Os super-ricos do mundo
Os multimilionários prosperam e as desigualdades aprofundam-se quando as
economias "recuperam"
por James Petras
As operações de salvamento de bancos, especuladores e industriais
cumpriram o seu verdadeiro objectivo: os milionários passaram a
multimilionários e estes ficaram ainda mais ricos. Segundo o
relatório anual da revista de negócios
Forbes,
há 1210 indivíduos e em muitos casos clãs
familiares com um valor líquido de mil milhões de
dólares (ou mais). O seu valor líquido total é de 4,5
milhões de milhões de dólares, maior do que o valor total
de 4 mil milhões de pessoas em todo o mundo. A actual
concentração de riqueza ultrapassa qualquer período
anterior da história; desde o Rei Midas, os Marajás, e os
Barões Ladrões
[1]
até aos magnates de Silicon Valley
[2]
e Wall Street na actual década.
Uma análise da origem da riqueza dos super-ricos, a sua
distribuição na economia mundial e os métodos de
acumulação esclarece diversas diferenças importantes com
profundas consequências políticas. Vamos identificar essas
características especiais dos super-ricos, a começar pelos
Estados Unidos e faremos depois uma análise ao resto do mundo.
Os super-ricos nos Estados Unidos: os maiores parasitas vivos
Os EUA têm a maior parte dos multimilionários do mundo (413), mais
de um terço do total, a maior proporção entre os grandes
países do mundo. Um olhar mais de perto também revela que, entre
os 200 multimilionários do topo (os que têm 5,2 mil milhões
de dólares ou mais), 57 são dos EUA (29%). Mais de um
terço fez fortuna através da actividade especulativa, da
predação da economia produtiva e da exploração do
mercado imobiliário e de acções. Esta é a
percentagem mais alta de qualquer dos principais países na Europa ou na
Ásia (com a excepção da Inglaterra). A enorme
concentração de riqueza nas mãos desta pequena classe
dirigente parasita é uma das razões por que os EUA têm as
piores desigualdades de qualquer economia avançada e se situa entre as
piores em todo o mundo. Os especuladores não empregam trabalhadores,
servem-se de expedientes fiscais e de operações de salvamento e
depois pressionam cortes no orçamento social, dado que não
precisam de uma força de trabalho saudável e instruída
(excepto no que se refere a uma pequena elite). Em 1976, 1% da
população mundial detinha 20% da riqueza; em 2007 dominava 35% da
riqueza total. Oitenta por cento dos americanos possuem apenas 15% da riqueza.
As recentes crises económicas, que inicialmente reduziram a riqueza
total do país, fizeram-no de modo desigual atingindo de modo mais
grave a maioria dos operários e empregados. A operação de
salvamento Bush-Obama levou à recuperação
económica, não da "economia em geral", mas
restringiu-se a reforçar ainda mais a riqueza dos
multimilionários o que explica porque é que a taxa de
desemprego e subemprego ficou praticamente na mesma, porque é que a
dívida fiscal e o défice comercial aumentam e o estado baixa os
impostos às grandes empresas e reduz os orçamentos municipais,
estatais e federais. O sector "dinâmico" formado por
capitalistas parasitas emprega menos trabalhadores, não exporta
produtos, paga impostos mais baixos e impõem maiores cortes nas despesas
sociais para os trabalhadores produtivos. No caso dos multimilionários
dos EUA, a sua riqueza é fortemente acrescida através da pilhagem
do erário público e da economia produtiva e através da
especulação no sector das tecnologias de informação
que alberga um quinto dos multimilionários do topo.
BRIC: Os novos multimilionários: A explorar o trabalho da natureza
Os principais países capitalistas emergentes, Brasil, Rússia,
Índia e China (BRIC), elogiados pelos meios de comunicação
pelo seu rápido crescimento na última década, estão
a produzir multimilionários a um ritmo mais rápido do que
qualquer bloco de países do mundo. Segundo os últimos dados no
Forbes
(Março de 2011), o número de multimilionários no BRIC
aumentou mais de 56% de 193 em 2010 para 301 em 2011, ultrapassando os da
Europa.
O forte crescimento do BRIC levou à concentração e
centralização de capital, em todos os casos promovidos pelas
políticas de estado que proporcionam empréstimos a juros baixos,
subsídios, incentivos fiscais, exploração ilimitada de
recursos naturais e mão-de-obra, expropriação dos pequenos
proprietários e privatização de empresas públicas.
O crescimento dinâmico de multimilionários no BRIC levou às
desigualdades mais flagrantes em todo o mundo. Nos países do BRIC, a
China lidera o caminho com o maior número de multimilionários
(115) e as piores desigualdades em toda a Ásia, em profundo contraste
com o seu passado comunista quando era o país mais igualitário do
mundo. Um exame da origem da riqueza dos super ricos na China revela que
provém da exploração da força de trabalho no sector
da manufactura, da especulação no imobiliário e da
construção e comércio. EM 2011, A China ultrapassou os EUA
enquanto maior fabricante do mundo, em consequência da
super-exploração da mão-de-obra na China e do crescimento
de capital financeiro parasitário nos EUA.
Em contraste com os EUA, a classe trabalhadora da China está a fazer
incursões significativas nas receitas da sua elite de manufacturas e de
imobiliário. Em consequência da luta da classe trabalhadora, os
salários têm vindo a aumentar entre 10% a 20% nos últimos 5
anos; os protestos dos agricultores e das famílias urbanas contra as
expropriações feitas pelos especuladores imobiliários e
sancionadas pelo estado ultrapassaram os 100 mil por ano.
A riqueza dos multimilionários russos, por outro lado, resultou do
violento roubo dos recursos públicos (petróleo, gás,
alumínio, ferro, aço, etc.), explorados pelo anterior regime. A
grande maioria dos multimilionários russos depende da
exportação de bens, da pilhagem e da devastação do
ambiente natural sob um regime corrupto e sem regulamentação. O
contraste entre as condições de vida e de trabalho entre os
multimilionários virados para o ocidente e a classe trabalhadora russa
é sobretudo o resultado do escoamento da riqueza para contas
ultramarinas, investimentos offshore e luxos pessoais extraordinários,
incluindo propriedades de muitos milhões de dólares. Em contraste
com a elite industrial da China, os multimilionários da Rússia
parecem-se com os 'senhorios' parasitas que se encontram entre os especuladores
de Wall Street e os xeiques do Golfo Pérsico.
Os multimilionários da Índia são uma mistura de ricos
antigos e novos ricos que amontoam a sua riqueza através da
exploração dos trabalhadores industriais de salários
baixos, das populações de bairros pobres expropriados e dos povos
tribais, assim como da posse diversificada de imobiliário, tecnologia
informática e software. Os multimilionários da Índia
acumularam a sua riqueza através das suas ligações
familiares com os escalões mais altos, muito corruptos, da classe
política, assegurando monopólios através de contratos com
o estado. O forte crescimento da Índia na última década
(7% em média) e a explosão de multimilionários de 55 para
2011, estão ambos ligados às políticas neo-liberais de
desregulamentação, privatização e
globalização, que concentraram a riqueza no topo, corroeram os
produtores em pequena escala e espoliaram dezenas de milhões.
A classe multimilionária do Brasil aumentou rapidamente, em particular
sob a direcção do Partido dos Trabalhadores, para 29, acima do
número de um só dígito uma década antes. Hoje, mais
de dois terços dos multimilionários da América Latina
são brasileiros. A peça central da riqueza dos super ricos do
Brasil é o sector finanças-banca que beneficiou fortemente das
políticas monetária, fiscal e neo-liberal do regime de Lula da
Silva. Os banqueiros multimilionários têm sido os principais
beneficiários da economia de exportação agro-mineral que
floresceu na última década, à custa do sector de
manufacturas. Apesar das afirmações dos líderes do Partido
dos Trabalhadores, as desigualdades de classe entre a massa dos trabalhadores
de salário mínimo (380 dólares por mês em
Março de 2011) e os super-ricos continuam a ser as piores da
América Latina. Uma análise da origem da riqueza entre os
multimilionários brasileiros revela que 60% aumentaram a sua riqueza no
sector finanças, imobiliário e seguros (FIRE) e só um
deles (3%) no sector de capital ou manufactura intermédia. A
explosão do Brasil em crescimento económico e em
multimilionários encaixa no perfil de uma 'economia colonial': com
grande peso no consumo excessivo, na exportação de bens e
presidido por um sector financeiro dominante que promove políticas
neoliberais. No decurso da última década, apesar do teatro
político populista e dos programas de pobreza paternalistas patrocinados
pelo Partido dos Trabalhadores "centro-esquerda", o principal
resultado sócio-económico foi o crescimento duma classe de
multimilionários "super-ricos" concentrados na banca com
poderosas ligações aos sectores do agro-mineral. A classe
financeira-agro-mineral, de forte crescimento via mercado livre, degradou o
sector de manufactura, principalmente os têxteis e os sapatos, assim como
os produtores de bens de capital e intermédios.
Os países BRIC estão a produzir mais, e a crescer mais depressa
do que as potências imperialistas estabelecidas na Europa e nos EUA, mas
também estão a produzir desigualdades e
concentrações monstruosas de riqueza. As consequências
sócio-económicas já se manifestaram no aumento do conflito
de classes, principalmente na China e na Índia, onde a
exploração intensiva e a expropriação provocaram a
acção das massas. A elite política chinesa parece estar
mais consciente da ameaça política colocada pela
concentração crescente da riqueza e encontra-se em vias de
promover aumentos substanciais de salários e um maior consumo local que
parece estar a reduzir as margens de lucro nalguns sectores da elite de
manufacturas. Talvez que a 'memória histórica' da
'revolução cultural' e a herança maoista desempenhe o seu
papel no alerta da elite política para os perigos políticos
resultantes dos "excessos capitalistas" associados aos altos
níveis de exploração e ao rápido crescimento duma
classe de clãs politicamente relacionados, baseados em
multimilionários.
Médio Oriente
Na última década, o país mais dinâmico no
Médio Oriente foi a Turquia. Dirigido por um regime democrático
liberal de inspiração islâmica, a Turquia tem liderado a
região no crescimento do PIB e na produção de
multimilionários. O desempenho económico turco tem sido
apresentado pelo Banco Mundial e pelo FMI como um modelo para os regimes
pós ditatoriais no mundo árabe de 'alto crescimento', uma
economia diversificada baseada na crescente concentração de
riqueza. A Turquia tem mais 35% de multimilionários (37) do que os
estados do Golfo e do Norte de África em conjunto (24). O 'segredo' do
crescimento turco é as altas taxas de investimento em diversas
indústrias e a exploração intensiva da força de
trabalho. Muitos multimilionários turcos (14) obtêm a sua riqueza
através de 'conglomerados', investimentos em diversos sectores de
manufactura, finança e construção. Para além dos
multimilionários de 'conglomerados', há 'multimilionários
especialistas' que acumularam a sua riqueza a partir da banca, da
construção e do processamento de alimentos. Uma das razões
de a Turquia ter censurado e desafiado o poder de Israel no Médio
Oriente é porque os seus capitalistas estão ansiosos por
projectar investimentos e penetrar nos mercados do mundo árabe. Com
excepção do sistema político americano, fortemente
sionizado, as elites governantes e o público na Europa e na Ásia
encararam favoravelmente a oposição da Turquia aos massacres
israelenses em Gaza e à violação da lei internacional em
águas marítimas. Se um moderno regime islâmico liberal pode
crescer rapidamente através da rápida expansão duma classe
diversificada de super-ricos, o mesmo acontece com Israel, um moderno estado
judaico-neoliberal baseado no rápido crescimento duma classe de
multimilionários altamente diferenciada.
Israel, com 16 multimilionários é um país em que as
desigualdades de classe crescem mais rapidamente na região com o
mais alto número de multimilionários per capita do mundo
Os
"sectores de crescimento" de Israel, software, indústrias
militares, finança, seguros e diamantes e investimentos ultramarinos em
metais e minas, são liderados por multimilionários e
multi-multimilionários que beneficiaram das dádivas financeiras
induzidas pelos sionistas, provenientes da pilhagem de recursos feita pelos EUA
nos países da ex-URSS e da transferência de fundos pelas
oligarquias russas-israelenses e também de empreendimentos conjuntos com
multimilionários judaico-americanos em empresas de software,
principalmente no sector de "segurança".
A alta percentagem de multimilionários em Israel, numa época de
profundos cortes nas despesas sociais, desmente a sua afirmação
de ser uma 'social-democracia' no meio dos 'xeicados'. A propósito,
Israel tem o dobro de multimilionários (16) da Arábia Saudita (8)
e mais super-ricos do que todos os países do Golfo juntos (13). O facto
de Israel ter mais multimilionários per capita do que qualquer outro
país não impediu os seus apoiantes sionistas nos EUA de
pressionarem por uma ajuda adicional de 20 mil milhões de dólares
na década passada. Contrariamente ao passado, a actual
concentração de riqueza de Israel tem menos a ver com o facto de
ser o maior recebedor de ajuda estrangeira
as doações a
Israel são uma questão política: o poder sionista sobre a
bolsa do Congresso. Dada a riqueza total dos multimilionários de Israel,
um imposto de cinco por cento seria mais que compensador de qualquer corte da
ajuda externa dos EUA. Mas isso não vai acontecer apenas porque o poder
sionista na América impõe que os contribuintes americanos
subsidiem os plutocratas de Israel, pagando-lhes o seu armamento ofensivo.
Conclusão
As "crises económicas" de 2008-2009 infligiram apenas perdas
temporárias a alguns multimilionários (EUA-UE) e a outros
não (asiáticos). Graças às operações
de salvamento de milhões de milhões de
dólares/euros/ienes, a classe multimilionária recuperou e
alargou-se, apesar de os salários nos EUA e na Europa terem estagnado e
os 'padrões de vida' terem sido atingidos por cortes maciços na
saúde, na educação, no emprego e nos serviços
públicos.
O que é chocante quanto à recuperação, crescimento
e expansão dos multimilionários mundiais é como a sua
acumulação de riqueza depende e está baseada na pilhagem
de recursos do estado; como a maior parte das suas fortunas se basearam nas
políticas neoliberais que levaram à apropriação a
preços de saldos de empresas públicas privatizadas; como a
desregulamentação estatal permite a pilhagem do ambiente para a
extracção de recursos com a mais alta taxa de retorno; como o
estado promoveu a expansão da actividade especulativa no
imobiliário, na finança e nos fundos de pensões, enquanto
encorajava o crescimento de monopólios, oligopólios e
conglomerados que captaram "super lucros" taxas acima do
"nível histórico". Os multimilionários no BRIC e
nos antigos centros imperialistas (Europa, EUA e Japão) foram os
principais beneficiários das reduções fiscais e da
eliminação de programas sociais e de direitos laborais.
O que é perfeitamente claro é que é o estado, e não
o mercado, quem desempenha um papel essencial em facilitar a maior
concentração e centralização de riqueza na
história mundial, quer facilitando a pilhagem do erário publico e
do ambiente, quer aumentando a exploração da força de
trabalho, directa e indirectamente.
As variantes nos caminhos para o estatuto de 'multimilionário'
são chocantes: nos EUA e no Reino Unido, predomina o sector
parasita-especulativo sobre o produtivo; entre o BRIC com
excepção da Rússia predominam diversos sectores que
incorporam multimilionários da manufactura, do software, da
finança e do sector agro-mineral. Na China, o abissal fosso
económico entre os multimilionários e a classe trabalhadora,
entre os especuladores imobiliários e as famílias expropriadas
levou ao aumento do conflito de classes e a desafios, forçando a
aumentos significativos de salários (mais de 20% nos últimos
três anos) e à exigência de maiores gastos públicos
na educação, saúde e habitação. Nada de
comparável está a acontecer nos EUA, na UE ou noutros
países do BRIC.
As origens da riqueza dos multimilionários são, quando muito,
devidas apenas em parte a 'inovações empresariais'. A sua riqueza
pode ter começado, numa fase inicial, a partir da produção
de bens ou serviços úteis; mas, à medida que as economias
capitalistas 'amadurecem' e se viram para a finança, para os mercados
ultramarinos e para a procura de lucros mais altos, impondo políticas
neoliberais, o perfil económico da classe multimilionários muda
para o modelo parasita dos centros imperialistas instituídos.
Os multimilionários nos BRIC, a Turquia e Israel contrastam fortemente
com os multimilionários do petróleo do Médio Oriente que
são rentistas que vivem das 'rendas' da exploração do
petróleo, do gás e dos investimentos ultramarinos, em especial do
sector FIRE. Entre os países BRIC, só a oligarquia
multimilionária russa se parece com os rentistas do Golfo. O resto, em
especial os multimilionários chineses, indianos, brasileiros e turcos,
tiraram partido das políticas industriais promovidas pelo estado para
concentrar a riqueza sob a retórica de 'paladinos nacionais', que
promovem os seus próprios 'interesses' em nome duma 'economia emergente
de sucesso'. Mas mantêm-se as questões básicas de classe:
"crescimento para quem? e a quem é que beneficia?" Até
agora, o registo histórico mostra que o crescimento de
multimilionários tem-se baseado numa economia altamente polarizada em
que o estado serve a nova classe de multimilionários, sejam
especuladores parasitas como nos EUA, rentistas saqueadores do estado e do
ambiente, como na Rússia e nos estados do Golfo, ou exploradores da
força de trabalho como nos países BRIC.
Post Scriptum
A revolta árabe pode ser vista em parte como uma tentativa de derrubar
os 'clãs capitalistas de rentistas. A intervenção
ocidental nas revoltas e o apoio das elites militares e políticas da
"oposição" é um esforço para substituir
uma classe governante capitalista 'neoliberal'. Essa "nova classe"
será baseada na exploração da mão-de-obra e na
expropriação dos actuais possuidores dos recursos
clã-família-amigos. As principais empresas serão
transferidas para multinacionais e capitalistas locais. Muito mais promissoras
são as lutas internas dos trabalhadores na China e, em menor grau, no
Brasil e no campesinato rural maoista e movimentos tribais na Índia, que
se opõem à exploração e à
expropriação de rentistas e capitalistas.
NT
[1] Barão ladrão termo pejorativo usado para um poderoso
homem de negócios e banqueiro americano do século XIX.
[2]
Sillicon Valley situa-se a Sul da área da baía de S.
Francisco, na Califórnia. Esta região alberga muitas das maiores
companhias de tecnologia electrónica do mundo.
O original encontra-se em
http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=23907
.
Tradução de Margarida Ferreira.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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