Uma história da complexidade energética
por Gail Tverberg
Joseph Tainter e Tadeusz Patzek são os autores do livro
Drilling Down: The Gulf Oil Debacle and Our Energy Dilemma
. Este livro faz parte da série Briefs in Energy da editora Springer. A
obra anterior desta série foi
The Limits to Growth Revisited
, de Ugo Bardi.
O novo livro, Drilling Down, não é simplesmente a história
da fuga de petróleo no Golfo [do México] (embora conte esta
história bastante bem). Tainter e Patzek usam a história da fuga
no Golfo
[1]
como pano de fundo para discutir a espiral de complexidade da energia e o seu
relacionamento com este acidente.
A espiral de complexidade ocorre porque a disponibilidade de energia abundante
e barata permite a complexidade acrescida. A complexidade tem a vantagem de
permitir à sociedade resolver mais problemas, mas tem a desvantagem de
ser mais custosa o que significa exigir mais energia para a sua
criação. A necessidade de mais energia (e o facto de que o
rácio Energia Retornada sobre Energia Investida (EROEI) está a
declinar) leva à necessidade de mais complexidade para obter esta
energia adicional, assegurando que o ciclo continua. Com complexidade
crescente, há um risco acrescido de acidentes que se pode esperar devido
à natureza complexa do sistema, mas os quais são difíceis
de prever pelos participantes.
Tainter e Patzek acrescentam novas perspectivas ao que foi relatado em outros
lugares, tais como em
The Oil Drum
.
Joe Tainter
é um antropólogo
e historiador que ensina no Departamento de Ambiente e Sociedade da
Universidade Estadual de Utah. O seu trabalho mais conhecido é
The Collapse of Complex Societies
.
Tad Patzek
tem um Ph.D. em Engenharia
Química e ensina na Univesidade do Texas, Departamento de
Petróleo e Engenharia de Geosistemas. Ele testemunhou em
audiências no Congresso sobre a fuga de petróleo.
O livro tem nove capítulos:
- Introdução
- A importância do petróleo no Golfo do México
- A Energia que move o mundo
- Perfuração e produção offshore: Uma breve
história
- A espiral da complexidade energética
- Os benefícios e custos da complexidade
- O que aconteceu no Furo Macondo
- Porque o desastre do Golfo aconteceu
- A nossa energia e o dilema da complexidade: Perspectivas para o futuro
Nós já extraímos muito do petróleo fácil de
extrair. Como caminhamos para petróleos mais difíceis de extrair,
descobrimos que é necessário utilizar tecnologias mais complexas,
custosas e arriscadas, guiadas pelo EROEI em queda, numa espiral de
complexidade da energia. Esta espiral na produção de
petróleo espelha a espiral maior de complexidade da energia na sociedade
como um todo. A introdução descreve o objectivo do livro como
duplo:
... primeiro explicar o desastre do Golfo, a espiral de complexidade da
energia, e como elas estão necessariamente conectadas; em segundo lugar
encorajar todos os consumidores de energia a considerar se esta espiral
é ou não sustentável e o que significará para
nós
Os dois autores contribuem com as suas perspectivas para a
situação. Patzek conta a história técnica da
extracção de petróleo, porque precisamos do
petróleo do Golfo do México e como o óleo ali é
encontrado em reservatórios cada vez mais pequenos e cada vez mais
profundos. Ele também conta alguns dos pormenores acerca da complexidade
da extracção quando mais pessoas e empresas são envolvidas
no processo e quando mais complexo equipamento de extracção
é necessário. Tainter dá a visão geral de como
funciona a espiral da complexidade em energia. Ele também mostra como
civilizações anteriores manejaram a complexidade crescente e a
dificuldade de manter uma oferta adequada de energia quando os retornos
marginais declinam. Em conjunto, eles contam a história
específica do acidente do Deepwater Horizon, assim como a
história mais geral da nossa busca por maiores abastecimentos de energia
e os problemas envolvidos.
O livro descreve o Deepwater Horizon como um "acidente normal":
Perrow utiliza a expressão "acidentes normais" parcialmente
como sinónimo de acidentes "inevitáveis", acidentes
cuja probabilidade é inerente num sistema tecnológico complexo.
Numa peça de tecnologia com muitas partes e altamente complexa,
acontecem acidentes de interacções imprevisíveis entre
algumas das partes. A complexidade torna falhas praticamente
inevitáveis. Os engenheiros tentam evitar a falha acrescentando mais
complexidade, a qual torna a operação de sistemas
tecnológicos difícil para o entendimento de operadores humanos.
Acidentes normais surgem como se fossem Cisnes Negros
[2]
, algo que não pode acontecer. De facto, a própria natureza de
tecnologias complexas torna os acidentes prováveis. Eles são um
subproduto normal da operação de sistemas cuja complexidade
está para além do entendimento humano.
A razão porque acidentes tendem a acontecer é em parte porque
várias tarefas são divididas entre várias companhias, cada
uma delas tentando obter um lucro. Dentro de cada companhia as tarefas
são mais uma vez divididas entre muitos trabalhadores.
Pode-se esperar que a probabilidade de "acidentes normais" aumente
quando a furação é principiada em lugares cada vez mais
arriscados, tais como a costa da Gronelândia e o Norte do Círculo
Árctico.
Drilling Down cobre muitos tópicos interessantes, desde pormenores
acerca de como é feita a extracção, a pormenores acerca do
que aconteceu no momento do acidente, vistas gerais de como várias
civilizações trataram da ascensão da complexidade e de
fluxos de energia reduzidos. Tainter levanta a questão do
declínio do retorno marginal no investimento em complexidade e de
como isto parece ser demonstrado, por exemplo, por menos patentes novas, mesmo
em sectores da energia. O livro também menciona que
soluções mais complexas desde carros híbridos
gás-electricos até aviões militares aprimorados
tendem a ser mais caras por unidade construída e estes custos mais altos
limitam quantos são realmente vendidos.
O livro considera o modo como escravos energéticos na forma de
combustíveis fósseis são um meio de pagar pela
complexidade acrescida, pelo menos até que eles comecem a escassear. A
obra também menciona coisas que deveriam ser óbvias como a
nossa dependência dos combustíveis fósseis
são mascaradas pelo facto de serem uma parte tão grande da nossa
vida diária e de durante muitos anos isso não ter sido um
problema. Ao explicar isto, mostra-se que um peixe não saberia que o seu
nariz está húmido a água tão parte do seu
ambiente diária que passa desapercebida.
Não se trata de um livro que dê uma fórmula para resolver
nossos problemas de energia. O que se segue é parte das
observações finais do livro (o texto pode variar o
manuscrito que estou a ver não é o final).
É elegante pensar que seremos capazes de produzir energias
renováveis com tecnologias mais suaves, com máquinas mais simples
que produzem menos dano à terra, à atmosfera e às pessoas.
Todos desejamos isso, mas devemos abordar tais tecnologias com uma dose de
realismo e uma perspectiva a longo prazo. Um projecto geotérmico na
Basileia, Suíça, começou em Dezembro de 2006, esteve em
andamento só uns poucos dias quando houve um pequeno tremor de terra de
magnitude 3,4, assustando pessoas e danificando edifícios. Mas de 100
réplicas continuaram em 2007 e o projecto foi abandonado porque o povo
estava demasiado assustado. A energia solar e eólica, numa escala
suficientemente grande para ser significativa, consumiria grandes quantidades
de terra... Energia renovável que desse a mesma potência per
capita que desfrutamos hoje não seria livre de danos ambientais... Na
verdade, nas grandes áreas de terra que exigiria, a energia
renovável poderia causar mais danos ambientais do que aqueles causados
pela nossa utilização de combustíveis fósseis.
Sabemos que isto não é uma observação
agradável, mas ao longo de todo o livro enfatizámos a necessidade
de realismo.
É sempre importante manter em mente os processos a longo prazo, bem como
as regularidades do comportamento humano. Tal como com os combustíveis
fósseis, primeiro exploraremos fontes de energia renovável com os
gradientes de energia mais pronunciados, os mais altos EROEI. Uma vez que estas
já não satisfaçam as nossas necessidades, faremos o que
estamos a fazer agora com o petróleo. Produziremos energia
renovável em lugares que são cada vez mais desfavoráveis e
para isto desenvolveremos tecnologias que são complexas, custas e
arriscadas. Talvez no fim as consequências não venham a ser
tão grandes como a fuga no Golfo, embora não ousemos imaginar
como as pessoas podem ponderar os custos económicos e emocionais de
tremor de terra com os de uma fuga de petróleo, ou a diferença
entre abrir o Refúgio Nacional Árctico de Vida Selvagem à
prospecção de petróleo e ocupar um vasto ecosistema
deserto para capturar sua energia solar. Esperamos que a energia
renovável será mais ambientalmente benigna do que tem sido os
combustíveis fósseis, mas só saberemos isso quando nos
expandirmos para fontes de energia renovável que rendam retornos
marginais declinantes.
O que são as alternativas? As crises fiscais experimentadas actualmente
por muitos governos dão-nos uma antevisão do que provavelmente
estaria à nossa espera caso as nossas fontes de energia se demonstrassem
inadequadas... Professores estão a ser despedidos, programas cancelados
e anos de escola abreviados. A Grã-Bretanha eliminou todas as
agências de governo e planeamento a fim de implementar a mais
drástica redução de serviços públicos desde
a II Guerra Mundial. Tudo isto está a acontecer num tempo em que a
energia ainda é abundante e relativamente barata.
Nossas sociedades não podem adiar uma discussão pública
acerca da energia futura. Como dissemos antes, isto deve ser uma
discussão adulta, uma discussão que seja honesta, sérias e
realista. Ela não pode ser baseada em sabichões ideologicamente
orientados
(punditry),
ou teoria económica baseada na fé, ou optimismo
tecnológico ilimitado... Podemos antecipar e planear o nosso futuro ou
podemos simplesmente permitir que o futuro acontecer. Esta é a nossa
opção.
A era de abundância petrolífera acabará algum dia,
esperançosamente sem quaisquer acidentes mais da magnitude da
explosão do Deepwater Horizon. Não sabemos quando isto
acontecerá, nem qualquer outra pessoa. Certamente acontecerá mais
cedo do que desejamos. Mas temos alguma capacidade para entender como o futuro
se desdobrará. Podemos projectar o futuro com base na nossa
experiência passada, pois não somos os primeiro a encontrar os
desafios da energia. Na nossa discussão é sempre valioso manter
em mente a redefinição da Lei de Stein: Uma tendência que
não pode continuar, não continuará.
Drilling Down está disponível para pré-encomenda.
Disseram-me que o livro estará pronto na primeira semana de Outubro. O
livro vale bem o seu modesto preço de US$13,23, na minha opinião.
Com um autor orientado para o pormenor e outro para o "grande
quadro", o livro contém algo para toda a gente. Não é
exigido conhecimento prévio da terminologia do petróleo; a obra
dispõe de um glossário.
03/Outubro/2011
[1} O desastre do rig da BP no Golfo do México, verificado em
20/Abril/2010, custou a vida de 11 operários e provocou a fuga de
milhões de barris de petróleo ao longo de vários meses.
É possível que a fuga ainda continue neste momento,
mesmo depois de estar oficialmente controlada, devido à fracturação do
subsolo marinho.
[2] Referência ao livro Black Swans, de N. Taleb, acerca dos
acontecimentos aleatórios
O original encontra-se em
ourfiniteworld.com/...
e em
http://www.countercurrents.org/tverberg031011.htm
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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