O PCP e a questão colonial
por J. M. Costa Feijão
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« (...) essa ( guerra ) não é a de todos.
Cá uns irão por desejo de honra,
outros com esperança de ganho
e os mais, que são peões e gente meúda
(...) irão arrenegando, forçados de vosso medo,
sem a limpeza e liberdade das vontades»
(palavras do Infante D. João ao rei D. Duarte
quanto à projectada passagem à África, na
década de 30 do sec. XV)
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Desde a sua fundação, o Partido Comunista Português assumiu
uma atitude clara no debate nacional da
«questão colonial»
, reivindicando um posicionamento de solidariedade fraterna e militante para
com as massas trabalhadoras colonizadas. E, nas suas bases orgânicas
aprovadas em 1921 consta, entre outras alíneas:
e) preparação e promoção da
emancipação completa dos povos indígenas das
colónias.
(Base 2.ª, Capítulo I - Partido Comunista Português - Seus
fundamentos e fins)
Fazendo desta linha um autêntico pau-de-fileira em matéria de
política colonial, a primeira Junta Nacional do PCP reuniu em 6 de Abril
de 1921, e analisando a situação em São Tomé e
Príncipe, lavrou
«um veemente protesto contra a repressão de que estavam a ser
vítimas os trabalhadores da colónia»
.
Este apontamento não regista um acto isolado, mas testemunha o
início duma praxis internacionalista de 80 anos. É, a
memorização de um facto, o primeiro, que liga de forma
indelével, os comunistas portugueses às vitimas da
exploração colonialista.
Passado um ano, em 31 de Maio 1922, o PCP difundiu na
comunicação, social a seguinte nota oficiosa:
«O Comité Executivo do PCP tomou conhecimento, na sua
reunião de ontem, de que um movimento de emancipação
indígena alastra na província de Angola, em virtude da
opressão e exploração violentas ali exercidas pela
ditadura imperialista de Norton de Matos tendo-lhe constado que, sob reserva, o
governo português se dispõe à repressão, preparando
uma expedição militar àquela colónia.
Nestes termos, o Partido Comunista, afirmando os altos princípios de
igualdade emancipação das raças e a sua consequente
oposição à escravatura negra, ainda hoje praticada pela
civilização burguesa, lança o seu mais veemente protesto
contra os negregados projectos ministeriais — e atendendo à gravidade do
assunto, resolve reunir amanhã, em sessão extraordinária,
à qual vão ser convidados a assistir representantes do Partido
Nacional Africano ».
E, dando continuidade à defesa dos seus princípios, em Novembro
de 1923, no Programa de Acção apresentado ao I Congresso
afirmava-se:
«O PCP dará todo o apoio às ligas,
associações, partidos, etc., que tenham por fim a defesa da
população das colónias portuguesas contra todas as
extorsões capitalistas e estatistas. Defenderá as
reivindicações de ordem política ou económica das
colónias, combatendo as formas ainda existentes de escravidão
mascarada.»
A denúncia do trabalho escravo em África, estava na ordem do dia.
E,
enquanto na Sociedade das Nações servia de pretexto a renovadas
manobras de partilha do continente africano pelo imperialismo, e a burguesia
nacional apelava à
«mobilização patriótica»
, em defesa dos seus interesses de classe e do património
ameaçado, o diário sindicalista
A Batalha
de 27 de Novembro de 1925, publicava
: «(...) pegar em armas para defender umas colónias que nunca nos
pertenceram não é, nem pode, nem deve ser connosco».
Volvidos cinco séculos, a advertência do infante D. João,
quanto à
«gente meúda»,
arregimentada para o assalto à África, emergia, em letra de
forma, na imprensa operária portuguesa.
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Na primeira fase de ascenso e afirmação do regime fascista
português, Salazar fez aprovar legislação, onde se admitia
expressamente o
«trabalho obrigatório»
dos negros, integrado no seu projecto político alicerçado na
Carta Orgânica do Império Colonial Português, e logo
contestada pela Federação das Juventudes Comunistas, em Novembro
de 1933:
«A juventude explorada dos campos e das oficinas opõe ao ideal
colonial o ideal anticolonial, oferecendo aos seus irmãos, que a
burguesia imperialista explora e esmaga, a sua fraternal aliança como
meio da sua libertação da metrópole e da burguesia local
(...). Por ideal colonial, portanto, a juventude das fábricas só
pode aceitar o que preconiza, e (...) faz parte do seu programa: Total
autodeterminação dos povos coloniais e a sua inteira
libertação do jugo da metrópole».
Tendo mergulhado na mais dura clandestinidade desde 1927, o PCP continuava a
perseverar, contra tudo e contra todos, na luta pela fraternidade entre os
povos, baseado no respeito pelas liberdades de cada um. E, a
reafirmação dessa atitude seria mais uma vez proclamada na
intervenção de Bento Gonçalves no VII Congresso da
Internacional Comunista, em 1935, quando no elenco de tarefas dos comunistas
portugueses inscreveu a:
«luta pela defesa dos interesses dos povos coloniais oprimidos pelo
imperialismo português, de ajudá-los a travar a luta até
à sua completa libertação».
* * *
No informe político ao III Congresso do PCP, reunido em Novembro de
1943, a aliança com os povos coloniais voltaria a constituir tema de
reflexão e debate dos delegados, tendo-se aí colocado, de forma
inequívoca, a convergência de interesses das massas trabalhadoras
portuguesas e das colónias na derrota do regime fascista
: «A frente de luta anti-imperialista do povo português e dos povos
das colónias, é somente possível se o proletariado
português apoiar efectivamente os movimentos nacionais e de
resistência contra a exploração e violência das
colónias portuguesas, contra a burguesia imperialista portuguesa. O
movimento emancipador dos povos coloniais está ligado à
aliança fraternal do povo oprimido de Portugal com os povos escravizados
das colónias, a aliança fraternal do proletariado português
com as massas camponesas indígenas».
Prosseguindo o combate à mitologia gerada e nutrida com a
sistemática ocultação da realidade colonial portuguesa
pela classe dominante, o PCP denunciou a
«missão civilizadora»
do regime fascista e inventariou a perversidade dos processos repressivos e de
exploração, no informe político presente ao IV Congresso,
em Junho de 1946:
«não é mantendo os povos coloniais em regime de escravatura
benéfica a negreiros, não é mantendo as levas de escravos
de colónia para colónia, condenando-os à morte pela
natureza do trabalho, do clima e dos tratos que lhes são impostos,
não é saqueando os pequenos agricultores indígenas,
não é dando largas aos castigos corporais e desrespeito pela vida
dos negros, não é hostilizando costumes e religiões,
não é fomentando ideias de ódio racial não
é com uma tal política que se promove o desenvolvimento das
colónias».
O início da derrocada dos impérios coloniais pós 1945, veio
corroborar a linha e acção política do PCP. E, no
espaço colonial português, cedo se manifestaram sinais de
mudança, na falsa quietude da
«paz salazarista»
que o regime fascista procurava inculcar na consciência colectiva.
Tornando-se o caso da Índia, uma questão central do colonialismo
português na década de 50, desde a violenta rusga ao bairro dos
pescadores de Mormugão na noite de Natal de 1950, até à
invasão e integração dos territórios de Goa,
Damão e Diu na República da Índia, em 18 de Dezembro de
1961.
Em vão, os comunistas portugueses fizeram sucessivos apelos para que o
caso de Goa fosse resolvido, pacificamente, por meio da
negociação e, cônscios de que a luta armada de
libertação nacional dos povos africanos submetidos ao
colonialismo português se prefigurava no horizonte, em Setembro de 1957,
aprovaram a declaração seguinte:
«O V Congresso do PCP considera que estão hoje criadas as
condições necessárias para que os povos das
colónias de África dominados por Portugal conquistem a sua
liberdade e independência, independentemente das
modificações que se possam operar na situação
política de Portugal.
O Congresso considera que a ajuda que o Partido e o povo português
prestarem ao movimento libertador dos povos coloniais traduzir-se-á
objectivamente numa ajuda à luta da classe operária e ao povo de
Portugal pela sua própria libertação.»
Mas, o regime mantinha-se indiferente às profundas
transformações que se operavam no Mundo. Apenas, numa mera
operação de cosmética (1951), introduziu uma emenda
à Constituição de 1933, onde a denominação
«províncias ultramarinas»
substituiu a de
«colónias»,
e prosseguiu: silenciando com a chibata e valas comuns os protestos da
população de São Tomé e Princípe (1953);
ignorando o significado da Conferência de Bandung (1955); persistindo na
repressão colonial, prendendo e deportando 49 timorenses para Angola;
massacrando a tiro 26 estivadores grevistas do porto do Pidjiguiti, em Bissau;
encarcerando 50 patriotas angolanos (1959); e metralhando o protesto das massas
populares do Icolo e Bengo, em Angola, ou de Mueda, em Moçambique (1960).
Contra este quadro de bestialidade repressiva do colonialismo, o PCP foi a
única voz que se fez ouvir, num comunicado da Comissão
Política, em Novembro de 1960, que salientava a inevitabilidade
histórica da abolição a curto prazo do regime colonial, e
denunciava a tragédia iminente:
«O Partido Comunista Português alerta o povo português contra
os perigos duma guerra colonial, que o governo de Salazar prepara febrilmente,
no único interesse dos grandes colonialistas e chama o povo
português, em especial a juventude e as forças democráticas
à luta contra a mobilização encapotada, pelo regresso das
tropas que se encontram nas colónias e contra todos os preparativos de
guerras coloniais»
.
Quando, em 1961, a guerra de libertação nacional eclodiu, foi de
novo a
«gente meúda»
arrebanhada pela mobilização militar que, em sucessivas vagas
expedicionárias rumou à África, para defender os
interesses do imperialismo monopolista, e sufocar pelas armas o grito de
independência dos povos colonizados.
Nos anos que se seguiram, o PCP liderou de forma inquestionável, o
protesto do movimento popular de massas contra a guerra colonial. A sua
imprensa clandestina denunciou as atrocidades de que eram alvo os povos de
Angola, da Guiné e Moçambique; contrariou as campanhas de
desinformação e a manipulação das
consciências orquestradas pelo regime fascista; assegurou a fuga da
cadeia e o regresso à África de Agostinho Neto; possibilitou aos
dirigentes dos movimentos de libertação a difusão de
mensagens ao povo português, em entrevistas realizadas e transmitidas
pela Rádio Portugal Livre e, já nos anos 70, as sabotagens da ARA
desferiram rudes golpes na logística e no equipamento militar.
A solidariedade internacionalista do PCP objectivava-se na prática, e o
Programa para a
«revolução democrática e nacional»
, aprovado no VI Congresso (1965), já integrara entre os oito objectivos
fundamentais:
«Reconhecer e assegurar aos povos das colónias portuguesas o
direito à
imediata
independência».
Quando a descolonização foi anunciada como um dos objectivos do
Programa do MFA, no 25 de Abril de 1974, Portugal assumiu a lógica da
História. A derrocada do regime fascista consumara-se e com ele
extinguia-se o colonialismo português.
Não foi o acaso que determinou a presença oficial do PCP como
única formação política portuguesa presente em
todas as cerimónias de reconhecimento ou proclamação da
independência e soberania dos novos Estados africanos.
Contudo, o ciclo do colonialismo português não fora encerrado. A
trama imperialista iria retardar durante longos anos a libertação
do povo de Timor-Leste e, enquanto algumas destacadas figuras políticas
nacionais afirmavam em 1974:
Timor é uma ilha indonésia que tem muito pouco a ver com
Portugal
ou
a independência total é de um irrealismo atroz
, em 11 de Dezembro de 1975 o
Avante!
denunciava a agressão e ingerência da Indonésia:
«O nosso Partido, a classe operária e todos os trabalhadores
portugueses exigem que sejam respeitados os princípios de
autodeterminação e independência que devem presidir
à descolonização»
.
Passaram-se vinte e quatro anos de apoio activo e solidário dos
comunistas portugueses à luta de resistência do povo timorense,
até este ser ouvido na escolha do seu caminho,
a Independência!
Firme nos princípios e coerente nas acções, o PCP cumpriu
o objectivo enunciado há 81 anos:
«emancipação completa dos povos indígenas das
colónias»
[*]
Historiador.
Este artigo encontra-se em
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