por Miguel Urbano Rodrigues
As primeiras medidas legislativas de Álvaro Uribe abriram um enorme
rombo no que restava da fachada democrática do Estado Colombiano.
Através dele é já visível o rosto medonho do
fascismo.
O decreto que instituiu «o estado de comoção nacional»
é, pela inspiração, conteúdo e objectivos, o
prólogo de uma era de terror policial.
O presidente e os seus ministros anunciam uma «guerra integral contra o
terrorismo». Mas o eufemismo que esconde o estado de sitio sob a palavra
comoção, e as leis de excepção já
promulgadas iluminam uma realidade: o inicio de uma guerra total contra o povo.
O «Plano de Segurança» imposto logo após a posse de
Uribe preparado com muita antecedência faz lembrar o que no
género existiu no III Reich nazi. Oficializa a possibilidade da
contratação de um milhão de informadores que terão
um vinculo directo com organismos do Ministério do Interior. Esses
bufos
sapos
na linguagem do povo terão direito a usar armas fornecidas pelo
Governo e até receber um vencimento mensal equivalente ao
salário mínimo.
Na opinião do alcaide de Bogotá o bombardeamento do
Palácio Presidencial somente foi possível porque os moradores das
residências donde os morteiros artesanais foram disparados não
«cumpriram o dever cívico» de denunciar qualquer movimento
suspeito na área. Na Ética de Uribe a delação
torna-se virtude.
A denuncia é pelo novo presidente apresentada como exigência da
«nova cultura da cidadania», como acto patriótico.
EXIGÊNCIA E APOLOGIA DA DENUNCIA
Na Procuradoria da Republica realizou-se uma reunião de que
ficará memória. O Procurador geral debateu com os ministros do
Interior, da Justiça e da Defesa e com o general responsável
pelos serviços de Inteligência as principais «medidas de
segurança». Posteriormente, o ministro do Interior, Fernando
Londoño manteve um encontro reservado com a embaixadora dos Estados
Unidos, Anne Petterson.
Segundo informações oficiais, o tema principal da
discussão foi a operacionalidade do controlo dos telefones celulares.
Directores das principais empresas de telefonia participaram no encontro e
prometeram a sua colaboração. Segundo o diário
pro-governamental «El Tiempo», trata-se de «entregar com
agilidade a informação» aos organismos do Estado e
também da rapidez na localização das chamadas .
Os ministros foram categóricos, informando que estão a ser
estudadas formulas jurídicas que respondam ao espirito
democrático das medidas de controlo dos celulares. Tudo se fará
garantiram no respeito da lei, de modo a respeitar plenamente
«o direito à intimidade dos usuários».
O humor negro dos ministros de Uribe e do Procurador da Republica parece ter
contaminado o director da famosa Drug Enforcement Agency dos EUA, John Walters.
Esse alto funcionário norte-americano, presente como convidado na
posse de Uribe, reagiu com entusiasmo às medidas de controlo da
telefonia celular adoptadas em Bogotá. «Trata-se comentou
de garantir a segurança dos cidadãos e de preservar as
liberdades cívicas».
Nos próximos dias serão, aliás, adoptadas medidas para
«restringir a livre circulação de pessoas e veículos
a determinadas horas e em certos lugares do território nacional»,
bem como promulgada legislação adequada a facilitar a
invasão de domicílios e a prisões sem mandato judicial.
O ministro do Interior mais uma vez considerou oportuno tranquilizar a
população quanto ao espirito profundamente democrático e
respeitador das instituições que inspiraria o feixe de medidas
de excepção.
«Os cidadãos declarou, ainda segundo «El Tiempo»
não devem ter medo de que possa haver excessos, pois este
governo é obsessivo no tocante ao tema do respeito, em qualquer caso e
circunstancia, dos direitos humanos e do Direito Internacional
Humanitário ».
Por coincidência, o subsecretário para Assuntos Políticos
dos EUA, Marc Grossman, encontrava-se então, em visita de trabalho em
Bogotá. Soube-se que o motivo da sua presença foi a assinatura
de um acordo bilateral para proteger militares e funcionários
estadunidenses residentes na Colómbia, colocando-os, em qualquer
hipótese, fora da competência do Tribunal Penal Internacional
criado pelas Nações Unidas. O objectivo é garantir a
total impunidade dos crimes de Estado em ambos os países.
Grossman, em declarações à imprensa, prestou homenagem
à secular tradição jurídico-constitucional da
Colómbia...
Para finalizar as referencias ao primeiro pacote legislativo de Álvaro
Uribe Vélez, tem interesse informar que o novo presidente criou um
imposto especial. Aproximadamente 420 mil cidadãos terão de
pagar anualmente uma taxa equivalente a 1,2% do seu património
liquido. A verba milionária assim obtida destina-se a ampliar e
dinamizar o combate às FARC-EP.
OS FALCÕES DO PRESIDENTE
Uma das primeiras iniciativas de Uribe foi a nomeação de uma nova
cúpula militar. Para comandante supremo das forças armadas foi
designado o general Jorge Mora, que deixa o comando do Exército, cargo
em que se opusera sempre ao dialogo com as FARC. O seu substituto é o
general Carlos Ospina, também partidário da escalada militar.
Para a Força Aérea a escolha recaiu no general Fabio Velasco,
partidário da política da «terra arrasada»,
responsável por bombardeamentos indiscriminados de áreas
densamente habitadas. O chefe do Estado maior Conjunto é o general
Euclides Ruiz, outro conhecido falcão.
Estes são os oficiais a quem Alvaro Uribe, em discurso pronunciado ha
dias, confiou a tarefa de adoptar uma estratégia de «guerra
integral». O presidente exortou o Exercito a comparecer imediatamente
onde quer que as FARC ataquem uma base militar ou um quartel e não
três dias depois, como costuma acontecer.
A nomeação da nova cúpula militar foi sem demora elogiada
em Washington. Agradou à Casa Branca e caiu muito bem no
Pentágono.
Os falcões de Bogotá afirmam, não sem arrogância,
que estão criadas as condições para a vitoria na
«guerra contra o terrorismo». Ao som de trombetas anunciam a
próxima destruição das FARC e do ELN. O seu triunfalismo
lembra o do norte-americano Westmoreland no Vietname e o do francês
Salan na Argélia.
A memória de Uribe e dos seus generais parece ser fraca. Tanto o
presidente como os seus guerreiros esqueceram a resposta que a Historia deu
às profecias de vitoria dos colonialistas dos EUA e da França.
SOLIDARIEDADE
O discurso sobre «a guerra integral» tem desviado a
atenção de uma evidencia: as medidas fascistizantes adoptadas
pelo governo de Álvaro Uribe atingem brutalmente o povo colombiano,
principalmente nas grandes cidades, mas pouco afectam a insurgência.
A criação de um exército de bufos, o estado de
«comoção nacional», a censura telefónica, a
supressão de direitos e garantias constitucionais não alteram
minimamente a relação de forças Exército-FARC, nem
a capacidade de fogo da guerrilha.
O bombardeamento do Palácio presidencial e de outros edifícios
públicos no dia 7 de Agosto veio, alias, desmentir a tese oficial
sobre a incapacidade de implantação da insurgência nas
áreas urbanas.
Poucos duvidam agora de que as FARC contam hoje com uma ampla e eficaz rede
de apoio nas principais cidades, o que pode assinalar o inicio de uma nova
fase na guerra.
As FARC-EP estão conscientes de que no combate por uma Colômbia
livre e democrática, a luta contra a calunia e o silencio na frente
da Informação não é menos difícil do que
aquela que travam na frente de batalha contra o exercito.
Uma campanha de proporções mundiais apresenta as FARC-EP como
organização narco-guerrilheira, de sequestradores, assassinos e
bandidos.
As cabeças do comandante Manuel Marulanda e dos principais dirigentes
da guerrilha foram postas a prémio. Bush, ao incluir as FARC na sua
lista de grupos terroristas, conseguiu que os seus membros sejam caçados
como delinquentes pelo mundo afora.
Contribuir para a ruptura dessa cortina de mentiras é uma tarefa
prioritária da solidariedade com o povo da Colómbia.
As FARC derramaram sangue inocente ao longo da sua luta de quatro
décadas. É um facto. Mais de uma vez reconheceram essa
realidade e assumiram a responsabilidade por erros cometidos, alguns graves,
punindo inclusive os responsáveis. Mas não devemos esquecer que
situações similares ocorreram com os patriotas vietnamitas e
argelinos, com os combatentes sandinistas e os salvadorenhos da FMLN. Partido
ou movimento algum pode sair de uma guerra de libertação com as
mãos totalmente limpas.
Mas criminalizar as FARC, fazendo da excepção regra, e omitir
que a responsabilidade primeira e maior pela guerra na Colômbia e
pela espantosa mortandade dela resultante cabe à oligarquia, às
Forças armadas e ao paramilitarismo é inverter a realidade,
falsear a Historia.
A subida ao Poder de Álvaro Uribe chamou uma vez mais as
atenções da humanidade para a Colómbia.
Um regime que caminha para o fascismo sem máscara instalou-se na
pátria de Nariño, o pais que pagou o maior tributo de sangue na
luta pela libertação da América Latina no inicio do
século XIX.
Esse fascismo, ainda não despojado de uma fachada institucional, conta
com o apoio firme de Washington.
As FARC tornaram-se um pesadelo permanente para o sistema de poder imperial
que aspira ao domínio perpétuo e total sobre a humanidade. Isso
porque elas Resistem, porque demonstram há muitos anos que é
possível Resistir, inclusive pelas armas, em certas circunstancias e
lugares, a uma oligarquia sustentada pela mais poderosa potência do
planeta.
Daí a necessidade para a esquerda revolucionária de ampliar a
solidariedade com o partido-guerrilha de Manuel Marulanda. As FARC batem-se,
afinal, por todos nos, pela humanidade.
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