Trump contra todo o resto
O abandono de Donald Trump da cimeira do G-7 sem que tivesse alterado nem uma
vírgula do seu proteccionismo indica desunião entre os principais
países capitalistas acerca da estratégia para ultrapassar a crise
dos mesmos. Trump decidiu que os EUA seguiriam seu próprio caminho,
ampliando o défice orçamental, não apenas dando
concessões fiscais às corporações, o que teria
pouco efeito no estímulo à procura, mas também pelo
aumento da despesa governamental o que teria este efeito
e, ao mesmo tempo, o de proteger o mercado interno.
Estas duas fibras da estratégia de Trump juntaram-se. Na realidade, na
ausência de proteccionismo, qualquer estímulo orçamental no
interior da economia estado-unidense, tal como uma maior despesa governamental
deliberada, extravasaria para fora do país com a criação
de maior procura por importações de bens de outros países,
caso em que os EUA estariam a gerar emprego não dentro de casa mas sim
no exterior e também
a incorrer em dívida para com aqueles mesmos países se assim
fizesse.
Mas um maior défice orçamental combinado com o proteccionismo
assegura que sejam criados empregos internos e não se incorra com isso
em dívida externa.
Trump pode permitir-se empreender esta estratégia devido à
posição dos EUA no mundo capitalista. Qualquer outro país
que prosseguisse uma tal estratégia de défice orçamental
ampliado juntamente com proteccionismo testemunharia um fluxo de saída
financeiro pois a "confiança do investidor" naquele
país seria minada. Mas os EUA estão numa posição
diferente: a sua divisa ainda é considerada "tão boa quanto
o ouro" apesar de não ser oficialmente tão ordenada (como
era sob o Sistema de Bretton Woods). E isto constitui, por uma variedade de
razões, a base principal das finanças, de onde, a menos que haja
fortes provocações, elas não gostariam de sair. Trump
está, assim, a explorar essa posição dos Estados Unidos
como o
Grande Senhor
do mundo capitalista, junto sem dúvida com algum aumento na taxa de
juros dos EUA, a fim de pressionar uma estratégia para a
revitalização só dos EUA,
sem sequer pensar na revitalização do mundo capitalista como um
todo.
O que há de errado com esta estratégia não é a
habitual afirmação destituída de fundamento de que "o
proteccionismo é mau", de que "o livre comércio
é bom", ou de que esta estratégia representa um
"nacionalismo" que é reaccionário pois oposto ao
"internacionalismo" que é progressista. O que está
errado com esta estratégia é que
"não funcionaria mesmo para os EUA (embora actualmente possa
parecer ter êxito), muito menos para o mundo capitalista como um todo.
Todo este discurso acerca de "nacionalismo" contra
"internacionalismo" é não só analiticamente
errado, porque estes termos não podem ser definidos sem referência
ao seu conteúdo de classe ("nacionalismo" por exemplo
não é uma categoria homogénea e o "nacionalismo"
de Ho Chi Minh é bastante diferente do de Hitler); ele é
também eticamente não fundamentado: se níveis mais altos
de emprego pudessem ser alcançados por toda a parte, juntamente com
níveis mais altos de despesas sociais, colocar cada país a seguir
uma estratégia "nacionalista", quando comparados a uma
situação onde tentam em vão prosseguir uma
estratégia "internacionalista", então contestar uma tal
estratégia "nacionalista" é claramente
indefensável.
Actualmente a estratégia de Trump, destaca muita gente, parece estar a
funcionar nos EUA. A taxa de desemprego está
oficialmente
baixa e em torno dos 4 por cento. Embora a taxa de participação
da força de trabalho continue a estar abaixo da que estava antes da
crise de 2008, de modo que, na suposição de uma taxa de
participação da força de trabalho inalterada, a taxa de
desemprego seria apenas superior a 6 por cento, esta mesma taxa, sugerem
alguns, representa um declínio em comparação com a de
alguns anos atrás. Ao mesmo tempo, embora Trump tenha utilizado o
défice orçamental para agradar os capitalistas através de
isenções fiscais, ele não tem, sugere-se, restringido
demasiado os gastos sociais. E ainda assim, apesar destas supostas
condições de boom, a taxa de inflação é
bastante baixa e o dólar continua a estar forte.
Vamos para argumentar assumir que todas estas afirmações acerca
do êxito da estratégia de Trump sejam verdadeiras, embora um
momento de reflexão mostre que todas elas não poderiam ser
verdadeiras em simultâneo. Por outras palavras, é
impossível haver uma coexistência, excepto apenas
transitória, das seguintes quatro características: uma baixa taxa
de desemprego; um grande défice orçamental; uma política
de proteccionismo e uma baixa taxa de inflação. As primeiras
três delas provocariam excesso de pressões da procura que fariam
subir a taxa de inflação, a qual não mais permaneceria
baixa. Mas ainda assim vamos assumir que todas as quatro características
fossem verdadeiras.
Mas todas estas características são apenas os resultados da
primeira fase da estratégia Trump. Outros países, aqueles
atingidos pelo proteccionismo dos EUA, não ficariam apenas passivos e a
aceitar o aumento do desemprego que a estratégia dos EUA de
avançar sozinho lhes exportaria. A breve trecho começariam a
tomar medidas compensatórias através da ampliação
dos seus próprios défices orçamentais, juntamente com o
proteccionismo necessário. No caso deles, no entanto, tais medidas
implicariam uma fuga das finanças, já que lhes falta o status de
Grande Senhor que os EUA desfrutam. Eles teriam, portanto, que aplicar
controles sobre os fluxos financeiros, ou seja, controles de
capitais; ou elevar suas taxas de juros a fim de estimular as
finanças a não os abandonarem.
Controles de capitais, contudo, atacariam as próprias raízes da
actual globalização. Vale a pena notar que mesmo Trump, com todas
as suas medidas proteccionistas contra as importações
de bens e serviços,
não aplicou restrições contra os fluxos financeiros
livres. Da mesma forma, os outros países capitalistas seriam avessos a
restringir fluxos de capitais através das suas fronteiras. Eles portanto
recorreriam a altas de taxas de juros para impedir quaisquer saídas
financeiras.
Estas altas nas taxas de juros anulariam numa certa medida seus esforços
para expandir para reduzir o aumento do desemprego devido ao proteccionismo dos
EUA
e também provocariam um aumento correspondente nas taxas de juro dos EUA.
O que neste momento parece ser uma "guerra comercial" iniciada por
Trump e está a ser discutida e ridicularizada como tal pelos seus
oponentes em breve assumiria a forma de altas
competitivas
nas taxas de juro, da qual a presente ascensão nas taxas de juro dos
EUA teria sido o primeiro sintoma. E tais altas para todos os países
capitalistas tomados em conjunto, incluindo os Estados Unidos, anulariam
quaisquer ganhos no emprego que um défice orçamental ampliado e o
proteccionismo pudessem ter causado.
O que a conjuntura actual mostra claramente é que
é impossível ultrapassar a crise capitalista sem impedir fluxos
financeiros globais, o que significa livrar-se da hegemonia da finança
globalizada.
A estratégia de Trump não pretende afastar esta hegemonia e
muito menos os outros países capitalistas estão desejosos de se
livrarem da mesma, eles iriam todos empenhar-se numa luta competitiva de altas
de taxas de juro as quais colectivamente não implicaria qualquer
melhoria na situação da economia capitalista mundial.
Só há dois caminhos lógicos possíveis para a
economia capitalista mundial poder sair da sua actual crise prolongada. Um
é através de um estímulo orçamental coordenado de
todos os países avançados, da espécie que Keynes e um
grupo de sindicalistas alemães sugeriu durante a Grande Depressão
da década de 1930. Isto naturalmente teria a oposição
categórica do capital financeiro internacional, o qual se opõe a
todo activismo
directo
do Estado que não passe por seu intermédio. Mas a unidade entre
os principais Estados-nação que pudesse, através da mesma,
actuar como um Estado mundial substituto, poderia concebivelmente ultrapassar
esta oposição. Mas ninguém no G-7 está sequer a
falar acerca desta estratégia, o que significa que ela não faz
parte da agenda do mundo capitalista. Qualquer tentativa de persegui-la, uma
vez que teria de superar a oposição do capital financeiro
internacional, o que o capitalismo é incapaz de fazer, teria
necessariamente de implicar uma transição para além do
capitalismo, ou seja, uma transcendência do capitalismo no próprio
processo de superação da sua crise.
O segundo caminho lógico é países particulares decidirem
avançar sozinhos, como Trump está a tentar fazer. Mas para isto
ter êxito, teriam de ser postos em prática controles de capitais
pois, de outro modo, a prevenção de saídas de capital como
uma consequência de tal avanço solitário (que
necessariamente exigiria activismo orçamental a que a finança
sempre se opõe) pressionaria o país, e seus rivais, para altas de
taxas de juro competitivas, as quais subvertem tanto individualmente
para países particulares como colectivamente para o mundo capitalista
como um todo as perspectivas de revitalização
económica.
O êxito aparente de Trump com a economia dos EUA se é que
há algum êxito, o que é duvidoso representa portanto
apenas a primeira etapa nesta luta competitiva. Este êxito está
destinado a ser eliminado quando os outros reagirem aos seus movimentos. Uma
vez que nem Trump nem os seus rivais estão sequer a pensar em quaisquer
restrições aos fluxos de capital, o que minaria a hegemonia do
capital financeiro internacional e por isso está descartado, a crise
estrutural do capitalismo está fadada a continuar apesar de todas as
aparências em contrário.
17/Junho/2018
[*]
Economista, indiano, ver
Wikipedia
O original encontra-se em
peoplesdemocracy.in/2018/0617_pd/trump-versus-rest
. Tradução de JF.
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
.
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