Pico petrolífero, o pano de fundo da crise egípcia
Todos nós lemos nos jornais acerca do Egipto e perguntamo-nos o que
estará por trás dos seus problemas. Deixe-me apresentar algumas
percepções.
Pelo menos uma parte dos problemas do Egipto está no facto de que no
passado o governo ameaçou reduzir subsídios alimentares. Agora
está a planear manter o nível dos subsídios alimentares e
elevar os subsídios da energia, mas não está claro que a
quantia em dólares do subsídio venha a ser suficiente. O governo
está a dar passos para tornar os alimentos e a energia acessíveis
à maior parte, mas há a preocupação de que o passos
dados não sejam suficientes.
A situação financeira em declínio do Egipto
Há uma boa razão para esperar que o Egipto comece a ter problemas
com subsídios de energia e alimentares. A sua situação
financeira está a declinar ao mesmo tempo que o custo dos alimentos
importados está a subir. Se examinarmos um gráfico das
importações, exportações e consumo egípcio
de petróleo (utilizando um gráfico do
Energy Export Databrowser
, o qual baseia-se no BP Statistical Data), descobriremos que a
utilização de petróleo do Egipto tem estado a subir
rapidamente, ao mesmo tempo que a quantidade extraída a cada ano
está a declinar.
A partir de 2010 ou 2011 o Egipto passará da condição de
país exportador de petróleo para a de país importador, se
houver importações disponíveis no mercado mundial. O
problema é que o Egipto não é o único país
com produção de petróleo em declínio a
produção mundial de petróleo tem estado praticamente
estagnada desde 2005 e os países que produzem o petróleo
estão utilizá-lo cada vez mais para si próprios. O
resultado é que há menos petróleo disponível para
exportação, mesmo quando países como o Egipto precisam de
mais.
O petróleo que o Egipto exporta proporciona fundos para os
subsídios que o país concede, de modo que
exportações reduzidas significam que menos fundos ficam
disponíveis para subsídios. O Egipto recentemente foi capaz de
aumentar as exportações de gás natural e estas têm
permitido que os subsídios permaneçam em vigor.
Se alguém examinar com atenção a parte verde do
gráfico, as exportações de gás natural têm
estado aproximadamente estagnadas desde 2005. Elas dão a entender que se
pode esperar que permaneçam relativamente estagnadas, também,
porque segundo a
US Energy Information Administration
:
Dada a crescente procura interna, combinada com pressões populares nos
últimos anos contra o GNL e os contratos de exportação de
gás (particularmente com Israel), o ministro do Petróleo declarou
em meados de 2008 que nenhum novo contrato de exportação de
gás seria assinado.
Assim, o Egipto ainda está a obter alguma receita com as
exportações de hidrocarbonetos (e da mesma forma, a receita
fiscal relativa à receita da exportação), mas a quantidade
de gás natural está próxima da estagnação e
a quantidade das exportações de petróleo foi para zero. O
Egipto subsidia as vendas internas tanto de petróleo como de gás
natural, de modo que é provável que o governo não esteja a
obter muita receita com a parte que é utilizada no consumo interno. De
facto, ele pode bem ser um perdedor líquido na parte que é
utilizada internamente porque os subsídios-receitas das
exportações provavelmente constituem a diferença. Se no
futuro o Egipto realmente necessitar comprar petróleo do estrangeiro,
pode-se esperar que esta despesa suba significativamente.
Outras pressões orçamentais
Segundo informação do
CIA World Fact Book
, o Egipto já
gastou em demasia a sua receita de 2009 (o último ano
disponível), com receitas de US$46,82 mil milhões e despesas de
US$64,19 mil milhões. Para 2010, o Factbook informa que a dívida
do governo subiu para 80,5% do PIB, colocando o seu nível de
dívida muito acima do dos demais países africanos e árabes.
Se a produção de petróleo do Egipto está baixa,
indústrias a jusante como refinação e produtos
químicos provavelmente também estarão, tornando
difícil aumentar receitas destas fontes ou obter impostos adicionais
relativos às despesas dos trabalhadores destas indústrias. O
Canal de Suez é uma das fontes de receitas do Egipto, mas com as
exportações mundiais de petróleo em baixa é
provável que também caiam.
Pode-se esperar que reduções na produção
petrolífera e no transporte pelo Canal de Suez exacerbem problemas de
desemprego. A taxa de desemprego egípcia em 2010 era estabelecida nos
9,7% no Factbook.
O Egipto tem um historial de distribuição do rendimento
razoavelmente igualitário. Em 2001, o Factbook dá o seu
coeficiente de Gini como sendo de 34,4%, o qual está próximo do
do Reino Unido e é muito melhor do que, digamos, aquele dos EUA. Mas nos
últimos, diz o Factbook, "o Cairo de 2004 a 2008 tentou
agressivamente reformas para atrair investimento estrangeiro e promover o
crescimento do PIB".
Estas reformas económicas provavelmente elevaram o rendimento de algumas
pessoas, mas não de todos, criando um fosso mais vasto entre os ricos e
os pobres. Isto pode estar por trás das preocupações dos
pobres de que estão a cair mais para trás economicamente. Com o
historial do país de uma distribuição do rendimento mais
igualitária e a recente ascensão dos preços alimentares,
esta desigualdade de rendimento pode estar a tornar-se mais uma questão
grave.
Necessidade de importações alimentares
A população do Egipto tem crescido rapidamente (estimativa de 2%
ao ano do Factbook cerca de três filhos por mulher), mas a
população está concentrada numa faixa estreita ao longo do
Rio Nilo. (Gráfico do
Population Databrowser
.)
Quando a população cresce, a quantidade de terra
necessária para habitação e negócios aumenta e a
quantidade de terra para agricultura cai. Assim o Egipto pode produzir menos do
seu próprio alimento, à medida que o tempo passa.
O Egipto é considerado o maior importador de trigo do mundo. Em 2010, o
ministro do Petróleo declarou que o Egipto importa 40% do seu alimento e
60% do seu trigo. O problema este ano é que a produção
mundial de trigo está baixa (pelo menos em parte devido a problemas
meteorológicos na Rússia) e assim as exportações
mundiais estão baixas.
Um problema a mais longo prazo, contudo, é que a produção
mundial de trigo não tem estado a crescer de modo a acompanhar o
crescimento da população mundial. Parte desta falta de
crescimento pode ser a competição dos biocombustíveis.
Parte da falta de crescimento também se relaciona com o facto de que as
melhorias da "revolução verde" (acréscimo de
irrigação e fertilizantes) estão sobretudo para
trás de nós. Se bem que a irrigação e os
fertilizantes tenham melhorado muito a produção no momento da
mudança, desde 1990 os ganhos na produção têm sido
muito mais pequenos.
O custo do alimento importado, particularmente o trigo, tem-se elevado,
parcialmente por causa das colheitas relativamente mais pequenas e parcialmente
porque o custo da produção e do transporte está a subir
devido à ascensão dos preços do petróleo. A Figura
5 mostra o estreito relacionamento entre preços alimentares e
preços do petróleo. O
Food Price Index
utilizado neste
gráfico é o da FAO relativo a alimentos para
exportação; os preços do petróleo Brent são
preços spot da EIA.
Com preços do petróleo agora mais altos (porque a
produção mundial está próxima da
estagnação e porque quando países saem da recessão
querem mais petróleo), os preços dos alimentos de todos os tipos
também estão mais altos. O petróleo é utilizado
directamente na produção de cereais e indirectamente na
armazenagem e no transporte, de modo que o seu custo é importante.
Preços alimentares mais elevados contribuem para o problema da
inflação geral que o Egipto já tinha. Em 2010, o Factbook
estimava a sua taxa de inflação em 12,8%. Uma vez que os
salários nem sempre sobem para acompanhar as taxas de
inflação, as pressões inflacionárias sem
dúvida fazem mais pressão sobre o governo para aumentar
subsídios, num momento em que ele realmente não pode permitir-se
fazê-lo.
Impacto sobre o resto do mundo
Por que todos reagem tão fortemente aos problemas do Egipto?
Uma razão é que outros países árabes também
estão a sentir algumas das mesmas pressões. Os preços
alimentares estão em ascensão por toda a parte. Muitas pessoas de
baixo rendimento gastam mais de 50% do mesmo em comida, de modo que um aumento
dos seus custos se torna um problema real. As pessoas acabaram por depender de
subsídios petrolíferos e alimentares. Se eles forem removidos, ou
não elevados suficientemente para compensar os custos mais altos das
importações, isto constitui um problema real.
Os preços do petróleo parecem ser igualmente afectados. Se o
Canal do Suez fosse fechado devido a perturbações, isto podia
afectar o trânsito de petróleo, particularmente para a Europa.
Segundo a
EIA
:
Cerca de 1 milhão de barris/dia de petróleo bruto e produtos
refinados fluíram para Norte em 2009 através dos Canal de Suez em
direcção ao Mediterrâneo, ao passo que 0,8 milhão
b/dia viajou rumo a Sul em direcção ao Mar Vermelho.
As quantidades transportadas através do Suez agora provavelmente
estão baixas devido à redução das
importações/exportações mundiais, mas ainda
são substanciais. As importações de petróleo da
Europa são cerca de 10 milhões de barris por dia, segundo o
Energy Export Data Browser
(utilizando dados da BP). Se todas as quantidades
que fluíram para Norte fossem para a Europa, elas representariam cerca
de 10% das importações da Europa, ou cerca de 7% do consumo
europeu. De facto, algumas destas exportações vão mais
além em particular para os EUA ou Canadá, de modo que a
quantidade em causa provavelmente é mais baixa do que isto em
relação ao consumo da Europa, digamos 4% ou 5%. Mas mesmo uma
pequena escassez é um problema num mundo que precisa de petróleo
para transporte, produção alimentar, aquecimento e muitas outras
utilizações.
A incapacidade para enviar produtos rumo a Sul através do Canal de Suez
também pode ser um problema. Parte do que a Europa faz é refinar
petróleo, mantendo o que necessita e enviando outros produtos para
clientes alhures. Todo o sistema é estabelecido assumindo
produção e entrega próxima do "just-in-time". Se
bem que haja alguma capacidade armazenagem, depois de uns poucos dias ou
semanas o sistema provavelmente começa a ter problemas. Aqueles que
precisam dos produtos refinados enviados para Sul através do Canal de
Suez ficarão carente e a Europa terá excesso de abastecimento.
Naturalmente, é possível utilizar rotas marítimas mais
longas, mas estas utilizam para petróleo para navegação e
demoram mais, de modo que são mais caras. Há também um
atraso temporário enquanto o novo sistema é posto em
prática.
Todos estes problemas (relativos ao transporte tanto para Norte como para Sul
através de Suez) podem ser contornados, mas haveria um período de
perturbação por algum tempo, quando os abastecimentos
começassem através de uma rota mais longa.
29/Janeiro/2011
Ver também:
Egypt the convergence of oil decline, political and socio-economic crisis
[*]
Actuário.
O original encontra-se em
http://ourfiniteworld.com/2011/01/29/whats-behind-egypts-problems/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/
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