Um choque petrolífero em 2012?

por Steven R. Kopits [*]

O preço do petróleo está novamente nas notícias diárias. A referência da Europa ocidental, o Brent, pairou próximo dos US$100/barril durante grande parte do mês passado e a IEA (International Energy Agency, da OCDE) está outra vez a advertir quanto ao peso do consumo de petróleo. Será isto um anúncio de coisas que estão para vir? Ou uma mera anomalia estatística num mercado que está bem abastecido? Como serão os acontecimentos nos mercados de petróleo daqui a um ano ou dois?

Certamente, os preços do petróleo subiram devido à forte procura, a qual em parte é estrutural e em parte transitória. O hemisfério Norte assistiu a um Inverno extremamente frio, levando a uma utilização acrescida do óleo. E a economia global está a recuperar de uma recessão profunda, com a procura a saltar novamente do fosso recessivo. Estes são, em certa medida, eventos passageiros. Mas em muitos aspectos, os preços acrescidos reflectem fundamentalmente uma procura de petróleo que está a crescer mais rapidamente do que a oferta.

Na verdade, o crescimento recente da procura foi descrito como "espantoso". Se bem que não seja inesperado na nossa perspectiva, o crescimento da procura ainda é impressionante. Segundo a EIA (Energy Information Administration], o consumo mundial de líquidos de petróleo subiu para 2,8 milhões de barris por dia, isto é 3,2%, nos três meses até Janeiro/2011, em comparação com os mesmos três meses um ano antes. Embora isto seja um número elevado, não é sem precedentes. Nos doze anos até 1972, o consumo mundial de petróleo aumentou em 30 milhões de b/d, o que representa um crescimento da procura de 150% ao longo do período e um crescimento médio anual de 2,5 milhões de b/d em termos de volume.

E a procura aumentou em 7-8 milhões b/d nos três de recuperação a seguir ao choque petrolífero de 1973 e à recessão de 2001. (Estas recessões foram possivelmente as mais comparáveis a esta recente. Depois de 1973, o mundo ocidental ainda continuava o processo de motorização e portanto a procura recuperou-se rapidamente. Isto também foi verdadeiro depois de 2001, quando a China fez o seu primeiro impacto nos mercados globais de petróleo). Hoje, tal como após 1973 e 2001, o ritmo de motorização continua – na verdade, acelerou-se – no mundo em desenvolvimento e portanto o crescimento da procura a um ritmo de 2,5 milhões b/d por ano até 2012 não ser surpreendente.

Nem tão pouco o crescimento da procura de petróleo em comparação com outras fontes de energia deveria ser uma surpresa. O consumo de gás natural e de carvão aumentou em 3,2% e 5,1% por ano, respectivamente, desde 2002 até 2008, o início da recessão. É difícil imaginar que o consumo de petróleo ficasse para sempre atrás de outras fontes de combustíveis se o petróleo estivesse disponível.

E estava disponível em 2010. Segundo a EIA, a oferta de petróleo aumentou em 2,1 milhões b/d nos três meses concluídos em Janeiro/2011, em comparação com o mesmo período do ano anterior. Os líquidos não-OPEP contribuíram com 1 milhão b/d para isto, consistindo primeiro nos EUA (+0,4 milhão b/d), China (+0,3), antiga URSS (+0,3%), Brasil (+0,2) e Índia (+0,1), compensando declínios de produção, nomeadamente no Mar do Norte (-0,4) e México (-0,2). A equilibragem do aumento veio da OPEP, com líquidos de gás natural (NGLs) a contribuírem aproximadamente com 1 milhão b/d e o bruto uns modestos 0,2 milhão b/d

Ainda assim, ao longo do período, a oferta atrasou-se em relação à procura em 635 mil barris por dia nos últimos três meses comparados com o ano anterior e isto é isto que mostram os preços, os quais ascenderam US$8/barril durante o período.

O que deveríamos esperar, prospectivamente? As previsões da IEA, EIA e OPEP para o crescimento da procura em 2001 caem no intervalo dos 1,4-1,7 milhão b/d. Mas as expectativas da IEA e EIA foram baixas em talvez um milhão de barris no ano passado e elas podem estar baixas outra vez numa quantidade semelhante. Com tanto na análise técnica como histórica, o crescimento da procura da ordem dos 2,4 milhões b/d em 2011 e 2012 parece mais provável.

O gráfico abaixo mostra a diferença entre o ponto de vista da EIA e o nosso. A EIA vê uma ruptura na linha de tendência recente, com crescimento em 2011 e 2012 literalmente pela metade do de 2010, o primeiro ano de plena recuperação económica. Em contraste, pensamos que a recuperação ganhará velocidade este ano e que nenhuma ruptura real será verificada no mundo em desenvolvimento, nomeadamente a China. Portanto, pressões sobre a procura nos próximos dois anos são antecipadas analogamente a 2010 e à semelhança das recuperações de recessões comparáveis no passado. Em consequência, nossa previsão é mais elevada do que a da EIA. No fim de 2012, a diferença entre a nossa previsão e a da EIA totaliza 1,75 milhão b/d, com o pico da procura atingindo 92 milhões b/d em alguns meses.

Gráfico 1.

Do lado da oferta, a perspectiva da EIA parece plausível. Em 2011 e 2012, a produção da OCDE é estabelecida em declínio quase o tempo todo, embora apenas ligeiramente. A oferta da antiga URSS será essencialmente constante e o Brasil acrescenta-se modestamente à oferta dos "outros não-OCDE". O Brasil deveria, e o Azerbaijão e Casaquistão poderiam, concebivelmente apresentar melhores números do que o previsto. Mas na generalidade, os números da EIA parecem defensáveis. Em consequência, a OPEP deve aumentar a produção para atender à procura incremental e a EIA vê a produção de petróleo da OPEP a aumentar em 0,7 milhão b/d em 2012 e uma quantidade semelhante em 2012. A fatia do leão disto é presumivelmente do Iraque; portanto, a previsão da EIA quanto à oferta depende de o Iraque apresentar dois anos excelentes do começo ao fim. Isto poderia ser considerado razoavelmente optimista – o Iraque aumentou a produção em 0,3 milhão b/d em 2010 – mas não impossível. A contribuição do Iraque, contudo, é absolutamente valiosa.

Com a nossa perspectiva da procura indo à frente da da EIA e a nossa perspectiva da oferta alinhada, presumivelmente a diferença seria constituída por reduções em capacidade de reserva quando a OPEP elevar a produção. E na OPEP, só a Arábia Saudita importa. Em Janeiro de 2011, a Arábia Saudita representou 78% – 3,65 milhões b/d – da OPEP e, como questão prática, das reservas de produção global. Quanto desta capacidade realmente existe? Durante a subida do preço do petróleo de 2008, a Arábia Saudita nunca comprometeu o último milhão de barris da sua capacidade nominal. Muitos observadores, incluindo o autor, acreditam que faltou capacidade ao reino saudita – ele nada reteve do mercado. Se aplicarmos a mesma métrica às reservas hoje declaradas de produção saudita, o seu excesso de capacidade podia ser apenas de 3 milhões b/d ou talvez um bocado menos.

Como o reino saudita comprometerá esta reserva? Muitos observadores acreditam que os sauditas nunca bombearão mais de 10 milhões b/d – apenas 1,4 milhão b/d do que produz hoje. Esta crença baseia-se na história. A produção saudita nunca se sustentou acima dos 10 milhões b/d. Alguns duvidam que a Arábia Saudita possa elevar os volumes de produção e, na verdade, documentos recentes da WikiLeaks lançam dúvidas sobre as reservas sauditas e limites de produção. Nenhum destes argumentos é inteiramente convincente. É verdade que muitos dos novos desenvolvimentos no reino são relacionados ou a petróleos pesados ou os do offshore, de recuperação aperfeiçoada ou de gás natural. Nada disto é sugestivo quando a um país no qual alguém podia espetar uma palha no chão e extrair petróleo light sweet sem esforços. Contudo, quando os sauditas foram pressionados antes da recessão, eles foram capazes de aumentar em dois milhões de barris de capacidade em prazo relativamente curto e a um custo comparativamente modesto. A Arábia Saudita não é mais um Iraque – um recurso subdesenvolvido – mas com 260 mil milhões de barris de reservas provadas, o reino ainda é um produtor formidável capaz de elevar a produção se o seu interesse nacional assim o ditar.

Entretanto, os sauditas, tendo produzido agressivamente durante mais de meio século, podem visionar um futuro, talvez daqui a setenta anos, em que os recursos do país estarão em grande medida esgotados. Se a Arábia Saudita ainda não chegou à metade do caminho quanto aos seus recursos petrolíferos, está bastante próxima de verificar que eles são finitos. Esta perspectiva pode ter levado o Rei Abdullah a ordenar em 2008 a "deixá-lo no chão, por Alá, nossos filhos precisarão dele". Em consequência, o reino pode estar relutante em aumentar a produção. Certamente é razoável afirmar que os sauditas prefeririam preços mais elevados a volumes de produção mais elevados – e o ambiente actual parece que provavelmente será nesse sentido. Assim, tanto a visão a longo prazo como os preços do petróleo expectáveis podem encorajar o país a limitar a produção.

Será, então, que a capacidade reserva nominal da Arábia Saudita pode ser tomada pelo seu valor facial? Ninguém, provavelmente nem mesmo os sauditas, sabe com certeza. Contudo, para objectivos políticos, uma abordagem conservadora assumiria que os sauditas não excederão os 10 milhões b/d e que, com base no seu historial, uma capacidade efectiva de mais de 11 milhões b/d não deveria ser assumida.

Em consequência, a capacidade de reserva efectiva no sistema global deveria ser considerada de 1,4 a 2,3 milhões b/d menos do que os 4,65 milhões b/d relatados pela EIA. Consequentemente, não pode haver mais do que 2,25 a 3,25 milhões b/d, no essencial tanto quanto o crescimento da procura global no ano passado. Isto não é demasiado.

Gráfico 2.

Além disso, se ligarmos a capacidade de reserva reduzida com a nossa previsão de procura acrescida, então a capacidade excedentária efectiva é consumida num ritmo rápido. Em meados de 2012, a capacidade de reserva poderia estar tão baixa como 1 milhão b/d ou até menos, se os sauditas decidirem limitar a produção a 10 milhões b/d. Em certa medida, estes desenvolvimentos poderiam ser evitados por reduções de stocks e, na verdade, a EIA prevê reduções de stocks que rondam um quarto de milhões de b/d em 2012 para sustentar a capacidade de produção de reserva. Tais reduções não são sem precedentes ou inabituais em si próprias, mas elas constituem outro factor a sugerir mercados tensos. Em qualquer evento, quando a capacidade excedente cai abaixo de um milhão de barris por dia, um choque petrolífero não pode ser excluído. Portanto, no melhor caso, o mundo está a deparar-se com mercados de petróleo tensos em 2012; no pior caso, o país pode estar a encaminhar para outro choque petrolífero e recessão.

Para decisores políticos, isto tem um grande número de implicações. Para começar, sugere que a Arábia Saudita terá uma influência material nas eleições dos EUA de 2012. O reino saudita será capaz de criar preços de petróleo constrangedores não só pela contenção de produção como pela sua libertação de forma demasiado lenta. Portanto, a natureza e qualidade das relações dos EUA como o reino saudita importará. Isto também sugere que um choque petrolífero é provável em 2013, mesmo se os EUA forem bastante felizes para escapar de um em 2012. Tais choques estão tipicamente associados com recessões, as quais implicaria desemprego acrescido, défices orçamentais crescentes e possivelmente mais pressão sobre os preços habitacionais e o sector financeiro. Os analistas políticas precisam examinar os números para anteciparem a queda potencial e procurarem mitigar efeitos adversos na medida do possível.

14/Fevereiro/2011
  • Do mesmo autor: A primeira recessão do Pico Petrolífero , 15/Set/2009

    [*] Responsável da Douglas-Westwood, consultores de negócios em energia. A firma apoia fornecedores de serviços energéticos com pesquisa de mercado, desenvolvimento estratégico e diligências comerciais. O autor é o único responsável pelas opiniões expressas neste artigo.

    O original encontra-se em http://www.aspousa.org/index.php/2011/02/an-oil-shock-in-2012/


    Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ .
  • 17/Fev/11