Novo aeroporto de Lisboa e o preço do petróleo
Com o preço do barril de petróleo (WTI) a roçar os 120
dólares na Bolsa de Matérias-Primas de Nova Iorque, é
urgente que se reveja os cenários e os custos feitos num
pressuposto de energia abundante e barata que estiveram na base da
decisão de construir Alcochete.
O sector do transporte aéreo tem crescido muito acima da economia
global. De acordo com dados apresentados pelo comandante Cristopher Smith, da
British Airways, nos últimos 10 anos o sector do transporte aéreo
cresceu 2,4 vezes mais depressa do que o PIB mundial.
Cerca de 90% da energia utilizada nos transportes deriva directamente do
petróleo. A dependência dos combustíveis líquidos
derivados do petróleo é particularmente elevada deve mesmo
dizer-se total no sector aeronáutico, pois não existem
alternativas energéticas ao fuel usado nos aviões. Está
fora de questão, num futuro próximo, a utilização
de energia eléctrica ou nuclear para propulsionar aeronaves comerciais.
O fuel sintético já produzido na África do Sul a partir do
carvão (CTL,
coal to liquid
) não se mostra economicamente nem
ambientalmente viável. Outras opções, como o etanol ou o
biodiesel, têm fortes limitações técnicas
relacionadas com a sua baixa densidade energética e com o seu
comportamento físico nos intervalos de temperatura a que podem estar
sujeitos.
A nível mundial consome-se diariamente cinco milhões de barris de
petróleo na aviação comercial, o que equivale a cerca de
15 vezes o consumo de Portugal. Um tal volume corresponde a cerca de 6% do
consumo mundial de petróleo e só é superado pelo consumo
individual de três países (EUA, China e Japão). Num
cenário de
business as usual,
os crescimentos previstos para o sector aeronáutico nos próximos
anos, que é o mesmo que dizer para o tráfego aéreo,
indicam que a procura de fuel irá aumentar acima da média mesmo
que se encontrem formas de optimizar os consumos, redesenhando rotas,
segmentando percursos longos percursos exigem mais combustível,
logo, maior peso e maior consumo na descolagem ou mesmo produzindo novos
tipos de aviões.
Mas é hoje uma opinião consensual que a maior ou menor
disponibilidade de um combustível líquido derivado do
petróleo, relativamente barato e adequado à
aviação, terá fortes implicações no futuro
do transporte aéreo e nos sectores da economia que lhes estão
associados.
Até agora a produção de petróleo respondeu à
procura sempre crescente. Contudo, sendo o petróleo um recurso limitado
e por isso esgotável, a grande questão é saber como se vai
comportar a curva de abastecimento, no futuro, para responder ao
acréscimo de procura.
Entretanto, surgem um pouco por toda a parte sinais preocupantes: os EUA,
desde 1970, deixaram de ser auto-suficientes, entraram em declínio de
produção e já importam 60% do petróleo que
consomem; a Noruega e o Reino Unido já estão a retirar cada vez
menos petróleo do Mar do Norte (este, auto-suficiente nas últimas
décadas, já teve de recorrer a importações em
2006!); no México, a jazida de Cantarel, a segunda maior conhecida no
mundo, está em rápido esgotamento e este ano já
produzirá menos 400.000 barris por dia do que no ano passado.
Países de economias emergentes, como a China e a Índia,
estão a aumentar o consumo e a importar cada vez mais petróleo e
os novos produtores (Angola, Ásia Central, Brasil) parecem não
chegar para compensar as perdas devidas às decrescentes
produções de outras fontes e são igualmente insuficientes
para responder ao aumento da procura.
É certo que existem recursos abundantes daquilo a que se chama
petróleo não convencional (
deep water,
areias e xistos betuminosos do Canadá e Venezuela,
exploração de zonas polares, produção a partir do
carvão
coal to liquid
), mas com custos de produção
bem mais elevados, prazos de exploração pouco confortáveis
e implicações ambientais assinaláveis.
A generalidade dos analistas, já contabilizadas todas as formas de
produção incluindo os biocombustíveis, prevê que a
breve prazo haverá um desajustamento entre a procura e a oferta de
petróleo a nível global. Os mais pessimistas (Colin Campbell,
Matt Simmons, Deffeyes) falam em dois a cinco anos e os mais optimistas (CERA
Cambridge Energy Reserach Associates, EIA Energy International
Administration) admitem que isso só acontecerá daqui a duas ou
três décadas. Contudo todos são unânimes em que o
desajustamento acontecerá mais cedo ou mais tarde.
Grandes projectos com custos energéticos de construção
avultados ou sujeitos a forte impacto energético na sua
exploração têm de ser avaliados também nesta
perspectiva. Ainda há meses, a propósito de uma notável
conferência sobre o tema
"The low carbon economy",
proferida
por David Miliband, na altura ministro inglês do Ambiente que alguns
chegaram a apontar como o provável sucessor de Tony Blair, alguém
questionava a oportunidade de investimentos como a construção ou
ampliação de aeroportos.
O novo aeroporto de Lisboa entrará em funcionamento, na melhor das
hipóteses em 2017, e isso, tudo o indica, acontecerá num
cenário de grande penúria energética. Tal irá
certamente motivar fortes aumentos de preços dos combustíveis que
afectarão os custos de construção e irão alterar de
forma significativa as previsões de evolução do
número de passageiros e, consequentemente, do número de voos.
Reavaliar será, neste caso, sinónimo de sensatez.
[*]
Presidente do Grupo Marktest e da Fundação Voz Populi.
lqueiros@marktest.pt
O original encontra-se em
http://www.jornaldenegocios.pt/default.asp?Session=&CpContentId=317068
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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