FDLP toma posição diante da nova conjuntura
Entrevista do secretário-geral da Frente Democrática para a Libertação da
Palestina, Nayef Hawatmeh, ao sítio web Arabs 48
O governo de Abu Mazen está sujeito a cair diante da primeira prova
política e de segurança que apresente o plano do 'Mapa da
Estrada' .
Arabs 48:
Ultimamente a Síria é alvo de uma campanha de ameaças por
parte dos EUA que pode chegar ao extremo de uma agressão militar. O que
comenta acerca disso, sendo um movimento palestino com base em território
sírio?
Nayef Hawatmeh: A FDLP é uma força importante nas fileiras do
povo palestino, tanto nos territórios ocupados como nos países de
desterro, e a Síria é um dos países de refúgio. As
pressões norteamericanas-sionistas que se exercem contra o governo
sírio pretendem por termo a todas as formas de apoio que Damasco concede
à resistência árabe contra a ocupação
israelense na Palestina e no Líbano. Tais pressões não se
baseiam em qualquer fundamento legal ou moral. A tentativa de acusar de
"terroristas" as forças palestinas que põem em
prática o seu legítimo direito de resistir à
ocupação israelense dos territórios palestinos, ou
libaneses sob ocupação, é uma tentativa ridícula de
"escamotear a verdade".
Quem pratica o terrorismo real é o exército sionista, o qual
exerce o terrorismo organizado de Estado e comete diariamente massacres
horríveis contra o indefeso povo palestino, sem ter em conta, em suas
contínuas práticas repressivas, leis e acordos internacionais.
O ilimitado apoio norte-americano a Israel fez com que este Estado se
considerasse acima da lei. Os norte-americanos estão absorvidos na
organização do seu status colonial no Iraque e temem que o
êxito militar alcançado com o desmoronamento do regime iraquiano e
a ocupação militar de todo o território do país se
converta num fracasso político.
Esta possibilidade pode verificar-se devido à complexidade da
situação iraquiana a médio prazo, onde pode estalar uma
ampla
resistência popular à presença norte-americana. Já
há indícios desta resistência. Exemplo: a forma selvagem
como foram reprimidas as manifestações contra a
ocupação na zona de Falludja e, anteriormente, em Mosul e Bagdad.
Temem que a Síria estimule e apoie as forças iraquianas de
resistência à ocupação norte-americana por isso
pedem a Damasco o encerramento da suas fronteiras com o Iraque. A Síria
pode travar a política norte-americana (do dominó) que principiou
no Iraque utilizando a sua ampla rede de relações
diplomáticas e árabes e pode, também, fazer frente
às manobras de Sharon destinadas a aproveitar a actual conjuntura para
empurrar Washington a um enfrentamento com a Síria.
A Síria sempre mostrou disposição para dialogar de forma
construtiva com os EUA. Na nossa opinião, as últimas
declarações de Collin Powell após a sua visita a Damasco e
as suas conversações com os dirigentes sírios reflectem
certo retrocesso no tom do discurso norte-americano em relação
à Síria, no que se refere às ameaças, e em troca
nota-se flexibilidade no discurso político sírio.
Isto é por si mesmo um êxito da diplomacia de Damasco e pode
servir de base para acontecimentos futuros. O que é necessário e
indispensável neste contexto é fortalecer a posição
síria mediante uma verdadeira e efectiva solidariedade árabe. O
que aconteceu no Iraque não teria acontecido se não se houvesse
concedido terras, águas e portos árabes à forças
agressoras, se não houvesse a ausência do mais mínimo
nível de solidariedade árabe.
A48:
Um dos pontos apresentados pelos EUA nas suas críticas à
Síria é o apoio que este país concede aos destacamentos
palestinos de luta. Esperam, porventura, mudança na
posição síria em relação a vós em
consequência das pressões norte-americanas, sobretudo depois de a
Síria ter reflectido uma certa flexibilidade em relação
à causa palestina?
NH: A posição Síria em relação à
causa palestina está baseada numa série de constantes. Se a
pergunta pretende assinalar "certa flexibilidade" na
posição síria que possa ser interpretada como abandono ao
apoio à causa palestina, isto até o momento não é
certo.
Os sírios declararam em todas as ocasiões que a
solução do conflito na frente palestina deve ter como base uma
solução global equilibrada que garanta os direitos do povo
palestino à independência, à soberania e a
Jerusalém, e que proporcione uma solução para problema dos
refugiados com base na Resolução Internacional 194. Isto
coincide plenamente com nossa visão política da
solução. Assim entendemos a declaração do
presidente sírio Assad, "admitimos o que admitem os
palestino", com a condição de que os sírios entendam
que os palestinos não são apenas Arafat e Abu Mazen e aqueles que
os apoiam e sim o nosso povo com todas as suas forças vivas que
não admitem nenhuma solução que reduza os seus direitos
nacionais.
A Síria suportou e ainda suporta o encargo de hospedar 400 mil
refugiados palestinos, dos cerca de 4 milhões dispersos entre a
Síria, o Líbano, a Jordânia e o Egipto, cujo lugar natural
é constituído pelos territórios palestinos ocupados, de
onde foram expulsos e expropriados. Israel até ao momento
rechaça todas as resoluções internacionais que advogam a
sua repatriação e a devolução dos seus bens.
Israel sabem muito bem que foram estes os que levantaram a OLP e a
revolução actual, foram estes que assumiram a resistência e
a confrontação durante 40 anos, desde a primeira faísca da
luta armada em 1964. Por isso pretende arrebatar-lhes as armas de apoio
material e moral, nacional e internacional, até que renunciem de todo
à luta pela autodeterminação, pelo estabelecimento do
estado independente da Palestina, cuja capital é Jerusalém, bem
como pelo direito ao retorno.
A presença das organizações palestinas na Síria
restringe-se às concentrações de refugiados palestinos.
Com base na nossa experiência podemos afirmar que os destacamentos
palestinos, nacionais e democráticos, conseguiram, ao longo de todos
estes anos, adaptar-se a todas as condições surgidas. Assim,
tratarão todas as novidades de acordo com o costume, ou seja, pondo como
primeiro e último objectivo a libertação da terra e o
estabelecimento do Estado palestino.
São objectivos irrenunciáveis, por muito grandes que sejam as
pressões exercidas. Dizemos sinceramente, suportámos e ainda
suportamos muitas guerras e pressões árabes e um exemplo disso
é que todos os países árabes próximos à
Palestina fecharam suas fronteiras à resistência na profundidade
dos territórios ocupados.
A48:
A Síria apelou recentemente a Israel para prosseguir as
negociações numa iniciativa inesperada do presidente Assad. Na
sua opinião, por acaso se trata de uma manobra síria de
retrocesso, até que passe a tempestade norte-americana? Qual, na sua
opinião, será o futuro desta iniciativa?
NH: O apelo sírio a prosseguir as negociações não
representa nenhum passo inesperado, tão pouco uma viragem na
política síria declarada, uma vez que a direcção
síria, e desde que iniciou o processo negociador no tempo do extinto
presidente Hafez Al-Assad, advogou a realização de
negociações com base na resoluções da legalidade
internacional 242 e 338 de maneira que se garanta a retirada total de Israel
das alturas ocupadas do Golan até as fronteiras de 4 de Junho de 1967 em
troca da paz com Israel.
Eles pedem que prossigam as negociações a partir do ponto
alcançado com o governo Yitaz Rabin, que se comprometeu diante de
Washington com aquilo que se conhece como a herança de Rabin, ou seja, a
disposição de Israel de retirar-se das alturas do Golan,
compromisso que foi violado pelo governo de Natanyahuy, e mais tarde pelos
governos de Barak e Sharon.
Sharon pretende negociar pontos em que já há acordos feitos, e
é isso que recusam os sírios. Se é certo que a
ocupação anglo-norteamericana do Iraque criou uma nova
situação onde o equilíbrio das forças inclina-se
amplamente em favor de Israel, não é menos certo que não
ficam assim anuladas as possibilidades de resistência às manobras
israelenses apoiadas pelos EUA para impor uma solução que
despreza os direitos árabes. Até o momento, os israelenses
não mostram disposição alguma para realizar
negociações sérias que respondam favoravelmente às
legítimas exigências sírias, de recuperar seus
territórios ocupados em virtude das resoluções 242 e 338 e
do princípio "a terra em troca da paz". Por isso, o destino
desta iniciativa depende basicamente da seriedade do lado israelense.
Portanto, a direcção síria reclamou nas suas
conversações com Collin Powell (03/Mai/2003) que Washington e o
Quarteto Internacional apliquem um "mapa da estrada" nas frentes
síria-israelense e libanesa-israelense. O mesmo colocou o Líbano
nas suas conversações com Powell.
A48:
O governo de Abu Mazen obteve o voto de confiança dos parlamentares
palestinos. Como avalia este novo passo palestino?
NH: Lamentavelmente, mais uma vez o Conselho Legislativo Palestino volta-se
contra si mesmo ao aprovar um governo que inclui cinco ministros
crónicos acusados de corrupção pelo mesmo Conselho. O
governo de Abu Mazen é um governo de uma só cor e sua crise no
modo e na base da sua constituição. O Conselho Legislativo teve
de avaliar este governo de acordo com um programa político de reformas,
mas lamentavelmente triunfaram mais uma vez as tendências
sectárias (do Al-Fatah) em detrimento dos supremos interesses do povo
palestino. O governo de Abu Mazen teria uma só saída para a
situação: voltar a um amplo diálogo nacional que dê
lugar a acordos em torno de denominadores nacionais comuns, acompanhado por um
programa de reformas radicais dos órgãos do poder e das
instituições da OLP, cujo cimento será uma nova lei
eleitoral na base do princípio da representatividade percentual.
Neste contextos, deve-se considerar Gaza, Cisjordania e Jerusalém como
uma só unidade de circunscrição eleitoral e tratar de
estabelecer um sistema parlamentar democrático que permita a
realização de novas eleições para o conselho
Legislativo Palestino que, por sua vez, nomeio um governo de coalizão
nacional em cujo seio estarão representadas todas as forças
palestinas activas e principais. Sem isto o governo de Abu Mazen estará
sujeito a cair diante da primeira prova política e de segurança
que possa enfrentar o plano chamado "mapa da estrada" apresentado
pelo Quarteto Internacional ao governo de Abu Mazen (01/Mai/2003).
A48:
Abu Mazen comprometeu-se a controlar o que chamou "armas ilegais" num
passo destinado a desarmar os movimentos palestinos de resistência. Qual
é a sua posição a respeito?
NH: As armas palestinas utilizadas na resistência ao ocupante são
armas legais. A resistência é um direito legítimo de todos
os povos sob a ocupação, o qual foi avalizado pelos
princípios da Nações Unidas e pelos demais acordos
internacionais. A partir daí advertimos o governo de Abu Mazen quanto a
qualquer medida quanto a isso uma vez que esta é uma das linhas
vermelhas a nível palestino.
De qualquer forma, acreditamos que Abu Mazen tratará este assunto com
muita cautela. Ele sabe bem que um passo assim pode desencadear luta sangrenta
e uma aguda divisão nas fileiras palestinas, no momento em que os
tanques israelenses ameaçam todas as nossas casas em toda a área
do território ocupado. Interessa-me reiterar neste contexto que devemos
limitar as acções armadas de resistência aos
territórios palestinos ocupados em 1967 e concentrá-la contra as
forças de ocupação, milícias e colonos e não
afectar os civis em ambos os lados da confrontação.
Estes territórios são reconhecidos como ocupados inclusive pelos
EUA, aliado e suporte principal de Israel. Desse modo, cai das mãos de
Sharon a carta de acusar de terrorismo a resistência patriótica e
o pretexto de agressões contra os civis que utiliza para justificar seus
crimes selvagens contra o indefeso povo palestino nos acampamentos, cidades e
aldeias sob a ocupação. Os exemplos são diários,
desde Rafah e Jerusalém a Jenin, o martírio e a lenda.
A48:
Na sua opinião, a posição de Abu Mazen como primeiro
ministro levará à marginalização política de
Abu Ammar (Yasser Arafat)?
NH: As divergências entre Abu Ammar e Abu Mazen não são
quanto a questões de princípio ou de carácter
político e sim quanto à formação de lealdades. Por
isso foi dada uma solução salomonica ao formar-se um governo com
a metade (entre ambos) de elementos, do Al-Fatah, que foram provados em
ministérios anteriores, o que é totalmente condenado pelo nosso
povo.
As reformas constitucionais que deram lugar ao cargo de primeiro ministro e a
um Conselho de Ministros ao qual deram importância vital significam um
passo adiante no caminho das reformas democráticas dos
órgãos de poder concentrados em mãos do grupo do
irmão Abu Ammar, e num sistema absolutista totalitário baseado
nos acordos de Oslo e sua lei eleitoral central no sistema político
palestino. Esperamos continuar esse processo. Estas reformas limitaram os
poderes absolutos dos acordos de Oslo concentrados nas mãos do
presidente da ANP, sobretudo no que se refere às decisões de
carácter político, financeiro e de segurança.
Na nossa opinião, todas as forças e direcções
palestinas são chamadas hoje mais do que nunca a deixar de lado os
interesses sectários e pessoais a fim de preservar os supremos
interesses do povo palestino, já que a política de divisão
de círculos de interesse, a compra de lealdades e simpatizantes, causou
enormes danos aos interesses do nosso povo. Convido os irmãos Yasser
Arafat e Abu Mazen e todas as nossas forças nacionais e
democráticas a retornar à mesa de negociações como
um primeiro passo para a reconstrução nacional mediante novas
eleições e nova lei eleitoral baseada no princípio da
representação relativa de todos os organismos do poder palestino
e da OLP.
A48:
Quais são os efeitos da ocupação norte-americana de Bagdad
sobre a causa palestina?
NH: Esta ocupação trouxe consequências
catastróficas para o mundo e em particular para a nossa região
árabe. Por não ser enfrentada e eliminada a
ocupação anglo-norteamericana do Iraque causou um grave
desequilíbrio na correlação de forças em favor de
Israel. O Estado sionista, contando com o ilimitado apoio dos EUA, trata de
aproveitar para prosseguir os planos de esmagar a Intifada e agravar a sua
sanha contra o povo palestino, tal como anunciou Sharon no programa eleitoral,
do mesmo modo como aproveitou a chamada guerra contra o terrorismo executada
por Washington após os acontecimentos do 11 de Setembro.
Deste modo podemos entender as objecções israelenses ao plano do
"mapa da estrada", as quais representam na sua essência
condições israelenses para confiscar as armas da
resistência e anular, como condição prévia ao
direito ao retorno, sem mostrar nenhuma disposição para efectuar
concessões essenciais que comprometam Israel na aplicação
das resoluções da legalidade internacional.
Nosso povo não se renderá diante da política de Sharon e
enfrentará todo projecto que despreze seu direito ao estabelecimento do
seu Estado independente sobre a totalidade do território nacional
palestino, ocupado durante a agressão de 1967, incluindo
Jerusalém. Também defenderá seus direitos à
autodeterminação e ao retorno dos refugiados aos seus lares
conforme a Resolução 194 da ONU. Sem isso não
haverá solução alguma.
Graças aos sacrifícios, à unidade e à luta tenaz,
nosso povo pôde vencer numerosas etapas destrutivas e críticas da
sua causa nacional.
Conseguimos manter-nos firmes graças ao sangue dos nossos
mártires e ao sacrifícios dos nossos combatentes. Assim
será e estamos seguros de que a vitória será
alcançada pelo nosso povo incansável e combatente.
O original (em árabe) desta entrevista encontra-se em
http://www.arabs48.com/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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