E se não houver energia suficiente daqui em diante?
Óleo de xisto: a festa de despedida do petróleo
por Adam Taggart
Actualmente os media estão a louvar intensamente as quantidades record
da produção de petróleo estado-unidense. Notícias
como esta ganham manchetes nos principais sítios web de notícias:
A
Texas Gulf Coast exporta mais petróleo do que importa pela primeira vez (CNN)
.
É um grande feito que destaca um
aumento nas exportações de petróleo dos EUA
e que mostra como o
boom do xisto
(shale)
pode tornar a América menos dependente do petróleo estrangeiro.
"É um marco definitivo. Ninguém viu isso 10 anos
atrás", disse Bob McNally, presidente da firma de consultoria
Rapidan Energy Group e ex-responsável pela energia do presidente George
W. Bush. "É uma coisa inequivocamente boa. Diversifica nossa
dependência do volátil Oriente Médio".
O Texas é o epicentro
da revolução do xisto, com produção a ascender na
Bacia Permiana rica em petróleo que leva os Estados Unidos ao record de
produção. Avanços tecnológicos rápidos no
fracking,
o processo de libertar petróleo e gás no subsolo profundo, tem
reduzido dramaticamente o custo de perfuração na Bacia Permiana.
O Texas está agora em vias de produzir
mais petróleo do que o Irão ou o Iraque
. Isso tornaria o Texas o terceiro no mundo se fosse um país.
Isto soa como maravilhoso, não é? Os avanços
tecnológicos no processo de
fracking
permitiram o "milagre do xisto", resultando em os EUA produzirem
mais de 10 milhões de barris por dia pela primeira vez desde a
década de 1970. Pense em todo o crescimento incremental do PIB que este
excesso de petróleo irá potenciar!
Se estas tendências continuarem, prossegue a CNN, em breve os EUA
tornar-se-ão um exportador líquido de energia:
EUA em vias de se tornar exportador líquido de energia
Os Estados Unidos ainda dependem do petróleo estrangeiro mas
não demasiado.
O fosso entre importações e exportações de
petróleo
contrai-se para o mínimo dos últimos 24 anos
, de 6,8 milhões de barris por dia em 2017, segundo a EIA [Energy
Information Administration]. Apesar de a economia estar mais forte, em Maio as
importações de petróleo estado-unidenses caíram
para 7,8 milhões de barris/dia. Isto está abaixo dos mais de 9
milhões de barris/dia de meados de 2012.
Verificação da realidade
Certo, vamos gastar um momento para efectuar uma pequena
verificação da realidade quanto a este alarde.
Em primeiro lugar, observe como o artigo acima da CNN menciona que os EUA ainda
estão a importar 7,8 milhões de barris/dia. Não é
muito menos do que os níveis recordes que estamos actualmente a extrair
de nosso próprio solo. Assim, a produção nacional de
petróleo teria que duplicar a partir daqui para transformar os EUA num
exportador líquido de petróleo. Tradução:
tão cedo não vamos afastar-nos do petróleo estrangeiro
tão cedo, mesmo sob as melhores condições.
A seguir, a suposição chave que os arautos do xisto estão
a apregoar é que a tendência da produção actual
continuará. Ou seja, que bacias de xisto como a Permiana
manter-se-ão a aumentar os volumes de produção de
petróleo daqui para o futuro.
Como nos explicou numerosas vezes do geólogo do petróleo Art
Berman, em
numerosos podcasts
, os furos do petróleo de xisto (chamado
"tight oil"
) esgotam-se de um modo muito diferente dos furos convencionais de
petróleo.
A extracção de petróleo de um furo convencional segue ao
longo do tempo um curva em sino (ver
imagem), em que leva muitos anos para atingir o máximo de
produção até o furo começar a esgotar-se. Os furos
de xisto, por outro lado, esgotam-se numa curva hiperbólica (ver
imagem). Aproximadamente 80% da produção total de um furo de xisto
esgota-se no fim do segundo ano (!).
Assim, para aumentar a produção de uma bacia de xisto,
será necessário perfurar cada vez mais furos para compensar este
declínio rápido de cada furo individual.
Isto costuma ser mencionado como o
síndrome da Rainha de Copas
, em que finalmente se acaba por furar cada vez mais agressivamente só
para manter um nível de produção constante (isto é,
baixo):
Um problema ainda maior com esta abordagem é que as bacias de xisto
não são infinitas. Finalmente, acabam por se esgotar. Acaba-se
por não ter mais sítios para furar.
E a qualidade dos poços dentro de uma bacia tende a degradar ao longo do
tempo. Como seres humanos, tendemos a explorar primeiro os sítios com
melhores perspectivas e, em seguida, passamos àqueles com perspectivas
cada vez mais inferiores, à medida que os melhores poços secam.
De facto, a produção da mais importantes bacias de xisto dos EUA,
como a Bakken e a Eagle Ford, declinou significativamente desde os seus picos
de 2015 até o princípio deste ano. Ambas assistiram a um
ressurgimento na produção em 2018 quando o petróleo
ascendeu aos US$70 por barril embora a grande questão seja:
Por quanto tempo esta nova ascensão perdurará?
Também é importante recordar que não são
absolutamente certas as estimativas de quanto do petróleo destas bacias
serão realmente recuperáveis de modo económico. Durante a
década passada, estimativa de várias grandes bacias foram
drasticamente reduzidas quando começaram a chegar dados das
explorações de petróleo. O caso de
Utica
é um bom exemplo disto mas não há nenhum mais
extremo do que o da bacia Monterrey, a qual em 2014 foi reduzida do dia para a
noite nuns espantosos 96%:
U.S. officials cut estimate of recoverable Monterey Shale oil by 96%
Autoridades federais da energia reduziram em 96% a quantidade estimada do
petróleo recuperável enterrado nos vastos reservatórios de
xisto de Monterey, na Califórnia,
esvaziando o seu potencial como a "mina nacional de ouro negro".
Apenas 600 milhões de barris podem ser extraídos com a
tecnologia, muito abaixo dos 13,7 mil milhões que se pensavam
recuperáveis a partir das camadas desordenadas de rocha
subterrânea dispersas por grande parte da Califórnia Central,
disse a Energy Information Administration.
A formação Xisto de Monterey contém cerca de dois
terços das reservas nacionais de petróleo de xisto.
Ela foi encarada como uma enorme sorte inesperada, reduzindo as necessidades
do país de importações de petróleo através
da utilização das mais recentes técnicas de
extracção, incluindo tratamentos ácidos,
perfuração horizontal e
fracking.
Esta agência de energia disse que a estimativa anterior de
petróleo recuperável, emitida em 2011 por uma firma independente
contratada pelo governo, assumiu de um modo geral que as reservas na
formação do Xisto de Monterey eram tão facilmente
recuperáveis quanto aquelas encontradas em formações de
xisto alhures.
Aquela estimativa desencadera um boom de especulação entre as
companhias de petróleo. As novas descobertas parecem certamente
amortecer esse entusiasmo.
(
Fonte
)
Repare-se nisto: Dois terços das reservas de petróleo de xisto
dos EUA subitamente são declaradas essencialmente como inúteis /
inatingíveis.
Porque isto importa
Certo, então porque isto importa?
Porque a energia é essencial para a economia. Ela move a actividade
económica.
Mais energia = mais crescimento. Menos energia = contracção
económica.
Há uma multidão de gráficos a mostrarem esta
correlação 1:1 entre energia dispendida (em milhões de
toneladas de equivalente petróleo) e crescimento económico (PIB).
Aqui está um deles:
Fonte
Assim, quando a energia avança, a economia avança.
Como temos examinado em grande profundidade neste sítio web, o mundo
permanece viciado em combustíveis líquidos e aproximadamente em
todos aqueles baseados em fósseis. Mesmo sob o melhor dos
cenários, o mundo ainda continuará a estar dependente de
combustíveis fósseis nas próxima décadas.
Examinando projecções da procura mundial de combustíveis
líquidos, verificamos que esta continua a crescer significativamente,
como se verifica neste gráfico num relatório da ExxonMobile:
2018 Outlook for Energy: A View to 2040
:
Algumas observações importantes aqui:
A produção de
petróleo convencional está destinada a diminuir, ao passo que
a produção total (convencional + águas profundas +
arenosos +
tight
) aumentará
O petróleo
tight
(isto é, do xisto) será o maior contribuidor para colmatar este
fosso.
Agora, recorde-se o que se disse acima. Os campos do xisto esgotam-se MUITO
mais depressa do que os convencionais e já recorremos às reservas
das bacias mais ricas. Uma grande questão a responder:
Podemos nós realmente contar com a indústria do xisto para
fornecer este petróleo novo por tanto tempo?
Geólogos do petróleo como Art Berman não pensam assim. Ele
vê o presente aumento na produção de petróleo de
xisto como um evento de relativamente curto prazo, uma surpresa
agradável que se esgotará muito mais rapidamente do que a maior
parte de nós percebe. Ele refere-se à bonança actual
não como uma nova aurora para a produção de
petróleo nos EUA, mas como a sua "
festa de despedida
".
Também somos acautelados a não depositar muita fé nas
projecções da oferta de petróleo convencional, uma vez que
a indústria é notória por sobrestimar as reservas
remanescentes. Este gráfico, referido como o "porco-espinho"
por analistas de petróleo, mostra como quase todos os anos, a IEA tem
sido forçada a reduzir suas projecções anteriores de
produção para o óleo convencional:
Assim, os campos existentes podem esgotar-se muito mais depressa do que
pensamos
E
também pode haver menos oferta economicamente recuperável do que
prevíamos anteriormente.
Além disso, é exigido um bocado de investimento para conseguir
todo este combustível líquido fora do terreno e para
comercializá-lo. O gráfico abaixo (do mesmo estudo da
ExxonMobile) mostra que aproximadamente 80% do fornecimento dos poços
actuais acabará nos próximos 20 anos.
Com os produtores de petróleo de xisto
a perderem dinheiro a cada ano
durante a década passada, com produtores de petróleo a
sub-investirem em despesas de capital
durante o mesmo período e com o risco de recessão(ões)
global(is) a retornarem,
será que os investimentos plenos necessários para atender
à procura mundial de combustíveis líquidos realmente
serão efectuados?
E se não houver energia suficiente para atender à procura mundial?
E se o futuro fornecimento de petróleo for escasso? Ou por falta de
investimento, ou por esgotamento mais rápido do que o esperado campos de
xisto (e/ou dos convencionais), ou o que quer que seja.
Para um mundo viciado em combustíveis líquidos fósseis,
quais seriam as consequências?
A especialista em transportes Alice Friedemann passou anos a advertir de
quão más as coisas poderiam ficar, conforme a suavidade ou
severidade de uma emergência em combustíveis líquidos.
Mais conhecida pelo seu livro,
When Trucks Stop Running
, eis a sua previsão do que aconteceria se o nosso sistema de camionagem
paralisasse por falta de combustível:
Dia 1 sem camiões
-
Manufacturas e linhas de
montagem que utilizam entregas just-in-time encerrarão quando
peças se esgotarem ou armazenagem de produtos acabados estiver cheia.
-
Hospitais ficarão sem
abastecimento de seringas e catéteres dentro de horas.
-
Leite e pão fresco acabarão.
Dia 2 sem camiões
-
A escassez de alimentos aumentará, especialmente diante da
acumulação e do pânico do consumidor. Fornecimentos de
alimentos essenciais e perecíveis desaparecerão
-
Restaurantes e estabelecimentos fast food fecharão
-
Caixas multibanco ficarão sem dinheiro
-
A construção parará
-
Farmácias fecharão
-
Os americanos produzem 685 mil toneladas de lixo por dia. O lixo
começará a empilhar-se em áreas urbanas e suburbanas,
criando um risco de saúde.
Dia 3 sem camiões
-
A maior parte dos postos de abastecimento esgotará o seu
combustível
-
Despedimentos generalizados no sector manufactureiro
-
As lamas de águas residuais tornam-se um problema pois os tanques de
tratamento nas estações agora estão cheios
-
O trabalho na infraestrutura cessa pois não podem ser feitas
reparações
-
O transporte público, bombeiros, polícia, ambulâncias,
telecomunicações, serviços de utilidade pública,
correio e outros serviços essenciais param.
Dia 4 sem camiões
-
As repercussões começam a reflectir-se globalmente, pois 48 mil
-
contendores importados por dia não podem ser descarregados de navios. As
-
exportações também param.
-
Todos os stocks de combustível dos postos de abastecimento estão
-
esgotados. Muitas pessoas não podem ir ao trabalho
-
Sem combustível, aviões e ferrovias encerram
-
O lixo acumula-se e torna-se um problema sanitário
-
A Grã-Bretanha está sem cerveja.
Dia 5 sem camiões
-
A água potável está esgotada. O atraso das entregas
-
semanais de produtos químicos significa que as estações de
-
tratamento de água já não podem garantir que a água
-
é adequada para beber
-
A produção industrial cessa, uma grande proporção
-
da força de trabalho é despedida ou fica incapaz de encontrar
-
trabalho, as viagens e recreação cessam
-
Os cuidados de saúde limitam-se a serviços de emergência
-
Empresas de gás e electricidade têm interrupções
-
localizadas e, devido à falta de combustível, não podem
-
bombear água e gás, reparar redes avariadas de água e
-
gás, etc
-
O gado começa a sofrer com a falta de entrega de rações,
-
resíduos acumulam-se, pecuaristas não podem transportar animais
-
para matadouros, a produção de carne cessa
-
O Swedish Alcohol Retail Monopoly fica sem álcool.
Dentro de quatro semanas:
-
O país esgotará sua oferta de água limpa e a água
só será segura depois de fervida
-
Se isto acontecer em tempo de seca, muitas culturas apodrecerão nos
campos
-
A cadeia de fornecimentos do Departamento da Defesa romper-se-á,
paralisando os militares "por meios que nenhum adversário foi capaz
de conseguir"
-
Colapso financeiro global.
Uma interrupção do comércio internacional deitaria abaixo
o sistema financeiro, provavelmente mais cedo do que isto.
Isto é só uma lista parcial do que ocorreria.
(
Fonte
)
Em que ponto estamos na energia?
Friedeman certamente pinta um quadro assustador de quão más as
coisas "poderiam" ficar. Quão provável é que
fiquem tão más?
Em que ponto estamos na narrativa da energia? Estaremos nós a namorar o
desastre, ou as coisas estão mais próximas da perspectiva
rósea que lemos nos media?
Trata-se de questões importantes. Dependendo das respostas que lhes
dermos, acções muito diferentes têm de se empreendidas.
Assim, é importante ter um quadro claro quão possíveis
são os desenvolvimentos mais prováveis a partir daqui e
então determinar o melhor caminho a preparar.
24/Agosto/2018
O original encontra-se em
www.peakprosperity.com/...
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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