As profundas ligações das grandes empresas tecnológicas com o genocídio em Gaza

Bappa Sinha [*]

Destruição de edifício civil por ataque aéreo israelense.

As revelações mais recentes sobre os laços profundos da Microsoft com a máquina de guerra de Israel mais uma vez expuseram o papel central das grandes empresas de tecnologia dos EUA em possibilitar o genocídio em Gaza. Uma investigação conjunta de The Guardian, da +972 Magazine e do veículo de comunicação em hebraico Local Call revelou como o corpo de inteligência da Unidade 8200 israelense tem armazenado e processado gravações de áudio de todas as chamadas telefónicas palestinas na plataforma de nuvem Azure da Microsoft. De acordo com a reportagem, essa parceria deu às forças armadas israelenses capacidades de vigilância sem precedentes, transformando as comunicações privadas de milhões de palestinos em matéria-prima para a ocupação e a guerra. Israel percebeu que seus próprios servidores não tinham o poder de computação ou o espaço de armazenamento necessários e então recorreu à Microsoft.

Esta não é a primeira vez que a cumplicidade da Microsoft com as forças armadas israelenses vem à tona. Uma investigação da +972 Magazine em janeiro de 2025 revelou laços institucionais profundos entre a Microsoft e o exército israelense, incluindo a colaboração entre a Azure e a OpenAI em projetos que apoiam diretamente operações militares. A Microsoft, assim como suas congéneres da Big Tech, integrou-se totalmente ao aparato de ocupação, repressão e assassinatos em massa de Israel. Entre as unidades do exército israelense que se revelaram dependentes do Azure estão a Unidade Ofek da Força Aérea, que gere grandes bases de dados de alvos potenciais de locais e indivíduos para ataques aéreos letais; a Unidade Matspen, que projeta sistemas operacionais e de apoio ao combate; a Unidade Sapir, responsável pela espinha dorsal das TIC da Inteligência Militar; e até mesmo o Corpo de Advogados Gerais Militares, que supervisiona tanto a acusação de palestinianos como os raros casos disciplinares contra soldados nos territórios ocupados. Mas a Microsoft não está sozinha na integração no genocídio de Gaza por Israel. A Google, a Amazon e a Palantir estão todas a lucrar com o genocídio, incorporando-se na máquina de guerra de Israel enquanto projetam uma imagem de inovação e progresso para o mundo. Juntas, elas formam a espinha dorsal digital do complexo militar-industrial dos EUA e do seu projeto imperialista, do qual o ataque de 21 meses de Israel a Gaza é uma frente central.

Microsoft: Parceira na nuvem da vigilância e ocupação

As revelações sobre o Azure são particularmente assustadoras. Durante décadas, a Unidade 8200 de Israel interceptou comunicações palestinas como parte da sua estratégia de ocupação. O que é novo é a enorme escala industrial desta operação de vigilância. Ao terceirizar o armazenamento e processamento de dados para a Microsoft, Israel conseguiu construir uma rede de vigilância baseada na nuvem — um arquivo da vida palestina — e usá-la como arma contra o povo de Gaza.

A integração do Azure com a Unidade 8200 mostra como a Microsoft não é um provedor de serviços neutro, mas um parceiro direto na ocupação e no genocídio em Gaza. Longe de apenas alugar servidores, ela co-desenvolve tecnologias com instituições israelenses, investe em startups locais de vigilância e administra laboratórios de pesquisa no país. A empresa tornou-se indispensável para a máquina de controle colonial de Israel.

Google e Amazon: Projeto Nimbus

O Google e a Amazon, para não ficarem para trás, assinaram o Projeto Nimbus, um contrato de US$ 1,2 mil milhão com o Estado e as forças armadas israelenses. O Nimbus fornece infraestrutura avançada em nuvem e ferramentas de IA, incluindo reconhecimento facial, análise de sentimentos e policiamento preditivo. Essas não são capacidades abstratas — são as mesmas tecnologias usadas para vigiar palestinos, gerar bancos de dados de “suspeitos em Jerusalém Oriental” e permitir a produção algorítmica de listas de alvos a serem mortos em Gaza.

Longe de ser um projeto interno israelense, o Nimbus é alimentado pela expertise e pelo capital de empresas americanas. Funcionários de ambas as empresas denunciaram o projeto, alertando que seu trabalho está alimentando o apartheid e o genocídio. Greves, petições e dissidências internas foram recebidas com demissões e intimidações. No entanto, o Google e a Amazon continuam a se gabar de seu compromisso com Israel. Os lucros e as lealdades imperiais superam quaisquer considerações morais.

Palantir: o traficante de armas de dados

Se a Microsoft, o Google e a Amazon fornecem a infraestrutura, a Palantir fornece o motor analítico. Nascida de financiamento inicial da CIA, a Palantir ganhou fama ao transformar vastos dados de vigilância em inteligência militar acionável. As suas plataformas fundem registos telefónicos, imagens de drones e atividade nas redes sociais num sistema de segmentação perfeito.

A empresa tem promovido agressivamente os seus serviços ao exército israelense, gabando-se do seu papel em ajudar os aliados ocidentais a «ganhar guerras». Em Gaza, tais sistemas aceleram a cadeia de mortes — transformando vigilância bruta em coordenadas de bombardeios com eficiência assustadora. A Palantir prospera com a guerra; cada nova atrocidade se torna uma oportunidade de marketing para suas ferramentas.

Listas de morte da IA e a automação do genocídio

No centro do ataque de Israel está a industrialização da morte por meio da inteligência artificial. Investigações da +972 Magazine revelaram como o sistema de IA do exército israelense, “Lavender”, gera listas de morte automatizadas, sinalizando dezenas de milhares de palestinos como suspeitos de militância. A supervisão humana é mínima; as decisões da máquina são traduzidas em bombardeamentos com baixas civis catastróficas.

Detalhámos num artigo anterior da People’s Democracy como essas listas de morte sustentam a campanha de extermínio de Israel. Mas a tecnologia para o genocídio continua a evoluir. Novas ferramentas de IA, modeladas em plataformas generativas como o ChatGPT, estão a ser desenvolvidas pela inteligência israelense para acelerar a vigilância, a incriminação e a prisão. Estas não são experiências isoladas limitadas ao genocídio em Gaza — elas são o futuro da guerra automatizada e do genocídio, co-desenvolvidas e alimentadas pela Big Tech dos EUA. Isso nos lembra como gigantes químicos da Alemanha nazista, como a I.G Farben, que desenvolveu e produziu os gases venenosos usados para matar judeus, comunistas e outros “indesejáveis” em vários campos de concentração. Após a guerra, a IG Farben foi dividida em suas empresas sucessoras, incluindo a BASF e a Bayer.

Israel como laboratório para o império

O que une esses fios é o papel de Israel como laboratório para o imperialismo dos EUA. Todas as ferramentas de ocupação testadas nos palestinos tornam-se uma exportação global. O software de policiamento preditivo ou vigilância pioneiro na Cisjordânia é vendido aos departamentos de polícia americanos. Os postos de controlo biométricos testados em Jerusalém Oriental aparecem na fronteira entre os EUA e o México. A vigilância por IA testada em Gaza é comercializada para regimes autoritários em todo o mundo.

Para as grandes empresas de tecnologia, Israel é um cliente lucrativo e um campo de testes. Ao integrarem-se na máquina militar de Israel, a Microsoft, a Google, a Amazon e a Palantir desenvolvem em conjunto tecnologias de repressão que podem ser ampliadas e vendidas em todo o mundo. A destruição de Gaza torna-se não apenas um projeto geopolítico, mas também um modelo de negócios para vigilância, guerra e genocídio.

O aviso da relatora da ONU

A relatora especial das Nações Unidas para os territórios palestinos, Francesca Albanese, já deu o alarme. No seu relatório ao Conselho de Direitos Humanos, ela documentou o profundo envolvimento das grandes empresas de tecnologia dos EUA no ataque de 21 meses de Israel a Gaza, enfatizando como essas empresas possibilitam crimes de guerra ao fornecer infraestrutura e serviços essenciais.

As suas conclusões destacam uma verdade simples: as grandes empresas de tecnologia não são meras espectadoras. Elas são participantes voluntárias no genocídio de Gaza e fazem parte da guerra imperialista.

As grandes empresas de tecnologia e o complexo militar-industrial dos EUA

Nada disso deve ser surpresa. As maiores empresas de tecnologia do mundo também são as contratadas mais valiosas do Pentágono e da NSA. A Amazon Web Services hospeda os dados da CIA; a Microsoft Azure alimenta as redes de defesa dos EUA; o Google colabora em projetos de IA para as forças armadas; a Palantir nasceu como uma ferramenta para agências de inteligência.

A fusão das grandes empresas de tecnologia e do complexo militar-industrial-de vigilância está completa. Israel é uma linha de frente desse projeto, mas ele tem alcance global. De Gaza à Ucrânia, de Bagdade a San Diego, as mesmas empresas lucram com vigilância, perseguição e repressão.

Resistência e o caminho a seguir

Há resistência. Os trabalhadores do Google e da Amazon continuam a se manifestar. Estudantes em campi de todo o mundo estão exigindo que as universidades cortem laços com os especuladores da guerra. Grupos de direitos humanos estão a documentar e a expor a cumplicidade das empresas. No próprio palestino, a resiliência do povo contra adversidades esmagadoras atesta o espírito que nenhum algoritmo pode apagar.

Mas a resistência deve se expandir. Assim como os movimentos outrora visaram os fabricantes de armas que armavam a África do Sul do apartheid, também devemos agora confrontar os traficantes de armas digitais de hoje. Microsoft, Google, Amazon e Palantir não são meras empresas de tecnologia: são fabricantes de armas da era digital, produzindo a infraestrutura do genocídio.

05/Outubro/2025

[*] Analista.

O original encontra-se em peoplesdemocracy.in/2025/1005_pd/big-tech’s-deep-links-genocide-gaza

Este artigo encontra-se em resistir.info

07/Out/25

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