Não eram claras há um ano, quando nos reunimos aqui, em Porto
Alegre, no II Foro Social Mundial, as perspectivas de evolução da
crise internacional.
Desde então ela agravou-se muito. Mas precisamente porque se aprofunda
a consciência de que a política de dominação
planetária do sistema de poder imperial e as consequências da
globalização neoliberal são inseparáveis de uma
crise de civilização, cresceu também torrencialmente a
resistência dos povos a uma estratégia que assume os contornos
de ameaça ao conjunto da humanidade, pondo em causa a sua
sobrevivência.
Para que a minha presença neste painel tenha um mínimo de
utilidade tentarei limitar a reflexão a dois pontos fundamentais:
1) A natureza e a estratégia do Novo Imperialismo;
2) Os grandes desafios que se colocam aos movimentos
sociais e aos partidos
revolucionários que lutam para transformar em realidade concreta o
lema do nosso Foro: «outro mundo é possível».
O NOVO IMPERIALISMO
Ao festejarem o novo ano, semanas atrás, as dezenas de milhares de
participantes deste Foro interrogavam-se sobre a iminência de uma nova e
monstruosa guerra. É muito provável que a data já tenha
sido fixada. Não podemos excluir a hipótese de que
mísseis devastadores comecem nos próximos dias a transformar o
Iraque num gigantesco amontoado de ruínas.
Para se avaliar a dimensão da tragédia prestes a iniciar-se ,
devemos compreender o mecanismo da sua preparação e os
objectivos imediatos e a médio prazo e simultaneamente tomar
consciência de que o sistema de poder que concebeu essa guerra e vai
impô-la apresenta características inéditas.
Nenhuma definição tradicional se lhe adapta. Não se
trata de uma questão semântica. O Novo Imperialismo que tem o
seu polo nos EUA difere muitíssimo do imperialismo do final do
seculo XIX definido por Lenine. Dispõe de outros meios, tem uma
ambição ilimitada e acredita na possibilidade de se perpetuar,
congelando a Historia.
Não ha precedentes, nem em Roma, nem na Inglaterra vitoriana, nem no
Reich hitleriano para um projecto comparável. Mas não obstante
lhe podermos seguir a marcha e traçar-lhe os contornos continua a ser
muito mal conhecido. Está mascarado e o controle praticamente
hegemónico dos meios de comunicação permite-lhe esconder
os fins e exibir mesmo uma imagem que confunde grande parte da humanidade.
Uma das melhores sínteses da estratégia do Novo Imperialismo
foi elaborada há mais de duas décadas por Noam Chomsky. A
revista estadunidense
Monthly Review
publicou esse trabalho em Novembro de 1981. Nele aparecem com clareza as
grandes linhas da estrutura de pensamento que visava a organizar o mundo
sob a égide exclusiva dos EUA.
Documentos elaborados ainda durante a II Guerra no âmbito do
War and Peaces Studies Program
previam a criação futura da chamada
Grand Area Planing.
As fronteiras dessa Grande Área apresentavam-se ainda esbatidas. Mas
esses estudos sublinhavam que ela era «estrategicamente necessária
para o controle do mundo».
Os editores da
Monthly Review
num ensaio recente
recordaram que, segundo o
War and Peace Studies Program
«a área mínima estrategicamente necessária para o
controle do mundo incluía todo o Hemisfério Ocidental, o antigo
império britânico, em processo de desmantelamento, e o Extremo
Oriente. Aquilo «era o mínimo, e o máximo o universo».
O Médio Oriente, tratado como parcela do Imperio Britanico, merecia
uma atenção especial dos cérebros do Departamento de
Estado e do Pentágono que criaram o conceito da Grande Área.
As intervenções directas e indirectas dos EUA na região
no ultimo meio seculo acompanharam a penetração das
transnacionais norte-americanas, cuja presença antes da guerra era ali
inexpressiva. Somente no período compreendido entre 1940 e 1967 as
reservas petrolíferas sob controle dos EUA passaram de 10 para 60% do
total enquanto as sob controle britânico caíram de 72% para 30%.
A fatia estadunidense agigantou-se, aliás, nas últimas três
décadas.
Seria supérfluo num Seminário como este gastar tempo a iluminar
a perversidade da argumentação utilizada pela
Administração Bush ao longo da campanha que pretende apresentar o
Iraque como ameaça para a segurança dos EUA e da Humanidade.
Vocês, companheiros e amigos, sabem que tais argumentos são
absurdos, ridículos, pouco inteligentes e foram forjados sobretudo para
neutralizar a oposição interna à guerra, isto é
à agressão contra um remoto e arruinado país
asiático, cujo subsolo encerra fabulosas reservas de petróleo.
Como salienta a
Monthly Review
a história oficial sobre o Iraque nunca fez sentido. Mas a passagem do
espaço iraquiano para o controle absoluto dos EUA tornou-se uma
prioridade na escalada de dominação planetária do Novo
Imperialismo. Digo espaço porque essa terra, onde floresceram algumas
das maiores civilizações da Antiguidade, será pelos
invasores tratada após a guerra se esta não for
impedida, o que parece improbabilíssimo como uma gigantesca
reserva de jazidas de petróleo e gás natural.
A destruição do Iraque esboça-se no horizonte imediato
como segunda etapa de uma estratégia que, iniciada com a
agressão ao povo do Afeganistão permitiu aos EUA, em tempo
brevíssimo, implantar-se solidamente na vastidão da Ásia
Central, onde uma rede de bases militares, do Cáspio ao
Kirguizistão, nas fronteiras da China, garante o controle
norte-americano dos recursos naturais de antigas repúblicas
soviéticas.
O Iraque, numa região que contem quase 70%
das reservas provadas de petróleo do planeta, escapou ate agora
à gula norte-americana. A eliminação ali, como
concorrentes incomodas, das transnacionais Total, francesa, e Eni, italiana,
é tema frequente dos editoriais da grande imprensa norte-americana.
Segundo o US Energy Department o controle do petróleo iraquiano
é indispensável para garantir a longo prazo o abastecimento dos
EUA.
Mas que não haja ilusões. A destruição do estado
iraquiano é encarada pelos estrategos do Novo Imperialismo como uma
simples etapa do projecto que visa a dominação planetária
perpetua.
O New York Times informou recentemente que Robert Allison, presidente da
Anadarko Petroleum Corporation em defesa de negócios nos Emirados
abriu o jogo sem rodeios: «Precisamos disse então
tomar posições no Médio Oriente para quando o Iraque e o
Irão se tornarem outra vez parte da família das
Nações» (22/Out/2002)
O desabafo anuncia o futuro próximo: O Irão está na
linha de mira do Novo Imperialismo. Destruído o Iraque, a pátria
de Dario o Grande e de Omar Khayan será acusada de possuir armas que
ameaçam a segurança dos EUA.
As suas reservas de petróleo somadas às dos outros países
da Região seriam suficientes para assegurar durante 98 anos as
importações de petróleo dos EUA nos níveis
actuais. Quem o afirma é o US Energy Department.
Companheiros
Recordei neste Seminário, faz um ano, o amoralismo de Hitler na
defesa da política que teve como etapas a caminho da guerra a
anexação da Áustria, a questão dos sudetos,
Munique, a ocupação da Checoslováquia, e o corredor de
Dantzig. Alguns amigos admitiram que eu fora longe de mais ao evocar essas
situações a propósito de ameaças
implícitas na escalada agressiva do sistema de poder imperial dos EUA.
Não creio que tenha exagerado. A hipocrisia e o cinismo do sistema de
poder dos EUA na tentativa de encontrar pretextos para a agressão
iminente contra o Iraque, planeada em função de objectivos
estratégicos e económicos, pedem meças aos do Reich
nazi. Personalizar o crime seria, alias, um erro. O presidente Bush
é apenas uma peça na engrenagem monstruosa em que os porta vozes
da Administração Republicana, de Colin Powell a Rumsfeld, cumprem
o papel, repugnante é certo, de instrumentos da maquina do Novo
Imperialismo que os transcende .
Nesta angustiante crise não devemos confundir o povo dos EUA com essa
engrenagem trituradora cujo funcionamento se apresenta indissociavelmente
ligado à dinâmica da globalização capitalista
contra a qual se levantam os povos.
É estimulante verificar que a
intelligentsia
progressista dos EUA se situa hoje na vanguarda do combate ao Novo
Imperialismo e na denúncia das políticas da
globalização, seu complemento. Não são somente
já as vozes de esquerda como as de Ramsey Clark, Noam Chomsky e tantos
outros intelectuais que se elevam contra o projecto de
dominação planetária em curso. Até o senador
Edward Kennedy, um político liberal, acaba de pronunciar-se em termos
contundentes contra a mal chamada Estratégia de Segurança
Nacional. «A doutrina da administração assim se
expressou é um apelo ao imperialismo americano do século
XXI que nenhuma outra nação poderia ou deveria aceitar»
(7/Out/2002).
A advertência-apêlo tem plena justificação. Uma
mentalidade de matizes fascistas impregna já a nova Estratégia de
Segurança nacional dos EUA. Cito três pontos:
1) O domínio militar global dos EUA deve ser perpétuo para que
jamais alguma potência possa vir a rivalizar com eles;
2) A recomendação de ataques militares «preventivos»
a
Estados que sejam considerados ameaça potencial à
segurança dos EUA;
3) A imunidade perante o Tribunal Penal Internacional da ONU de cidadãos
norte-americanos autores de crimes comprovados.
Em Washington a afirmação de Clausewitz de que a guerra
é a continuação da política por outros meios
é considerada um axioma sagrado. A Administração e os
teólogos do mercado estão convictos de que o impulso que ela
vai dar ao complexo militar-industrial será o melhor remédio
para uma crise económica profunda, negada mas bem real.
O secretario da Defesa Rumsfeld, em ameaça indirecta dirigida á
Coreia do Norte, proclama que os EUA estão em condições de
desencadear duas guerras simultâneas. O tamanho da ambição
é tal que Washington simula esquecer o obvio: a agressão a um
pais vizinho da China e da Rússia colocaria o mundo á beira da
terceira guerra mundial .
GRANDES DESAFIOS
Companheiras e companheiros
Aprofunda-se, como acentuei , o repúdio pela guerra iminente e pelas
políticas ditas neoliberais que alargaram o fosso entre as
nações industrializadas e os povos do terceiro Mundo .
O desejo de paz universaliza-se bem como a repulsa pela
globalização capitalista.
Mas continuam a ser pobres a respostas à pergunta: Que fazer?
Os Foros Sociais convocados pelos movimentos sociais multiplicam-se.
Participei nos dois primeiros aqui em Porto Alegre. Estive no Foro Europeu de
Florença quando um milhão de pessoas desfilaram pelas ruas da
maravilhosa cidade dos Medici. Registei a comovente disponibilidade para a
luta de camadas cada vez mais amplas da juventude europeia.
Desde a antiguidade sabemos que sem espírito combativo não se
transforma a vida.
Mas a combatividade e o desejo de mudança não bastam. As grandes
rupturas que alteram duradouramente as estruturas sociais e o rumo da historia
somente se produzem quando os povos ou as classes sociais se mobilizam em
defesa de objectivos concretos, conscientes do que pretendem e para
vão.
Essa confere actualidade à pergunta: Porventura avançamos muito,
nos dois anos transcorridos desde o I Foro de Porto Alegre relativamente a
questões praticas? A resposta é negativa. Os debates
diversificaram-se, ganharam qualidade. Mas não realizamos progressos
sensíveis no tocante à busca de estratégias e meios de
combater eficazmente aquilo que rejeitamos, o projecto imperial que
ameaça a humanidade.
É fácil enaltecer as facetas positivas dos nossos Foros.
Todos nos emocionamos com o sentimento de fraternidade que quase transforma
Porto Alegre nestes dias na cidade do futuro com que sonhamos. É
reconfortante sentir as potencialidades daquilo que nos une.
Mas sejamos também realistas. As convergências diminuem,
tornam-se mais difíceis à medida que começamos a discutir
não já os contornos do futuro mas problemas relacionados com
metas imediatas, a natureza do poder inimigo e as formas de o combater.
Em Guadalajara, no Congresso da Organização Continental dos
Estudantes da América Latina, confirmei que o debate sobre a
questão fundamental da atitude perante o Estado burguês e de
modo geral o Poder é cada vez mais necessário, embora a polemica
que suscita entre personalidades progressistas mesmo na América Latina
possa ferir susceptibilidades.
Permitam-me que, apesar de incomodo , aborde aqui o tema.
Presentemente uma parte considerável da esquerda que converge nos
movimentos sociais recusa o marxismo ou ignora-o e tende a assumir uma atitude
perante a historia que lembra a dos anarquistas do final do seculo XIX.
Hoje como ontem, as circunstancias favoreceram o aparecimento na esquerda de
personalidades que o italiano Lelio Basso definiu como «pensadores
individuais», intelectuais que propõem soluções
pessoais utópicas e quase sempre fantásticas para resolver
problemas do mundo contemporâneo.
O prof. mexicano Octavio Rodriguez Araujo, num livro importante,
didáctico e muito polemico, sobre «Esquerdas e Esquerdismos»
[1]
, esboça com nitidez o retracto desses elementos e de outros que, no
terreno da teoria e no campo da acção, fazem a apologia do
espontaneísmo.
As posições de contestação à necessidade
da luta pela tomada do Poder mesmo como objectivo a longo prazo atraem muitos
jovens. O subcomandante Marcos, do EZLN, e o professor escocês John
Holloway, actualmente na Universidade de Puebla apenas dois exemplos
expressivos coincidem, com discursos diferentes, na
valorização de acções políticas na base
que, na prática, ignoram o Estado burguês opressor.
Esboçam panoramas magníficos para um futuro indeterminado e
remoto, mas não hesitam em afirmar que a tomada do Poder deixou de ser
um objectivo. Holloway, no seu livro «Mudar o mundo sem tomar o
Poder»
[2]
recorre a Marx para lhe deturpar o pensamento e concluir pela inutilidade da
luta contra o Estado .
Concebe a luta como cadeia de acontecimentos espontâneos, de
manifestações cito «contra o fetichismo,
festivais dos subordinados, carnavais dos oprimidos, explosoes do principio do
prazer».
Não valia a pena fazer aqui referencia ao seu livro se ele não
fosse a expressão de um pensamento negativista que desmobiliza.
Organizar para a batalha a «comunidade de acção» de que
nos falavam os criadores do marxismo, é tarefa muito mais árdua
do que criar «comunidades de teoria» cujos membros estão
ligados por convergências ocasionais muito frágeis.
Sem disso tomarem consciência muitos adeptos do moderno
«movimentismo» repetem hoje um discurso que reactualiza aquele que
na Inglaterra, na França e sobretudo na Áustria e na Alemanha
era pronunciado, antes da I Guerra Mundial, pelos adeptos do gradualismo, ou
seja das reformas que, segundo eles, acabariam por destruir os alicerces do
Estado burguês .
As coisas não correram, entretanto, como eles previam. O
«movimento» da Historia real tomou nos Estados burgueses uma
direcção oposta à prevista pelos austro-marxistas, a
cujas posições Kautsky, no final da vida, aderiu parcialmente.
Edward Bernstein concebia o socialismo (a democracia social) como
«legitimo herdeiro » do liberalismo e das suas consequências.
Por que recordo isso? Porque muitos «movimentistas»
contemporâneos, contrapõem ao socialismo o conceito de
«democracia pura» a democracia sem adjectivos na
definição do nicaraguense Sérgio Ramirez. O resto
chegaria depois. Ora, o resto é quase tudo...
Companheiras e Companheiros
Uma precisão semântica. As minhas referencias ao
«movimentismo» não envolvem desapreço pela
intervenção dos Movimentos sociais na luta em todos estamos
empenhados. Eles foram pioneiros nas grandes mobilizações de
protesto contra a globalização neoliberal. O seu papel na luta
pela Paz , na batalha contra o projecto de dominação universal
do Novo Imperialismo é fundamental, absolutamente indispensável,
altamente positivo.
A certeza de que Foros como este não seriam possíveis sem a
irrupção torrencial dos Movimentos Sociais nas grandes lutas da
nossa época não me impede, porem, de discordar das analises de
historiadores e cientistas políticos e sociais que identificam na
presença e ascensão dos referidos movimentos uma prova
convincente da decadência irreversível dos partidos.
A fragilidade dessas analises reside no seu caracter abrangente. É um
facto que a contribuição dos partidos de esquerda para a
mobilização das gigantescas manifestações de massas
dos últimos anos foi inexpressiva. O mérito dos grandes
protestos contra a globalização neoliberal cabe aos movimentos
sociais.
Os enormes erros cometidos por partidos tão diferentes como o PCUS, o
falecido Partido Comunista Italiano e o Partido Comunista Francês
não permitem a conclusão voluntarista de que os partidos passaram
a ser um instrumento político obsoleto nas lutas contemporâneas
pela transformação do mundo, cabendo aos movimentos sociais
assumir o papel que eles desempenharam no passado.
Persuadir os que rejeitam a globalização neoliberal de que o fim
da União Soviética comprovou que o socialismo não passa
de uma utopia é um objectivo permanente dos sacerdotes do neoliberalismo
que colocam o mercado acima do Estado, sacralizando-o.
Todos aqui fazemos a apologia da unidade. Mas a consciência de que
temos de somar forças para atingirmos objectivos comuns não
abala em mim a convicção de que nos próximos anos
assistiremos ao fortalecimento de organizações e partidos
revolucionários como instrumento indispensável de grandes
transformações históricas.
Pela primeira vez na história a contestação de uma
política com consequências devastadoras para a quase totalidade da
humanidade começa a encontrar uma resposta também global.
Milhões de pessoas, em todos os continentes, mobilizam-se contra ela.
Nunca antes ocorreu algo parecido.
Mas convém recordar que a revolta popular, por mais ampla que seja,
quando não consegue ultrapassar o marco espontaneísta perde
ímpeto, dilui-se, não alcança a fase que culmina com a
derrota do poder e a implantação de uma nova ordem social sua
meta natural.
Os dramáticos acontecimentos da Argentina confirmam essa
lição da historia.
Insisto na extraordinária importância da intervenção
dos movimentos sociais nas lutas do nosso tempo. Mas devemos também
não esquecer que os movimentos são uma diversidade, tal como os
partidos, perseguindo objectivos raramente coincidentes.
Alguns com o MST brasileiro, a CONAIE do Equador e o dos camponeses bolivianos
que quase levaram Evo Morales à Presidência apresentam de comum
uma disciplina organizativa, uma fidelidade aos princípios, um espirito
colectivo e uma disponibilidade para a luta que fazem deles
organizações revolucionárias em potência.
Outros movimentos são diferentes, não contestam o capitalismo,
acreditam na possibilidade da sua reforma. É significativo que neste
Foro como no anterior encontremos inclusive personalidades que, afirmando
trazer solidariedade contra os excessos da globalização
neoliberal defendem, afinal, o impossível: a humanização
do capitalismo. Não posso esquecer que Mário Soares foi a
alavanca da contra-revolução em Portugal e que o governo de
Leonel Jospin em França privatizou mais empresas do que o governo de
direita de Balladur.
Resumindo:
Por si só a extrema diversidade dos Movimentos Sociais que se traduz
nas posições, por vezes antagónicas, que adoptam no
tocante à maneira de combater o imperialismo e a
globalização capitalista chama à realidade aqueles que
sonham com uma estratégia de luta elaborada pelos Movimentos.
Constituem uma força maravilhosa, poderosíssima, em
ascensão, mas não se pode esperar deles tarefas para que
não estão vocacionados.
Por isso mesmo não posso identificar-me com o discurso político
daqueles que defendem já a diluição de partidos
comunistas num Movimento dos movimentos ao qual caberia hoje como
força de ruptura o papel desempenhado no passado por
organizações partidárias. Distancio-me, portanto, da
perspectiva histórica esboçada por Fausto Bertinotti,
secretário-geral da Rifondazione Comunista no Fórum de
Florença, posteriormente reafirmada na Conferencia Anti-ALCA de Havana.
Companheiras e Companheiros:
Por que chamo a atenção para estas questões que nos
preocupam a todos? A história não se repete da mesma maneira.
Mas como as causas que desencadearam as grandes revoluções
não desapareceram, e persistem, agravadas a maré da
revolta dos oprimidos e excluídos contra o Novo Imperialismo e a
globalização capitalista está subindo de ano para ano. E
é nessa revolta que a participação do partido
revolucionário surge como uma necessidade.
Na grande batalha ideológica em curso, a burguesia, utilizando a sua
poderosa máquina de desinformação e de modelagem das
consciências, tenta dividir e destruir os partidos marxistas
revolucionários. Não porque sejam instrumentos políticos
superados, mas porque teme que eles se mantenham fieis ao ideário e ao
compromisso que lhes justifica a existência.
Permitam que recorde uma realidade. Os partidos comunistas que para se
«modernizarem», como lhes sugeriu a burguesia, optaram por reformas
supostamente renovadoras do marxismo desapareceram, entraram em processo de
decadência ou aparecem hoje transformados em partidos do sistema, como o
francês. Entretanto, hostilizados e caluniados, partidos
revolucionários que assumem o marxismo leninismo como ideologia
criadora e não estática, como o português, o grego, o
cipriota, na Europa menciono alguns exemplos expressivos o
Partido Comunista do Brasil, o Partido Comunista Colombiano e o FMLN de El
Salvador, na América partidos que se mantiveram fieis aos
princípios e valores do marxismo, não somente resistiram bem a
todos os ataques e campanhas como conservam intacta a confiança das
bases e dos trabalhadores.
Companheiros e companheiras:
Como já sublinhei, quando na América Latina se debate a procura
de alternativas para o capitalismo o consenso que se estabelece sobre a
condenação da globalização neoliberal desaparece.
Em Florença no magnifico Foro Social Europeu aconteceu o mesmo.
Quando começamos a discutir o tema as respostas são
insatisfatórias.
A ideia de que o inimigo pelo seu enorme poder não pode ser derrotado
tem um efeito paralizante.
Pessoalmente, identifico-me com a posição assumida por Georges
Gastaud, Henri Alleg e outros eminentes revolucionários franceses para
os quais o sistema de poder que ameaça a humanidade não é
susceptível de ser reformado em benefício das suas
vítimas.
Nas conclusões da Conferencia Internacional promovida em Paris em
Novembro para comemorar o 85º aniversario da Revolução de
Outubro, o filósofo Georges Gastaud sintetizou a opinião de
milhões de comunistas ao afirmar que o capitalismo não
desaparecerá através de reformas. Terá de ser
destruído. Mas como? A tarefa é tão ciclópica,
dada a desproporção de forças, que parece utópica.
Mas quase todas as grandes revoluções venceram contra a
lógica aparente da historia.
A própria escalada do Novo Imperialismo em busca da hegemonia
planetária deixa já entrever o rosto de um fascismo
colonialista de novo tipo. Pela sua irracionalidade, ambição e
agressividade ela tende a abrir fissuras nas muralhas da fortaleza capitalista.
Henry Kissinger, em conferência pronunciada no Trinity College de Dublin,
na Irlanda, fez uma confissão interessante: «O desafio
básico declarou é que a chamada
globalização é realmente outro nome para o mesmo papel
hegemónico dos EUA no mundo.
As calamidades desencadeadas pelo sistema de poder estadunidense nos
últimos anos não têm precedente desde a II Guerra Mundial.
Somente o Reich de Hitler concebeu uma política de
relações com pequenos países tão marcada por um
pensamento fascizante. São também os EUA os grandes
responsáveis pela tragédia que faz da terra árabe da
heróica Palestina milenária uma vitrina da barbárie
fascista assumida pelo sionismo.
O inventário dos crimes de que é responsável o Novo
Imperialismo pela mão dos EUA está feito. Dele constam
minuciosas descrições e análises da autoria de
eminentes intelectuais norte-americanos das agressões,
ignominias, golpes concebidos e executados pela CIA, de
intervenções directas e indirectas que, em desafio frontal ao
Direito internacional e à Carta da ONU transformaram os EUA num
Estado terrorista.
Os crimes cometidos no Afeganistão, como o massacre de Mazar-i-Charif,
o saque de Kandahar, o corte das línguas dos prisioneiros em Sebergham
não ficam aquém das mais repugnantes chacinas das SS nazis.
Essa acumulação record de crimes contra a humanidade os
colectivos e públicos e os encobertos- somente é, porem
conhecida por uma pequena minoria de habitantes da Terra. O controle da
informação e a cumplicidade cobarde dos estados da União
Europeia, do Canadá, do Japão e da Austrália
(sócios na partilha e saque das riquezas mundiais) e também da
Rússia (terceiromundizada e ela própria ameaçada) encobre
o rosto e muito da agressividade do sistema de poder do Novo Imperialismo.
É assim que desde a guerra do Golfo, numa escalada medonha, a
política da irracionalidade, do anti-humanismo, da opressão dos
povos e da sobreexploraçao dos trabalhadores é apresentada ao
mundo como mensageira do bem, expressão máxima da democracia,
síntese das conquistas da milénios de civilização
e baluarte da sua defesa.
Companheiras e companheiros:
A revolução é sempre a luta pelo impossível
aparente. Foi a sua transformação em possível real que,
em momentos decisivos, fez avançar a humanidade .
Na América Latina permanece vivo o espírito
revolucionário de Bolívar. Do Rio Bravo à
Patagónia os povos rejeitam as políticas da
globalização capitalista impostas pelo Novo Imperialismo. Na
Venezuela o povo oferece ao mundo um exemplo belíssimo ao fechar o
caminho às forças golpistas que se opõem ao projecto
bolivariano de Hugo Chavez. No Equador a eleição de Lúcio
Gutierrez, e no Brasil a esmagadora vitoria de Lula expressaram com clareza
a profundidade do descontentamento popular e a esperança numa
mudança social que humanize a vida.
A cidadela cubana Resiste, com inquebrantável coragem. Na
Colômbia, uma guerrilha heróica, a mais antiga da América
Latina, as FARC, resiste também, demonstrando que em determinadas
circunstancias e lugares é possível, mesmo pelas armas, resistir
ao poder de oligarquias tradicionais apoiadas pelo imperialismo.
No planeta Terra, nossa pátria, atravessamos uma gigantesca crise de
civilização. Não é possível prever-lhe o
desfecho .
É um tempo simultaneamente terrível e belo.
Como comunista mantenho acesa a esperança. Nas grandes lutas em
desenvolvimento cabe às esquerdas do Terceiro Mundo, sobretudo aos
jovens, um papel decisivo no combate para transformar em realidade a
aspiração expressa no lema dos nossos Foros. «Outro mundo
é possível».
Objectivos capazes de mobilizar milhões de pessoas não faltam
neste Continente. A luta contra a ALCA, por exemplo. Não há
remendos cosméticos que possam tornar aceitável esse mostrengo,
cujo objectivo é a recolonização total. A ALCA
etapa do projecto do Novo Imperialismo seria uma tragédia para a
América Latina.
Companheiras e Companheiros:
A vitória não tem data no calendário. Mas o Novo
Imperialismo estadunidense, hoje o grande inimigo da humanidade como
afirmava o Che será finalmente derrotado, como o foram Roma e o
velho imperialismo britânico. Os impérios morrem, desaparecem no
pó da História; os povos sobrevivem-lhes e continuam na sua
caminhada para um futuro imprevisível.
___________
NOTAS
(1) Octavio Rodriguez Araujo, «Izquierdas e Izquierdismo», Siglo XXI
Editores, Mexico-Argentina, 2002
(2) John Holloway, «Cambiar el mundo sin tomar el Poder», Editorial
Herramienta, Buenos Aires, tradução argentina do original
inglês.
Mais informações sobre o FSM 2003 em
http://www.portoalegre2003.org/publique/
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info