A palavra que não ousamos pronunciar por trás da
revolta árabe
por John Pilger
Logo após a invasão do Iraque em 2003 entrevistei Ray McGovern,
um dos membros de um grupo de elite de responsáveis da CIA que
preparavam o resumo diário de inteligência do presidente. McGovern
estava no cume do monolito da "segurança nacional" que
é o poder americano e havia-se aposentado com aplausos presidenciais. Na
véspera da invasão, ele e 45 outros responsáveis
sénior da CIA e de outras agências de inteligência
escreveram ao presidente George W. Bush que os "tambores da guerra"
não eram baseados em inteligência e sim em mentiras.
"Era farsa em 95 por cento", disse-me McGovern.
"Como é que eles conseguiram escapar sem
punição?"
"A imprensa permitiu aos loucos escaparem sem punição".
"Quem são os loucos?"
"As pessoas que dirigem a administração [Bush] têm um
conjunto de crenças, um bocado como aquelas expressas no Mein Kampf...
elas eram mencionadas nos círculos em que me movia, no topo, como 'os
loucos'."
Disse eu: "Norman Mailer disse acreditar que a América entrou num
estado pré-fascista. Qual é a sua visão disso?"
"Bem... espero que ele esteja certo, porque há outros a dizerem que
nós já estamos num modo fascista".
Em 22 de Janeiro, Ray McGovern enviou-me um email exprimindo o seu desgosto com
o bárbaro tratamento da administração Obama para com o
alegado denunciante Bradley Manning e a sua perseguição do
fundador da WikiLeaks, Julian Assange. "Muito tempo atrás George e
Tony decidiram que podia ser divertido atacar o Iraque", escreveu,
"Eu disse com efeito que o fascismo já havia principiado aqui.
Tenho de admitir que não pensei que isto ficaria tão mau assim
rapidamente".
Em 16 de Fevereiro, a secretária de Estado Hillary Clinton pronunciou um
discurso na George Washington University na qual condenou governos que prendiam
manifestantes e esmagavam a livre expressão. Ela louvou o poder
libertador da Internet mas não de mencionou que o seu governo planeia
encerrar aquelas partes da Internet que estimulam a discordância e falar
a verdade. Foi um discurso de hipocrisia espectacular e Ray McGovern estava na
audiência. Ultrajado, levantou-se da sua cadeira e silenciosamente virou
as costas a Clinton. Foi imediatamente capturado pela polícia e por um
estúpido segurança, espancado no chão, arrastado para fora
e atirado numa cela, a sangrar. Ele enviou-me fotografias dos seus ferimentos.
Tem 71 anos. Durante a agressão, a qual foi claramente visível
para Clinton, ela não interrompeu o seu discurso.
Fascismo é uma palavra difícil, porque vem com uma iconografia
que toca o nervo nazi e é abusada como propaganda contra inimigos
oficiais da América e para promover as aventuras estrangeiras do
Ocidente com um vocabulário moral escrito na luta contra Hitler. Ainda
assim, fascismo e imperialismo são gémeos. Na sequência da
segunda guerra mundial, aqueles nos estados imperiais que haviam tornado
respeitável a superioridade racial e cultural da
"civilização ocidental", descobriram que Hitler e o
fascismo haviam afirmado o mesmo, empregando métodos visivelmente
semelhantes. Desde então, a própria noção de
imperialismo americano foi varrida dos manuais e da cultura popular de uma
nação forjada na conquista genocida do seu povo nativo. E uma
guerra acerca de justiça social e democracia tornou-se a
"política externa estado-unidense".
Como documentou em Washington o historiador William Blum, desde 1945 os EUA
destruíram ou subverteram mais de 50 governos, muitos deles democracias,
e utilizaram assassinos em massa como Suharto, Mobutu e Pinochet a fim de
dominar por procuração. No Médio Oriente, toda ditadura e
pseudo-monarquia tem sido apoiada pela América. Na
"Operação Ciclone", a CIA e o MI6 promoveram e
financiaram secretamente o extremismo islâmico. O objectivo era esmagar
ou desviar o nacionalismo e a democracia. As vítimas deste terrorismo de
estado ocidental têm sido principalmente muçulmanos. As pessoas
corajosas metralhadas na semana passada no Bahrain e na Líbia
este último uma "prioridade do mercado do Reino Unido",
segundo vendedores oficiais de armas britânicas juntam-se
às crianças estraçalhadas em Gaza pelos mais recentes
caças F-16 americanos.
A revolta no mundo árabe não é simplesmente contra um
ditador residente mas sim contra uma tirania económica mundial concebida
pelo Tesouro dos EUA e imposta pela Agência para o Desenvolvimento
Internacional dos EUA, pelo FMI e pelo Banco Mundial, os quais asseguraram que
países ricos como o Egipto fossem reduzidos a vastos estabelecimentos de
exploração, com a metade da população a ganhar
menos de US$2 por dia. O triunfo popular no Cairo foi a primeira pancada contra
aquilo a que Benito Mussolini chamava corporativismo, uma palavra que aparece
na sua definição de fascismo.
Como é que tal extremismo se apossou do Ocidente liberal? "É
necessário destruir esperança, idealismo, solidariedade e
preocupação pelos pobres e oprimidos", observou Noam Chomsky
uma geração atrás, "[e] substituir estes sentimentos
perigosos com egoísmo egocêntrico, um cinismo difuso que sustenta
que desigualdades e opressão é o melhor que se pode
alcançar. De facto, uma grande campanha de propaganda internacional
está em andamento para convencer pessoas particularmente os
jovens de que isto não só é o que eles deveriam
sentir como é o que de facto sentem".
Como as revoluções europeias de 1848 e o levantamento contra o
estalinismo
[NR]
em 1989, a revolta árabe rejeitou o medo. Começou uma
insurreição de ideias suprimidas, esperança e
solidariedade. Nos Estados Unidos, onde 45 por cento dos jovens afro-americanos
não têm empregos e os administradores de topo dos hedge funds
recebem, em média, mil milhões de dólares por ano,
protestos em massa contra cortes em serviços e empregos difundem-se em
estados centrais como Wisconsin. Na Grã-Bretanha, o movimento de
protesto em crescimento rápido UK Uncut está prestes tomar
acções directas contra os que fraudam o fisco e bancos
predadores. Algo mudou que não pode ser desfeito. O inimigo agora tem um
nome.
[NR] Pilger é um grande jornalista mas conserva preconceitos
anti-comunistas como se observa nesta analogia. Hoje os povos da Europa do
Leste lamentam a perda do socialismo real que desfrutavam, o qual com todos os
defeitos que tivesse era uma sociedade superior à barbárie
capitalista e mafiosa a que agora estão entregues. Quanto à
Estaline, morreu muitas décadas antes da vitória da
contra-revolução.
O original encontra-se em
www.johnpilger.com/articles/behind-the-arab-revolt-is-a-word-we-dare-not-speak
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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