sueco tenha acesso a centenas de mensagens
SMS que a polícia extraiu do telefone de uma das duas mulheres
envolvidas nas alegações da má conduta? Por que ela
não as passa para as mãos dos advogados suecos de Assange? Ela
diz que não lhe é legalmente requerido fazer isso até que
uma acusação formal seja apresentada e ela o tiver interrogado.
Então, por que ela não o interroga? E se ela o interrogasse, as
condições que exigiria dele e dos seus advogados que eles
não poderiam contestar fariam da injustiça uma quase
certeza.
Num ponto da lei, o Supremo Tribunal Sueco decidiu que Ny pode continuar a
obstruir na questão vital das mensagens SMS. Isto agora irá ao
Tribunal Europeu de Direitos Humanos. O que Ny teme é que as mensagens
SMS destruirão o seu processo contra Assange. Uma das mensagens torna
claro que uma das mulheres não queria quaisquer acusações
contra Assange, "mas a polícia ansiava em conseguir a sua
retenção". Ela ficou "chocada" quando eles o
prenderam porque ela apenas "queria que fizesse um teste [de HIV]".
Ela "não queria acusar JA de qualquer coisa" e "foi a
polícia que inventou as acusações". (Numa
declaração como testemunha, ela é citado como tendo dito
que fora "atropelada pela polícia e outros em torno dela").
Nenhuma das duas mulheres afirmou que fora violada. Na verdade, ambas negaram
que tivessem sido violadas e uma enviou uma mensagem pelo Twitter a dizer
"Não fui violada". Que elas foram manipuladas pela
polícia e que as suas vontades foram ignoradas é evidente
não importa o que possam dizer agora os seus advogados. Certamente ambas
são vítimas de uma saga que arruína a própria
reputação da Suécia.
Para Assange, seu único julgamento tem sido o julgamento dos media. Em
20 de Agosto de 2010, a polícia sueca abriu uma
"investigação de violação" e
imediatamente e ilegalmente contou aos tablóides de
Estocolmo que havia uma autorização
(warrant)
para a prisão de Assange pela "violação de duas
mulheres". Esta foi a notícia posta a correr em todo o mundo.
Em Washington, um sorridente secretário da Defesa, Robert Gates, disse
aos repórteres que a prisão "soa como boa notícia
para mim". Contas do Twitter associadas ao Pentágono descrevem
Assange como um "violador" e um "fugitivo".
Menos de 24 horas depois, a Promotora Chefe de Estocolmo, Eva Finne, assumiu o
comando da investigação. Ela não desperdiçou tempo
em cancelar o mandato de prisão, dizendo "Não acredito que
haja qualquer razão para suspeitar que ele cometeu
violação". Quatro dias depois, ela descartou também a
investigação de violação, dizendo: "Não
há suspeita de qualquer crime que seja". O processo foi encerrado.
Entra em cena Claes Borgstrom, um político importante do Partido
Social-Democrata então a posicionar-se como candidato na iminente
eleição geral sueca. Poucos dias depois de a promotora chefe
encerrar o caso, Borgstrom, um advogado, anunciou aos media que estava a
representar as duas mulheres e que havia procurado uma promotora diferente na
cidade de Gotemburgo. Esta era Marianne Ny, à qual Borgstrom conhecia
bem, pessoalmente e politicamente.
No dia 30 de Agosto, Assange compareceu voluntariamente a uma esquadra de
polícia em Estocolmo e respondeu a todas as perguntas que lhe fizeram.
Ele entendeu que era o fim do assunto. Dois dias depois, Ny anunciou que estava
a reabrir o caso. Um repórter sueco perguntou a Borgstrom porque o caso
prosseguia quando já havia sido arquivado, citando uma das mulheres como
tendo disto que não fora violada. Ele respondeu: "Ah, mas ela
não é uma advogada". O advogado australiano de Assange,
James Catlin, respondeu: "Isto é de gargalhadas... É como se
eles inventassem para irem em frente"
No dia em que Marianne Ny reactivou o caso, o chefe do serviço de
inteligência militar sueco o qual tem a sigla MUST
denunciou publicamente a WikiLeaks num artigo intitulado "WikiLeaks
[é] uma ameaça para nossos soldados". Assange foi advertido
que o serviço de inteligência sueca, SAPO, fora informado pelo seu
parceiro dos EUA que os acordos de partilha de inteligência
EUA-Suécia seriam "cortados" se a Suécia o abrigasse.
Durante cinco semanas, Assange esperou na Suécia para que a nova
investigação seguisse o seu curso.
The Guardian
estava então à beira de publicar os "War Logs" do
Iraque, baseado nas revelações da WikLeaks", os quais
Assange devia supervisionar. Seu advogado em Estocolmo perguntou a Ny se ela
tinha alguma objecção à sua saída do país.
Ela disse que ele era livre para deixá-lo.
Inexplicavelmente, assim que ele deixou a Suécia na altura do
interesse dos media e do público nas revelações da
WikiLeaks Ny emitiu um Mandato de Prisão Europeu (European Arrest
Warrant, EAW) e um "alerta vermelho" da Interpol, normalmente
utilizado para terroristas e criminosos perigosos. Publicado em cinco
línguas em todo o mundo, isto assegurou o furor dos media.
Assange compareceu a uma esquadra de polícia em Londres, foi preso e
passou dez dias na Wandsworth Prison, em confinamento solitário.
Libertado com uma fiança de £340 mil, ele foi recebeu uma pulseira
electrónica, foi-lhe exigido comparecer à polícia
diariamente e foi colocado sob prisão virtual em casa enquanto o seu
caso começava sua longa jornada no Supremo Tribunal do Reino Unido. Ele
ainda não fora acusado de qualquer delito. Seus advogados reiteraram a
sua oferta de ser interrogado por Ny em Londres, destacando que ela lhe havia
dado permissão para abandonar a Suécia. Eles sugeriram uma
instalação especial na Scotland Yard utilizada habitualmente para
esse fim. Ela recusou.
Katrin Axelsson e Lisa Longstaff da Mulheres contra a violação
(Women Against Rape) escreveram: "As alegações contra
[Assange} são uma cortina de fumo por trás das quais um certo
número de governos estão a tentar impedir a acção
da WikiLeaks por ter audaciosamente revelado ao público seu planeamento
secreto de guerras e ocupações com o seu cortejo de
violações, assassínios e destruição... As
autoridades importam-se tão pouco acerca da violência contra
mulheres que elas manipulam alegações de violação
à vontade. [Assange] deixou claro que está disponível para
interrogatório pelas autoridades suecas, na Grã-Bretanha ou via
Skype. Por que estão ela a recusar este passo essencial na sua
investigação? O que é que ela temem?
Esta pergunta ficou por responder quando Ny avançou com o Mandato
Europeu de Prisão, um draconiano e agora desacreditado produto da
"guerra ao terror" destinado supostamente a apanhar terroristas e
criminosos organizados. O EAW aboliu a obrigação de um estado que
faz o pedido providenciar qualquer evidência de um crime. Mais de um
milhar de EAWs são emitidas a cada mês, só umas poucas
têm algo a ver com potenciais acusações de
"terror". A maior parte é emitida por delitos triviais, tais
como juros de mora de bancos e multas. Muitos daqueles extraditados enfrentam
meses na prisão, sem acusação. Tem havido um número
chocante de atropelos à justiça, dos quais juízes
britânicos têm sido altamente críticos.
O caso Assange finalmente chegou ao Supremo Tribunal do Reino Unido em Maio de
2012. Num julgamento que confirmou o EAW cujas exigências
rígidas quase não deixavam espaço de manobra para os
tribunais os juízes consideraram que promotores europeus podiam
emitir mandatos de extradição no Reino Unidos sem qualquer
supervisão judicial, muito embora o Parlamento pretendesse o
contrário. Eles deixaram claro que o Parlamento havia sido
"enganado"
("misled")
pelo governo Blair. O tribunal ficou dividido, 5-2, e consequentemente
considerou contra Assange.
Contudo, o Presidente do Supremo Tribunal, Lord Phillips, cometeu um erro. Ele
aplicou a Convenção de Viena sobre a interpretação
do tratado, permitindo à prática do estado suprimir a letra da
lei. Como destacou a advogada de Assange, Dinah Rose QC, isto não se
aplica ao EAW.
O Tribunal Supremo só reconheceu este erro crucial quando tratou de
outro apelo contra o EAW, em Novembro de 2013. A decisão Assange fora
errada, mas era demasiado tarde para voltar atrás. Com a
extradição iminente, a promotora sueca disse aos advogados de
Assange que este, uma vez na Suécia seria imediatamente colocado numa
das infames prisões do país.
As opções de Assange eram drásticas:
extradição para um país que se havia recusado a dizer se o
enviaria ou não para os EUA, ou procurar o que parecia a sua
última oportunidade de refúgio e segurança. Apoiado pela
maior parte da América Latina, o corajoso governo do Equador
concedeu-lhe o estatuto de refugiado na base de evidência documentada e
aconselhamento legal uma vez que enfrentava a perspectiva de
punição cruel e inabitual nos EUA; que isto violava seus direitos
humanos básicos; e que o seu próprio governo na Austrália
o havia abandonado e entrado em conivência com o de Washington. O governo
trabalhista da primeira-ministra Julia Gillard ameaçou-o mesmo de tomar
o seu passaporte.
Gareth Peirce, a famosa advogada de direitos humanos que representa Assange em
Londres, escreveu ao então ministro dos Estrangeiros australiano, Kevin
Rudd: "Dada a extensão da discussão pública,
frequentemente na base de suposições inteiramente falsas...
é muito difícil tentar preservar-lhe qualquer
presunção de inocência. O sr. Assange tem agora pendente
sobre ele não uma mas duas espadas de Damocles, da
extradição potencial para duas diferentes
jurisdições uma após a outra por dois diferentes alegados
crimes, nenhum dos quais são crimes no seu próprio país, e
que a sua segurança pessoal ficou em risco em circunstâncias que
são altamente politicamente carregadas".
Só quando contactou a Alta Comissão Australiana em Londres
é que Peirce recebeu uma resposta, a qual nada esclarecia acerca dos
pontos prementes que ela levantara. Numa reunião a que compareci junto
com ela, o cônsul geral australiano, Ken Pascoe, fez a espantosa
afirmação de que sabia "só o que leio nos
jornais" acerca dos pormenores do caso.
Enquanto isso, a perspectiva de uma grotesca perversão da justiça
estava submersa numa campanha vituperante contra o fundador da WikiLeaks.
Ataques profundamente pessoais, mesquinhos, viciosos e desumanos foram
lançados contra um homem não acusado de qualquer crime mas
sujeito a um tratamento não atribuído sequer a quem enfrenta a
extradição sob a acusação de assassinar a sua
esposa. Que o facto de a ameaça dos EUA a Assange era uma ameaça
a todos os jornalistas, à liberdade de expressão, ficou perdido
em meio a sordidez.
Foram publicados livros, acordos impressionantes para filmes e lançadas
carreiras nos media nas costas da WikiLeaks e no pressuposto de que Assange era
uma vítima fácil para ataques e de que era demasiado pobre para
abrir processos. Houve gente que ganhou dinheiro, muitas vezes muito dinheiro,
enquanto a WikiLeaks lutou para sobreviver. O editor do
Guardian,
Alan Rusbridger, chamou às
revelações da WikiLeaks, publicadas pelo seu jornal, de "um
dos maiores furos jornalísticos dos últimos 30 anos".
Tornou-se parte do seu plano de marketing para aumentar o preço de capa
do jornal.
Sem que nem um centavo fosse para Assange ou para a WikiLeks, um publicitado
livro do
Guardian
levou a um lucrativo filme de Hollywood. Os autores do livro, Luke Harding e
David Leight, gratuitamente descreveram Assange como uma "personalidade
defeituosa" e "insensível". Eles também revelaram
a password secreta que ele havia dado ao jornal em confiança, a qual era
destinada a proteger um ficheiro digital contendo os telegramas da embaixada
dos EUA. Com Assange agora aprisionado na embaixadora equatoriana, Harding,
posicionando-se ao lado da polícia, regozijava-se no seu blog de que
"a Scotland Yard pode ser a última a rir".
A injustiça cometida a Assange foi uma das razões porque o
Parlamento reformou o Extradiction Act, para impedir a má
utilização do EAW. A draconiana generalidade utilizada contra ele
já não podia acontecer agora; agora teria de conter
acusações e o "interrogatório" seria um
fundamento insuficiente para a extradição. "O seu caso
venceu completamente", contou-me Gareth Peirce, "estas
mudanças na lei significa que agora o Reino Unido reconhece como
correcto tudo o que foi argumentado no seu caso. Mas ele não se
beneficiou". Por outras palavras, a mudança na lei do Reino Unido
em 2014 significa que Assange teria ganho o seu processo e não teria
sido obrigado a pedir asilo.
A decisão do Equador em 2012 de proteger Assange floresceu num grande
assunto internacional. Muito embora a concessão de asilo seja um acto
humanitário, e o poder de concedê-lo seja desfrutado por todos os
estado sob o direito internacional, tanto a Suécia como o Reino Unido
recusaram a legitimidade da decisão do Equador. Ignorando o direito
internacional, o governo Cameron recusou-se a conceder a Assange passagem
segura para o Equador. Ao invés disso, a embaixada do Equador foi
colocada sob cerco e o seu governo abusado com uma séries de ultimatos.
Quando o Foreign Office de William Hague ameaçou violar a
Convenção de Viena sobre Relações
Diplomáticas, advertindo que retiraria a inviolabilidade
diplomática da embaixada e enviaria a polícia em busca de
Assange, o ultraje por todo o mundo forçou o governo a recuar. Durante
uma noite, a polícia apareceu às janelas da embaixada numa
tentativa óbvia de intimidar Assange e seus protectores.
Desde então, Julian Assange tem sido confinado a uma pequena sala sob a
protecção do Equador, sem luz do sol ou espaço para fazer
exercício, cercado pela polícia com ordens para prendê-lo
à primeira vista. Durante três anos o Equador deixou claro ao
promotor sueco que Assange está disponível para ser interrogado
na embaixada em Londres e durante três anos ela permaneceu intransigente.
No mesmo período a Suécia interrogou quarenta e quatro pessoas no
Reino Unidos em conexão com investigações policiais. O seu
papel e aquele do estado sueco são comprovadamente políticos; e
para Ny, que se depara com a reforma dentro de dois anos, ela deve
"vencer".
Em desespero, Assange contestou o mandato de prisão nos tribunais
suecos. Seus advogados citaram decisões do Tribunal Europeu de Direitos
Humanos de que ele tem estado sob detenção arbitrária,
indefinida, e de que tem sido um prisioneiro virtual por mais tempo do que
qualquer sentença real de prisão que pudesse enfrentar. O juiz do
Tribunal de Recurso concordou os advogados de Assange: a promotora havia na
verdade violado o seu dever ao manter o caso suspenso durante anos. Um outro
juiz emitiu uma repreensão à promotora. E ainda assim ela
desafiou o tribunal.
Em Dezembro último, Assange levou o seu caso ao Supremo Tribunal Sueco,
o qual ordenou ao patrão de Marianne Ny o Promotor Geral da
Suécia Anders Perklev que explicasse. No dia seguinte, Ny
anunciou, sem explicação, que ela havia mudado de ideia e que
agora interrogaria Assange em Londres.
Na sua submissão ao Supremos Tribunal, o Promotor Geral fez algumas
concessões importantes: argumentou que a coerção de
Assange fora "intrusiva" e que o período na embaixada fora uma
"grande tensão" sobre ele. Perklev concedeu mesmo que se a
matéria houvesse chegado a processo, julgamento,
condenação e cumprimento de uma sentença na Suécia,
Julian Assange teria deixado a Suécia há muito tempo.
Numa decisão dividida, um juiz do Supremo Tribunal argumentou que o
mandato de prisão deveria ter sido revogado. A maioria dos juízes
decidiu que, uma vez que a promotora agora havia dito que iria a Londres, os
argumentos de Assange haviam-se tornado "controversos"
("moot").
Mas o Tribunal determinou que teria de considerar contra a promotora se ela
não houvesse subitamente mudado de ideia. A justiça por capricho.
Escrevendo na imprensa sueca, um antigo promotor do país, Rolf
Hillegren, acusou Ny de perder toda a imparcialidade. Ele descreveu o seu
investimento pessoal no caso como "anormal" e pediu que fosse
substituída.
Tendo dito que iria a Londres em Junho, Ny não foi, mas enviou um
adjunto
(deputy),
sabendo que o interrogatório não seria legal nestas
circunstâncias, especialmente quando a Suécia não se
incomodou em obter a aprovação do Equador para a reunião.
Ao mesmo tempo, o seu gabinete avisou o
Expressen,
jornal tablóide sueco, o qual enviou o seu correspondente em Londres
para aguardar por "notícias" do lado de fora da embaixada. A
notícia era que Ny estava a cancelar o compromisso e a culpar o Equador
pela confusão e por consequência pela "não
cooperação" de Assange quando o oposto era a verdade.
Como a data da lei das prescrições
(statute of limitations)
se aproxima 20 de Agosto um outro capítulo desta
história odiosa irá sem dúvida desdobrar-se, com Marianne Ny a
puxar mais um coelho da sua cartola com os comissários e perseguidores
em Washington como beneficiários. Talvez nada disto seja surpreendente.
Em 2008, uma guerra à WikiLeaks e a Julian Assange foi prevista num
documento secreto do Pentágono preparado pelo
Cyber Counterintelligence Assessments Branch".
Ele descrevia um plano pormenorizado para destruir o sentimento de
"confiança", o qual é o "centro de gravidade"
da WikiLeaks. Isto seria alcançado com ameaças de
"revelação [e] processo criminal". O silenciamento e
criminalização de uma fonte tão rara de verdades era o
objectivo, o enlamear era o método. Enquanto este escândalo
continua a própria noção de justiça é
diminuída, bem como a reputação da Suécia. O
braço longo da América afecta todos nós.
31/Julho/2015
[NR]
Distrito de Londres onde está a Embaixada do Equador.
O original encontra-se em
www.rt.com/op-edge/311284-pilger-assange-wikileaks-intelligence/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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