ANA adia funeral da Portela

por J. Martins Pereira Coutinho [*]

. Um aeroporto, entre outras funções, deve ser capaz de desempenhar bem a sua missão de empresa comercial e logística. O Aeroporto da Portela não tem desempenhado essa função. Os seus responsáveis também não têm sabido explorar a sua invejável localização geográfica como uma plataforma logística e pólo de desenvolvimento económico. O aeroporto continua a ser pouco mais do que um espaço com vários edifícios, um estacionamento de aviões e duas pistas, onde aterram e descolam aviões.

O Aeroporto da Portela é uma manta de remendos sobrepostos, que não dignifica os seus autores. E é vítima da incompetência dos governantes, que menosprezam a sua importância económica e estratégica. De facto, ao longo do tempo, além de algumas obras aeroportuárias indispensáveis, nada fizeram para desenvolver a indústria de transporte aéreo.

Quando o aeroporto foi construído na Portela de Sacavém, um arrabalde de Lisboa, estava bem longe da cidade. Mais tarde, especialmente no pós-25 de Abril de 1974, as Câmaras Municipais de Lisboa e de Loures permitiram a construção clandestina na cintura do aeroporto. Se isto não tivesse acontecido e se a cidade não tivesse crescido para Norte, talvez hoje não se pusesse a questão de construir um novo aeroporto para Lisboa.

De qualquer modo, o Aeroporto da Portela está intimamente ligado ao desenvolvimento económico da cidade de Lisboa. A sua localização, perto do coração da cidade, oferece enormes vantagens competitivas aos operadores e agentes económicos, nomeadamente no turismo, na hotelaria e congressos, no comércio, na exportação, etc.

DENEGRIDO POR QUEM O DEVIA DEFENDER

Apesar da sua importância económica e estratégica, o Aeroporto da Portela continua a ser denegrido por aqueles que o deviam defender. Em vez de o promoverem, lutam desesperadamente pela sua desactivação. Talvez por isso, ainda hoje não há um plano estratégico aeroportuário. Se ele existisse, o aeroporto seria mais eficiente e não teria sido cercado por várias urbanizações imobiliárias.

Por desinteresse e incompetência governamental, o aeroporto continua a não ter uma ligação ferroviária – como existe noutros aeroportos – apesar da linha férrea estar a 2 kms. O mesmo tem acontecido com o Metro – com a estação de Calvanas a centenas de metros – que só agora está em construção, para ligar a Portela à Gare do Oriente.

Hoje, como no passado, o Aeroporto da Portela é um estaleiro de obras. Temos verificado, desde a década de 50, que as obras no aeroporto têm sido quase permanentes, possivelmente devido aos muitos projectos de sucessivas alterações e remodelações. É uma situação que nos faz lembrar uma velha anedota de um médico, que não retirava a carraça do ouvido do doente, para ele continuar a ir às suas consultas…

O Plano Director do Aeroporto, de 1980, tinha como objectivo obter uma configuração final, que correspondesse à capacidade máxima possível. Por isso, defendia a melhoria das condições operacionais e de segurança para 32 movimentos/hora, 57 posições de estacionamento para aviões e instalações para 12 milhões de passageiros/ano e 300 mil toneladas de carga/ano!

No Plano da ANA , 1986/90, foram programados um conjunto de investimentos na Portela, no valor de 6,5 milhões de contos. Na mesma data, o relatório do então director de Planeamento confirmava que "desde 1942 que se tem vindo a desenvolver o aeroporto de forma a adaptar-se ao tráfego que o tem demandado." Ou seja, o aeroporto tem estado em obras desde a sua inauguração!

O relatório também referia que estavam em curso novas áreas para construção habitacional e que as zonas de habitação clandestina proliferavam. E mencionava que no Concelho de Lisboa, dentro de 2.100 hectares, estavam localizados 4 hospitais, 12 escolas, 12 cinemas e teatros e três complexos universitários.

Sobre o futuro do aeroporto, o relatório previa a sua saturação entre os anos 2005 e 2010. Mas, curiosamente, acrescentava: "a decisão da ANA de desenvolver gradualmente as infra-estruturas da Portela até ao máximo da sua capacidade, protelando a construção do NAL (Novo Aeroporto de Lisboa), tem seguramente evitado que se tivesse criado mais um elefante branco em Portugal." Este relatório é mais um exemplo das contradições de alguns responsáveis e da sua falta de visão estratégica, para desenvolver e modernizar o Aeroporto da Portela a longo prazo.

Em 2006, em nome de mais uma reestruturação, o ex-ministro Mário Lino decidiu gastar mais 380 milhões de euros, excluindo as habituais derrapagens, afirmando que isso fazia parte de um plano para os 20 anos seguintes, ou seja, até 2026! Mas, pouco depois, teve a ousadia de afirmar que o Aeroporto da Portela estava condenado a desaparecer em 2017! Mais uma contradição e mais uma prova da sua incompetência e falta de sentido de Estado.

Esta nova remodelação permite aumentar a capacidade do aeroporto para receber 16 milhões de passageiros/ano; aumentar a capacidade de movimentos, de 36 para 42 por hora; aumentar o número de portas de embarque, de 26 para 47; aumentar o número de mangas telescópias, de 7 para 20; aumentar o número de passageiros/hora, de 3.200 para 4.320; etc.

Considerando, porém, as atrevidas afirmações do ex-ministro Mário Lino, do presidente da ANA e do actual ministro António Mendonça, sobre a curta vida da Portela, é difícil entender as razões que levam a ANA e o Governo a dar elevados incentivos financeiros e condições especiais às companhias low cost para operarem na Portela, quando deviam operar em aeroportos secundários.

UM ESCÂNDALO NACIONAL

Depois destas estranhas decisões e o permanente esbanjamento de dinheiro público, a anunciada destruição do Aeroporto da Portela, além de ser um grave erro geoestratégico, é um escândalo nacional. Lembramos, a propósito, que as centenas de hectares de terreno do aeroporto – em demanda judicial – são uma mina de ouro para a construção civil. Por alguma razão, a Alta de Lisboa está quase ao lado…

De qualquer modo, o mais grave nesta insólita situação aeroportuária, é ver governantes e responsáveis aeroportuários afirmarem, numa orquestrada campanha difamatória, que o Aeroporto da Portela está saturado de tráfego aéreo, quando sabem que estão a ultrajar a verdade e a lesar a indústria de transporte aéreo.

De facto, é inconcebível que o presidente da ANA, o director do Aeroporto, o ministro das Obras Públicas e Transportes e até o primeiro-ministro, sejam os protagonistas duma condenável campanha anti-Portela, para justificar a construção do NAL, primeiro na Ota e agora no CTA. Em qualquer país civilizado e com governantes responsáveis, esta gente já teria sido afastada das suas funções. Mas, num país à deriva, como Portugal, continuam sem punição e a fazer o que não devem.

HOTEL PARA CÃES E GATOS

Entretanto, a ANA, depois do seu presidente ter anunciado o fim da Portela, primeiro em 2017 e agora em 2021, vai construir no aeroporto um hotel de quatro estrelas, através de uma Parceria-Pública-Privada com uma rede de hotéis; um ginásio de grandes dimensões; um hotel para cães e gatos com apoio veterinário e estacionamentos cobertos para mais 500 viaturas. Ou seja, a ANA é cada vez mais uma empresa imobiliária. Por isso, as obras continuam...

Excluindo estes novos projectos, a ANA tem um total de 260 mil metros quadrados de activos imobiliários. Em 2009, o volume de negócios atingiu os 18,9 milhões de euros. No entanto, não há transportes públicos regulares e eficientes na Portela para servir os passageiros, como há noutros aeroportos. A indústria de táxis parece ter prioridade...

Em 2010, a ANA apresentou o balanço do Plano de Expansão da Portela. O seu presidente confirmou que o investimento na expansão do aeroporto era essencial, "para não perder a competitividade e satisfazer a procura." E acrescentou: "mesmo quando estamos prestes a trocar de casa, até lá continua a ser fundamental que se vão fazendo os arranjos necessários para continuarmos a viver em boas condições." Ou seja, a ANA, em vez de projectar obras a longo prazo, prefere ir remendando o aeroporto…

Recentemente, na Bolsa de Turismo de Lisboa, o presidente da ANA, devido às medidas de austeridade, afirmou que estava "a equacionar os impactos decorrentes do prolongamento da operação do Aeroporto da Portela até 2021". Entretanto, lembramos que, no caso do grupo BA-Ibéria ganhar a privatização da TAP, esta será uma companhia regional e a Portela passará a ser um aeroporto secundário, porque o Aeroporto de Madrid, como a Espanha planeou, será o principal centro logístico aeroportuário na Península Ibérica e a Portela um apeadeiro aeroportuário…

Talvez por isso e pela falta de dinheiro para o NAL, a ANA adiou o funeral da Portela para 2021. No entanto, é possível que haja outro adiamento e mais uma remodelação, para desfazer o cruzamento das pistas e prolongar uma delas, de modo a aumentar o número de movimentos/hora e de passageiros/ano. Se isso acontecer, o Aeroporto da Portela poderá ter uma vida muito mais longa do que os seus detractores tinham planeado e desejado…

Oeiras, 04/Março/2011

[*] coutinho.mp@gmail.com

O original encontra-se na revista Cargo , nº 221, Março/2011. Os inter-títulos e imagem são da responsabilidade de resistir.info.


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10/Abr/11