A paranóia quanto às novas Rotas da Seda prosseguirá com
Biden
por Pepe Escobar
Nada de fundamental mudará sob a administração Biden,
permanecendo como prioridade a guerra híbrida contra a China.
Sete anos após o seu lançamento pelo presidente Xi Jinping,
primeiro em Astana depois em Jacarta, as Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa
Cintura e Estrada (BRI), tornam a oligarquia plutocrática dos EUA cada
vez mais demente.
A implacável paranóia a propósito da
"ameaça" chinesa tem muito a ver com a via de saída
oferecida por Pequim a um Sul Global constantemente endividado pela
exploração do FMI/Banco Mundial.
No antigo regime, as elites político-militares eram constantemente
corrompidas em troca de um acesso ilimitado das empresas aos recursos do seu
país, associado a programas de privatização e de
austeridade pura e simples ("ajustamento estrutural").
Isso durou décadas, até que o BRI tornou-se o novo jogo em termos
de construção de infraestruturas oferecendo uma
alternativa à marca imperial.
O modelo chinês permite toda espécie de impostos paralelos,
vendas, locações, alugueres, arrendamentos e lucros. Isto
significa fontes adicionais de receitas para os governos anfitriões, com
um corolário importante: a ausência dos ditames neoliberais puros
e duros do FMI e do Banco Mundial. Isto está no cerne da célebre
situação "vence-vence" da China.
Além disso, a orientação estratégica global do BRI
sobre o desenvolvimento das infraestruturas, não só na
Eurásia mas também na África, constitui uma grande
mudança no jogo geopolítico. O BRI posiciona vastos segmentos do
Sul Global para tornarem-se independentes da armadilha da dívida imposta
pelo Ocidente. Para numerosas nações, trata-se de uma
questão de interesse nacional. Neste sentido, o BRI deve ser considerado
como o derradeiro mecanismo pós-colonial.
O BRI é de facto de uma simplicidade à Sun Tzu aplicada à
geoeconomia. Jamais interromper o inimigo quando ele comete um erro
neste caso, sujeitar o Sul Global a uma dívida perpétua. Depois
utilizar suas próprias armas neste caso uma "ajuda"
financeira para desestabilizar sua proeminência.
Tomar a estrada com os mongóis
Nada disto, com certeza, se destina a fazer serenata ao vulcão
paranóico, que continuará a cuspir um dilúvio de alertas
vermelhos 24 horas por dia, 7 dias por semana, ridicularizando o BRI como sendo
"mal definido, mal gerido e visivelmente falho".
"Visivelmente", é claro, apenas para os excepcionalistas.
Como era de esperar, o vulcão paranóico alimenta-se de uma
mistura tóxica de arrogância e ignorância grosseira da
história e cultura chinesas.
Xue Li, director do Departamento de Estratégia Internacional do
Instituto de Economia e Política Mundial da Academia Chinesa de
Ciências Sociais, mostrou como "depois de a iniciativa Cintura e
Estrada ter sido proposta em 2013, a diplomacia chinesa mudou, passando de um
baixo perfil a uma atitude mais proactiva nos assuntos mundial. Mas a
política de "parceria ao invés de aliança"
não mudou e é pouco provável que mude no futuro. O facto
é que o sistema de diplomacia de aliança preferido pelos
países ocidentais é a opção de alguns países
do mundo e que a maior parte dos países opta por uma diplomacia
não alinhada. Além disso, a grande maioria deles são
países em desenvolvimento da Ásia, África e América
Latina.
Os atlantistas estão desesperados pois o "sistema de diplomacia de
aliança" está em declínio. A esmagadora maioria do
Sul Global está em vias de se reconfigurar num Movimento dos
Não-Alinhados (MNA) novamente dinamizado como se Pequim houvesse
encontrado um meio de fazer reviver o espírito de Bandung de 1955.
Os universitários chineses gostam de citar um manual imperial do
século XIII, segundo o qual as mudanças de política devem
ser "benéficas para o povo". Se elas não beneficiam
senão funcionários corrompidos, o resultado é o
luan
("caos"). Assim, os chineses do século XXI enfatizam a
política pragmática mais do que a ideológica.
Rivalizando com as dinastias Tang e Ming, é de facto a dinastia Yuan que
oferece uma introdução fascinante às engrenagens da BRI.
Portanto remontemos um pouco ao século XIII, quando o imenso
império de Gengis Khan foi substituído por quatro canatos.
Tínhamos do canato do Grande Khan que se tornou a dinastia Yuan
que reinava sobre a China, a Mongólia, o Tibete, a Coreia e a
Manchúria.
Tínhamos o Ilcanato, fundado por Hulagu (o conquistador de Bagdad), que
reinava sobre o Irão, o Iraque, o Azerbaijão, o
Turquemenistão, certas parte da Anatólia e do Cáucaso.
Tínhamos a Horda de Ouro que reinava sobre a estepe noroeste da
Eurásia, do leste da Hungria à Sibéria, e sobre os
principados russos.
E tínhamos o canato de Chaghadaid (nomeado após o segundo filho
de Gengis Khan) que reinava sobre a Ásia Central, do Xinjiang oriental
ao Uzbequistão, até à chegada ao poder de Tamerlão
em 1370.
Esta época assistiu a uma enorme aceleração do
comércio ao longo das Rotas da Seda mongóis.
Todos estes governos controlados pela Mongólia privilegiaram o
comércio local e internacional. Isto traduziu-se por uma expansão
dos mercados, dos impostos, dos lucros e do prestígio. Os canatos
fizeram concorrência entre si para atrair os melhores cérebros
comerciais. Eles executaram a infraestrutura necessária às
viagens transcontinentais (a BRI do século XIII) e abriram caminho para
múltiplos intercâmbios Leste-Oeste e trans-civilizacionais.
Quando os mongóis conquistaram os Song no sul da China, eles estenderam
mesmo o comércio terrestre da Rotas da Sede às Rotas
Marítimas da Seda. A dinastia Yuan controlava dali em diante os
poderosos portos do sul da China. Assim, quando havia turbulências por
via terrestre, o comércio fazia-se por via marítima.
Os principais eixos passavam pelo Oceano Índico, entre o sul da China e
a Índia, e entre a Índia e o Golfo Pérsico ou o Mar
Vermelho.
As cargas eram encaminhadas por via terrestre para o Irão, o Iraque, a
Anatólia e a Europa; por via marítima, através do Egipto e
do Mediterrâneo, para a Europa; e do Aden para a África Oriental.
Uma rota marítima de comércio de escravos entre os portos da
Horda de Ouro no Mar Negro e no Egipto gerida por comerciantes
muçulmanos, italianos e bizantinos estava igualmente em vigor. Os
portos do Mar Negro faziam transitar mercadorias de luxo que chegavam por via
terrestre provenientes do leste. E as caravanas deslocavam-se ao interior das
terras a partir da costa indiana durante as perigosas estações da
monção.
Esta actividade comercial frenética era a proto-BRI, que atingiu seu
apogeu nos anos de 1320 a 1330 até o colapso da dinastia Yuan em 1368,
paralelamente à Peste Negra na Europa e no Médio Oriente. O
ponto-chave: todas as rotas terrestres e marítimas estavam ligadas entre
si. Os planeadores da BRI do século XXI beneficiam de uma longa
memória histórica.
"Nada de fundamental mudará"
Comparemos agora esta riqueza de intercâmbios comerciais e culturais com
a paranóia pedante, provinciana, anti-BRI e globalmente anti-China nos
Estados Unidos. O que obtemos é que o Departamento de Estado, sob a
férula de Mike "Mentimos, enganamos, roubamos" Pompeo, publica
uma diatribe ridícula sobre o "desafio chinês". Ou a
marinha dos Estados Unidos que repõe em serviço a Primeira Frota,
provavelmente baseada em Perth, para "ter uma pegada
Indo-Pacífico" e assim manter "uma dominação
marítima na era da competição das grandes
potências".
Ainda mais preocupante, eis um resumo da enorme Lei de
Autorização da Defesa Nacional (NDAA) de 2021, com 4.517
páginas e um orçamento de 740,5 mil milhões de
dólares, que acaba de ser aprovada pela Câmara por 335 votos
contra 78 (Trump ameaçou vetá-la).
Trata-se do financiamento de Pentágono no próximo ano que
será supervisionado em teoria pelo novo general da Raytheon, Lloyd
Austin, o último "general comandante" do Estados Unidos no
Iraque que dirigiu o CENTCOM de 2013 a 2016 e que a seguir através de
portas giratórias retirou-se para cargos sumarentos como membro do
conselho de administração da Raytheon e, sobretudo, do conselho
de administração da Nucor, poluidor ultra-tóxico do ar, da
água e do solo.
Austin é um personagem porta-giratória que apoiou a Guerra no
Iraque, a destruição da Líbia e supervisionou a
formação dos "rebeldes moderados" sírios
aliás, Al-Qaida reciclados que mataram inumeráveis civis
sírios.
O NDAA, como era de esperar, está pesadamente carregado "de
ferramentas para dissuadir a China".
Ele incluirá:
-
Uma "Iniciativa de Dissuasão no Pacífico" (PDI), um
código para conter a China no Indo-Pacífico reforçando o
Quad.
-
Operações maciça de contra-espionagem.
-
Uma ofensiva contra a "diplomacia da dívida". Isto é
absurdo: os acordos da BRI são voluntários, numa base
vence-vence, e abertos à renegociação. Os países do
Sul Global privilegiam-nos porque os empréstimo são com taxa de
juro baixa e a longo prazo.
-
Reestruturação das cadeias de abastecimento mundiais que levam
aos Estados Unidos. Boa sorte. As sanções contra a China
permanecerão em vigor.
-
Pressão geral para forçar as nações a não
utilizar o 5G da Huawei.
-
Reforçar Hong Kong e Formosa como Cavalos de Tróia para
desestabilizar a China.
-
O director da Inteligência Nacional, John Ratcliffe, já deu o tom:
"Pequim tem a intenção de dominar os Estados Unidos e o
resto do planeta no plano económico, militar e tecnológico".
Tenham medo, muito medo do malvado Partido Comunista Chinês, "a
maior ameaça para a democracia e a liberdade do mundo desde a Segunda
Guerra Mundial".
Eis-nos aqui: Xi é o novo Hitler.
Portanto, nada mudará fundamentalmente depois de Janeiro de 2021
como Biden-Harris prometeram oficialmente: será novamente a guerra
híbrida contra a China, posicionada por todo o espectro, como Pequim
compreendeu perfeitamente.
E então? A produção industrial da China continuará
a crescer ao passo que nos Estados Unidos continuará a diminuir.
Haverá outros avanços dos cientistas chineses, tais como a
computação quântica fotónica que permite
realizar 2,6 mil milhões de anos de cálculo em 4 minutos. E o
espírito da Dinastia Yuan do século XIII continuará a
inspirar o BRI.
27/Dezembro/2020
O original encontra-se em
www.legrandsoir.info/...
Este artigo encontra-se em
https://resistir.info/
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