Palestina
Classes, economia e a segunda Intifada

por Adam Hanieh [*]

A actual Intifada palestiniana e a brutal resposta de Israel tem sido objecto de inúmeros artigos de opinião durante os últimos dois anos. No âmbito das análises da esquerda há um vácuo decepcionante, com muito dos escritos tentando explicar o carácter da política israelense através das visões direitistas de Ariel Sharon. Dentro deste esquema, a estratégia de Israel é apresentada como uma extensão racista dos desígnios colonialistas nos Territórios Ocupados incluindo por vezes a expulsão de palestinianos da Cijordânia e Faixa de Gaza (daqui em frente referidas como C/FG).

O que está de modo impressionante ausente de, virtualmente, toda a análise de esquerda é qualquer discussão de classe e de economia política tanto em Israel como nos Territórios Ocupados. Embora possa parecer uma acusação estranha a fazer a textos compreendidos na área da esquerda, acredito que a ausência de uma análise de classe é em si mesmo uma indicação da confusão de muitas das análises de esquerda sobre o Estado de Israel. Para muita da esquerda, a política de Israel é simplesmente entendida como um binário de opostos entre a direita Likud e a inclinação mais pacífica do Partido Trabalhista. Pretendo mostrar mais à frente que esta visão resulta de uma errada aproximação ao entendimento da formação das classes em Israel e que se não se colocar as classes sociais no centro da nossa análise torna-se difícil desenvolver uma compreensão adequada do que está realmente a acontecer no terreno.

No fundamental, argumento que o capitalismo israelense foi trazido à existência pelo movimento trabalhista sionista (hoje representado pelo Partido Trabalhista) e que o processo de Oslo foi um passo chave na sua formação. A guerra de Israel contra o povo palestiniano é, hoje, a extensão lógica deste processo apontando para a criação de um Estado-cantão palestiniano. Devido ao papel central do movimento trabalhista sionista na construção do capitalismo israelense, os termos “esquerda” e “direita” são frequentemente confundidos no caso israelense.

Além do mais, durante os últimos dez anos, Israel tem-se progressivamente libertado da dependência da mão-de-obra barata palestiniana enquanto estreita a dependência dos Territórios Ocupados relativamente à economia israelense. O resultado é uma sociedade palestiniana com uma estrutura de classes fortemente distorcida – uma classe capitalista dependente de relações privilegiadas com o capital israelense e uma classe operária com pouco peso estratégico na luta de libertação.

Classes e Estado na sociedade de Israel

Muitos dos comentários, académicos ou populares sobre Israel, vêem no peso predominante do Estado nas primeiras quatro décadas desde o estabelecimento do país em 1948 uma evidência de Israel como tendo constituído uma economia socialista. Esta crença encontra suporte na determinação política colectiva – particularmente o movimento Kibbutz – e na força do movimento sindical, o Histadrut, o maior empregador singular durante a maior parte da história de Israel.

Desde os meados de 80, conhecendo uma aceleração durante os anos 90, a política económica de Israel sofreu uma dramática transformação. Durante os últimos cinquenta anos, a estrutura económica do país alterou-se significativamente e Israel abraçou a visão em expansão do capitalismo global. Largamente baseado nas receitas do FMI e do BM, o governo israelense privatizou empresas, distendeu o controlo governamental sobre o mercado de capitais e reduziu os salários reais.

As abordagens tradicionais relativamente à política económica de Israel tendem a explicar estas mudanças como resultado de uma alteração ideológica nas elites israelenses. De acordo com essas abordagens os líderes israelenses abraçaram as receitas do capitalismo neoliberal em meados da década de 80 tendo em conta os problemas económicos de Israel, depois de serem portadores de uma versão da ideologia socialista.

Em contraste, uma nova geração de pensadores israelenses escrevendo sobre as últimas décadas têm argumentado da necessidade de uma nova abordagem relativamente à compreensão das autoridades israelenses. Têm argumentado que o desenvolvimento do movimento sionista é melhor compreendido no contexto do movimento colonizador tentando ganhar controlo sobre a terra e o mercado de trabalho. A classe capitalista privada do movimento colonizador inicial era fraca e dividida, e a aproximação colectivista do movimento colonizador liderado pelo movimento trabalhista sionista constituiu a mais eficaz forma de colonização da terra e de expulsão da população árabe. A força do Histadrut e o papel central do movimento trabalhista sionista é melhor entendido através da fragilidade da classe capitalista judaica existente antes de 1948 e da necessidade de fornecer trabalho aos imigrantes judeus em simultâneo com a exclusão dos operários palestinianos do mercado de trabalho como antecâmara da expulsão.

Devido à natureza embrionária tanto da classe capitalista como da operária durante o período de colonização, o Estado de Israel desenvolvido após 1948 estava empenhado não apenas na colonização da terra mas na construção da própria estrutura de classes. Esta formação de classes passou por duas fases chaves entre o período de 1948 e 1985:

1. 1948-1973: Este período foi caracterizado por elevados níveis de crescimento financiados por transferências unilaterais de capital provindos das reparações alemãs e de judeus no exterior. Foi um período inicial de formação do Estado e das classes. Deste modo o Estado direccionou virtualmente todas as transferências de capitais para os grupos económicos considerados aliados no “projecto nacional”. Grupos esses que evoluíram para conglomerados chave dominando a economia israelense nos anos seguintes. A classe operária israelense foi formada através de elevados níveis de imigração de judeus árabes, africanos e asiáticos – que etnicamente se definiram como os “Mizrahim.”

Seguindo a ocupação israelense da C/FG em 1967, a economia israelense experimentou o chamado boom palestiniano. A ocupação incrementou de modo significativo o mercado doméstico de Israel e forneceu outra fonte de barata força de trabalho. Esta força de trabalho era barata e altamente explorada e, por meados da década de 80, os palestinianos da C/FG constituíam cerca de 7% da força de trabalho israelense. Cerca de um terço da força de trabalho da C/FG trabalhava em Israel em 1985, com 47% deste número a trabalhar na indústria de construção. Esta força de trabalho barata proporcionou um grande impulso à economia israelense preenchendo os mais baixos níveis do mercado de trabalho e cobrindo alguma carência motivada pelo prolongado serviço militar israelense. Permitiu também a alguns trabalhadores Mizrahim subirem a posições de controlo e de supervisão, reduzindo assim alguma tensão étnica surgida durante a década de 70 entre os Mizrahim e os judeus europeus.

2. 1974-1985: Nos fins da década de 60, o largo núcleo de conglomerados fundiram-se em cinco grupos – Koor, Hapoalim, Leumi, Clal e IDB. Os primeiros quatro grupos eram controlados pelo Estado, Histadrut e o movimento trabalhista sionista, enquanto o IDB era privado. Começando com a ocupação israelense da C/FG em 1967 e acelerada com a guerra de 1973, a produção militar passou a ocupar o centro da política económica de Israel. Estes gastos militares eram contratados pelo Estado a grupos económicos e levaram a taxas massivas de acumulação para o núcleo central dos grupos económicos enquanto a economia como um todo sofria de estagflação.
Nos meados da década de 80, este sistema começou a abalar por um número variado de factores. Ao nível global, a recessão e a queda de encomendas militares no mercado internacional começaram a limitar os lucros dos grupos. Ao nível local, os primeiros sintomas de hiperinflação começou a estrangular a economia como um todo e tornou o planeamento financeiro difícil.

Em resposta a estas alterações, o Estado – sob a tutela da ala trabalhista do movimento sionista – empreendeu uma significativa mudança de direcção que começou com o Plano de Estabilização Económica de 1985 (PEE). Esta mudança consistiu em quatro processos interrelacionados:

1. Uma alteração da relação entre o Estado e os grupos económicos chave. O PEE inaugurou uma nova fase na relação do Estado com a classe capitalista. Os grupos económicos fundamentais foram separados do aparelho de Estado passando para as mãos da nova classe capitalista. O Estado não mais protegeria estes grupos, sendo que eles tornaram-se locais fundamentais de acumulação de capital para uma verdadeira classe capitalista. Isto foi conseguido através da fractura do império Histadrut, passando as suas componentes para o sector privado, e da privatização de sectores governamentais.

2. A coalescência de uma nova classe capitalista. Esta classe capitalista veio de uma fusão de três diferentes fontes: do capital global – frequentemente com ligações ao movimento sionista – como o capitalista americano Ted Arison e o bilionário canadiano Charles Bronfman; capital privado local anteriormente suportado pelo Estado, como as famílias Recanati e Ofer; e em terceiro lugar elementos da burocracia estatal que chefiaram a ESP e o processo de privatização.

3. A inserção de Israel na economia global. Começando em meados da década de 80, a economia israelense foi sendo integrada na economia mundial através da redução das taxas aduaneiras e das normas de investimento. A classe capitalista, mencionada no ponto anterior não era homogénea. O terceiro sector da classe capitalista atrás mencionada, anteriormente da burocracia estatal, tendeu a constituir-se em gestores de novas companhias privadas. Seguindo o início das negociações com os palestinianos nos princípios de 1990, um vasto sector de capitalistas oriundos de Israel foram integrados no novo mundo globalizado através de significativos investimentos e ligações financeiras com o capital estrangeiro, em particular nos Estados Unidos e Ásia. Em terceiro lugar, o capital internacional – particularmente o americano – começou a investir de modo muito significativo em Israel, à medida que o país se integrava na ordem mundial capitalista.

4. Reestruturação da relação entre classes. A quebra dos conglomerados e do império Histadrut teve um significativo impacto nas relações entre a classe operária e a classe capitalista. O antigo sistema, onde coexistiu uma camada privilegiada de trabalhadores com um sector altamente explorado foi abaixo através da ruptura da ligação entre o Histadrut e a economia. Houve um largo aumento da taxa de exploração da classe operária reflectida em altas taxas de produtividade excedendo o aumento real de salários. Várias políticas estatais contribuíram para isto, em particular a desvalorização da moeda e o enfraquecimento da ajuda sobre o custo de vida que estava a ser pago para compensar a inflação. Alem do mais, políticas fiscais governamentais tais como o fim ou diminuição dos subsídios a certos bens contribuíram para uma transferência de riqueza dos mais pobres para a nova classe capitalista.

Estas medidas, caracterizadoras da “nova” política económica de Israel, tiveram reflexos a nível político e cultural. Algumas indicações destas mudanças incluem: (1) o aumento de organizações cívicas e movimentos extra-parlamentares à medida que o governo se retirava da esfera pública, (2) um aumento da “MacDonaldização” da cultura israelense à medida que o capital norte-americano penetrava na economia e, (3) desenvolvimentos políticos como o processo de Oslo que constituiu um passo fundamental no movimento do capital israelense para um patamar global e regional.

Deve ser salientado que a força motriz deste processo foi o Partido Trabalhista. A sua base social de apoio foi tradicionalmente constituída pelos judeus mais abastados da Europa e América, enquanto o rival Likud começou a ganhar apoios entre as camadas mais pobres de judeus vindos de Africa e do Médio Oriente (Mizrahim) nos anos setenta. O partido Likud ganhou as suas primeiras eleições em 1977, em larga medida devido ao suporte dos mais pobres e da posição de inferioridade dos Mizrahim em simultâneo com a visão de que o partido Trabalhista representava a elite de judeus europeus. Hoje em dia é mínima a diferença entre as politicas económicas dos Trabalhistas e do Likud – ambos abraçaram sinceramente como sua a política neoliberal dominante. A nível político existe, de igual modo, uma coincidência entre as correntes fundamentais dos Trabalhistas e do Likud relativamente ao conflito palestiniano. É esta convergência entre os trabalhistas e o Likud que explica o colapso do partido Trabalhista como força política em Israel (6).

Oslo e o capitalismo israelense

No início do processo de Oslo, a classe capitalista emergente encorajava as negociações. Um exemplo típico foi Benny Gaon. Gaon tornou-se presidente da companhia de bandeira da Histadrut, a Koor em 1987, e dirigiu a privatização da companhia. Para Gaon e a nova classe capitalista israelense, Oslo era um passo essencial na abertura de Israel ao mercado global. De acordo com este ponto de vista, seria impossível atrair um significativo investimento estrangeiro enquanto o conflito persistisse. Seria igualmente difícil para as companhias de Israel investir nos EUA, Europa, ou nos chamados mercados emergentes sem uma resolução política do conflito Israel palestiniano. Koor lançou o seu Projecto de Paz pouco após a assinatura da Declaração de Princípios em 1993, e que uniu homens de negócios israelenses, palestinianos, árabes e europeus em projectos de investimentos conjuntos na região. Foi também um parceiro importante da Autoridade Palestiniana em projectos de infra-estrutura e de exportação para a C/FG.

A razão deste apoio foi largamente sustentada na necessidade de acabar o boicote árabe à economia israelense e no assegurar da estabilidade do ambiente económico em Israel. Israel apontou como objectivo subcontratar industrias de baixa tecnologia, como as têxteis, no Egipto e Jordânia, com uma mão-de-obra muito mais barata do que em Israel. Em larga medida, este foi um objectivo conseguido, com companhias israelenses agora a produzirem em zonas industriais da Jordânia, Egipto e nos Territórios Ocupados.

Com início em 1993, Israel começou, planeadamente, a substituir os trabalhadores palestinianos que ali trabalhavam desde 1967, por mão-de-obra importada da Ásia e da Europa de Leste. Ainda que esta mão-de-obra fosse ligeiramente mais cara e tivessem que ser alojados e trazidos para o país eram altamente explorados e, frequentemente, “ilegais” (ainda que com o conhecimento completo das autoridades israelenses). Eles formaram um exército de reserva de força de trabalho ideal pois facilmente podiam ser deportados para o país de origem com base na acusação de permanecerem no país ilegalmente.

Mais importante, os trabalhadores estrangeiros que chegavam em centenas de milhares após os acordos de Oslo significava que a economia israelense não estava mais dependente de trabalhadores palestinianos. Em vez disso, o trabalho palestiniano tornou-se uma “torneira” que podia ser aberta ou fechada dependendo da situação política e económica. Entre 1992 e 1996, o emprego palestiniano em Israel desceu de 116.000 trabalhadores (33% da força de trabalho palestiniana) para 28.100 (6% da força de trabalho palestiniana). Os dividendos provenientes do trabalho em Israel desceram de 25% do PIB palestiniano em 1992 para 6% em 1996 (7). Entre 1997 e 1999, com uma melhoria na economia israelense houve um aumento de trabalhadores israelenses para níveis anteriores a 1993. No entanto, no seguimento da corrente Intifada, o número de trabalhadores desceu drasticamente devido ao fecho de fronteiras e recusa de autorização de entrada. Desde Setembro de 2000 cerca de 75 a 80.000 palestinianos perderam o seu trabalho dentro de Israel ou nos colonatos. Este quadro indicia que a força de trabalho palestiniana em Israel tornou-se uma segunda reserva de força de trabalho, a par com os trabalhadores estrangeiros.

Relação entre a Autoridade Palestiniana e Israel

O ponto capital da estratégia israelense para com a C/FG é o controle sobre a população palestiniana sem uma administração militar directa sobre cidades e vilas. Oslo tentou manter o movimento palestiniano, economia e fronteiras sob controlo israelense ao mesmo tempo que a Autoridade Palestiniana (AP) governava os territórios com um poder assentado no acordo dos governos de Israel e dos EUA. A primeira responsabilidade da Autoridade Palestiniana era assegurar a “segurança” de Israel – i.e., agir como uma força policial da autoridade ocupante. No sentido colonialista clássico, os palestinianos deveriam poder ser governados por eles próprios, mas cuidadosamente circunscritos ao contexto de uma dominação e controle israelense.

A economia Palestiniana é completamente integrada e dependente da economia israelense. Aproximadamente 75% de todas as importações para a C/FG vêm de Israel com 95% das exportações destes territórios a terem como destino Israel. O completo controlo das fronteiras por Israel significa a impossibilidade para a economia Palestiniana de desenvolver relações comerciais significativas com um terceiro país. A C/FG é altamente dependente de bens importados, chegando estes a aproximadamente 80% do PIB. Nesta situação de uma produção local muito fraca e de grande dependência de importações, o poder económico da classe capitalista palestiniana não surge da produção industrial local sendo antes de natureza mercantil. Os seus lucros surgem dos direitos exclusivos de importação de bens israelenses e do controlo de grandes monopólios concessionados aos leais a Arafat. A relação privilegiada com o capital israelense é a característica definidora da burguesia palestiniana. Desde 1993 a burguesia fundiu-se com secções da burocracia da Autoridade Palestiniana, formando um pilar importante da governação palestiniana.

Desde o início do processo de Oslo, a Autoridade Palestiniana tem estado completamente dependente de Israel, dos EUA e da Europa na garantia da sua própria existência. Entre 1995 e 2000, 60% da receita total da Autoridade Palestiniana advém de taxas indirectas colectadas pelo governo de Israel de bens importados do estrangeiro e destinados aos Territórios Ocupados. Estes dinheiros são recebidos pelo governo israelense e depois transferido todos os meses para a Autoridade Palestiniana de acordo com um processo definido no acordo económico do Protocolo de Paris em 1995 (8). Significa isto que se o governo israelense decidisse reter esse dinheiro – como acontece desde Dezembro de 2000 – a Autoridade Palestiniana encontrar-se-ia numa grave crise fiscal.

As outras fontes maiores de rendimento da AP são donativos vindos dos EUA, Europa e governos árabes. Em 2001, estes fundos cobriram cerca de 75% do orçamento para salários da AP. Sem ele, 122.000 empregados da AP não teriam sido pagos. Além disto, doadores estrangeiros suportam programas de emergência como o auxílio alimentar, esquemas de criação de emprego e reconstrução de infra-estruturas destruídas. O défice comercial total da C/FG representa 45 a 50% do PIB, sendo principalmente financiado por ajuda internacional.

Esta relação entre as áreas palestinianas e a economia de Israel assim como a natureza mercantil da classe capitalista palestiniana deu um carácter distintivo à classe operária palestiniana. A força de trabalho está dividida em três grandes áreas de emprego – trabalhadores em Israel e nos colonatos que são gravemente afectados pela situação vivida, um largo número de empregados no sector público da AP, e um sector privado dominado pelo pequeno comércio. Não existe, virtualmente, nenhuma classe operária industrial a mencionar na C/FG.

Enquanto a força de trabalho palestiniana em Israel tem diminuído de importância para a economia israelense, ela ainda constitui uma proporção significativa da força de trabalho total. Nos meses que antecederam a Intifada em 2000, mais de 20% da força de trabalho palestiniana da C/FG (excluindo Jerusalém) trabalhava em Israel ou nos colonatos.

Em 1998, durante a primeira insurreição nos Territórios Ocupados, a proporção da força de trabalho palestiniana dentro de Israel ascendia a 50%. Portanto, durante doze anos houve uma quebra de 60% na proporção de trabalhadores palestinianos a trabalhar para empregadores israelenses. Para onde foram estes trabalhadores?

O maior sector de emprego desde o processo de Oslo tem sido o sector público da AP, que dá conta de cerca de 25% do emprego na economia local. A proporção da força de trabalho empregada no sector público quase que duplicou desde meados de 1996. Mais de metade dos gastos da AP é em salários para o sector público.

O terceiro maior sector de emprego é o sector privado, particularmente na área dos serviços. O que distingue este sector é que é esmagadoramente dominado por pequenos negócios familiares. Do território palestiniano está ausente qualquer grande indústria significativa devido a 30 anos de políticas anti-desenvolvimentistas de Israel. Para cima de 90% do sector privado palestiniano emprega menos de dez pessoas.

Implicações políticas

A nível económico, Oslo sustentou o desenvolvimento de uma classe capitalista parasitária que se baseava na confiança com o capital israelense para obter os seus ganhos. Entretanto Israel acabou com a sua dependência da força de trabalho barata palestiniana através de um fluxo maciço de altamente explorados trabalhadores estrangeiros. Como alternativa, os trabalhadores palestinianos tornaram-se num exército de reserva usados ou deitados fora arbitrariamente.

Décadas de políticas anti-desenvolvimentistas e o completo controlo sobre o território significa para os trabalhadores palestinianos ou a dependência de um sector público pago pela ajuda internacional, ou a concentração em empresas pequenas e familiares.

Esta estrutura da classe operária palestiniana é altamente significativa em termos de estratégia política. Ainda que a classe operária palestiniana seja numerosa, não há nenhum sector com peso económico no sentido de organizar uma estratégia de classe no centro do movimento nacional de libertação palestiniana. Situação que difere, talvez, do exemplo do movimento anti-apartheid na África do Sul, na qual a classe operária organizada – e particularmente os mineiros – foram capazes de desempenhar um papel central no movimento.

A realidade desta estrutura de classes tem uma clara expressão no terreno. Desde Abril deste ano, cerca de 700.000 pessoas na Cijordânia têm vivido sob recolher obrigatório na maior parte do tempo. Recolher obrigatório – de facto, prisão domiciliária –, significa que ninguém que viva numa cidade palestiniana importante possa deixar a sua casa sem a ameaça de ser morto pelo exército israelense. Os dias em que o recolher obrigatório é levantado por algumas horas dão aos residentes tempo suficiente para comprar comida e ver amigos, mas não para manter qualquer actividade produtiva. Num tal contexto o planeamento básico da vida torna-se uma impossibilidade. É impossível saber, de um dia para o outro, se se está em condições de ir trabalhar, de ir à escola ou universidade. O resultado é uma população cuja vida foi colocada em pausa.

A realidade do recolher obrigatório ilustra perfeitamente as mudanças na estrutura de classes tanto israelenses como palestinianas, desde Oslo. Numa sociedade capitalista funcionando normalmente, este tipo de situação seria impossível pois levaria à paralisação de todo o sector produtivo em alguns meses. Durante a primeira Intifada, começada em 1988, Israel impôs também recolheres obrigatórios regulares em algumas cidades e vilas, mas nunca por um período e à escala actual. Estas medidas, assim como a não ida ao trabalho durante a primeira Intifada causada por greves gerais, levou o chefe do Serviço de Emprego de Israel a apelidar a situação de “traumática” para a economia israelense. Hoje, todos os líderes políticos israelenses apoiam a permanência do recolher obrigatório e defendem a separação económica.

A estrutura da classe operária palestiniana afecta profundamente a estratégia política da Intifada. Os conceitos de greves ou outras acções laborais não existem, pois não têm qualquer efeito sobre a economia de Israel e só afectaria os trabalhadores palestinianos e suas famílias. Outra sugestão de acção política regularmente levantada durante a Intifada é o boicote aos produtos israelenses. Apesar de algumas tentativas simbólicas, a relação económica entre as economias israelenses e palestinianas torna estas acções virtualmente impossíveis pois a maioria dos produtos são importados de Israel. Não há nenhuma fonte local de produtos diariamente necessários, como carne, cimento, muitos frutos e vegetais ou produtos eléctricos. Electricidade, linhas telefónicas, água e mesmo a Internet palestiniana é, em última instância, controlada pelo governo israelense.

Está Oslo morto?

Um comentário comum que se ouve nos principais média assim como em meios da AP e do governo israelense é que a actual Intifada representa o fim do processo de Oslo. Alguns comentadores palestinianos acusam Israel de quererem destruir a AP e voltar à chamada Administração Civil israelense que governou a C/FG até 1993.

O problema com estas afirmações é que, numa análise mais fina, elas têm pouca semelhança com o que está realmente a acontecer no terreno. É importante aqui distinguir entre o que Oslo pretendeu representar e o que foi planeado para atingir.

Se o processo de Oslo é compreendido como uma estratégia para a criação de um estado cantão — pouco importando os apertos de mão nos relvados da Casa Branca —, então é claro que Oslo está longe de estar morto. Durante o último mês, o governo israelense tem levado a cabo um plano com o propósito de expropriar terras na Cijordânia forçando os palestinianos a moverem-se para esses cantões. Este plano assemelha-se às reservas edificadas pelo governo sul-africano para a população negra durante os tempos do apartheid. Um muro de nove metros de altura estendendo-se por centenas de quilómetros está sendo acabado em torno das cidades do nordeste da Cijordânia de Nablus, Jenin, Qalqilya e Tulkarem. Um muro similar está a ser construído à volta de Jerusalém. Em conjugação com isto, um novo sistema de passagem está a ser implementado, requerendo que cada palestiniano que deseje ir de uma cidade palestiniana a outra deva obter uma autorização semanal especial fornecida pelo comandante militar israelense na Cijordânia. Todas as mercadorias para as áreas palestinianas têm que passar por um dos três pontos de trânsito sob controlo militar israelense. No essencial, a Cijordânia foi dividida em três cantões – norte, centro e sul da Cijordânia – com todos os movimentos de mercadorias ou pessoas entre essas áreas sob controlo dos militares israelenses.

Esses três cantões na Cijordânia estão separados por grandes blocos de colonatos e grandes auto-estradas indisponível aos palestinianos. Placas especiais distinguem condutores israelenses e palestinianos, constituindo outro pilar do sistema de apartheid emergente na Cijordânia.

A população palestiniana na Faixa de Gaza foi efectivamente separada de qualquer conexão com a Cijordânia durante mais de uma década, constituindo de facto o quarto cantão nos planos israelenses. A Faixa de Gaza está vedada por uma barreira desde há muitos anos e é agora uma das zonas do planeta mais densamente povoadas – com um milhão de pessoas literalmente fechadas em alguns quilómetros quadrados. São mesmo requeridas autorizações dos militares israelenses para os pescadores palestinianos que vão ao mar para o ganha-pão.

Para além deste processo estão as alterações económicas acima delineadas: uma tentativa do capitalismo israelense de impor uma solução política para o conflito que ajudasse a integração de Israel no mercado global; permitisse a liberalização da economia israelense, a redução das despesas militares e a abertura dos mercados de trabalho e de consumidores do Médio Oriente à economia israelense.

O maior impedimento a este processo é constituído pelas massas palestinianas, não a AP. O objectivo da actual estratégia israelense não é a destruição da AP mas exactamente o oposto, fortalecendo-a a fim de melhor reprimir a população. Alguns membros da AP irão neste processo, mas não são os indivíduos que são importantes, antes a estrutura como um todo e o seu papel.

É difícil hoje falar de uma “Intifada” no sentido de um movimento popular e de massas. Pelas razões acima mencionadas, há pouca participação das massas no actual levantamento. Há no entanto um forte espírito de resistência reunida na expressão árabe “samideen” – ou inabalável. É por isso que a forma de repressão adoptada pelo governo israelense é caracterizada por punições colectivas da população – tácticas destinadas a desmoralizar e amatar à fome a população até levá-la à submissão.
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[*] Investigador e trabalhador em organizações dos direitos humanos em Ramallah, Palestina

O original deste artigo encontra-se em http://www.monthlyreview.org/1002hanieh.htm . Foram omitidas as notas de rodapé. Tradução de Paulo Maurício.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info

01/Nov/02