Que recuperação?

pelos Editores da Monthly Review [*]

“Aqueles que não têm nenhuma parte da fortuna dos poderosos,
normalmente têm uma parte das suas desgraças”.
— Bertolt Brecht, “O Círculo de Giz Caucasiano”.

Monthly Review, vol. 54, nº 11, Abril/2003 Apenas há alguns anos sugeria-se generalizadamente que a economia capitalista havia entrado numa nova era económica. O rápido crescimento económico verificado durante um breve período dos finais dos anos 90, disseram-nos, tornar-se-ia virtualmente sem fim, estimulado pelo aumento da produtividade comandada pela alta tecnologia e a Nova Economia. As circunstâncias que agora enfrentamos na sequência da explosão da bolha especulativa não podem ser mais diferentes. O País está novamente atolado na estagnação económica. Na presente “recuperação” – se realmente se pode chamar isso – os novos empregos mantém-se poucos e raros. Das quatro fontes de procura que criam actividade económica — consumo privado, investimento empresarial, despesa pública e exportações líquidas — é principalmente o consumo, suportado pelo aumento da dívida, que está neste momento a impedir a economia de deslizar mais profundamente na estagnação. Na verdade, muitos empresários e economistas receiam o regresso da recessão — referindo-se a ela como a probabilidade de um "duplo mergulho" (“double dip”) . Por trás deste medo está o excesso da capacidade de produção em quase todas as indústrias, a ausência de novos estímulos ao crescimento, crescimento lento ou recessão na maior parte do resto do mundo e os efeitos secundários da explosão da bolha especulativa nas bolsas. Tudo isto sugere que o que está em causa é mais do que o ciclo económico normal. Há, no mínimo, razões para esperar a continuação da tendência para a estagnação.

O QUADRO DO DESEMPREGO

O principal indicador desta lamentável situação pode ser encontrado no âmbito da contratação, que está na sua pior queda dos últimos vinte anos. Desde que a recessão começou, em Março de 2001, a economia americana perdeu mais de dois milhões de empregos ( New York Times , 06/Fev/2003), com muitas das perdas de emprego a ocorrerem como despedimentos permanentes em massa nas maiores companhias. Apesar de os números de desemprego oficiais terem estabilizado nos 6% durante o ano passado, muitos trabalhadores foram lançados no desemprego por períodos muito extensos, enquanto muitos outros desistiram de procurar trabalho activamente e não estão a ser contabilizados nos números oficiais do desemprego, embora estejam sem trabalho e desejosos de emprego.

Nas quatro recessões que precederam a do início dos anos 90, a proporção de desempregados que perderam os seus empregos de uma forma permanente era praticamente igual à dos que perderam os seus empregos de uma forma temporária. Os trabalhadores que perdiam os seus empregos, de forma permanente, atingiam os 51% na fase inicial das quatro recessões anteriores ao início dos anos 90, enquanto na recessão do início dos anos noventa a percentagem dos trabalhadores que foram despedidos permanentemente aumentou para 70%. Na fase inicial da recessão de 2001, a taxa de desempregados permanentes aumentou ainda mais, atingindo os 87%. Este quase desaparecimento dos despedimentos temporários como um factor no desemprego significa dificuldades acrescidas para os trabalhadores que são despedidos, aumentando o medo daqueles que continuam empregados e fazendo pressão para rebaixar os salários.

Outra indicação da terrível situação do emprego deste momento é o registo de despedimentos em massa (despedimentos envolvendo pelo menos 50 pessoas numa só empresa). Só em Novembro de 2002, houve 2.150 despedimentos em massa, envolvendo 240 mil trabalhadores. No quarto trimestre de 2000, 58% dos indivíduos que perderam o seu trabalho através de despedimentos em massa estavam associados a despedimentos por tempo superior a trinta dias. No segundo trimestre de 2002 (o último trimestre com registos conhecidos), mais de dois terços (68%) dos trabalhadores associados a despedimentos em massa ficaram sem emprego por mais de trinta dias. [1]

Tem havido uma tendência generalizada para a subida das taxas de todos os desempregados (não só aqueles referentes aos despedimentos em massa) que estão fora do trabalho por um período extenso. A média decenal daqueles desempregados que estiveram sem emprego durante mais de 15 semanas passou de menos de 20% no princípio da década de 1970 para 26% no início dos anos 80, 28% no início dos anos 90 e 30% em 2003 (Bureau of Labor Statistics, U.S. Dept. of Labor).

Tabela 1 Os trabalhadores que enfrentam o sofrimento de longos períodos de desemprego com limitadas expectativas de encontrar um trabalho geralmente abandonam a procura activa de emprego e assim deixam de figurar nas estatísticas oficiais do desemprego. Por outras palavras, caem mais profundamente naquilo a que Marx chamou “o exército industrial de reserva”. Depois de vários anos de críticas dos sindicatos e dos progressistas, o Departamento de Estatística do Trabalho finalmente reconheceu o problema no número de Outubro de 1995 da sua Monthly Labor Review e já traz um relatório sobre medições alternativas de subutilização do trabalho. Em Janeiro de 2003, o desemprego oficial (definido como o número total de desempregados como uma percentagem da soma daqueles à procura de emprego mais aqueles presentemente a trabalhar) cifrava-se em 6,5% (sem o ajustamento sazonal). Contudo, quando aqueles que foram recentemente colocados fora da força de trabalho, tal como oficialmente definida, e aqueles que estão a trabalhar em tempo parcial mas desejam um emprego a tempo inteiro, são acrescentados ao número oficial de desempregados, o nível de desemprego começa a ser visto nas suas verdadeiras proporções. Por esta medida (sem o ajustamento sazonal), havia uma taxa real de desemprego de 11% em Janeiro de 2003, comparativamente com os 10,5% registados um ano antes ( ver tabela 1 ). Isto significa que há mais de 6 milhões de pessoas que não têm empregos e querem um trabalho a tempo inteiro, embora elas não sejam oficialmente considerados como desempregadas!

Tabela 2 O fardo do desemprego recai invariavelmente de uma forma desproporcionada nas pessoas de cor. Como mostra a tabela 2, a taxa de desemprego oficial para homens e mulheres negros com 20 anos ou mais, no último trimestre de 2002, foi mais do dobro da registada entre os seus homólogos brancos. Para os homens negros os níveis oficiais de desemprego, no final do ano passado foi de 10%. Como os trabalhadores negros ganham de uma forma desproporcional em relação aos brancos durante os anos de baixas taxas de desemprego (um facto celebrado no último Economic Report of the President ), o agudo aumento do desemprego negro ainda é mais óbvio agora. Uma taxa de desemprego para os cidadãos negros que era o dobro da taxa de desemprego para os cidadãos brancos foi uma das principais manifestações de racismo institucional no início dos anos 60, antes das vitórias principais dos Direitos Civis. Pouco mudou quanto a isso nas décadas intermediárias. [2]

O aumento de desemprego e a estagnação de salários reflectem-se no número crescente de indivíduos e famílias sem abrigo e com fome. Na Conferência Americana de Presidentes de Municipalidades relatou-se que “...durante o ano passado os pedidos de emergência para assistência alimentar aumentaram a um ritmo de 19%, com 100% das cidades americanas registando um aumento”. (A Status Report on Hunger and Homelessness in America's Cities 2002, December 2002). Em relação aos sem abrigo, a Reunião de presidentes de municipalidades concluiu igualmente que “durante o último ano os pedidos para protecção de emergência, aumentaram nas cidades inspeccionadas, a uma percentagem de 19%, tendo sido registado um aumento de 88% de cidades afectadas por esta situação”. Em relação aos sem abrigo a Conferência também descobriu que "Durante o ano passado os pedidos para abrigos de emergência aumentaram nas cidades inquiridas numa média de 19%, com 88% das cidades a registarem um aumento". Uma história recente de New Hampshire mostra de algum modo a dimensão humana da assim chamada “recuperação de desempregados” associada à diminuição da assistência federal aos pobres: “aumento do despedimento, dos alugueres e do preço dos combustíveis significa tempos difíceis para as despensas domésticas de New Hampshire. Mais pessoas estão a pedir ajuda e cada vez menos a contribuir com doações” (in Burlington Free Press, com notícia da Associated Press, 02/Mar/2003). Como o director do Bem Estar Social de Pittsfield, New Hampshire afirma: “Os pedidos totais de ajuda ao Bem Estar triplicaram... no ano passado. Eu recebo aqui gente que está desempregada e no final dos seu período de subsídio de desemprego, eles vêm cá com os filhos e a mulher e perguntam-me o que posso fazer. Bem, a única coisa que posso fazer é alimentá-los”.

COMO A ECONOMIA SE MANTÉM EM ANDAMENTO

A grande ironia nestas circunstâncias é que a economia americana está a ser impulsionada para a frente na fraca recuperação actual em grande parte pelo crescimento do consumo pessoal, apesar de os salários reais estarem a diminuir. O principal factor a estimular este consumo é o empréstimo com base no aumento do valor das habitações – a chamada bolha imobiliária. Com o mercado de acções e muitas outras oportunidades de investimentos a tornarem-se pouco atractivas, grandes quantias de dinheiro são deslocadas para o imobiliário, aumentando os seus preços. A Reserva Federal, que cortou as taxas de juro 12 vezes nos últimos dois anos a fim de incentivar o investimento, estimulou esta tendência. Como reconheceu The Economic Report of   the President, 2003 , “Os preços das habitações ...aumentaram muito mais depressa do que a mediana dos rendimentos familiares em 2001”, o que deixa o rácio entre os preços das habitações e o rendimento familiar no nível mais alto das últimas décadas (pg. 44). Muitos dos candidatos a proprietários são incapazes de comprar casas devido ao seu elevado preço, e são confrontados com alugueres muito altos. Enquanto isso, os proprietários de habitações responderam à conjugação do aumento do valor das casas com a baixa das taxas de juro tomando empréstimos maciços com a hipoteca dos seus lares, basicamente para manter o seu padrão de consumo. O refinanciamento totalizou 2,5 triliões de dólares só nos últimos dois anos. Foi estimado que no terceiro trimestre de 2002, numa base anualizada, os americanos retiraram 320 mil milhões de dólares mais com a hipoteca das suas casas do que aquilo que reinvestiram no imobiliário. Apenas 39% dos lares nos Estados Unidos estão inteiramente pagos e os restantes proprietários estão a suportar cargas médias de dívida que excedem em 80% o valor das suas casas. Isto significa que “muitos americanos têm pouca margem de segurança se o nível de preços das habitações cair, ou no mínimo se a sua redução não fosse superior a 20%, como aconteceu em muitas áreas superaquecidas no fim dos anos 80”. (Jonathan Laing, “The Debt Bomb”, Barron's , 20/Jan/2003). Na verdade, a bolha do imobiliário pode muito bem ser esticada ainda mais sem que arrebente. Stephen Roach, economista chefe e director para a economia global da Morgan Stanley, pormenorizou recentemente os perigos desta situação:

O valor líquido (equity) da bolha [no mercado de acções] ajudou a criar outras bolhas – a mais notável foi a do mercado imobiliário e em gastos do consumidor. A sua existência continuada coloca uma séria ameaça para a expansão ulterior... Há boas razões para acreditar que as bolhas tanto da propriedade [imobiliário] como do consumidor irão arrebentar num futuro não muito distante. Se isto acontecer, há uma possibilidade bem real de que os Estados Unidos, tal como aconteceu com o Japão durante os anos 90, venha a sofrer uma série de recaídas recessionárias nos próximos anos. Por agora a negação desta realidade continua a ser profunda, tal como acontecia quando o índice composto do Nasdaq estava a recuar 5.000 pontos. Poucos querem acreditar que esta expansão económica possa ser construída sobre uma base económica tão vacilante. (“The Cost of Bursting Bubbles”, New York Times , 22/Set/2002, op-Ed page).

Mesmo sem a quebra nos preços das casas, há indicações de que as pessoas esticaram de tal maneira os seus créditos que a expansão da dívida do consumidor pode não ser capaz de continuar no mesmo ritmo. Um indicador é que o fardo do serviço da dívida com habitação (os pagamentos do serviço da dívida com habitação como percentagem do rendimento familiar total [taxa de esforço]), aumentaram de 12% há uma década atrás no início da fase de recuperação do ciclo económico, para cerca 14% hoje na mesma fase do ciclo. [3] Uma coisa é certa: o montante da dívida em relação à capacidade de pagar não pode continuar a aumentar indefinidamente. O reflexo disto é o recente aumento das bancarrotas pessoais, as quais atingiram um número recorde de mais de um milhão e meio em 2002. ( New York Times , 15/Fev/2003).

Esta dependência da economia em relação às bolhas do imobiliário e aos gastos do consumidor torna-se mais alarmante no momento em que se reconhece que outras fontes de procura estão a vacilar. A verdadeira locomotiva da economia capitalista é a acumulação de capital e o investimento. Contudo, o investimento fixo nos Estados Unidos caiu a uma taxa anual de 3% nos três primeiros trimestres de 2002, devido em grande parte a um declínio precipitado no investimento em estruturas, que caiu quase 18%. Este colapso do investimento em estruturas resulta principalmente de um excesso de construção em edifícios comerciais (edifícios de escritórios, hotéis, centros comerciais, etc) durante o período da bolha financeira dos anos 90.

Contudo, não é só de edifícios para escritórios que há excesso de oferta, mas também de edifícios industriais e de equipamento. “Muitos observadores”, conta-nos The Economic Report of   the President, 2003 , põem em relevo a questão de que a economia está a ser confrontada com “uma capacidade produtiva ociosa" ("capital overhang") , assente num excessivo investimento nos anos imediatamente anteriores à recessão de 2001” (p. 35). O que é inegável, é que tem havido um aumento do excesso de capacidade nas fábricas e nos equipamentos a uma escala nunca vista nas últimas décadas. As estimativas preliminares para a capacidade industrial utilizada em 2002 colocam-na em 78%, o seu nível mais baixo desde 1983 (ibid., p. 339). O investimento em novas capacidades produtivas é orientado pela expectativa de lucros futuros quando as novas capacidades estiverem em funcionamento. Quando as expectativas de futuros lucros sobre o investimento são baixas, devido a limitações do mercado ou a qualquer outra razão, o investimento simplesmente cessa. As empresas são particularmente cautelosas quanto a investir quando já enfrentam grande capacidade produtiva ociosa, porque o novo investimento só irá aumentar uma montanha já existente de excesso de capacidade. Normalmente o investimento só ganha ímpeto se um aumento firme do consumo final parecer bem assegurado. Mas se o consumo está hesitante ou tem fundamentos precários, e a capacidade produtiva existente já é suficiente para mais do que satisfazer as necessidades actuais e previsíveis, as oportunidades de investimento são extremamente limitadas.

Não há dúvida de que o novo investimento pode resultar daquilo que Keynes chamou “espíritos animais” — ambiente irracionais e voláteis muitas vezes induzem o fervor especulativo [4] . Mas os“espíritos animais”, neste sentido, não devem ser tomados em conta e podem desaparecer tão rapidamente como surgiram. Isto é evidente no gráfico 2 , que mostra a enorme volatilidade do capital de risco durante a bolha tecnológico-financeira do final dos anos 90 e as consequências quando a bolha rebentou. O resultado foi o desemprego em massa nos sectores informático-tecnológico e financeiro e um enorme excesso de capacidade nas telecomunicações e outras industrias de alta-tecnologia. Apesar dos contínuos avanços tecnológicos associados à revolução digital, o investimento nestas áreas mantém-se vulnerável aos mesmos problemas de excesso de capacidade que infectaram toda a história da acumulação capitalista.

A revolução keynesiana na ciência económica ensina que quando há uma inversão no ciclo económico os gastos governamentais deveriam avançar para estimular a economia. Numa extensão limitada isto tem estado a acontecer. O governo federal, devido principalmente ao boom   de gastos militares associados à sua Guerra ao Terrorismo a nível global, aumentou as suas compras reais em bens e serviços a uma taxa de 6% nos três primeiros trimestres de 2002. As compras dos governos central e locais só aumentaram, no entanto, a uma taxa anual de 2% no mesmo período. Como forma de estimulo fiscal, o aumento total vindo do governo é ainda demasiado pequeno para produzir efeitos na economia em geral. As compras do Estado e locais, em particular, provavelmente cairão drasticamente nos próximos meses pois muitos estados e municipalidades estão a tentar evitar a falência.

Durante muitos anos as importações excederam de longe as exportações americanas, o que deu como resultado um problema potencialmente sério para a economia americana. Em 2002 as importações de bens e serviços aumentaram muito mais rapidamente do que as exportações, resultando num recorde do défice comercial de 435 mil milhões de dólares (77 mil milhões de dólares acima do ano anterior). O défice americano em conta corrente, uma boa parte do qual resulta do défice no comércio de bens e serviços, era aproximadamente de 400 mil milhões de dólares em 2001 e é provável que alcance bem mais de 500 mil milhões de dólares em 2002. Por mais de uma década a tendência sido em direcção a défices cada vez maiores em conta corrente. [gráfico 3]

Os desequilíbrios no comércio interno e em conta corrente não são novidade. Mas eles assumem diferentes formas em diferentes países. Os défices são mais comuns nas economias do terceiro mundo devido à exploração dos países ricos. O serviço das dívidas do terceiro mundo e a transferência de lucros das corporações multinacionais para o núcleo dos países desenvolvidos tem de ser pago em divisa internacional. Por isso, há uma tendência para estimular as exportações ou tomar novos empréstimos para obter dólares ou outras divisas internacionalmente aceites. O simples fluxo de investimento e de ajuda dos países desenvolvidos, incluindo o FMI e o Banco Mundial, conduz a uma maior dependência dos países subdesenvolvidos aos centros de poder e à escravidão pela dívida (debt peonage) .

Assim, como podem os Estados Unidos sair dos enormes défices nas suas relações económicas com o resto do mundo? Não se pode conseguir isso imprimindo mais dólares. (Isso poderia causar uma inflação desenfreada e desencadear o caos no país e no estrangeiro). Ao invés disso, é a posição hegemónica dos Estados Unidos na economia mundial, o papel condutor desempenhado pelo dólar americano, o mercado de acções em disparada e os derivados financeiros que tem permitido emprestar pesadamente e atrair grandes investimentos do resto do mundo. Como se vê no [gráfico 3] , um influxo líquido de capital para os Estados Unidos – da ordem das centenas de milhares de milhões de dólares por ano – tem sido necessário para equilibrar o seu défice em conta corrente. Quanto tempo mais será capaz de continuar a funcionar desta maneira é uma questão em aberto, e depende de relações de poder – que não estão fixadas para a eternidade – dentro da economia capitalista mundial como um todo.

O défice em conta corrente tem sido pago pelos investidores estrangeiros que compram títulos do tesouro americano, especulam no mercado de acções e em criações financeiras artificiais como os derivados (derivatives) , compram imóveis e fundem-se com empresas americanas ou adquirem-nas, ou montam o seu próprio negócio nos EUA. “Mas em 2001”, segundo a Business Week Online (18/Mar/2002), “os estrangeiros passaram a comprar títulos, o que colocou um fardo mais pesado sobre os EUA porque exigiam o pagamento de juros. No último ano, 97% do défice americano em conta corrente americana foi financiado com compras líquidas estrangeiras de outros títulos sem ser os do Tesouro". Isto está a criar uma nova fonte de fragilidade à economia americana, pois a natureza cada vez de mais curto prazo do crédito que financia o défice significa que ele provavelmente se tornará mais volátil. O que é certo é que o andamento da expansão do império americano, o que inclui guerras e a propagação de bases militares e compromissos americanos no estrangeiro, podem resultar numa maciça saída adicional de dólares do país. Se isso acontecer, o resultado provável será um novo enfraquecimento da conta corrente americana, e uma mais precária situação financeira internacional tanto para os Estados Unidos como para a restante economia mundial.

A natureza cruzada dos problemas que a economia americana atravessa é evidente pelo facto de que uma grande parte dos Treasury Securities – emitidos pelo governo americano quando gasta mais do que aquilo que recebe em impostos – é comprada por fontes estrangeiras. De 1992 até 2001, os estrangeiros aumentaram a sua participação na propriedade da dívida americana de 17% para 31% (Federal Reserve Board, Flow of Funds Accounts, Table L.209) . As actuais políticas da administração americana (primariamente a construção militar) estão a causar aumentos maciços nos défices orçamentais, obrigando à emissão de grandes quantidades de novos Títulos do Tesouro. Em consequência, a disposição dos estrangeiros em comprar e manter esses títulos tornou-se crítica para a estabilidade da economia americana.

Outros países industrializados também podem experimentar períodos de défice, mas habitualmente nunca por espaços de tempo longos, e após um curto período eles geralmente oscilam entre o défice e o excedente. Isto pode ser visto no gráfico 4 que lida com os centros do imperialismo. Nos anos 70, a balança de transações correntes pairou numa linha horizontal próxima de zero. Durante a década seguinte, houve maiores flutuações, associadas a uma intensa luta por mercados mundiais que envolveram um aumento das concentrações de capital e uma maior penetração nos países subdesenvolvidos. Contudo, uma nova era de flutuações surgiu nos anos 90. O grande défice em conta corrente dos Estados Unidos neste período não foi só um sinal de aumento do desequilíbrio na economia global. Foi também uma indicação de uma nova fase de incerteza na economia americana. Como a economia americana representa 25% da economia global, um aumento da fragilidade na primeira assinala a possibilidade da generalização de deslocações económicas no futuro.

A administração Bush tem apenas uma resposta (além da escalada nos gastos militares) para todo este pântano económico: cortes maciços nos impostos das corporações e dos ricos. Baseando sua abordagem numa teoria do investimento pelo lado da oferta que agora deveria agora estar absolutamente desacreditada, a administração acredita que ao aumentar o excedente económico disponível para o capital e redistribuir rendimento e riqueza dos pobres para os ricos abrirá as portas para uma inundação de investimento e criará as condições para um novo período de rápido crescimento. Apesar disso, actualmente não há qualquer escassez de excedente à procura de investimento dentro dos sectores ricos da sociedade. O que estão a faltar são oportunidades de investimento lucrativo para a absorção destes excedentes. O problema principal tem a ver com uma super-acumulação de capital monetário juntamente com uma insuficiente procura do consumidor. As tendências existentes em relação ao consumo, em particular, não são bons presságios para aqueles que procuram investir em nova capacidade produtiva. Os cortes maciços nos impostos agora propostos pela administração só irão enriquecer os ricos a expensas da maior parte da população. Tirar recursos da massa da população, que os gastariam em bens de consumo, e dá-los aos ricos, que não os vão gastar em bens de consumo, significa um novo enfraquecimento do consumo. Ao mesmo tempo, aumentar o capital monetário nas mãos dos investidores não os convencerá a investir a menos que eles considerem ser lucrativo fazê-lo, o que significa que tem de haver uma expectativa de um crescimento futuro da procura que utilizará a capacidade existente e justificará a expansão. Neste momento isto é simplesmente uma má aposta do ponto de vista dos negócios. Apesar dos doze cortes nas taxas de juro nos últimos dois anos, que trouxeram as taxas de fundos federais nos empréstimos overnight entre bancos abaixo dos 1.25%, o seu mais baixo nível dos últimos 41 anos, o Federal Reserve Board não foi capaz de estimular o investimento ( New York Times , 01/Mar/2003).

O facto de que há pouca noção nos círculos do establishment acerca dos problemas subjacentes enfrentados pelas economias capitalistas não é nada surpreendente. Peritos económicos e sábios debatem infindavelmente acerca do défice orçamental do governo federal, do défice em conta corrente, da fraqueza do investimento, da explosão da bolha financeira, sem no entanto considerarem a possibilidade de que estes podem ser meros sintomas de uma doença inesperada chamada estagnação. Desde que a visão prevalecente é de que uma economia capitalista tende naturalmente para altos níveis de investimento, crescimento rápido e prosperidade económica, a ideia de uma tendência à estagnação, intrínseca à economia capitalista madura, é excluída quase por definição. Na medida em que se reconhece que a taxa de crescimento da economia americana declinou desde a década de 1960, isto é visto como o resultado de uma política governamental inadequada ao invés de uma vasta tendência endémica do moderno processo de acumulação.

No nosso ponto de vista, só se torna possível uma abordagem mais realista se se adoptar a hipótese de que a estagnação é normal no capitalismo avançado. Desta perspectiva, são os períodos relativamente isolados de crescimento rápido, tais como as décadas de 1950 e 1960, que precisam ser explicados ao invés daqueles período de crescimento mais lento que dominaram a segunda metade do século XX e os anos iniciais do século XXI.

O forte crescimento dos anos 50 e 60 pode ser explicado por factores históricos como o aumento da liquidez do consumidor durante a Segunda Guerra Mundial, a segunda grande onda de automobilização da economia americana (também acompanhada pela expansão do aço, vidro, indústrias da borracha e a construção do sistema de auto-estradas interestaduais), o estímulo proporcionado por duas guerras regionais na Ásia e o aumento maciço do esforço de vendas associado ao moderno sistema de marketing. A maior parte destes factores desvaneceram-se completamente (como no caso da liquidez do consumidor) ou foram tão rebaixados que já não representam factores de crescimento para a economia. Nos anos 1980 e 1990 o principal estímulo era o crescimento da superestrutura financeira da economia. Isto foi associado, especialmente nos últimos anos, ao crescimento do sector da alta tecnologia bem como ao desenvolvimento da Internet. Estes factores também levaram ao rebentamento da bolha no mercado de acções e ao declínio do investimento em altas tecnologias. Consequentemente, à economia falta agora a espécie de factores históricos necessários para gerar um crescimento rápido. A escalada de gastos militares associada à Guerra ao Terrorismo proporcionou algum estímulo económico mas não ainda num escala em relação ao PIB global comparável às guerras das décadas de 1950 e 1960.

O que os representantes do capital pensam ser bom sob estas circunstâncias é redistribuir os efeitos do crescimento lento para assegurar que os custos da desaceleração incidam em primeiro lugar sobre os trabalhadores e os pobres (e sobre os países do terceiro mundo). Os salários reais estão a cair e ao mesmo tempo estão a ser feitos cortes drásticos em programas do governo que beneficiam a população da base da sociedade. Os benefícios com cuidados de saúde (Medicare) estão a ser cortados e a administração está a fazer tentativas para privatizar tanto a Segurança Social como a Saúde.

Como em tudo no capitalismo, isto é no fim da contas uma questão de luta de classe (cruzadas por lutas raciais e de género). O que é mais necessário sob estas condições é uma revolta dos de baixo para combater a política predominante de desigualdade económica. O espectro de uma tal revolta é talvez aquilo que mais preocupa aqueles que estão actualmente a se tornar mais ricos à custa da toda a sociedade.

NOTAS

1- Bureau of Labor Statistics, “Mass Layoffs in November 2002,” December 24, 2002 www.bls.gov/mls/ . Não aparecerão novos dados nesta série porque a administração Bush cortou todo o financiamento ao Mass Layoff Statistics Program do Bureau of Labor Statistics a partir de 31 de Dezembro de 2002.

2- Ver Paul Baran e Paul Sweezy, Monopoly Capital (Nova York: Monthly Review Press, 1966), p.261.

3- Direcção da Reserva Federal, “Divida Interna – encargos com os serviços” Cálculo de Flutuações dos Fundos www.federalreserve.gov/releases/housedebt/default.htm .

4- John Maynard Keynes, The General Theory of Employment, Interest and Money (Nova York: Harcourt, Brace and Company, 1936), p.161.
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Os gráficos estão disponíveis apenas na edição em papel.

O original encontra-se em http://www.monthlyreview.org/0403editors.htm .


Este artigo encontra-se em http://resistir.info .

14/Mar/03