Razões & mistificações
O artigo abaixo, "Usos e abusos das medidas de produtividade", de
Harry Magdoff, foi publicado em Junho de 1980 pela
Monthly Review.
A sua reprodução agora em Portugal, 22 anos depois, tem
interesse pela sua
pertinência: Neste momento o governo português
tenta impor o seu Pacote Laboral a fim de anular direitos adquiridos pelos
trabalhadores.
A argumentação emanada deste governo (e de certos economistas)
insiste na tecla do "aumento da produtividade" como
justificação para o projecto de um novo Código do
Trabalho. É um argumento de má fé. Este notável
artigo de Magdoff desmonta tal argumentação pois mostra a
irrelevância e até mesmo a não validade de qualquer medida
geral de produtividade, ou seja, de um índice que possa medir a
produtividade de toda a economia nacional.
Outra argumentação deste governo em favor do Pacote Laboral
reside na confusão (deliberada?) entre produtividade e competitividade.
Tal confusão já foi devidamente desmontada no artigo
Produtividade, competitividade e direitos dos trabalhadores em Portugal
, de Eugénio Rosa.
O que falta fazer, então? Se a aprovação do dito cujo
Pacote Laboral fosse só uma questão de razões, ele
já estaria enterrado há muito. Mas não é. O seu
enterro definitivo depende também de lutas, como a Greve Geral de 10 de
Dezembro último. Outras lutas se seguirão.
resistir.info
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Usos e abusos das medidas de produtividade
Há um ano analisámos, na
Monthly Review
, a natureza espúria do alarme sobre o que vem acontecendo à
produtividade nos Estados Unidos. Desde então, não se deixou de
falar nessa questão. Acredita-se hoje, em geral, mesmo entre os
trabalhadores, que a produtividade vem na realidade decaindo, e que esse
suposto declínio é a causa da maioria de nossos males
económicos. Ao mesmo tempo, o que se está tornando cada vez mais
claro é que a incessante propaganda em torno dessa questão
está a ser usada para atacar os trabalhadores a fim de justificar um
retrocesso nas condições no local de trabalho.
Assim, a grande dificuldade durante as negociações para
solucionar a recente greve dos trabalhadores do metro e dos autocarros da
cidade de Nova York não foram tanto os salários, mas a
insistência dos patrões em que os trabalhadores abrissem
mão de melhorias das condições de trabalho conquistadas em
contratos anteriores. Esses retrocessos —
como, por exemplo, a eliminação dos períodos de descanso
de 20 minutos —
foram exigidos pelo Departamento de Transporte Metropolitano da Cidade de Nova
York, sob a alegação de que a sua eliminação era
absolutamente essencial para o aumento da produtividade. Embora pairem
dúvidas consideráveis sobre a possibilidade de que as
concessões que acabaram por ser feitas pelo sindicato venham a resultar,
na prática, numa maior eficiência, o importante, do ponto de vista
patronal, é que o princípio do retrocesso foi estabelecido. Esse
acontecimento em Nova York está longe de constituir fenómeno
isolado. As exigências dos patrões com respeito a retrocessos —
anulação de conquistas obtidas a duras penas pelos trabalhadores
em matéria de condições de trabalho —
vêm-se generalizando entre as indústrias. E o terreno para essa
modificação na luta de classes foi preparado pela bem sucedida
lavagem cerebral do público para que este acreditasse que os Estados
Unidos estão em dificuldades devido à queda da produtividade do
trabalho.
FANTASMA ESTATÍSTICO
O aspecto mais notável de toda essa gritaria sobre a produtividade
é que ela se baseia em estatísticas absolutamente falsas, as
quais, devido à repetição frequente e à
exibição destacada pela imprensa, são aceites como medidas
válidas e significativas. Um exemplo notável de como esses
números podem ser enganosos e falsos é-nos proporcionado pela
indústria de construção. Os dados oficiais, tal como
computados pelos estatísticos governamentais, mostram que a
produtividade dessa indústria aumentou mais de 70% de 1949 a 1967, e
desde então declinou mais de 20%. Noutras palavras, os trabalhadores na
construção produzem hoje, presumivelmente, 1/5 menos por hora do
que em 1967.
Especialistas nessa indústria, porém, têm consciência
cada vez mais clara de que esses números não têm
relação com a realidade. (Ver A Productivity Drop that
Nobody Believes,
Business Week
, 25/Fev/1980). Na verdade, estudos de campo sobre as
modificações nas exigências de mão-de-obra para
tipos específicos de construção, realizados pelo
Departamento de Trabalho dos Estados Unidos, mostraram que a produtividade, na
realidade, vem aumentando nesse mesmo período, durante o qual o
índice de produtividade para a indústria como um todo registou
acentuado declínio. Qual a explicação dessa
prestidigitação estatística?
Para compreender as precárias bases do índice de produtividade
geral, devemos primeiro reconhecer que a indústria de
construção cobre ampla gama de actividades: estradas,
edifícios de escritórios, armazéns, centros comerciais,
fábricas, apartamentos, residências unifamiliares —
esses e muitos outros tipos de construção são
incluídos sob a mesma rubrica. É claro que esses diversos tipos
de produção não podem ser facilmente resumidos numa
estatística. O método adoptado pelos estatísticos para
solucionar esse problema é o de somar o valor monetário
(habitualmente o preço de venda) de cada tipo de
construção. A dificuldade desse procedimento é que os
números resultantes reflectem não apenas as
variações na produção, mas também as
tendências inflacionárias.
Para evitar isso, os estatísticos do Governo usam uma média
ponderada das taxas de salários e dos custos materiais na
construção a fim de desinflacionar o valor em dólares da
construção. Mas, como observa o artigo da
Business Week
acima mencionado, durante décadas [essa] solução
clássica do problema [de se chegar a uma medida do volume físico
de todos os tipos de construção combinados] vem-se constituindo
numa não-solução. A razão é que o
processo não leva em conta a diversidade da indústria de
construção e as modificações nas exigências
de mão-de-obra que ocorrem com o tempo, em função dessa
diversidade. Assim, em certos períodos a construção de
estradas é especialmente importante, enquanto noutros pode predominar a
construção de fábricas, escritórios ou
apartamentos. Além disso, os edifícios diferem muito entre si,
pois destinam-se a espaços específicos e a atender necessidades
específicas dos compradores. Finalmente, há
modificações, de tempos a tempos, até mesmo nos tipos de
construção mais padronizados, como as residências
unifamiliares. Por exemplo, uma maior percentagem de residências
unifamiliares nos últimos anos representou mais lareiras, isolamento, ar
condicionado central e outros melhoramentos do que no passado.
Em consequência de tudo isso, o volume de mão-de-obra exigido pode
diferir de um ano para outro, não devido a diferenças no volume
de construção ou a mudanças na produtividade do trabalho,
mas em razão de modificações naquilo que está sendo
construído. E como o índice oficial da actividade de
construção não leva em conta esses detalhes, as duas
séries sobre a produção e o emprego nessa área
não são comparáveis. Segue-se que o índice de
produtividade, dividindo a produção pelo emprego, é uma
estatística sem significado.
Além dessa falácia básica, devemos mencionar um factor
técnico que contribui ainda mais para invalidar a medida da
produtividade. Há fortes razões para acreditar que os
índices de preços e de salários usados pelos
estatísticos do Governo exageram o aumento nos custos de
construção na década de 1970
[1]
. Por todas essas razões, a mesma revista
Business Week
, resumindo as opiniões de vários peritos no assunto, conclui que
o continuado colapso da produtividade na construção
é um fantasma estatístico.
É importante compreender todas as implicações de se chamar
de fantasma estatístico o declínio da produtividade
na construção. Praticamente todas as declarações
sobre assuntos económicos nos últimos anos —
-
quer feitas pelo Presidente, por funcionários do Governo,
líderes empresariais ou professores de economia —
apresentaram propostas baseadas na suposição de que a
redução da produtividade no sector privado é facto
indiscutível. Mas esse facto indiscutível baseia-se
principalmente no cálculo segundo o qual os trabalhadores da
construção estão hoje realizando menos 1/5 do trabalho por
hora que faziam em 1967:
cerca de metade da muito comentada redução da produtividade
global deve-se a esse fantasma estatístico
. Segue-se que, se as estatísticas de produtividade na
construção estão cheias de furos, todo o argumento sobre
uma diminuição da produtividade torna-se suspeito. Além
disso, se de facto a produtividade na construção vem aumentando,
como indicam os estudos de campo do Departamento do Trabalho sobre projectos
individuais, então, pelo menos, não houve qualquer
declínio na produtividade global.
FETICHISMO
Ainda mais importante que a precariedade dos dados sobre a
construção, porém, é a irracionalidade da
própria ideia de que a produtividade da economia pode ser medida e que
os resultados são analiticamente significativos. O que temos no caso
é um caso clássico de fetichismo estatístico —
um fetichismo que surgiu quando o conceito de produtividade foi transformado
do que era outrora —
um termo técnico claramente definido —
numa expressão amorfa e abrangente —
como hoje é usada. Tal como empregada originalmente, a medida da
produtividade do trabalho limitava-se à esfera das mercadorias. Assim,
se em 1970 um trabalhador produzia em média, digamos 40 pares de sapatos
de homem por hora, e dez anos mais tarde, 60 pares do mesmo tipo de sapatos,
há sentido em se dizer que a produtividade dos trabalhadores das
fábricas de sapatos de homens aumentou 50% numa década. O que faz
disso uma afirmação significativa é o facto de o produto
final ser o mesmo nos dois anos. Evidentemente, se o produto obtido nessas
fábricas tivesse sofrido modificações substanciais —
digamos, passado a ser constituído de botas em lugar de sapatos de
passeio —
, um índice de variação na produção por
trabalhador perderia o significado. Não haveria como saber se a
diferença no número de unidades produzidas por homem-hora se deve
a uma mudança no produto ou a uma variação no volume de
trabalho necessário à produção de uma unidade.
Assim, a comparabilidade do produto é essencial para uma medida racional
da produtividade.
Por isso surgem muitos problemas técnicos, especialmente num ambiente
dinâmico, quando os modelos e estilos se modificam com frequência.
Não é este o lugar para nos estendermos sobre tal questão:
basta dizer que, muitas vezes, é possível chegar a
estimativas
razoáveis das variações da produtividade em
indústrias nas quais há produção em massa de um
grupo bastante semelhante de mercadorias, de ano a ano —
em contraposição às indústrias que se dedicam a
itens fabricados sob especificação, como a de máquinas
especializadas ou o sector da construção, de que já
falámos.
As medidas de produtividade tornam-se ainda mais distantes da realidade quando
estendidas a combinações de indústrias, como por exemplo
no preparo de um índice para o sector manufactureiro como um todo.
Há, no caso, dois problemas intimamente relacionados com os já
discutidos. Em primeiro lugar, é necessário enfrentar o teste da
comparabilidade. A única maneira de se chegar a uma medida sem
ambiguidade é comparar as variações no volume de trabalho
necessário para produzir a mesma cesta de mercadorias, de um
período a outro. Na medida em que há modificações
na cesta de mercadorias entre os dois períodos, o índice de
produtividade perde relevância, pois não temos como saber se os
seus movimentos se devem a diferentes exigências de mão-de-obra ou
a mudanças na composição da produção.
Em segundo lugar, é necessário seleccionar um método pelo
qual seja possível somar as quantidades de diferentes produtos
manufacturados. A força de trabalho não é totalmente
homogénea, devido a diferenças de qualificação,
intensidade de trabalho, etc., mas isso não nos impede de atribuir uma
significação clara ao conceito de número total de horas
trabalhadas em determinado período. A dificuldade é que as
variações nas horas trabalhadas têm de ser comparadas com
um agregado formado por números de automóveis, metros de pano,
toneladas de aço, etc. —
itens que simplesmente não podem ser somados para se chegar a um total
dotado de significação. O problema vem sendo enfrentado há
longos anos pelos estatísticos: trata-se de construir um índice
satisfatório de produção. E a experiência mostrou
que não há maneira ideal (ou absolutamente certa) de
fazê-lo: vários métodos podem ser usados, proporcionando
diferentes resultados e tendo um significado seriamente limitado. Nessas
circunstâncias, a melhor abordagem é perguntar, de saída,
por que está sendo medida a produtividade e que respostas estão
sendo procuradas com isso. Quanto mais específicas e limitadas forem as
perguntas, mais relevante pode tornar-se o método de medir a
produção e a produtividade. (Para um exame mais detalhado desse
problema, ver Harry Magdoff, The Purpose and Method of Measuring
Productivity,
Journal of the American Statistic Association
, Junho de 1939; e Harry Magdoff
et al.
,
Production, Employment and Productivity in 59 Manufacturing Industries, 1919-36
[Filadélfia, Pa.: WPA National Research Project, Maio de 1939], Parte
I, onde se mostra que as fórmulas adequadas dos
números-índices para a medida da produtividade diferem de acordo
com o objectivo da medida. Também se demonstra que, a fim de responder a
certos tipos de questões relativas a produtividade, horas trabalhadas ou
mão-de-obra exigida por unidade de produção é o
denominador mais significativo para equiparar produtos manufacturados.)
Uma razão para se incluir essa discussão um tanto técnica
é destacar o facto de não existir nada que se assemelhe a uma
medida directa, ou verdadeira, da produtividade. E se isso acontece
no sector das mercadorias, onde um significado razoável, embora
limitado, pode ser atribuído ao conceito, que dizer sobre a
produtividade dos trabalhadores de serviços? Há, é claro,
trabalhos de serviços que consistem em operações
rotineiras, repetitivas —
por exemplo, a dactilografia —
, onde medidas de produtividade podem ter algum significado. Mas como medir a
produtividade de um bombeiro, um cozinheiro, um garçon, uma
recepcionista de um escritório de advocacia? Pela sua própria
natureza, na maioria dos serviços as variações
qualitativas estão entrelaçadas com as quantitativas: portanto,
não há continuidade de produção de um
período a outro, com o qual se possam comparar as
variações no emprego. Além disso, é típico
de qualquer área de serviços que a
produção não pode ser separada do trabalho
empregado na realização do serviço. Também por isso
não há como comparar as variações na
produção e no trabalho. Por outras palavras, a
noção de uma medida de produtividade para a maioria das
ocupações do sector de serviços não tem sentido,
além de ser auto-contraditória
[2]
.
Infelizmente, essas considerações de lógica elementar
não impediram que estatísticos e economistas produzissem toda uma
sequência de medidas de produtividade aplicáveis não
só à economia privada (combinando a produção de
mercadorias e os serviços), mas também, em certos casos, ao
Governo, e úteis para finalidades ideológicas e de
elaboração de políticas. E pela força de uma
repetição interminável e da ênfase selectiva, esses
fantasmas estatísticos (repetindo a feliz expressão da
Business Week
) alcançaram o
status
de factos indiscutíveis e entraram na esfera do discurso
científico. O que na realidade não passa de um rude fetiche
tornou-se, assim, uma das armas mais potentes na luta do capital contra o
trabalho, e no apoio de um sistema social cada vez mais irracional e destrutivo.
Ao mesmo tempo, todo esse disparate estatístico serviu, com
eficiência, para ocultar as implicações mais profundas das
modificações da produtividade na história recente do
capitalismo. A verdade é que o enorme e persistente crescimento da
produtividade nas fábricas e nos campos proporcionou um excedente de
mercadorias suficiente para apoiar o crescimento de uma economia de
serviços cada vez mais ampla e complexa. Quanto menor a
proporção da força de trabalho necessária à
produção de mercadorias, maior o potencial de aumento das
actividades de serviços. Parte desse crescente excedente foi para a
criação de serviços que permitem uma vida melhor, como,
por exemplo, nas áreas de educação, saúde e
entretenimento. Parte substancial, porém, destinou-se a apoiar os
interesses das empresas na luta competitiva pelos lucros. Foi isso que tornou
possível o rápido crescimento do emprego em áreas como
comércio retalhista, promoção de vendas, publicidade,
bancos e outras operações financeiras, especulação
em acções, bolsas de mercadorias e imóveis,
serviços jurídicos e contábeis, e assim por diante.
Segue-se que, qualquer que seja a interpretação dada aos
índices de produtividade global, o próprio crescimento constante
desse excedente e da economia de serviços que ele mantém prova,
além de qualquer dúvida, que a produtividade do trabalho nas
áreas produtoras de mercadorias vem crescendo aos saltos em toda a
moderna história do capitalismo. E se esse aumento muito real da
produtividade do trabalho se manifesta cada vez menos em vantagens para a massa
do povo, a razão é a crescente irracionalidade e
desperdício do capitalismo monopolista, que canaliza um volume cada vez
maior de mão-de-obra para actividades relacionadas com a
obtenção e o gasto de lucros e cada vez menos para actividades
úteis que poderiam atender as necessidades do povo.
Uma boa ilustração da maneira pela qual esse processo funciona
é-nos proporcionada pela indústria automobilística. Em
1977 (último ano para o qual temos dados comparáveis), havia 727
mil trabalhadores de produção na indústria. Naquele mesmo
ano, as agências de vendas de automóveis empregavam 1.115 mil
pessoas. (Esses números encontram-se no
Statistical Abstract of the United States: 1979
.) Como alguns desses revendedores também estavam a vender carros
importados, vamos calcular, conservadoramente, que apenas 900 mil trabalhadores
estivessem empregados na venda e distribuição de carros nacionais
—
cerca de 200 mil mais que o número de trabalhadores necessários
para a fabricação dos carros! Pode-se dizer que a
comparação é tendenciosa, pois parte do pessoal empregado
pelos revendedores de carros também se dedica à assistência
mecânica aos automóveis. Isso é certo, mas por outro lado
não contamos as centenas de milhares de outros que são empregados
indirectamente na venda de carros. Havia, por exemplo, 200 mil empregados
não produtivos nas firmas de produção de carros, grande
parte dos quais atendendo os revendedores, realizando pesquisas de mercado e
outros tipos de actividades de promoção de vendas. Havia mais de
100 mil empregados no comércio de automóveis por atacado. E os
quase 1,5 mil milhões gastos na publicidade bem como os 90 mil
milhões, aproximadamente, em crediários para compras de
automóveis absorviam ponderável número de empregados de
serviços. O que vemos aqui é uma modificação
característica de tendências de passagem da produção
de mercadorias para o emprego em serviços: prodigalidade nas vendas,
financiamentos e distribuição, e incessante
contenção de custos (pela poupança de mão-de-obra e
outras economias) nas operações de produção.
Recente artigo publicado na página de editoriais e opinião do
New York Times
(9 de Abril de 1980), da autoria de um trabalhador numa linha de montagem de
carros, proporciona-nos elementos sobre o que acontece no interior de uma
fábrica:
«Eu trabalhava numa linha de submontagem numa fábrica de
peças para automóveis. Tínhamos de produzir 330
peças de segurança por hora —
cinco e meio por minuto. Minha tarefa consistia em vários movimentos:
colocava dois pedaços de metal numa prensa, em seguida apertava
botões para fechá-la e para soldar o metal. Era necessário
proceder da forma mais mecânica possível, repetindo cada movimento
de forma exacta. Eu podia realizar o trabalho sem olhar e com frequência
o fazia. A única maneira de conversar comigo, por sobre todo aquele
barulho, era berrar fragmentos de frases no meu ouvido, nos poucos segundos em
que eu me afastava rapidamente da máquina.
«Embora a inspecção não fosse parte da minha tarefa,
eu recolhia e deitava fora as peças defeituosas —
até que um dia o inspector recolheu as peças que eu havia posto
fora e mandou que eu as usasse. Noutra ocasião, numa fábrica
diferente, um inspector me disse que estava enfrentando problemas por mandar
para o lixo um número muito grande de peças, embora ele
compreendesse que elas realmente não prestavam».
Com essa mania de redução de custos, não é de
espantar que em 1977 e 1978 em conjunto (os dois últimos anos para os
quais dispomos de dados) cerca de 19 milhões de carros norte-americanos
tenham sido devolvidos devido a defeitos de fabricação. (Por
isso, os revendedores de veículos necessitam de um quadro numeroso de
mecânicos). Não há estatísticas —
o que não é surpresa —
sobre o número de trabalhadores com sérias enfermidades mentais
e físicas atribuíveis às pressões no sentido da
rapidez e a outras características prejudiciais à saúde,
existentes no ambiente de trabalho das fábricas.
Em geral, a concentração obsessiva na questão da
produtividade resume a racionalidade básica (ou melhor, irracionalidade)
da economia capitalista. Para ter uma margem suficiente para proteger os
activos e os lucros, e para defender a sua parcela do mercado, os capitalistas
têm de dedicar constante atenção à
redução dos custos no processo de produção. Isso
leva inevitavelmente a uma contradição fundamental entre a
contabilidade da empresa e a contabilidade social. Do ponto de vista da
empresa, as medidas adoptadas para melhorar a segurança e a saúde
dos trabalhadores, tornar melhores os produtos e impedir a futura
deterioração do ambiente de trabalho são todas custos
adicionais. Do ponto de vista social, o problema central não é a
redução dos custos ou o aumento da produtividade, mas como e onde
alocar os recursos para eliminar a pobreza e melhorar a qualidade da vida no
trabalho e no lar.
________________
NOTAS
[1] A estimativa do volume físico da construção, como o
leitor se lembrará, é deduzida através das
variações no valor em dólares da construção
pelas variações numa média ponderada das taxas de
salários e preços das matérias primas. Assim, se o aumento
do denominador for exagerado, a razão resultante —
supostamente, uma medida da produção —
será diminuída. E se a produção for
diminuída, também a produtividade o será.
[2] Para tornar mais compreensível a última
afirmação
reproduz-se um excerto de outro artigo anterior, a que o autor faz
referência no início do texto, publicado originalmente no
número de Junho de 1979 da
Montlhy Review
[nota de resistir.info]:
O que significa a estatística da produtividade
«Passamos agora ao exame das medidas de produtividade que supostamente
demonstrariam sua taxa decrescente de crescimento. Quanto a isso, é
importante deixar claro que as estatísticas governamentais [...]
pretendem medir a produção por homem-hora para
toda
a economia privada (não governamental). Toda a actividade produtiva
privada estaria coberta —
não só a produção das fábricas, minas e
fazendas, mas também a dos gabinetes de massagens, das salas e
estúdios de cinemas, dos cabarés, instituições
filantrópicas, escolas particulares e hospitais, supermercados, bancos e
imobiliárias.
«À parte qualquer outro aspecto, são enormes os problemas
exclusivamente técnicos de se chegar a uma medida quantitativa dessa
mistura de bens e serviços. Em essência, o que os
estatísticos fazem é somar os custos de produção
(incluindo lucros) e em seguida ajustar os totais por meio de índices de
preços, para chegar a uma medida da produção. Esse
processo envolve grande dose de estimativas (ou suposições) e
deixa espaço a uma margem de erro tanto no número total, em
qualquer momento, como no montante de variação de um
período para outro. Mas iniciar agora uma discussão sobre as
deficiências técnicas desses números serviria apenas para
afastar a atenção da questão mais importante, que é
o seu significado.
«O que devemos compreender é que esses dados não levam em
conta a
qualidade
da produção —
medem, na melhor das hipóteses, sua quantidade. Por mais significativa
que possa ser essa omissão na medida da produção de bens,
é especialmente séria no caso de serviços. Por exemplo, a
produtividade das instituições educacionais aumenta à
medida que aumenta a carga de trabalho dos professores. Mas ao mesmo tempo a
qualidade da educação provavelmente sofre com isso, já que
cada professor tem de ocupar-se de mais alunos, dedicando menos tempo e
atenção a cada um deles. Estarão os professores,
então, produzindo mais ou produzindo menos? Da mesma forma, o fecho do
único hospital de uma comunidade e a transferência dos pacientes
para um hospital numa área distante pode parecer um estímulo
à produtividade dos trabalhadores do ramo que permaneceram, mas ao custo
da qualidade dos serviços médicos. As medidas de
produção quantitativas nesses serviços e em outros
são necessariamente deformadas e só podem ter uma
significação ambígua e limitada.
«Há, é claro, actividades nos campos dos serviços nos
quais a produtividade tem um significado bastante preciso. Isso ocorre, por
exemplo, no trabalho burocrático rotineiro dos bancos e companhias de
seguros. Por outro lado, há áreas bem grandes em que funcionam
muitos milhões de trabalhadores, nas quais as questões de
definição de produção podem lançar
dúvidas sobre o significado das medidas de produtividade e, portanto,
também sobre as inferências que podem ser extraídas das
variações dessas estatísticas»,
[*]
Editor da
Monthly Review
. Este artigo também foi publicado como
capítulo do livro
The Deepening Crisis of U.S. Capitalism
, editado em 1981 pela Monthly Review Press. Existe uma tradução
brasileira intitulada
A Crise do Capitalismo Americano
(Zahar, 1982).
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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