O petróleo envenena a humanidade
Uma coisa que se torna clara quando lemos o
Crude World: The Violent Twilight of Oil
é que o subtítulo é enganador. Um crepúsculo
violento? O leitor pode julgar que vai ser levado ao terreno do escritor James
Kunstler, que defende que a escassez global de petróleo, que se
avizinha, vai virar do avesso as nossas vidas que assentam no petróleo,
e fazer com que as famílias, desamparadas, fiquem dependentes das suas
hortas para sobreviver.
Mas, na verdade, em
Crude World,
o jornalista americano Peter Maass está a transmitir uma mensagem
diferente. Tal como Kunstler, parece que Maass acredita na teoria do Pico do
Petróleo, ou seja, acha que os dias de petróleo relativamente
barato estão a chegar ao fim. Mas, em vez de considerar esse
crepúsculo como um desastre, parece que Maass o considera uma
bênção salvadora. Vai forçar-nos a acabar com a
nossa dependência de uma substância que tem envenenado o nosso meio
ambiente e a nossa política, e tornado a vida muito pior para
milhões de pessoas.
Para Maass, o petróleo é uma maldição. Esta parece
ser uma afirmação bastante justa, pelo menos sob certos aspectos.
Pouca gente afirmará que o petróleo e os seus subprodutos
não são destrutivos para o ambiente, por exemplo. Mas Maass vai
mais longe, e segue em direcções inesperadas, para mostrar que
a partir do momento em que é extraído do solo, durante
toda a cadeia até ao momento em que é despejado no enorme tanque
de gasolina de um veículo utilitário o petróleo
é um autêntico veneno.
E faz isso guiando o leitor numa visita por todo o mundo que o petróleo
criou o nosso mundo. E certamente parece ser o homem certo para um guia
de viagem bem informado. Correspondente da velha escola, Maass viajou aos
lugares mais perigosos do mundo para revistas como a
Atlantic Monthly
e a
Slate.
Pelo caminho, fez uma cobertura completa da guerra na Bósnia e
transmitiu a sua experiência num livro chamado
Love Thy Neighbor: A Story of War.
O método que usou em
Crude World
é uma série de instantâneos de diversas partes do mundo,
demonstrando os modos como o petróleo afectou esses lugares. Os
títulos dos capítulos que Maass utiliza para esses
instantâneos tais como 'Pilhagem', 'Contaminação' e
'Miragem' ilustram bem quais são as suas conclusões.
Um pouco de sabedoria convencional que rapidamente é eliminada é
a noção de que o petróleo é uma
bênção para os países que possuem grandes reservas.
Maass defende de modo convincente que quase nunca isso é verdade.
Observa a experiência de países pobres como a Guiné
Equatorial e a Nigéria para demonstrar que no fim de contas
estariam melhor se deixassem ficar o petróleo debaixo do
chão. Os únicos verdadeiros beneficiários foram as grandes
companhias petrolíferas que os invadiram para explorar as novas
'apostas', e os governos tortuosos desses países e os seus
amigalhaços, que enriqueceram com a maior parte dos direitos.
Maass explica como a própria extracção cria poucos postos
de trabalho para os nativos dos países pobres dada a natureza pouco
vulgar da indústria do petróleo: não é trabalho
intensivo e os trabalhadores que utiliza precisam de ter aptidões
especializadas, coisa que as grandes empresas petrolíferas acham mais
fácil conseguir através de apoios importados da Índia e
das Filipinas. Os únicos nativos que habitualmente ali trabalham
são as prostitutas que afluem às cidades criadas pelo processo de
extracção.
Mas Maass não ergue o machado contra os habituais suspeitos na
história do petróleo, as gigantescas petrolíferas
ocidentais como a Shell, a BP e a Chevron. Claro que o comportamento delas
é frequentemente repreensível, e Maass fornece pormenores em
abundância nesta área. Mas elas apenas fazem o que se exige que as
empresas façam legalmente maximizar os seus lucros
nalgumas das regiões mais corruptas do mundo. E Maass argumenta que as
companhias nacionalizadas que as estão a substituir enquanto principais
produtores mundiais, as CNOOC's e as Gazprom's, são exactamente
tão gananciosas, resistentes às regulamentações e
predatórias para o ambiente.
A recusa desapaixonada de Maass em individualizar os vilões é uma
das forças de
Crude World.
Para ele, o problema não é uma determinada empresa, um
país ou uma pessoa. Na verdade, o autor sabe que as pessoas e as suas
instituições são gananciosas e de vistas curtas. O
problema é a própria substância pegajosa: o
petróleo. Enquanto concentração de pura riqueza e poder, o
petróleo é simplesmente demasiado perigoso de manipular, porque
maximiza todas as nossas piores tendências. O petróleo é
como o anel de Sauron na trilogia de Tolkien; até mesmo os que tentam
usar o seu poder para o bem acabam por ser arrastados para o lado mau.
Outro dos pontos importantes do livro é a forma cortante como
está escrito. Mesmo que não concordemos com Maass, sentimo-nos
obrigados a acabar a visita apenas para ficar a saber mais sobre as suas
observações cínicas e cortantes. A perícia do autor
como estilista é realçada num capítulo chamado 'Desejo',
sobre o sangrento empenhamento da América no Iraque nas últimas
décadas. Em 37 páginas, é uma mini proeza que rebenta com
outro mito tão acarinhado quanto à obsessão dos EUA em
relação ao Iraque: que tudo gira à volta do
petróleo.
Claro, escreve Maass, o petróleo foi obviamente um factor dos ataques
americanos ao Iraque. Mas há alguma coisa que não tenha sido um
factor? A sua análise do desastre da ocupação americana,
em que a única refinaria de Bagdad não foi devidamente protegida
e foi completamente vandalizada por assaltantes, sugere que talvez não
tenha havido uma lógica perfeita por detrás da invasão do
Iraque. Conforme Maass escreve notavelmente na conclusão desse
capítulo:
Nem os motivos de Cheney [Dick, o antigo vice-presidente dos EUA] nem os
motivos da administração em que prestava serviço, podem
ser resumidos numa só palavra. WMD [armas de destruição
maciça], democracia, religião, Édipo, petróleo
a América era como um embriagado a remexer num molho de chaves
durante a noite. (pg. 161)
E quanto ao crepúsculo do petróleo? Conforme referido
atrás, Maass subscreve a teoria do Pico do Petróleo. Defende que
a produção global do petróleo já ultrapassou o pico
porque o fruto pendente o petróleo de alta qualidade nos campos
de superfície facilmente acessíveis já foi colhido.
O que resta é mais difícil, mais perigoso e mais dispendioso de
extrair.
Isto significa que, no futuro, acidentes como o de Deepwater Horizon que
vomitou quantidades assustadoras de petróleo no Golfo do México
passarão a ser mais vulgares à medida que as gigantescas
petrolíferas explorarem fontes cada vez mais marginais na tentativa de
manter o seu ritmo de produção. Mas até mesmo isso
não será suficiente, porque o consumo global vai continuar a
aumentar. O resultado será o aumento em espiral do preço do
barril e o fim da era do petróleo barato.
Onde é que estes factos nos levam? Onde devíamos ter estado logo
de início, segundo Maass: num "mundo em que a prioridade não
seja obter petróleo mas passar sem o petróleo". Maass
não é Kunstler: acha que o crepúsculo do petróleo
vai demorar anos, o que significa que temos tempo para evitar as
previsões mais apocalípticas de Kunstler. E Maass acredita que
já temos toda a tecnologia necessária para começar a
transição para um mundo pós-petróleo. O que tem
faltado até aqui é a vontade. Felizmente, não vamos ter
possibilidade de escolha durante muito mais tempo.
Crude World: The Violent Twilight of Oil
, Peter Maass, Knopf, 2009, 288 pgs., ISBN-10: 1400041694.
[*] Escritor e editor, do Canadá.
O original encontra-se em
http://www.atimes.com/atimes/Global_Economy/MB26Dj02.html
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Tradução de Margarida Ferreira.
Esta resenha encontra-se em
http://resistir.info/
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