por Miguel Urbano Rodrigues
Nunca o lançamento de um livro
[1]
em Havana produziu um efeito de choque comparável.
Quando foi revelado que Elizardo Sanchez Santa Cruz, o dirigente
máximo dos «dissidentes» a oposição
interna, ilegal, mas tolerada pelo governo trabalhou nos últimos
seis anos com a Segurança Cubana, um sismo emocional abalou a
assistência que enchia o anfiteatro do Centro de Imprensa Internacional.
A estória parece extraída de uma novela de Le Carré.
A PERSONAGEM
O titulo do livro,
El Camaján
, define a personagem. A palavra, na linguagem popular, designa os antigos
camaleões da política, mercenários disponíveis
para todas as metamorfoses.
Elizardo Sanchez, pela vida, pelo discurso e pelo comportamento social, foi,
desde a juventude, um aventureiro pronto para mudar de ideias e de
projecto. Vocacionalmente camaleão, a ética e as ideias nunca
contaram para ele. Mudou sempre exclusivamente em função de
interesses pessoais.
Em 1959, após a vitória da Revolução, inscreveu-se
no Partido Socialista Popular. Falava como um comunista ortodoxo. Em 1962,
era funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros
quando descobriu em si a vocação da ideologia e consegiu ser
nomeado professor de Filosofia Marxista na Universidade de Havana. Não
aqueceu o lugar. Dois anos depois os colegas pediram o seu afastamento. Era
ultra esquerdista, dogmatico, autosuficiente, arrogante. Ligou-se à
chamada «microfacção» que na época acusava os
lideres da revolução de constituírem «uma elite
pequeno burguesa que punha em perigo o rumo socialista do processo».
Documentação reunida mais tarde pela Contra Inteligência
cubana comprova, entretanto, que os seus primeiros contactos com
serviços de espionagem dos EUA datam, por iniciativa própria,
dessa época. Denunciou então à CIA companheiros da
«microfaccao».
Mudou rapidamente de ideologia. Renunciou ao marxismo para adoptar os ideais
da social democracia liberal. Sob a direcção do
Escritório de Interesses dos EUA em Havana, transformou-se num
apologista do capitalismo. Elizardo, aplaudido por Washington e pela mafia de
Miami, iniciou a sua cruzada contra-revolucionária. Em 1987 fundou a
chamada Comissão Cubana de Direitos Humanos e
Reconciliação Nacional. Autonomeando-se presidente dessa
organização fantasma, envolveu-se em diferentes
conspirações. Acabou na prisão em 90. Após
cumprir uma pena leve, criou no ano seguinte, com financiamento da CIA e
ajuda do seu amigo Carlos Montaner, a Concertación Democrática
Cubana.
Em 1993 foi recebido cordialmente na Europa por Felipe Gonzalez e Mário
Soares. Em 1996 a mafia de Miami aclamou-o como um herói. Em Paris
recebeu um prémio e, posteriormente em Madrid Aznar saudou nele um
campeão na luta pelos direitos humanos.
Em 1999, noutra
tournée
europeia encontrou-se com destacados dirigentes políticos da
Grã-Bretanha, da Alemanha, da Itália e, obviamente, da Espanha.
Pronunciou numerosas conferencias (bem pagas).
Ao findar o século Elizardo Sanchez projectava a nível
internacional a imagem do líder incontestado dos «dissidentes»
cubanos.
O AGENTE SECRETO
A partir de meados da década de 90 Elizardo alterou o discurso,
procurando transmitir a ideia de que é um conciliador. Em entrevistas
passou a defender «a necessidade da participação de Fidel
Castro numa fase de transição para a democracia, e inclusive que
a dirija».
Em 1997 entrou em contacto com a Segurança do Estado em Havana. Em 13
de Dezembro desse ano realizou-se o primeiro de uma série de encontros
secretos.
Elizardo espontaneamente expressou o desejo de colaborar com o Governo da
República e de cumprir tarefas atribuidas pela Segurança do
Estado, em Cuba e no estrangeiro.
Nos cinco anos seguintes, o agente Juana seu nome de código na
Seguridad proporcionou informações de grande valor sobre
diplomatas e jornalistas estrangeiros (nomeadamente estadunidenses e
espanhóis), sobre pessoas ligadas a serviços especiais
anti-cubanos, cabecilhas de grupos contra-revolucionarios, etc. Em encontros
sempre secretos revelou conversas mantidas nos EUA com altas personalidades do
establishment, incluindo Otto Reich e membros do Congresso, etc.
O Governo cubano e a Segurança do Estado aperceberam-se desde o inicio
de que Elizardo Sanchez desenvolvia um jogo duplo, próprio da sua
mentalidade de camaleão.
Os responsáveis pela contra-espionagem acompanharam desde o
início com a máxima cautela os contactos com Elizardo, sem
ilusões quanto aos seus objectivos. Como sublinham os autores do
Livro «a sua atitude parecia responder a uma velha táctica usada
pelo seu amigo Vaclav Havel, o qual,como se soube depois, recorreu a um
modus operandi
similar perante os serviços especiais checoeslovacos».
Mas para incutir confiança em Elizardo, a Seguridad deu seguimento a
alguns dos seus pedidos. Voltou à Universidade, não como
professor mas como bibliotecário; ofereceram-lhe (e à
companheira) férias de luxo no México e noutros lugares;
sugestões suas relacionadas com a situação de contra
revolucionários presos foram total ou parcialmente atendidas.
Para se avaliar o nível da colaboração prestada pelo
líder dos «dissidentes» vale a pena recordar que identificou
na visita do papa «um perigo devido à tendência
anticomunista de João Paulo II».
Quando um coronel entregou a Elizardo Sanchez uma alta
condecoração que lhe fora atribuída pelo Ministério
do Interior, o veterano contra-revolucionário terá, quem sabe,
admitido que havia, de uma vez por todas, enganado os responsáveis do
Estado Cubano.
Pura ilusão. Os encontros secretos do agente Juana depois
Eduardo e finalmente Pestana eram fotografados. O livro ora editado
inclui dezenas de fotografias e cartas e outros documentos altamente
comprometedores para o farsante Elizardo.
No desempenho do seu papel autêntico, o líder da
«dissidência» levava uma
dolce vita
num pais de escassez, a Cuba bloqueada.
Somente dos EUA recebeu mais de 200 mil dólares. A Agência
Espanhola de Cooperação Internacional deu-lhe 50 mil para
fomentar a contra-revolução na Ilha. Uma quantia equivalente
chegou-lhe através da Embaixada da Noruega. Existem provas documentais
que não podem ser desmentidas.
No último ano, o agente Juana-Eduardo-Pestana distanciou-se. A
apresentação nos julgamentos dos «dissidentes» como
agentes da Segurança infiltrados nos grupelhos contra-revolucionarios
terá assustado Elizardo. Ele sentiu-se sempre um falso agente.
O livro
El Camajuan
mostrou agora Elizardo, tal como é, sem máscara.
Na própria noite do lançamento, os correspondentes estrangeiros
alguns por ele denunciados invadiram-lhe a casa. O
escândalo tornou-se assunto das grandes cadeias de televisão
internacionais.
Elizardo tentou negar a evidencia. Apresentou-se como vítima de uma
campanha destinada a desacreditá-lo. Mas as fotos dialogando com
oficiais da Seguridad e sobretudo aquela em que recebe de um coronel, por
serviços prestados, a condecoração do Ministério
do Interior secaram-lhe a garganta. Meteu os pés pelas mãos.
Elizardo Sanchez, o camaleão da «dissidência»,
recebido como grande senhor por Aznar e Mario Soares, é politicamente
um homem destruído.
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Arleen Rodriguez e Lazaro Barredo,
El Camaján,
70 pgs., Ed. Politica, La Habana, 2003.
Este artigo encontra-se em
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