Palestina
Classes, economia e a segunda Intifada
A actual Intifada palestiniana e a brutal resposta de Israel tem sido objecto
de inúmeros artigos de opinião durante os últimos dois
anos. No âmbito das análises da esquerda há um vácuo
decepcionante, com muito dos escritos tentando explicar o carácter da
política israelense através das visões direitistas de Ariel
Sharon. Dentro deste esquema, a estratégia de Israel é
apresentada como uma extensão racista dos desígnios
colonialistas nos Territórios Ocupados incluindo por vezes a
expulsão de palestinianos da Cijordânia e Faixa de Gaza (daqui em
frente referidas como C/FG).
O que está de modo impressionante ausente de, virtualmente, toda a
análise de esquerda é qualquer discussão de classe e de
economia política tanto em Israel como nos Territórios Ocupados.
Embora possa parecer uma acusação estranha a fazer a textos
compreendidos na área da esquerda, acredito que a ausência de uma
análise de classe é em si mesmo uma indicação da
confusão de muitas das análises de esquerda sobre o Estado de
Israel. Para muita da esquerda, a política de Israel é
simplesmente entendida como um binário de opostos entre a direita Likud
e a inclinação mais pacífica do Partido Trabalhista.
Pretendo mostrar mais à frente que esta visão resulta de uma
errada aproximação ao entendimento da formação das
classes em Israel e que se não se colocar as classes sociais no centro
da nossa
análise torna-se difícil desenvolver uma compreensão
adequada do que está realmente a acontecer no terreno.
No fundamental, argumento que o capitalismo israelense foi trazido à
existência pelo movimento trabalhista sionista (hoje representado pelo
Partido Trabalhista) e que o processo de Oslo foi um passo chave na sua
formação. A guerra de Israel contra o povo palestiniano é,
hoje, a extensão lógica deste processo apontando para a
criação de um Estado-cantão palestiniano. Devido ao papel
central do movimento trabalhista sionista na construção do
capitalismo israelense, os termos esquerda e direita
são frequentemente confundidos no caso israelense.
Além do mais, durante os últimos dez anos, Israel tem-se
progressivamente libertado da dependência da mão-de-obra barata
palestiniana enquanto estreita a dependência dos Territórios
Ocupados relativamente à economia israelense. O resultado é uma
sociedade palestiniana com uma estrutura de classes fortemente distorcida
uma classe capitalista dependente de relações
privilegiadas com o capital israelense e uma classe operária com pouco
peso estratégico na luta de libertação.
Classes e Estado na sociedade de Israel
Muitos dos comentários, académicos ou populares sobre Israel,
vêem no peso predominante do Estado nas primeiras quatro décadas
desde o estabelecimento do país em 1948 uma evidência de Israel
como tendo constituído uma economia socialista. Esta crença
encontra suporte na determinação política colectiva
particularmente o movimento Kibbutz e na força do movimento
sindical, o Histadrut, o maior empregador singular durante a maior parte da
história de Israel.
Desde os meados de 80, conhecendo uma aceleração durante os anos
90, a política económica de Israel sofreu uma dramática
transformação. Durante os últimos cinquenta anos, a
estrutura económica do país alterou-se significativamente e
Israel abraçou a visão em expansão do capitalismo global.
Largamente baseado nas receitas do FMI e do BM, o governo israelense privatizou
empresas, distendeu o controlo governamental sobre o mercado de capitais e
reduziu os salários reais.
As abordagens tradicionais relativamente à política
económica de Israel tendem a explicar estas mudanças como
resultado de uma alteração ideológica nas elites
israelenses. De acordo com essas abordagens os líderes israelenses
abraçaram as receitas do capitalismo neoliberal em meados da
década de 80 tendo em conta os problemas económicos de Israel,
depois de serem portadores de uma versão da ideologia socialista.
Em contraste, uma nova geração de pensadores israelenses
escrevendo sobre as últimas décadas têm argumentado da
necessidade de uma nova abordagem relativamente à compreensão das
autoridades israelenses. Têm argumentado que o desenvolvimento do
movimento sionista é melhor compreendido no contexto do movimento
colonizador tentando ganhar controlo sobre a terra e o mercado de trabalho. A
classe capitalista privada do movimento colonizador inicial era fraca e
dividida, e a aproximação colectivista do movimento colonizador
liderado pelo movimento trabalhista sionista constituiu a mais eficaz forma de
colonização da terra e de expulsão da
população árabe. A força do Histadrut e o papel
central do movimento trabalhista sionista é melhor entendido
através da fragilidade da classe capitalista judaica existente antes de
1948 e da necessidade de fornecer trabalho aos imigrantes judeus em
simultâneo com a exclusão dos operários palestinianos do
mercado de trabalho como antecâmara da expulsão.
Devido à natureza embrionária tanto da classe capitalista como da
operária durante o período de colonização, o Estado
de Israel desenvolvido após 1948 estava empenhado não apenas na
colonização da terra mas na construção da
própria estrutura de classes. Esta formação de classes
passou por duas fases chaves entre o período de 1948 e 1985:
1.
1948-1973: Este período foi caracterizado por elevados níveis
de crescimento financiados por transferências unilaterais de capital
provindos das reparações alemãs e de judeus no exterior.
Foi um período inicial de formação do Estado e das
classes. Deste modo o Estado direccionou virtualmente todas as
transferências de capitais para os grupos económicos considerados
aliados no projecto nacional. Grupos esses que evoluíram
para conglomerados chave dominando a economia israelense nos anos seguintes. A
classe operária israelense foi formada através de elevados
níveis de imigração de judeus árabes, africanos e
asiáticos que etnicamente se definiram como os
Mizrahim.
Seguindo a ocupação israelense da C/FG em 1967, a economia
israelense experimentou o chamado boom palestiniano. A ocupação
incrementou de modo significativo o mercado doméstico de Israel e
forneceu outra fonte de barata força de trabalho. Esta força de
trabalho era barata e altamente explorada e, por meados da década de 80,
os palestinianos da C/FG constituíam cerca de 7% da força de
trabalho israelense. Cerca de um terço da força de trabalho da
C/FG
trabalhava em Israel em 1985, com 47% deste número a trabalhar na
indústria de construção. Esta força de trabalho
barata proporcionou um grande impulso à economia israelense preenchendo
os mais baixos níveis do mercado de trabalho e cobrindo alguma
carência motivada pelo prolongado serviço militar israelense.
Permitiu também a alguns trabalhadores Mizrahim subirem a
posições de controlo e de supervisão, reduzindo assim
alguma tensão étnica surgida durante a década de 70 entre
os Mizrahim e os judeus europeus.
2.
1974-1985: Nos fins da década de 60, o largo núcleo de
conglomerados fundiram-se em cinco grupos Koor, Hapoalim, Leumi, Clal e
IDB. Os primeiros quatro grupos eram controlados pelo Estado, Histadrut e o
movimento trabalhista sionista, enquanto o IDB era privado. Começando
com a ocupação israelense da C/FG em 1967 e acelerada com a guerra
de 1973, a produção militar passou a ocupar o centro da
política económica de Israel. Estes gastos militares eram
contratados pelo Estado a grupos económicos e levaram a taxas massivas
de acumulação para o núcleo central dos grupos
económicos enquanto a economia como um todo sofria de
estagflação.
Nos meados da década de 80, este sistema começou a abalar por um
número variado de factores. Ao nível global, a recessão e
a queda de encomendas militares no mercado internacional começaram a
limitar os lucros dos grupos. Ao nível local, os primeiros sintomas de
hiperinflação começou a estrangular a economia como um
todo e tornou o planeamento financeiro difícil.
Em resposta a estas alterações, o Estado sob a tutela da
ala trabalhista do movimento sionista empreendeu uma significativa
mudança de direcção que começou com o Plano de
Estabilização Económica de 1985 (PEE). Esta mudança
consistiu em quatro processos interrelacionados:
1. Uma alteração da relação entre o Estado e os
grupos económicos chave.
O PEE inaugurou uma nova fase na
relação do Estado com a classe capitalista. Os grupos
económicos fundamentais foram separados do aparelho de Estado passando
para as mãos da nova classe capitalista. O Estado não mais
protegeria estes grupos, sendo que eles tornaram-se locais fundamentais de
acumulação de capital para uma verdadeira classe capitalista.
Isto foi conseguido através da fractura do império Histadrut,
passando as suas componentes para o sector privado, e da
privatização de sectores governamentais.
2. A coalescência de uma nova classe capitalista.
Esta classe capitalista
veio de uma fusão de três diferentes fontes: do capital global
frequentemente com ligações ao movimento sionista
como o capitalista americano Ted Arison e o bilionário canadiano Charles
Bronfman; capital privado local anteriormente suportado pelo Estado, como as
famílias Recanati e Ofer; e em terceiro lugar elementos da burocracia
estatal que chefiaram a ESP e o processo de privatização.
3. A inserção de Israel na economia global.
Começando em
meados da década de 80, a economia israelense foi sendo integrada na
economia mundial através da redução das taxas aduaneiras
e das normas de investimento. A classe capitalista, mencionada no ponto
anterior não era homogénea. O terceiro sector da classe
capitalista atrás mencionada, anteriormente da burocracia estatal,
tendeu a constituir-se em gestores de novas companhias privadas. Seguindo o
início das negociações com os palestinianos nos
princípios de 1990, um vasto sector de capitalistas oriundos de Israel
foram integrados no novo mundo globalizado através de significativos
investimentos e ligações financeiras com o capital estrangeiro,
em particular nos Estados Unidos e Ásia. Em terceiro lugar, o capital
internacional particularmente o americano começou a
investir de modo muito significativo em Israel, à medida que o
país se integrava na ordem mundial capitalista.
4. Reestruturação da relação entre classes.
A
quebra dos conglomerados e do império Histadrut teve um significativo
impacto nas relações entre a classe operária e a classe
capitalista. O antigo sistema, onde coexistiu uma camada privilegiada de
trabalhadores com um sector altamente explorado foi abaixo através da
ruptura da ligação entre o Histadrut e a economia. Houve um largo
aumento da taxa de exploração da classe operária
reflectida em altas taxas de produtividade excedendo o aumento real de
salários. Várias políticas estatais contribuíram
para isto, em particular a desvalorização da moeda e o
enfraquecimento da ajuda sobre o custo de vida que estava a ser pago para
compensar a inflação. Alem do mais, políticas fiscais
governamentais tais como o fim ou diminuição dos subsídios
a certos bens contribuíram para uma transferência de riqueza dos
mais pobres para a nova classe capitalista.
Estas medidas, caracterizadoras da nova política
económica de Israel, tiveram reflexos a nível político e
cultural. Algumas indicações destas mudanças incluem: (1)
o aumento de organizações cívicas e movimentos
extra-parlamentares à medida que o governo se retirava da esfera
pública, (2) um aumento da MacDonaldização da
cultura israelense à medida que o capital norte-americano penetrava na
economia e, (3) desenvolvimentos políticos como o processo de Oslo que
constituiu um passo fundamental no movimento do capital israelense para um
patamar global e regional.
Deve ser salientado que a força motriz deste processo foi o Partido
Trabalhista. A sua base social de apoio foi tradicionalmente constituída
pelos judeus mais abastados da Europa e América, enquanto o rival Likud
começou a ganhar apoios entre as camadas mais pobres de judeus vindos de
Africa e do Médio Oriente (Mizrahim) nos anos setenta. O partido Likud
ganhou as suas primeiras eleições em 1977, em larga medida devido
ao suporte dos mais pobres e da posição de inferioridade dos
Mizrahim em simultâneo com a visão de que o partido Trabalhista
representava a elite de judeus europeus. Hoje em dia é mínima a
diferença entre as politicas económicas dos Trabalhistas e do
Likud ambos abraçaram sinceramente como sua a política
neoliberal dominante. A nível político existe, de igual modo, uma
coincidência entre as correntes fundamentais dos Trabalhistas e do Likud
relativamente ao conflito palestiniano. É esta convergência entre
os trabalhistas e o Likud que explica o colapso do partido Trabalhista como
força política em Israel (6).
Oslo e o capitalismo israelense
No início do processo de Oslo, a classe capitalista emergente encorajava
as negociações. Um exemplo típico foi Benny Gaon. Gaon
tornou-se presidente da companhia de bandeira da Histadrut, a Koor em 1987, e
dirigiu
a privatização da companhia. Para Gaon e a nova classe
capitalista israelense, Oslo era um passo essencial na abertura de Israel ao
mercado global. De acordo com este ponto de vista, seria impossível
atrair um significativo investimento estrangeiro enquanto o conflito
persistisse. Seria igualmente difícil para as companhias de Israel
investir nos EUA, Europa, ou nos chamados mercados emergentes sem uma
resolução política do conflito Israel palestiniano. Koor
lançou o seu Projecto de Paz pouco após a assinatura da
Declaração de Princípios em 1993, e que uniu homens de
negócios israelenses, palestinianos, árabes e europeus em
projectos de investimentos conjuntos na região. Foi também um
parceiro importante da Autoridade Palestiniana em projectos de infra-estrutura
e de exportação para a C/FG.
A razão deste apoio foi largamente sustentada na necessidade de acabar o
boicote árabe à economia israelense e no assegurar da estabilidade
do ambiente económico em Israel. Israel apontou como objectivo
subcontratar industrias de baixa tecnologia, como as têxteis, no Egipto e
Jordânia, com uma mão-de-obra muito mais barata do que em Israel.
Em larga medida, este foi um objectivo conseguido, com companhias israelenses
agora a produzirem em zonas industriais da Jordânia, Egipto e nos
Territórios Ocupados.
Com início em 1993, Israel começou, planeadamente, a substituir
os trabalhadores palestinianos que ali trabalhavam desde 1967, por
mão-de-obra importada da Ásia e da Europa de Leste. Ainda que
esta mão-de-obra fosse ligeiramente mais cara e tivessem que ser
alojados e trazidos para o país eram altamente explorados e,
frequentemente, ilegais (ainda que com o conhecimento completo das
autoridades israelenses). Eles formaram um exército de reserva de
força de trabalho ideal pois facilmente podiam ser deportados para o
país de origem com base na acusação de permanecerem no
país ilegalmente.
Mais importante, os trabalhadores estrangeiros que chegavam em centenas de
milhares após os acordos de Oslo significava que a economia israelense
não estava mais dependente de trabalhadores palestinianos. Em vez disso,
o trabalho palestiniano tornou-se uma torneira que podia ser aberta
ou fechada dependendo da situação política e
económica. Entre 1992 e 1996, o emprego palestiniano em Israel desceu de
116.000 trabalhadores (33% da força de trabalho palestiniana) para
28.100 (6% da força de trabalho palestiniana). Os dividendos
provenientes do trabalho em Israel desceram de 25% do PIB palestiniano em 1992
para 6% em 1996 (7). Entre 1997 e 1999, com uma melhoria na economia israelense
houve um aumento de trabalhadores israelenses para níveis anteriores a
1993. No entanto, no seguimento da corrente Intifada, o número de
trabalhadores desceu drasticamente devido ao fecho de fronteiras e recusa de
autorização de entrada. Desde Setembro de 2000 cerca de 75 a
80.000 palestinianos perderam o seu trabalho dentro de Israel ou nos colonatos.
Este quadro indicia que a força de trabalho palestiniana em Israel
tornou-se uma segunda reserva de força de trabalho, a par com os
trabalhadores estrangeiros.
Relação entre a Autoridade Palestiniana e Israel
O ponto capital da estratégia israelense para com a C/FG é o
controle sobre a população palestiniana sem uma
administração militar directa sobre cidades e vilas. Oslo
tentou manter o movimento palestiniano, economia e fronteiras sob controlo
israelense ao mesmo tempo que a Autoridade Palestiniana (AP) governava os
territórios com um poder assentado no acordo dos governos de Israel e
dos EUA. A primeira responsabilidade da Autoridade Palestiniana era assegurar a
segurança de Israel i.e., agir como uma força
policial da autoridade ocupante. No sentido colonialista clássico, os
palestinianos deveriam poder ser governados por eles próprios, mas
cuidadosamente circunscritos ao contexto de uma dominação e
controle israelense.
A economia Palestiniana é completamente integrada e dependente da
economia israelense. Aproximadamente 75% de todas as importações
para a C/FG vêm de Israel com 95% das exportações destes
territórios a terem como destino Israel. O completo controlo das
fronteiras por Israel significa a impossibilidade para a economia Palestiniana
de desenvolver relações comerciais significativas com um terceiro
país. A C/FG é altamente dependente de bens importados, chegando
estes a aproximadamente 80% do PIB. Nesta situação de uma
produção local muito fraca e de grande dependência de
importações, o poder económico da classe capitalista
palestiniana não surge da produção industrial local sendo
antes de natureza mercantil. Os seus lucros surgem dos direitos exclusivos de
importação de bens israelenses e do controlo de grandes
monopólios concessionados aos leais a Arafat. A relação
privilegiada com o capital israelense é a característica
definidora da burguesia palestiniana. Desde 1993 a burguesia fundiu-se com
secções da burocracia da Autoridade Palestiniana, formando um
pilar importante da governação palestiniana.
Desde o início do processo de Oslo, a Autoridade Palestiniana tem estado
completamente dependente de Israel, dos EUA e da Europa na garantia da sua
própria existência. Entre 1995 e 2000, 60% da receita total da
Autoridade Palestiniana advém de taxas indirectas colectadas pelo
governo de Israel de bens importados do estrangeiro e destinados aos
Territórios Ocupados. Estes dinheiros são recebidos pelo governo
israelense e depois transferido todos os meses para a Autoridade Palestiniana de
acordo com um processo definido no acordo económico do Protocolo de
Paris em 1995 (8). Significa isto que se o governo israelense decidisse reter
esse dinheiro como acontece desde Dezembro de 2000 a Autoridade
Palestiniana encontrar-se-ia numa grave crise fiscal.
As outras fontes maiores de rendimento da AP são donativos vindos dos
EUA, Europa e governos árabes. Em 2001, estes fundos cobriram cerca de
75% do orçamento para salários da AP. Sem ele, 122.000 empregados
da AP não teriam sido pagos. Além disto, doadores
estrangeiros suportam programas de emergência como o auxílio
alimentar, esquemas de criação de emprego e
reconstrução de infra-estruturas destruídas. O
défice
comercial total da C/FG representa 45 a 50% do PIB, sendo principalmente
financiado por ajuda internacional.
Esta relação entre as áreas palestinianas e a economia de
Israel assim como a natureza mercantil da classe capitalista palestiniana deu
um carácter distintivo à classe operária palestiniana. A
força de trabalho está dividida em três grandes
áreas de emprego trabalhadores em Israel e nos colonatos que
são gravemente afectados pela situação vivida, um largo
número de empregados no sector público da AP, e um sector privado
dominado pelo pequeno comércio. Não existe, virtualmente, nenhuma
classe operária industrial a mencionar na C/FG.
Enquanto a força de trabalho palestiniana em Israel tem diminuído
de importância para a economia israelense, ela ainda constitui uma
proporção significativa da força de trabalho
total. Nos meses que antecederam a Intifada em 2000, mais de 20% da
força de trabalho palestiniana da C/FG (excluindo Jerusalém)
trabalhava em Israel ou nos colonatos.
Em 1998, durante a primeira insurreição nos Territórios
Ocupados, a proporção da força de trabalho palestiniana
dentro de Israel ascendia a 50%. Portanto, durante doze anos houve uma quebra
de 60% na proporção de trabalhadores palestinianos a trabalhar
para empregadores israelenses. Para onde foram estes trabalhadores?
O maior sector de emprego desde o processo de Oslo tem sido o sector
público da AP, que dá conta de cerca de 25% do emprego na
economia local. A proporção da força de trabalho empregada
no sector público quase que duplicou desde meados de 1996. Mais de
metade dos gastos da AP é em salários para o sector
público.
O terceiro maior sector de emprego é o sector privado, particularmente
na área dos serviços. O que distingue este sector é que
é esmagadoramente dominado por pequenos negócios familiares. Do
território palestiniano está ausente qualquer grande
indústria significativa devido a 30 anos de políticas
anti-desenvolvimentistas de Israel. Para cima de 90% do sector privado
palestiniano emprega menos de dez pessoas.
Implicações políticas
A nível económico, Oslo sustentou o desenvolvimento de uma classe
capitalista parasitária que se baseava na confiança com o capital
israelense para obter os seus ganhos. Entretanto Israel acabou com a sua
dependência da força de trabalho barata palestiniana
através de um fluxo maciço de altamente explorados trabalhadores
estrangeiros. Como alternativa, os trabalhadores palestinianos tornaram-se num
exército de reserva usados ou deitados fora arbitrariamente.
Décadas de políticas anti-desenvolvimentistas e o completo
controlo sobre o território significa para os trabalhadores
palestinianos ou a dependência de um sector público pago pela
ajuda internacional, ou a concentração em empresas pequenas e
familiares.
Esta estrutura da classe operária palestiniana é altamente
significativa em termos de estratégia política. Ainda que a
classe operária palestiniana seja numerosa, não há nenhum
sector com peso económico no sentido de organizar uma estratégia
de classe no centro do movimento nacional de libertação
palestiniana. Situação que difere, talvez, do exemplo do
movimento anti-apartheid na África do Sul, na qual a classe
operária
organizada e particularmente os mineiros foram capazes de
desempenhar um papel central no movimento.
A realidade desta estrutura de classes tem uma clara expressão no
terreno. Desde Abril deste ano, cerca de 700.000 pessoas na Cijordânia
têm vivido sob recolher obrigatório na maior parte do tempo.
Recolher obrigatório de facto, prisão domiciliária
, significa que ninguém que viva numa cidade palestiniana
importante possa deixar a sua casa sem a ameaça de ser morto pelo
exército israelense. Os dias em que o recolher obrigatório
é levantado por algumas horas dão aos residentes tempo suficiente
para comprar comida e ver amigos, mas não para manter qualquer actividade
produtiva. Num tal contexto o planeamento básico da vida torna-se uma
impossibilidade. É impossível saber, de um dia para o outro, se
se está em condições de ir trabalhar, de ir à
escola ou universidade. O resultado é uma população cuja
vida foi colocada em pausa.
A realidade do recolher obrigatório ilustra perfeitamente as
mudanças na estrutura de classes tanto israelenses como palestinianas,
desde Oslo. Numa sociedade capitalista funcionando normalmente, este tipo de
situação seria impossível pois levaria à
paralisação de todo o sector produtivo em alguns meses. Durante a
primeira Intifada, começada em 1988, Israel impôs também
recolheres obrigatórios regulares em algumas cidades e vilas, mas nunca
por um período e à escala actual. Estas medidas, assim como a
não ida ao trabalho durante a primeira Intifada causada por greves
gerais, levou o chefe do Serviço de Emprego de Israel a apelidar a
situação de traumática para a economia
israelense. Hoje, todos os líderes políticos israelenses apoiam a
permanência do recolher obrigatório e defendem a
separação económica.
A estrutura da classe operária palestiniana afecta profundamente a
estratégia política da Intifada. Os conceitos de greves ou outras
acções laborais não existem, pois não têm
qualquer efeito sobre a economia de Israel e só afectaria os
trabalhadores palestinianos e suas famílias. Outra sugestão de
acção política regularmente levantada durante a Intifada
é o boicote aos produtos israelenses. Apesar de algumas tentativas
simbólicas, a relação económica entre as economias
israelenses e palestinianas torna estas acções virtualmente
impossíveis pois a maioria dos produtos são importados de Israel.
Não há nenhuma fonte local de produtos diariamente
necessários, como carne, cimento, muitos frutos e vegetais ou produtos
eléctricos. Electricidade, linhas telefónicas, água e
mesmo a
Internet palestiniana é, em última instância, controlada
pelo governo israelense.
Está Oslo morto?
Um comentário comum que se ouve nos principais média assim como
em meios da AP e do governo israelense é que a actual Intifada representa
o fim do processo de Oslo. Alguns comentadores palestinianos acusam Israel de
quererem destruir a AP e voltar à chamada Administração
Civil israelense que governou a C/FG até 1993.
O problema com estas afirmações é que, numa análise
mais fina, elas têm pouca semelhança com o que está
realmente a acontecer no terreno. É importante aqui distinguir entre o
que Oslo pretendeu representar e o que foi planeado para atingir.
Se o processo de Oslo é compreendido como uma estratégia para a
criação de um estado cantão — pouco importando os apertos
de mão nos relvados da Casa Branca —, então é claro
que Oslo está longe de estar morto. Durante o último mês, o
governo israelense tem levado a cabo um plano com o propósito de
expropriar terras na Cijordânia forçando os palestinianos a
moverem-se para esses cantões. Este plano assemelha-se às
reservas edificadas pelo governo sul-africano para a população
negra durante os tempos do apartheid. Um muro de nove metros de altura
estendendo-se por centenas de quilómetros está sendo acabado em
torno das cidades do nordeste da Cijordânia de Nablus, Jenin, Qalqilya e
Tulkarem. Um muro similar está a ser construído à volta de
Jerusalém. Em conjugação com isto, um novo sistema de
passagem está a ser implementado, requerendo que cada palestiniano que
deseje ir de uma cidade palestiniana a outra deva obter uma
autorização semanal especial fornecida pelo comandante militar
israelense na Cijordânia. Todas as mercadorias para as áreas
palestinianas têm que passar por um dos três pontos de
trânsito sob controlo militar israelense. No essencial, a Cijordânia
foi dividida em três cantões norte, centro e sul da
Cijordânia com todos os movimentos de mercadorias ou pessoas entre
essas áreas sob controlo dos militares israelenses.
Esses três cantões na Cijordânia estão separados por
grandes blocos de colonatos e grandes auto-estradas indisponível aos
palestinianos. Placas especiais distinguem condutores israelenses e
palestinianos, constituindo outro pilar do sistema de apartheid emergente na
Cijordânia.
A população palestiniana na Faixa de Gaza foi efectivamente
separada de qualquer conexão com a Cijordânia durante mais de uma
década, constituindo de facto o quarto cantão nos planos
israelenses. A Faixa de Gaza está vedada por uma barreira desde há
muitos anos e é agora uma das zonas do planeta mais densamente povoadas
com um milhão de pessoas literalmente fechadas em alguns
quilómetros quadrados. São mesmo requeridas
autorizações dos militares israelenses para os pescadores
palestinianos que vão ao mar para o ganha-pão.
Para além deste processo estão as alterações
económicas acima delineadas: uma tentativa do capitalismo israelense de
impor uma solução política para o conflito que
ajudasse a integração de Israel no mercado global; permitisse
a liberalização da economia israelense, a redução
das despesas militares e a abertura dos mercados de trabalho e de consumidores
do Médio Oriente à economia israelense.
O maior impedimento a este processo é constituído pelas massas
palestinianas,
não a AP. O objectivo da actual estratégia israelense não
é a destruição da AP mas exactamente o oposto,
fortalecendo-a a fim de melhor reprimir a população. Alguns
membros da AP irão neste processo, mas não são os
indivíduos que são importantes, antes a estrutura como um todo e
o seu papel.
É difícil hoje falar de uma Intifada no sentido de um
movimento popular e de massas. Pelas razões acima mencionadas, há
pouca participação das massas no actual levantamento. Há
no entanto um forte espírito de resistência reunida na
expressão árabe samideen ou inabalável.
É por isso que a forma de repressão adoptada pelo governo
israelense é caracterizada por punições colectivas da
população tácticas destinadas a desmoralizar e
amatar
à fome a população até levá-la à
submissão.
_____________
[*]
Investigador e trabalhador em organizações dos direitos humanos
em Ramallah, Palestina
O original deste artigo encontra-se em
http://www.monthlyreview.org/1002hanieh.htm
. Foram omitidas as notas de rodapé. Tradução de Paulo
Maurício.
Este artigo encontra-se em
http://resistir.info
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