Imperialismo e democracia: Casa Branca ou Liberty Square?
por James Petras
A relação entre imperialismo e democracia tem sido debatida e
discutida há mais de 2500 anos, desde a Atenas do século V ao
Liberty Park em Manhattan. Críticos contemporâneos do imperialismo
(e do capitalismo) afirmam encontrar uma incompatibilidade fundamental,
mencionando as crescentes medidas de estado policial que acompanham guerras
coloniais, desde as leis anti-terroristas de Clinton e o "Patriot
Act" de Bush até as ordens de assassinato judicial de
cidadãos estado-unidenses de Obama.
No passado, contudo, muitos teóricos do imperialismo de variadas
convicções políticas, que vão de Max Weber a
Vladimir Lenine, argumentaram que o imperialismo unificava o país,
reduzia a polarização interna de classe e criava trabalhadores
privilegiados que apoiavam activamente e votavam por partidos imperiais. Um
levantamento histórico comparativo das condições sob as
quais imperialismo e instituições democráticas convergem
ou divergem pode lançar alguma luz sobre os desafios e
opções que confrontam os florescentes movimentos
democráticos que irrompem por todo o globo.
O século XIX
Durante o século XIX, a expansão imperial europeia e
estado-unidense cobriu o mundo. Em tandem, enraizaram-se
instituições democráticas, a cidadania foi estendida
à classe trabalhadora, emergiram partidos competitivos, foi aprovada
legislação social e a classe trabalhadora aumentou a sua
representação nas câmaras legislativas.
Terá sido o crescimento simultâneo da democracia e do imperialismo
uma correlação espúria reflectindo forças
subjacentes divergentes e conflituantes, uma favorecendo a conquista
além-mar e outra promovendo políticas democráticas? De
facto, houve uma grande dose de sobreposição entre
políticas pró-imperialistas e democráticas e não
simplesmente entre as elites.
Ao longo de todo o século XIX e especialmente no século XX,
importantes sectores do trabalho, partidos social-democratas e numerosas
eminentes personalidades de esquerda e revolucionários socialistas, em
um momento ou outro combinaram o apoio a exigências dos trabalhadores e a
expansão imperial. Nada menos que Karl Marx, nos seus primeiros escritos
jornalísticos no
New York Herald Tribune
apoiou criticamente a conquista britânica da Índia como sendo uma
"força modernizadora" que deitava abaixo barreiras feudais,
mesmo quando ele apoiava (com críticas) as revoluções
europeias de 1848.
As classes dominantes, a força condutora do imperialismo, estavam
divididas. Alguns viam as reformas democráticas, a
"cidadania", como um meio de efectuar conscrições em
massa para guerras imperiais; outros temiam que reformas democráticas
promovessem exigências sociais que solapassem a acumulação de
capital e a dominação pela elite. Ambos estavam certos:
Juntamente com maior participação popular veio o virulento
nacionalismo moderno, o qual alimentou a construção do
império. Ao mesmo tempo, o acesso em massa a direitos
democráticos levou a organizações de classe elevadas, as
quais ameaçavam ou desafiavam a classe dominante. Dentro das classes
dominantes, as instituições democráticas eram encaradas
como uma arena para a resolução pacífica de conflitos
entre elites sectoriais competidoras. Mas uma vez que tomassem um
carácter de massa passavam a ser percebidas como ameaças
políticas.
Partidos imperiais e partidos com base de classe competiam por eleitores entre
os recém emancipados trabalhadores urbanos e rurais pobres. Em muitos
casos, a lealdade imperial e de classe "co-existia" dentro dos mesmos
indivíduos. A questão de qual das duas, a imperialista ou
consciência de classe, se tornaria "operacional" ou
"destacada" estava em parte dependente dos êxitos ou fracasso
de projectos políticos competidores mais vastos.
Por outras palavras, quando a expansão imperial tinha êxito com
conquistas fáceis que resultavam em colónias lucrativas
(especialmente colónias de povoamento) trabalhadores democráticos
abraçavam o império. Isto era assim porque o império
promovia comércio, nomeadamente exportações lucrativas e
importações baratas, ao mesmo tempo que protegia mercados e
manufacturas locais. Isto por sua vez expandia emprego e salários para
sectores substanciais da classe trabalhadora. Em consequência, o trabalho
e partidos social-democratas e sindicatos não se opunham ao
imperialismo, na verdade muitos apoiavam-no.
Em contraste, quando guerras imperialistas levavam a prolongados conflitos
sangrentos e custosos, a classe trabalhadora comutava do entusiasmo chauvinista
inicial para o desencanto e a oposição. Exigências
democráticas de "fim à guerra" levavam a greves que
contestavam o sacrifício desigual. Sentimentos democráticos e
anti-imperialistas tendiam a fundir-se.
O conflito entre democracia e imperialismo tornava-se ainda mais aparente no
caso de uma derrota imperial e de ocupação militar. Tanto a
derrota da França na guerra franco-germânica de 1870-71 como a
derrota alemã na Primeira Guerra Mundial levou a maciços
levantamentos democráticos socialistas (a Comuna de Paris de 1871 e a
revolução alemã de 1918) atacando o militarismo, a
dominação de classe da elite e toda a estrutura institucional
imperial capitalista.
O debate imperialismo e democracia e "história a partir de
baixo"
Historiadores, especialmente os praticantes da moderna "história a
partir de baixo", exageram os valores democráticos e as lutas da
classe trabalhadora e minimizam o prolongado e profundamente fraco apoio entre
importantes sectores para o êxito da expansão imperial e da
conquista. A noção de solidariedade de classe
"inerente" ou "instintiva" é desmentida pelo papel
activo de trabalhadores como soldados na conquista imperial, pelos povoadores
além-mar, pelos marinheiros mercantes e supervisores. Colaboradores
imperiais e leais ao império foram numerosos entre trabalhadores
ingleses e franceses e, especialmente mais tarde, dentro do movimento
trabalhista dos EUA.
O ponto teórico é que a proeminência da consciência e
acção democrática sobre a imperial, entre trabalhadores,
está dependente dos resultados práticos materiais de
políticas imperiais e lutas democráticas.
Trabalhadores e imperialismo
A construção do império exige dos trabalhadores que
produzam mais por menos a fim de exportar e investir lucrativamente em
regiões colonizadas. Isto leva ao conflito capital-trabalho,
especialmente na fase inicial da expansão imperial. Quando dominadores
imperiais consolidam seu controle sobre países colonizados eles
intensificam a exploração de mercados, trabalho e recursos. As
exportações imperiais destruíram competidores locais. Os
lucros ascendem, salários aumentam e trabalhadores mudam da
oposição inicial em relação ao imperialismo
à exigência de uma fatia do rendimento crescente dos industriais
orientados para a exportação. Líderes trabalhistas e
sindicais aprovaram políticas de "preferência imperial",
as quais protegiam indústrias locais da competição e do
controle monopolista privilegiado de mercados coloniais. Eles assim fizeram
porque políticas imperiais protegiam empregos e elevavam padrões
de vida.
Trabalhadores que eram activos em lutas sociais, estavan em listas negras ou
presos, mudavam-se voluntariamente ou eram exilados para países
colonizados. Uma vez assentes além-mar, era-lhes dado acesso
privilegiado a empregos mais bem pagos como supervisores, empregados
qualificados ou eram promovidos a posições de
administração. Trabalhadores militantes no centro do
império, quando chegavam além-mar tornavam-se colaboradores
coloniais. Muitos encorajavam antigos colegas, parentes e amigos a juntarem-se
a eles como colonos bem sucedidos ou trabalhadores contratados. A
"domesticação" de trabalhadores e a
reconciliação de sentimentos democráticos e imperialistas
era uma causa e uma consequência do imperialismo com êxito.
Lealdade ao império: Não só pelo pão
Se bem que o aumento de benefícios materiais para trabalhadores do
"imperialismo com êxito" sejam um factor que potencia a
consciência imperial de trabalhadores, esta era reforçada pela
gratificação simbólica. A sensação de ser
membro do "país líder no mundo" e de que "o sol
nunca se põe no império" era igualmente importante. É
raro encontrar um país onde a maioria dos trabalhadores exprima
"solidariedade" com os mineiros explorados, trabalhadores de
plantação, camponeses deslocados e pequenos proprietários
indígenas na "colónias". Quanto mais forte a
influência do poder colonial, maiores as "oportunidades
coloniais", mais amplos os laços coloniais, mais profunda a
penetração económica e mais forte a sensação
de superioridade imperial entre os trabalhadores dos estados imperiais.
Não é de surpreender que os trabalhadores britânicos, os
sindicatos e o Partido Trabalhista fizessem poucas objecções
à selvajaria das guerras do ópio imperiais contra a China, as
fomes imperiais induzidas na Irlanda no século XIX e na Índia no
século XX. Da mesma forma, os partidos de trabalhadores franceses
especialmente os socialistas estavam na vanguarda das guerras coloniais
pós II Guerra Mundial contra a Indochina e a Argélia só se
voltando contra elas face à derrota iminente e a
desintegração interna. Também as guerras coloniais dos EUA
contra Cuba e as Filipinas, suas invasões de países do Caribe e
da América Central foram apoiadas pela American Federation of Labor e
muitos "trabalhadores comuns", mesmo quando uma minoria de
trabalhadores radicalizados se opunha a estas guerras. A "viragem
parcial" do trabalho contra guerras coloniais dos EUA ocorrida durante as
da Coreia, Vietname e Afeganistão resultou das perdas prolongadas e dos
altos custos económicos sem vitória à vista. Deveria ser
acrescentado que os trabalhadores estado-unidenses, em oposição a
guerras imperiais, não exprimiram solidariedade com os movimentos de
libertação nacional e os movimentos de trabalhadores dos
países colonizados.
O imperialismo e os "verdadeiros democratas"
Argumentar, tal como o fazem alguns na esquerda, que imperialismo não
coexiste com "verdadeira" democracia é argumentar que os
últimos 150 foram destituídos de eleições livres,
competição de partidos e direitos dos cidadãos, ainda que
reduzidos, especialmente ao longo da última década. A realidade
é que a intervenção imperial e a expansão tem sido
feita precisamente à custa do sentido de
"obrigação" dos cidadãos de preservar as
instituições democráticas, as quais permitiram a
líderes imperiais obter legitimidade e apoio activo ou
aquiescência da cidadania para travar guerras coloniais sangrentas e
mesmo genocidas.
Se a democracia habitualmente não tem sido um obstáculo para a
expansão imperial na verdade, uma facilitadora sob certas
circunstâncias sob que condições os movimentos de
trabalhadores e cidadãos voltaram-se contra guerras imperiais? Qual foi
a resposta política da classe dominante quando a maioria do eleitorado
virou-se contra guerras imperiais? Por outras palavras: Quando as
instituições democráticas deixam de funcionar como
veículos para políticas imperiais, o que acontece?
Da democracia imperial ao estado policial imperial
Os últimos dez anos proporcionam importantes lições sobre
a relação entre imperialismo e democracia nos Estados Unidos.
A partir das controversas circunstâncias políticas envolvendo
terroristas que obtiveram acesso aos EUA e a seguir sequestram os aviões
do 11/Setembro/2001, o governo estado-unidense lançou duas grandes
guerras coloniais e numerosos evidentes ataques "clandestinos"
terrestres e aéreos na Somália, Iémen, Paquistão,
Líbia e outros países. A "guerra global ao terror",
lançada sob o regime Bush e implementada por responsáveis
militaristas-sionistas não eleitos em cooperação com a
NATO e Israel foi apoiada pelo Congresso eleito democraticamente. Realmente, a
vasta maioria do eleitorado, influenciada por uma imensa campanha de propaganda
do medo, pela manipulação dos media e por mentiras endossou as
guerras ao terror.
Dado o âmbito sem precedentes e a amplitude das guerras (uma guerra
global ao terror), o vasto aumento das despesas militares e os enormes gastos
para tudo o que se referia ao aparelho de repressão interna (Homeland
Security), foi construído um novo estado policial centrado no executivo
o qual substituiu as instituições democráticas existentes
e os direitos dos cidadãos.
A trajectória da política imperial passou dos primeiros
êxitos militares à problemática ocupação
prolongada. Isto levou a um escalar da resistência, ao crescimento das
despesas do estado, ao aprofundamento de crises fiscais, decadência
social e aumento da oposição política.
Tal como no passado, as guerras imperiais contemporâneas que são
prolongadas, custosas e sem vitória decisiva à vista levaram ao
desencanto da cidadania, seguido pelo aumento da rejeição aberta.
As maiorias assalariadas que votaram por decisores políticos imperiais e
apoiaram a sua legislação que a permitia, incluindo leis (Patriot
Act) que suspendiam direitos civis e constitucionais básicos,
afastaram-se da agenda imperial. Hoje a maioria democrática dá
prioridade à sua classe, seus interesses económicos,
especialmente face a uma recessão prolongada e desemprego e subemprego
próximo dos 20%. A partir de 2008-2011 as guerras infindáveis e
as crises prolongadas puseram em movimento um conflito entre democracia e
imperialismo.
Por outras palavras, a maioria democrática tornou-se um obstáculo
à implementação e prosseguimento de guerras imperiais. A
actividade militar imperial no Iraque, Afeganistão, Líbia, etc
não levou a vitórias rápidas, a conquista de mercados de
exportação lucrativos e tomadas de recursos naturais. Não
foram criados empregos e nenhum benefício acrescido para empregados e
trabalhadores no país imperial. Despesas elevadas com armas prejudicam
investimentos públicos com empregos trabalho intensivo em projectos de
infraestrutura criticamente atrasados. O pequeno número de empregos
perigosos em países ocupados não era atraente e demasiado
arriscado para os desempregados.
Por outras palavras, ao contrário da maior parte das anteriores guerras
imperiais-coloniais, nada da riqueza pilhada foi utilizada para assegurar a
lealdade dos trabalhadores ao império. O fardo do império
progressivamente deteriora os salários e os padrões de vida dos
trabalhadores assalariados. Ao longo do tempo, a tributação
regressiva erodiu gradualmente qualquer sentido de grandeza chauvinista ou de
superioridade. Ao invés disso, cidadãos do império
desenvolveram um complexo de inferioridade política. Confrontada com
oposição islâmica determinada e a ascensão do poder
económico da China, apoderou-se de uma minoria uma belicosidade
exagerada e da maioria uma introspecção crítica. A
consciência popular de "alguma coisa basicamente errada" em
Washington e na Wall Street passou a prevalecer. Os anteriores cantos de guerra
e o agitar de bandeiras irreflectido, quando os exércitos do
Império marchavam para o Afeganistão e o Iraque, foram
substituídos pelo derrotismo furioso contra os que os enganaram. Mais de
80% do público agora articula uma visão negativa do Congresso,
rejeitando ambos os partidos da guerra. Visões negativas semelhantes
são mantidas em relação à Casa Branca, ao
Pentágono e ao Ministério da Segurança Interna (Homeland
Security).
Após uma década de guerra e quatro anos de crise
económica, irrompem protestos em massa, o movimento
Occupy Wall Street
coloca novas opções sobre a mesa, deslocando a
agenda imperial com uma denúncia poderosa da elite
militarista-financeira.
Os governantes do executivo, especialmente os aparelhos judiciais, de
inteligência e de polícia, implementam cada vez mais medidas
arbitrárias de estado policial. Dezenas de milhões de
cidadãos estão sujeitos à vigilância por parte do
Ministério da Segurança Interna. O estado policial intercepta
milhares de milhões de faxes, emails, sítios web e
chamadas telefónicas. A ligação entre imperialismo e
democracia rompeu-se ao ponto de o império em declínio
já não poder mais assegurar o apoio ou a aquiescência do
eleitorado.
Cada vez mais tramas terroristas bizarras são fabricadas pelas
agências de inteligência. A trama da bomba iraniana contra o
embaixador da Arábia Saudita em Washington foi o esforço mais
primitivo e grosseiro para recuperar apoio público ao militarismo
imperial na região do Golfo. Aparte a politicamente influente, mas
infinitamente pequena, configuração de poder pró
Israel-sionista, a opinião pública dos EUA não se desvia
da sua agenda interna; da sua busca por empregos internos e da
oposição à Wall Street.
Quando o conflito entre imperialismo e democracia se intensifica, o
"consenso" anterior fractura-se. A Casa Branca e o Congresso optam
pelo imperialismo apoiado num estado policial profundamente
anti-democrático. A maioria do eleitorado pressiona por um
avanço, utilizando seus direitos democráticos remanescentes, a
fim de mudar a agenda política do império rumo a uma
república social.
Conclusão
Argumentámos que império e democracia têm sido
complementares em tempos de imperialismo ascendente. Mostrámos que
quando guerras de conquista têm sido curtas e baratas, e quando os
resultados têm sido lucrativos para o capital e criam empregos para o
trabalho, as maiorias democráticas unem-se no apoio a elites imperiais.
Instituições democráticas floresceram quando
impérios além-mar proporcionavam mercados, recursos baratos e
elevavam padrões de vida. Trabalhadores votaram por partidos imperiais,
mantiveram opiniões positivas de responsáveis executivos e
legislativos, e aplaudiam os veteranos das guerras coloniais (nossas tropas).
Alguns chegavam mesmo a voluntariar-se aderir aos militares. Com vasto apoio da
cidadania ao império, o estado agia mais ou menos de acordo com as
garantias constitucionais. Mas o casamento da democracia e do imperialismo
não é "estrutural". Ele está dependente de uma
série de condições variáveis, as quais podem causar
uma ruptura profunda entre os dois, como estamos hoje a testemunhar.
Guerras imperiais prolongadas, ruinosas e custos que desgastam crescentemente
padrões de vida por mais de uma geração minaram o consenso
entre dominadores imperiais e cidadãos democráticos. Sinais
precursores desta divergência potencial foram evidentes durante o
último período da Guerra da Coreia, quando a opinião
pública voltou-se contra o presidente Truman, arquitecto da Guerra-Fria
e da invasão estado-unidense da Coreia. Mais evidência disso
emergiu durante a Guerra do Vietname. Confrontados com uma guerra prolongada e
perdida, a qual punha em perigo as vidas e oportunidades de dezenas de
milhões de americanos em idade de conscrição,
milhões na vida civil e militar optaram por acabar com a guerra e
questionar intervenções imperiais. O estado repressivo ainda
não estava suficientemente organizado para aterrorizar e conter o
levantamento democrático da década de 1970. O fim da guerra do
Vietname representou o ponto alto na tentativa da América
democrática de conter o imperialismo e reconstruir a república.
As subsequentes pequenas, rápidas, de baixo custo e militarmente com
êxito intervenções imperiais no Panamá, Granada,
Haiti e alhures não provocaram qualquer conflito entre imperialismo e
democracia. Nem tão pouco as guerras imperiais clandestinas e por
procuração na Nicarágua, El Salvador, Guatemala, Angola,
Moçambique, Afeganistão e nos Balcãs provocaram qualquer
oposição democrática significativa uma vez que foram de
baixo custo (em vidas e financiamento) e não foram acompanhadas por
quaisquer cortes drásticos em despesas sociais e rendimentos.
No princípio as actuais guerras ofensivas globais no Afeganistão,
Iraque eram encaradas por alguns estrategas imperiais à mesma luz.
Vitórias rápidas, de baixo custo e com poucas despesas internos.
Um oficial pró Israel altamente colocado no Pentágono argumentou
mesmo que a invasão e ocupação do Iraque seria
"auto-financiável" através de um apresamento do
petróleo.
As guerras do século XXI acabaram por ser de outra forma. Elas seguiram
o padrão coreano-vietnamita, não o padrão
centro-americano/caribenho. Imensamente custosas, as guerras do século
XXI não têm levado a vitórias rápidas e, pior ainda,
ocorreram em meio a uma crise económica sem precedentes, sem o boom
manufactureiro e de mercado das décadas de 1950/1960, os quais
amorteceram a retirada da Coreia e do Vietname.
A divergência entre imperialismo e democracia tornou-se aguda. A
dissensão democrática aumentou e o estado policial tornou-se mais
proeminente e directo. O imperialismo confia cada vez mais na
"fabricação de tramas de terror internas e externas"
para aumentar os poderes da maquinaria repressiva e dominar por decreto. As
exortações da Casa Branca soam falsas. O público dá
cada vez menos crédito às acções dos seus
governantes detenções arbitrários
"justificáveis", vigilância maciça e assassinatos
extra-judiciais de cidadãos estado-unidenses (e mesmo dos seus filhos).
Nós agora enfrentamos perigos a longo prazo e em grande escala,
inerentes a democracias imperiais. Não devido a
"contradições internas" mas sim porque mais cedo ou
mais tarde potencias imperiais encontram seu adversário na forma de
lutas prolongadas de movimentos anti-imperialistas e de
libertação nacional. Só quando guerras imperiais cobram a
sua portagem à maioria assalariada é que a ruptura entre
democracia e imperialismo se verifica. Então e só então
são activadas forças democráticas para criar uma
república democrática, com justiça social e sem
império.
O perigo actual é que estruturas imperiais estão profundamente
incorporadas em todas as instituições políticas chave e
são apoiadas por um vasto e extenso aparelho de
polícia estatal sem precedentes, o Homeland Security. Talvez seja preciso um grande
choque político-militar externo para atear a espécie de
levantamento democrático em massa necessário para transformar um
estado imperial numa república democrática. Um crescente
sentimento de isolamento e impotência afecta o regime dominante face a
derrotas militares além-mar e ao implacável aprofundamento da
crise económica interna. O perigo é que estes temores e
frustrações possam induzir a Casa Branca a tentar recuperar apoio
popular atacando o Irão sob um pretexto fabricado. Um assalto EUA/Israel
ao Irão resultará numa conflagração à escala
mundial. O Irão poderia retaliar e retaliaria. Poços de
petróleo sauditas e no Golfo ficariam em chamas. Rotas de
navegação vitais seriam bloqueadas. Os preços dos
combustíveis disparariam enquanto economias asiáticas, da UE e dos EUA
entrariam em crash. Tropas iranianas com seus aliados iraquianos bloqueariam
guarnições estado-unidenses em Bagdad, o Afeganistão,
Paquistão e o resto do mundo muçulmano pegaria em armas. As
forças dos EUA teriam de render-se ou retirar-se. A guerra
estilhaçaria o Tesouro dos EUA. Os défices disparariam fora de
controle. O desemprego duplicaria. Esta sequência provável de
acontecimentos dispararia um movimento democrático maciço e uma
luta decisiva entre uma república emergente a lutar por nascer e um
império decadente a ameaçar arrastar o mundo para o inferno da
sua própria morte.
23/Outubro/2011
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=27238. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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