Pico petrolífero e políticos
Em 1956 Marion King Hubbert, geólogo da Shell Oil, apresentou ao
American Petroleum Institute um documento no qual previa que a
produção americana de petróleo atingiria o pico no
princípio da década de 1970 e a então seguir-se-ia uma
curva em
declínio, agora conhecida como Curva de Hubbert. Mas Hubbert quase
não pode apresentar o seu documento. Ele recebeu um telefonema dos seus
patrões da Shell, que lhe pediram para "moderar o tom". Sua
resposta foi de que não havia nada para moderar. Tratava-se
simplesmente de análise objectiva. Ele apresentou o documento, sem
correcções. Pode-se ler toda esta história
aqui
.
Desde aquele tempo, a indústria petrolífera e os seus apoiantes
políticos fizeram tudo o que podiam para amaciar a mensagem de que o
petróleo é um recurso finito e que dele ficaremos privados algum
dia. Por que deveriam eles proceder assim? Para promover a busca do lucro a
curto prazo e com vistas curtas. Em 2004 a Shell finalmente foi apanhada numa
mentira acerca da dimensão das suas reservas de petróleo. A
companhia havia inflacionado a dimensão declarada das suas reservas de
a fim de manter altos os preços das suas
acções pois quem é que quer investir numa companhia
ou numa indústria que está a ir pelo caminho dos
dinossauros?
Desde 1956, a economia mundial prosseguiu sob uma espécie de
feitiço das companhias petrolíferas, o qual teceu em torno de
nós a ilusão de que o esgotamento do petróleo está
tão remoto no futuro que não precisamos de nos preocupar com
isso. Esta crença foi essencial para apoiar o objectivo de uma economia
em crescimento infinito.
Houve uns poucos tropeços em tal estratégia. Em 1972,
exactamente quando a produção de petróleo nos Estados
Unidos atingiu o seu pico histórico, um grupo de modeladores
computacionais do MIT divulgou um estudo denominado "Os limites do
crescimento". Eles previam um declínio agudo nos recursos naturais
de toda espécie. Como para muitos minerais, inclusive petróleo,
os números das reservas não eram bem conhecidos, eles examinaram
diferentes cenários. Alguns mostraram-nos o esgotamento do
petróleo antes de 2000 e outros mostravam o pico da
produção a verificar-se em meados do século XXI.
A facção pró-crescimento reagiu rapidamente e fulminou a
ideia de que poderia haver limites ao crescimento. Os cientistas do MIT foram
tratados como Cassandras, tanto nas universidades como na imprensa.
Esta estratégia de matar o mensageiro, o portador de más
notícias, penetrou logo na política americana. Jimmy Carter
tentou dominar a crise energética no fim da década de 1970 com o
apoio a energias alternativas e à conservação, mas ele foi
ridicularizado pelos media e os consumidores americanos não foram
capazes de ouvir a mensagem. Ronald Reagan afastou-se disto na
presidência e imediatamente removeu os painéis solares do telhado
da Casa Branca.
"NÃO POLIDO"
Desde então, de certa forma tornou-se "não polido"
conversar acerca dos limites do crescimento. Hoje, apesar do disparo dos
preços do petróleo, a maior parte dos políticos ainda
evita a expressão "Pico Petrolífero". A maior parte
dos media ainda trata os advogados do pico petrolífero com cepticismo,
utilizando epítetos como "à margem" (da
respeitabilidade científica) e de "a assim chamada" para
designar a teoria do pico petrolífero.
Sejamos claros: o pico petrolífero é muitas vezes mal entendido.
A data em que mundo atinge o pico não é a data em que realmente
ficaremos privados de petróleo e sim a data em que cessamos de aumentar
a produção. Isto é seguido por um "plateau"
(planalto) em que a produção de petróleo é plana.
Finalmente, a produção acabará por declinar.
Mesmo um plateau é um grande problema para uma economia mundial que
é baseada no crescimento. Num mundo em que 850 milhões ainda
estão famélicos e 3 mil milhões dos 6,5 mil milhões
vivem com menos de US$2 por dia, produção de petróleo
estagnada significa um fim para modelos de desenvolvimento com base no
crescimento económico. As estatísticas mostram que a
produção de petróleo têm estado plana desde
há mais de dois anos.
Estes factos são simples. Como disse Hubbert em 1956: "Nada de
sensacional quanto a isto, apenas análise objectiva". E ainda
assim as mais poderosas instituições na nossa sociedade continuam
a fazer tudo o que podem para evitar a confrontação com a verdade.
Felizmente, uma vasta rede de cidadãos independentes, académicos
e empregados renegados de companhias de petróleo mantem-se a examinar a
verdade e a tentar educar o público acerca do pico petrolífero.
Pode encontrar o trabalho dele on line em sítios como
energybulletin.net
e
theoildrum.com
. Estas redes têm não só revelado revelado as
estatísticas reais acerca dos constrangimentos da produção
de petróleo como também começaram a atacar o problema de
como o mundo deveria responder a esta crise sem precedentes.
Quem estiver interessado num encontro directo com os intrépidos
"piquistas" pode participar de uma conferência já
anunciada.
The International Conference on Peak Oil and Climate Change: Paths to Sustainability
terá lugar de 30 de Maio a 1 de Junho em Grand Rapids,
Michigan.
Vernon Ehler, deputado de Michigan, inaugurará a conferência.
Ehler é membro do House Peak Oil Caucus, o qual foi fundado por outro
republicano, Roscoe Bartlett, de Maryland. O Peak Oil Caucus é
co-presidido pelo democrata Tom Udall, mas tem apenas 15 membros ao todo.
Não existe grupo semelhante no Senado e muito poucos outros
políticos utilizarão a expressão "Pico
Petrolífero".
Nenhum dos actuais candidatos presidenciais fez do pico petrolífero uma
questão importante. A secretária de imprensa de Bartlett, Lisa
Wright, disse que este havia conversado acerca do pico petrolífero com
(o candidato) John McCain mas não com Obama ou Clinton. Quando lhe
perguntei se McCain enfrentaria a questão do pico petrolífero,
Wright respondeu: "Eu não descreveria o senador McCain como sendo
tão conhecedor ou comprometido como o deputado Bartlett sobre a
questão".
Ao falar de questões de energia os políticos muitas vezes
utilizam o eufemismo da segurança energética, reconhecendo que os
EUA tem apenas três por cento das reservas de petróleo mundiais e
advertindo que a maior parte do resto pertence a governos não amigos ou
instáveis. Se bem que haja verdade neste tipo de
declaração, ela estabelece uma estrutura de conflito ao criar a
percepção de que ainda há muito petróleo mas que
pessoas más estão a mantê-lo longe de nós.
Tanto democratas como republicanos compram esta visão. Nesta temporada
eleitoral, alguns democratas parecem ainda mais desejosos do que os
republicanos de jogarem a carta do medo do petróleo e promoverem medidas
de reparação rápida que não são eficazes ou
são absolutamente ridículas.
Primeiro houve as férias fiscais da gasolina proposta por John McCain e
secundado por Hillary Clinton. Barack Obama distinguiu-se pela
resistência à ideia. A teoria económico da mesma
não faz sentido. Seria na melhor das hipóteses poupar ao
motorista médio cerca de US$30 ao longo de um Verão de
condução, e na pior a procura acrescida faria subir os
preços da gasolina. A posição de Obama mostra o
entendimento de que a oferta de petróleo não está a
atender à procura, ainda que ele não utilize as palavras
"pico petrolífero".
Nas últimas duas semanas, o Congresso viu uma enorme quantidade de
propostas imbecis de ambos os lados. Os democratas querem que o presidente
Bush forçar os braços dos sauditas para fazer com que o reino
produza mais petróleo. Se isso não funcionar, eles querem cortar
os seus braços isto é, as suas armas. O senador Reid
planeia apresentar uma resolução expedita que bloquearia US$1,37
mil milhões em vendas de armas aos sauditas a menos que eles aumentem a
produção de petróleo em um milhão de barris por
dia. Richard Heinberg, educador do pico petrolífero, avisa onde toda
esta confrontação poderá conduzir: "Suponha que
actuemos duramente com os sauditas e acabemos por desestabilizar o reino de
modo que forças inamistosas para connosco tomassem o poder.
Então seríamos mais ou menos forçados a invadir a fim de
manter o acesso à nossa droga nacional preferida. Onde acabaria isto?
Será que isto ajudaria?"
Entretanto, o que os democratas fariam aos sauditas os republicanos querem
fazer ao urso polar e ao caribú. Os republicanos geralmente são
favoráveis à perfuração no Refúgio Nacional
da Vida Selvagem do Árctico
(Arctic National Wildlife Refuge, ANWR)
apesar do facto de que mesmo no pico da produção isto atenderia
apenas dois por cento da procura americana de petróleo.
Mas nem todos os republicanos são favoráveis à
perfuração na ANWR. O vice-presidente do Peak Oil Caucus, Roscoe
Bartlett, pensa que deveríamos preservar o petróleo do
Árctivo para uma emergência real. Ao falar em
oposição à perfuração ele declarou:
"Estou a ter dificuldade para entender como é do interesse da nossa
segurança nacional gastar a nossa pequena quantidade de petróleo
tão rapidamente quanto podemos. Se bombearmos o ANWR amanhã, o
que faríamos nós no dia seguinte?"
Bartlett toma esta posição porque age sabendo que o
petróleo é finito e que o mundo está a aproximar-se ou
já ultrapassou o pico da produção. Se todos os membros do
Congresso estivessem a operar dentro deste quadro, veríamos então
algumas propostas políticas muito diferentes.
Perguntei a Lisa Wright porque o gabinete de Bartlett pensa que a
questão do pico petrolífero tem despertado tão pouca
atenção nos media e entre os políticos. Wright culpou uma
condição psicológica humana conhecida como
dissonância cognitiva, "o fenómeno de que você
só ouve o que está interessado em ouvir".
"Verdades duras são difíceis de conversar assim como
difíceis de absorver", disse ela. "É muito mais
fácil acreditar em pessoas que dizem que se nós simplesmente
tivermos mais produção americana então não
teríamos de nos preocuparmos com importações do
estrangeiro, sem explicar que já estamos a bombear nossa diminuta
porção das reservas mundiais três ou quatro vezes mais
rápido do que o resto do mundo. Mas não podemos furar o nosso
caminho para a auto-suficiência porque você não pode bombear
o que não está ali".
Ao ser perguntada se via o pico petrolífero tornar-se uma questão
na campanha presidencial, Wright disse, "Tornar-se-á uma
questão da campanha se os candidatos fizerem dela uma questão e
os candidatos optarão por torná-la uma questão se ela
aparecer como algo motivador para os eleitores".
Mas, disse ela, "É uma charada do ovo e da galinha. Na medida em
que os eleitores se tornarem informados e conscientes através dos media,
você descobrirá que os candidatos os seguirão. Este
é o modo geral como a política americana funciona".
Depois de anos de moderação do tom da mensagem do pico
petrolífero no discurso público, os eleitores precisam fazer com
que os candidatos saibam que agora é o momento de elevar o tom.
[*]
Editora de ambiente de
Truthout
, engenheira mecânica, autora de
Primal Tears
.
O original encontra-se em
http://www.energybulletin.net/44343.html
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
.
|